Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3291/23.5T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
PRAZO PERENTÓRIO E IMPRORROGÁVEL
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 384.º DO CÓDIGO DO TRABALHO, 98.º-I, N.º 4, AL.ª A), 98.º-J, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO, 2.º, 18.º, N.º 2, E 20.º DA CONSTITUIÇÃO
Sumário: I – É perentório e insuscetível de prorrogação o prazo de quinze dias fixado no artigo 98º-I/4/a do CPT para apresentação dos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, no caso de despedimento por extinção do posto de trabalho.
II – A cominação estabelecida no 3 do art.º 98º-J do CPT não ofende o princípio da proporcionalidade, nem tal normativo enferma de inconstitucionalidade com esse fundamento por desconformidade com o direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art.º 20º da CRP.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:                                                                            *

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

AA veio, mediante a apresentação do formulário a que se referem os artigos 98.º-C e 98.º-D do CPT, intentar a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, opondo-se ao despedimento, por extinção do posto de trabalho, que lhe foi promovido por A....

No dia 30-08-2023 realizou-se a audiência de partes, com a presença dos ilustres mandatários das partes, tendo sido proferido o seguinte despacho:

“Frustrada a conciliação, notifique a empregadora para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o processo disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas - art.º 98.º I, n.º 4, alínea a) do CPT-, com a advertência contida no art.º 3.º, alíneas a) e b) do artigo 98.º J do mesmo diploma legal.”

Em 12-09-2023 o réu apresentou articulado motivador do despedimento, que apelida de “contestação”. Neste articulado não faz qualquer referência ao cumprimento das comunicações previstas nos art.ºs 369.º, n.º 1 e 371.º, n.º 3 do CT, terminando a requerer que se admita a junção, via CTT, da documentação atinente ao processo de extinção do posto de trabalho por motivos estruturais (10 documentos).

Por requerimento de 14-09-2023 o empregador juntou o original do processo de extinção do posto de trabalho que foi autuado por apenso e do qual consta:

1. A deliberação do conselho de administração do empregador de 4 de janeiro de 2023;

2. A informação datada de 6 de fevereiro de 2023 da direção do Serviço de Gestão e Tratamento de Resíduos Hospitalares;

3. A comunicação ao trabalhador da intenção de despedimento por extinção do posto de trabalho através de notificação efetuada em 28 de fevereiro de 2023;

4. A comunicação do trabalhador ao empregador relativa à discordância e não aceitação do despedimento datada de 13 de março de 2023;

5. A comunicação ao trabalhador da decisão de extinção do posto de trabalho e comprovativo da sua receção em 27 de março de 2023;

6. A comunicação à ACT da decisão de extinção do posto de trabalho datada de 23 março de 2023;

7. O comprovativo do pagamento ao trabalhador de créditos laborais e da compensação;

8. O comprovativo de remessa ao trabalhador do modelo 5044 e do certificado de trabalho.

Em 13-10-2023, o autor contestou o articulado motivador, invocando, além do mais, a ilicitude do despedimento com fundamento no disposto nos art.ºs 369.º, n.º 1, 371.º, n.º 3, 381.º, al. c) e 384.º, al. c) do CT, alegando, no essencial, que é representante sindical do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários Urbanos de Portugal e que o empregador não efetuou as comunicações previstas nos art.ºs 369.º, n.º 1 e 371.º, n.º 3 do CT.

Em 3-11-2023 o réu respondeu a este articulado, informando que as referidas comunicações foram efetuadas e que por lapso administrativo os comprovativos do seu envio não se encontram juntos ao processo físico de extinção do posto de trabalho e procedeu à junção de duas comunicações aos autos (fls. 83 verso a 88).

Respondeu o trabalhador alegando que o prazo para junção de tais documentos é perentório e que decorrido este prazo ficou precludida a possibilidade da sua junção, pelo que deverá ser declarada a ilicitude do despedimento por aplicação do disposto no art.º 98.º-J, n.º 3 do CPT.

