Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PIRES ROBALO | ||
Descritores: | ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO INCOMPATIBILIDADE DE PEDIDOS INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL | ||
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Data do Acordão: | 09/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SANTA COMBA DÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 5.º, 1 A 3; 6.º; 186.º; 552.º; 581.º, 4 E 590.º, 2, DO CPC | ||
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Sumário: | I . Se o A. descreve na P.I. , que segundo ele, os RR. terão praticado, com os quais violaram a sua propriedade, ocupando, tal parcela indevidamente, arrancando, as pedras delimitadoras do seu prédio com o do A. e a demove-las do local, fazendo-as desaparecer, começando a plantar bacelo além do limite do seu prédio, dentro do prédio do A., arrancaram várias videiras da sua estacada, para retirar sinais de demarcação dos limites dos prédios, começaram a arrastar as terras que suportavam as pedras, fazendo estender os limites dos seus prédios, colocando piais de cimento nos prédios do A., não está em causa um pedido de demarcação do terreno, ainda que fale em demarcar, mas sim para reivindicar tal parcela, que segundo ele, foi ilegitimamente ocupada pelos RR. II. Pelo que, não se verifica a ineptidão da petição inicial, por cumulação indevida de pedidos, nem por contradição entre o pedido e a causa de pedir. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra
Proc.º n.º 244/22.4T8SCD.C1 1.- Relatório 1.1.- Veio o autor AA intentar acção declarativa comum contra BB e mulher CC, e contra DD e marido EE, com intervenção provocada de FF, peticionando: “(...) deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e reconhecerem que o autor e requerida são donos e legítimos possuidores dos prédios identificados no artigo 1.º da PI, sendo que os limite dos prédios coincide com