Em 24-11-2023 foi proferida a seguinte decisão:

“Nestes termos e ao abrigo do preceituado no artigo 98.º-J, n.º 3 do CPT:

1.º declaro ilícito o despedimento de AA promovido pelo A...;

2.º condeno A... a reintegrar AA no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

3.º condeno A... a pagar a AA as retribuições, férias, subsídio de férias e de Natal, vencidos desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença;

Custas pelo empregador (art.º 527.º do NCPC).

Valor da causa: o previsto no nº 1 da tabela I-B anexa ao RCP, atento o disposto nos art.ºs 98.º-P, n.º 2 do CPT e 12.º, n.º 1, al. e) do RCP.

Registe e notifique.”

Inconformada, a ré A....  interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…).

O autor AA contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

(…).

O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer fundamentado no sentido da improcedência do recurso.

Não houve resposta a este parecer.

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

                                                                           *

OBJETO DO RECURSO

Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas, temos, como questões a apreciar:
1. Saber se a recorrente deixou extinguir perentoriamente a faculdade legal que lhe assistiu para juntar aos autos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, por isso, deve sujeitar-se às consequências cominatórias estatuídas no art.º 98º-J/3 do Código de Processo de Trabalho.
2. Violação da garantia constitucional do direito à tutela jurisdicional efetiva do direito a um processo justo e equitativo.
3. Violação do principio da proporcionalidade.

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FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos provados e com relevo para esta decisão são os que resultam do relatório que antecede.

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FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Saber se a recorrente deixou extinguir perentoriamente a faculdade legal que lhe assistiu para juntar aos autos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, por isso, deve sujeitar-se às consequências cominatórias estatuídas no art.º 98º-J/3 do Código de Processo de Trabalho.

A sentença recorrida considerou como ilícito o despedimento por extinção do posto de trabalho, com base na seguinte argumentação que se reproduz parcialmente: “No caso vertente, analisado o documento autuado por apenso e que o empregador identificou como sendo o original do processo de extinção do posto de trabalho verifica-se que, sendo o trabalhador representante sindical (facto aceite por ambas as partes), não constam desse processo as comunicações previstas nos art.ºs 369.º, n.º 1 e 371.º, n.º 3 do CT.

Estão em causa as comunicações à associação sindical do trabalhador - Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários Urbanos de Portugal - da intenção e da decisão do seu despedimento por extinção do posto de trabalho.

Além de não constarem do processo físico apensado aos autos, o cumprimento destas comunicações não foi sequer referido pelo empregador no articulado motivador e a sua junção apenas ocorreu com a resposta à contestação do trabalhador, sem a invocação de qualquer justo impedimento para a junção apenas nesse momento processual e com a mera alegação de que foi um lapso administrativo que determinou a omissão da sua junção ao processo físico.

Donde se conclui pela extemporaneidade da junção das duas comunicações em apreço, por já ter terminado o prazo perentório de 15 dias de que o empregador dispunha para o efeito, prazo este insuscetível de prorrogação.

No mais, regista-se que na tramitação do processo de despedimento por extinção do posto de trabalho, a comunicação da intenção de despedimento à associação sindical do trabalhador prevista no art.º 369.º, n.º 1 do CT é um ato essencial do qual depende o eventual cumprimento dos atos subsequentes previstos no art.º 370.º do CT, nos prazos aí especificamente determinados, designadamente:

» a emissão pela associação sindical, no prazo de quinze dias posteriores, de parecer fundamentado sobre os motivos invocados, os requisitos e os critérios previstos no art.º 368.º, n.ºs 1 e 2 e as alternativas que permitam atenuar os efeitos do despedimento;

» o requerimento dirigido pela associação sindical ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, nos cinco dias úteis seguintes à comunicação, para verificação dos requisitos previstos no art.º 368.º, n.º 1, als. c) e d) e 2 do CT;

» a elaboração e envio, pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, de relatório sobre a matéria sujeita a verificação, no prazo de sete dias após a receção do requerimento;

E esta essencialidade é claramente assumida pelo legislador ao cominar expressamente com a ilicitude, no art.º 384.º, al. c) do CT, a omissão da comunicação da intenção de despedimento por extinção do posto de trabalho do trabalhador representante sindical à respetiva associação sindical.

Ou seja, considera-se que pelo menos esta comunicação, é uma peça essencial que compõe o processo de despedimento por extinção do posto de trabalho e que, como tal, deveria integrar a junção do mesmo determinada pelos citados art.ºs 98.º-I, n.º 4 e 98.º-J, n.º 3 do CPT.

Em suma, a junção pelo empregador, na resposta à contestação, das comunicações da intenção e da decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho foi extemporânea e a primeira dessas comunicações consubstancia assumidamente um ato essencial no processo de despedimento por extinção do posto de trabalho.

E, assim sendo, se o empregador não juntou estas peças, por opção ou descuido, existindo as mesmas como partes do procedimento que organizou contra o trabalhador, só pode queixar-se de si próprio, porquanto deveria tê-las junto aos autos no momento próprio.

É que como referido por Ramalho Pinto no citado acórdão da Relação de Coimbra de 19 de novembro de 2015, a junção do integral procedimento disciplinar numa ação em que se impugna a regularidade e licitude do despedimento disciplinar é essencial para a apreciação do mérito da causa.

Por conseguinte, não tendo o empregador apresentado, com o articulado motivador do despedimento, o procedimento disciplinar completo e em tempo, há que extrair a consequência prevista art.º 98.º-J, n.º 3 do CPT, declarando ilícito o despedimento.”

A recorrente sustenta que “Tendo a demonstração do cumprimento das formalidades determinadas pelo disposto nos artigos 369.º, número 1., e 371.º, número 3., do Código do Trabalho sido carreada para os autos ainda na fase dos articulados e tendo sido objeto de exercício do direito ao contraditório pelo RECORRIDO, pelo que, no momento em que o processo foi concluso à M. Juíza de Direito, para os fins previstos no artigo 61.º, do CPT, o RECORRENTE havia demonstrado nos autos o cumprimento das formalidades atinentes às comunicações à associação sindical da qual o RECORRIDO é representante”.

Vejamos.

De acordo com o art.º 384º do Código do Trabalho, o despedimento por extinção do posto de trabalho é ilícito, além dos fundamentos previstos no art.º 381º, sempre que o empregador:

“a) Não cumprir os requisitos do n.º 1 do artigo 368.º;

b) Não observar o disposto no n.º 2 do artigo 368.º;

c) Não tiver feito as comunicações previstas no artigo 369.º;

d) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366.º, por remissão do artigo 372.º, e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho”.

Artigo 98º-I, do CT com a epígrafe “Audiência de partes”

(…)

“4- Frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes o juiz:
a) Procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.”

(…).

Artigo 98º-J, do CT com a epígrafe “Articulado de motivação do despedimento”

(…)

“3 - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:

a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, caso o trabalhador tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar-lhe, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;

b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;

c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.”

O empregador, a coberto do regime do justo impedimento, tem a faculdade de apresentar o articulado fora de prazo, se alegar e provar que não pôde praticar atempadamente o ato devido a evento que não lhe é imputável nem aos seus representantes ou mandatários (arts. 139º, nº 4 e 140º nºs 1 e 2, do CPC). Fora deste regime, o ato é ainda praticável dentro dos 3 primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, nos termos do art.º 139º, nº 5, do CPC.

O prazo de 15 dias a que se reporta o art.º 98º-I, no 4, al. a), do CPT, é perentório e insuscetível de prorrogação[1], por essa razão, se o empregador apresentar o articulado de motivação do despedimento e/ou juntar o respetivo procedimento para além desse prazo, acrescido dos 3 dias úteis do art.º 139º, nº 5, do CPC, fica sujeito à cominação tipificada no art.º 98º-J, nº 3, do CPT.

Segundo o prisma do STJ, a “razão de ser desta solução reside no respeito pelas garantias de defesa do trabalhador e na intenção da lei de promover a celeridade do processo”[2].

Nestes autos, a audiência de partes realizou-se em 30-08-2023 e o prazo para o empregador juntar o articulado de motivação do despedimento terminou em 14-09-2023, e, com o acréscimo dos 3 dias úteis previsto no art.º 139º, nº 5, do CPC, terminava em 19-09-2023.

Tal articulado foi apresentado em 12-09-2023.

 Por requerimento de 14-09-2023, o réu veio juntar o original do processo de extinção do posto de trabalho do autor, o qual foi autuado por apenso e do qual consta:

1. A deliberação do conselho de administração do empregador de 4 de janeiro de 2023;

2. A informação datada de 6 de fevereiro de 2023 da direção do Serviço de Gestão e Tratamento de Resíduos Hospitalares;

3. A comunicação ao trabalhador da intenção de despedimento por extinção do posto de trabalho através de notificação efetuada em 28 de fevereiro de 2023;

4. A comunicação do trabalhador ao empregador relativa à discordância e não aceitação do despedimento datada de 13 de março de 2023;

5. A comunicação ao trabalhador da decisão de extinção do posto de trabalho e comprovativo da sua receção em 27 de março de 2023;

6. A comunicação à ACT da decisão de extinção do posto de trabalho datada de 23 março de 2023;

7. O comprovativo do pagamento ao trabalhador de créditos laborais e da compensação;

8. O comprovativo de remessa ao trabalhador do modelo 5044 e do certificado de trabalho.

Em 13-10-2023, o autor contestou o articulado motivador, invocando, além do mais, a ilicitude do despedimento com fundamento no disposto nos art.ºs 369.º, n.º 1, 371.º, n.º 3, 381.º, al. c) e 384.º, al. c) do CT, alegando, no essencial, que é representante sindical do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários Urbanos de Portugal e que o empregador não efetuou as comunicações previstas nos art.ºs 369.º, n.º 1 e 371.º, n.º 3 do CT.

Em 3-11-2023 o réu respondeu a este articulado, informando que as referidas comunicações foram efetuadas e que por lapso administrativo os comprovativos do seu envio não se encontram juntos ao processo físico de extinção do posto de trabalho e procedeu à junção de duas comunicações aos autos (fls. 83 verso a 88).

Importa sublinhar que o recorrente não invocou qualquer situação de justo impedimento como fundamento para a junção tardia dos documentos em falta apenas com a réplica.

Em face destes factos provados, não podemos deixar de concluir que o recorrente deixou ultrapassar, o prazo imperativo e perentório de que dispunha para juntar o processo de extinção do posto de trabalho do autor, sujeitando-se, por isso, às cominações decorrentes do art.º 98º-J/3 do CPT, tal como decidido pelo tribunal recorrido, sem razões para censura.

                                                                           *

2. Violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e do direito a um processo justo e equitativo.

Sustenta a recorrente que interpretação da norma contida no artigo 98.º-J, número 3., do CPT, no sentido de ser de cominar com a declaração da ilicitude do despedimento por extinção do posto de trabalho, a junção, no momento da apresentação da réplica, das comunicações previstas nos artigos 369.º, número 1., e 371.º, número 3., à associação sindical da qual o trabalhador é representante, dado que, por mero lapso, não se fez junção das mesmas aquando do envio dos demais documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, no prazo previsto no artigo 98.º-I, número 4., alínea a), do CPT, é manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e do direito a um processo justo e equitativo, consagrados no artigo 20.º, números 1., e 4., da Constituição.

O artigo 20.º da Constituição garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).

“O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (que encerra entre nós um conteúdo similar àquele que, noutros lugares, é conferido ao princípio do due process of law) inclui, entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com a observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras. Quer isto dizer, fundamentalmente, que no âmbito de protecção normativa do artigo 20.º da CRP se integrarão, além de um geral direito de acção, ainda o direito a prazos razoáveis de acção e de recurso e o direito a um processo justo, no qual se incluirá, naturalmente, o direito da cada um a não ser privado da possibilidade de defesa perante os órgãos judiciais na discussão de questões que lhe digam respeito.

Como já se viu, da estrutura complexa que detém o princípio do processo equitativo, consagrado no artigo 20.º da CRP, decorrem, para o legislador ordinário, várias obrigações, para além daquela que se cifra em não lesar o princípio da “proibição da indefesa”. A lei de processo, nos termos da Constituição, não está só obrigada a garantir “um correcto funcionamento das regras do contraditório”, de modo a que “cada uma das partes [possa] deduzir as suas razões (…), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras”. Para além disso, deve o legislador ordinário conformar o processo de modo tal que através dele se possa efectivamente exercer o direito a uma solução jurídica dos conflitos, obtida em tempo razoável e com as todas as garantias de imparcialidade e independência.”[3].

Sobre esta temática, importa citar o Ac. do TRC, de 7-07-2016[4]:

“Ora, no caso concreto em apreço, não se vislumbra que a interpretação dos arts. 98º- I, nº 4 e 98º-J/3 do CPT sustentada pelo tribunal recorrido e que logra o nosso acolhimento viole no que concerne à ré a garantia constitucional de acesso aos tribunais e a uma tutela efectiva dos seus direitos consagrada no art.º 20.º da CRP em qualquer das dimensões acabadas de apontar, posto que a ré dispôs de um prazo de 15 dias que, a nosso ver, é mais do que razoável, contanto que se actue de forma minimamente diligente e eficaz, para ser satisfeita a exigência legal de ser junto a este processo um procedimento disciplinar”.

                Não nos parece, assim que tenha havido qualquer excesso no modo pelo qual o legislador nos nºs 4 e 3 do artigo 98º-J, do C.P.T. procurou articular os “valores” da celeridade processual e do princípio do contraditório. A medida que aí se fixou não se mostra nem inadequada, nem desnecessária, nem desproporcionada face aos fins de política legislativa que a orientaram, pelo que não implicou, efetivamente, o sacrifício unilateral do valor ínsito na “proibição da indefesa”, potencialmente conflituante com o valor da celeridade processual.

A solução que foi encontrada correspondeu a uma forma adequada de fazer concordar na prática os diferentes “interesses” em conflito[5], pelo que não merece, à luz das normas contidas no artigo 20.º da CRP, nenhuma censura constitucional.

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3. Violação do principio da proporcionalidade.

Defende ainda a recorrente que “a interpretação da norma contida no artigo 98.º-J, número 3., do CPT, no sentido de ser de cominar com a declaração da ilicitude do despedimento por extinção do posto de trabalho, a junção, no momento da apresentação da réplica, das comunicações previstas nos artigos 369.º, número 1., e 371.º, número 3., à associação sindical da qual o trabalhador é representante, dado que, por mero lapso, não se fez junção das mesmas aquando do envio dos demais documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, no prazo previsto no artigo 98.º-I, número 4., alínea a), do CPT, é manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no próprio conceito de Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º, da Constituição da República Portuguesa, e expressamente consagrado no artigo 18.º, número 2., do texto fundamental.

Ensina Gomes Canotilho[6] “O campo de aplicação mais importante do principio da proporcionalidade é o da restrição de direitos, liberdades e garantias por atos dos poderes públicos. No entanto, o domínio lógico de aplicação do principio da proporcionalidade estende-se aos conflitos de bens jurídicos de qualquer espécie. Assim, por exemplo, pode fazer-se apelo ao principio no campo da relação entre a pena e a culpa no direito criminal. Também é admissível o recurso ao principio no âmbito dos direitos a prestações (…).

"O princípio do excesso [ou princípio da proporcionalidade] aplica-se a todas as espécies de actos dos poderes públicos. Vincula o legislador, a administração e a jurisdição. Observar-se-á apenas que o controlo judicial baseado no princípio da proporcionalidade não tem extensão e intensidade semelhantes consoante se trate de actos legislativos, de actos da administração ou de actos de jurisdição. Ao legislador (e, eventualmente, a certas entidades com competência regulamentar) é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na ponderação dos bens quando edita uma nova regulação. Esta liberdade de conformação tem especial relevância ao discutir-se os requisitos da adequação dos meios e da proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que perante o espaço de conformação do legislador, os tribunais se limitem a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada."

Segundo Carlos Blanco de Morais[7] “O princípio da proporcionalidade encontra-se previsto em numerosas disposições constitucionais, tais como o nº 2 do art.º 18º, o nº 3, 4 e 8 do art.º 19º, nº 2 do artigo 266º e o nº 2 do artigo 272º, se bem que haja quem pretenda retirá-lo, como cláusula geral, do art.º 2º quando enuncia o princípio do Estado de direito. (…)

O critério da proporcionalidade decompõe-se em três critérios instrumentais (ou sub-princípios) que se encontram conjugados numa sequência relacional integrada. Isto significa que, quando se submete uma norma ao “teste” de proporcionalidade, importa:
i) Desde logo, verificar se a mesma respeita o critério da adequação;
ii) subsequentemente, apurar se respeita o critério da necessidade;
iii) finalmente, aferir se observa o critério da proporcionalidade em sentido estrito.
Bastará que a mesma norma colida ostensivamente com um só destes critérios (podendo ser conforme aos restantes) para poder ser julgada inconstitucional, por desconformidade com o parâmetro constitucional da proporcionalidade. Tendo como fonte a doutrina e a jurisprudência alemãs, os sub-princípios em causa foram revelados e densificados em critérios gerais pelo Tribunal Constitucional português através de orientações jurisprudenciais densificadas que se converteram em autênticos parâmetros de controlo do direito ordinário.
No plano do Direito Constitucional, os testes de proporcionalidade são, sobretudo, realizados a propósito de leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, por imposição do nº 2 do art.º 18º da CRP. Os mesmos testes fundamentam uma expressiva parte das decisões do Tribunal Constitucional português, que o usa com grande desenvoltura…”.

Como se escreveu no Acórdão do TC n.º 187/2001[8] “o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos”

Escreveu-se no Acórdão n.º 484/00[9], citando doutrina nacional:

"O princípio do excesso [ou princípio da proporcionalidade] aplica-se a todas as espécies de actos dos poderes públicos. Vincula o legislador, a administração e a jurisdição. Observar-se-á apenas que o controlo judicial baseado no princípio da proporcionalidade não tem extensão e intensidade semelhantes consoante se trate de actos legislativos, de actos da administração ou de actos de jurisdição. Ao legislador (e, eventualmente, a certas entidades com competência regulamentar) é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na ponderação dos bens quando edita uma nova regulação. Esta liberdade de conformação tem especial relevância ao discutir-se os requisitos da adequação dos meios e da proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que perante o espaço de conformação do legislador, os tribunais se limitem a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada." (assim, Gomes Canotilho Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra, 1998, p. 264).”

Para tal, há que verificar se a referida interpretação normativa ultrapassa o teste do princípio da proporcionalidade, na sua tripla dimensão: i) princípio da adequação ou da idoneidade; ii) princípio da necessidade ou da exigibilidade; iii) princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da justa medida[10].

No caso em apreço, é inquestionável que o efeito cominatório pleno para inobservância do disposto na al. a) do nº 4 do artigo 98º-I, do CPT, constitui medida adequada e idónea a assegurar uma maior eficiência e celeridade do processo.

Em segundo lugar, a interpretação normativa adotada pelo tribunal “a quo” afigura-se igualmente como necessária. Nesta sede, impõe-se comparar diversas medidas alternativas igualmente idóneas e determinar se a escolha do legislador – neste caso, a interpretação normativa adotada pela decisão recorrida – corresponde à menos lesiva daquelas.

Assim sendo, não se afigura que a interpretação normativa em causa seja desproporcionada, por violação do princípio da necessidade.

Em suma, cabe ao legislador ordinário determinar quais as consequências processuais da falta de junção aos autos no prazo de 15 dias dos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas no caso de despedimento por extinção do posto de trabalho.

                                                                           *

Por tudo o exposto, concluímos que não se verifica em concreto, qualquer desproporcionalidade na interpretação normativa do Tribunal “a quo” ou desconformidade com o direito à tutela jurisdicional efetiva.

Improcede, assim, integralmente a apelação, com a consequente confirmação da decisão recorrida.

                                                                           **

Das custas:

O nº 1, do art.º 527º, do CPC, dispõe que “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito” (Cf. ainda artigos 607º, nº 6 e 663º, nº 2, ambos do CPC).

Nestes termos, as custas deste recurso são da responsabilidade da apelante, atendendo ao seu vencimento.

                                                                           *

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

                                                                                                           Coimbra, 16 de maio de 2024

Mário Rodrigues da Silva- relator

Felizardo Paiva

Paula Maria Roberto

                                                                           *

Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC):

(…).

Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original


([1]) Acs. do TRE, de 15-12-2022, proc. 154/22.5T8TMR.E1, relatora Emília Ramos Costa; do TRP, de 03-06-2019, proc. 1558/18.3T8VLG-A.P1, relatora Paula Leal de Carvalho; do TRL, de 11-04-2018, proc. 2271/16.1T8FNC.L1-4, relator Alves Duarte; do TRP, de 07-07-2016, proc. 4885/15.8T8MTS-A.P1, relator Jorge Loureiro; do TRE, de 03-07-2014, proc. 639/12.1TTSTR-A.E1, relator Acácio André Proença; do STJ, de 10-07-2013, proc. nº 885/10.2TTBCL.P1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor, do TRP, de 12-11-2012, proc. 1758/11.7TTPRT.P1, relator Ferreira da Costa e do TRP, de 26-06-2023, proc. 8526/22.9T8VNG.P1, relator António Luís Carvalhão, www.dgsi.pt. Em sentido idêntico, (Susana Silveira in «A nova acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento», Julgar, N.º 15, 2011, pág. 93, nota 34) defende ser seu entendimento: “que, com base na interpretação conjugada do art.º 98.º-G, n.º 1, al. a), com o art.º 98.º-J, n.º 3, é cumulativa a exigência legal no que se refere à apresentação do articulado motivador do despedimento e do procedimento que lhe deu causa, sendo que a omissão de qualquer um desses actos tem por consequência a condenação do empregador nos moldes expressos nas als. a) e b), do n.º 3, do art.º 98.º-J. Aliás, a natureza peremptória do prazo para a apresentação do articulado e do procedimento conducente ao despedimento e aquela exigência cumulativa não consentem, sequer, a possibilidade de, a requerimento, ser concedido ao empregador prazo acrescido para junção dos documentos comprovativos daquele procedimento”.
([2]) Ac. do STJ, de 10-07-2013, proc. 885/10.2TTBCL.P1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor, www.dgsi.pt.
([3]) Ac. do TC nº 20/2010, relatora Maria Lúcia Amaral, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100020.html.
([4]) Proc. 4885/15.8T8MTS-A.P1, relator Jorge Loureiro, www.dgsi.pt.
([5]) O legislador criou esta nova acção declarativa de condenação com processo especial para a impugnação da regularidade e licitude do despedimento com o objectivo de agilizar e de imprimir celeridade à apreciação judicial do despedimento, tendo em mente, sobretudo, os elevados encargos em retribuições intercalares a pagar aos trabalhadores por força da morosidade dos processos. O novo Código de Processo de Trabalho, para obviar às avultadas somas a pagar pelas empresas, em virtude de atrasos processuais, decidiu que passa a ser o Estado a proceder ao pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário (art.º 98.º-N, n.º 1 do CPT), recaindo, agora, sobre o Estado, o risco da excessiva demora na conclusão da acção judicial. A nova acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, em conjugação com as alterações do regime substantivo operadas pelo Código de Trabalho de 2009, visa prosseguir finalidades de simplificação e de economia processual. A razão de ser desta solução reside no respeito pelas garantias de defesa do trabalhador e na intenção da lei de promover a celeridade do processo- Cf. Ac. do STJ, de 10-07-2013, proc. 885/10.2TTBCL.P1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor, www.dgsi.pt.

([6]) Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, p. 272.
([7]) Curso de Direito Constitucional: Teoria da Constituição. t.2, 2018, pp. 483-484.
([8]) Relator Paulo Mota Pinto, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20010187.html.
([9]) Relator Paulo Mota Pinto, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000484.html?impressao=1
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      
([10]) Neste sentido, cfr., entre muitos outros, Vitalino Canas, Proporcionalidade (Princípio da), in «Dicionário da Administração Pública», volume VI, Lisboa, 1994, pp. 620 a 628; Jorge Miranda / Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, Coimbra, 2005, p. 162; Gomes Canotilho / Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra, 2007, pp. 392 e 393).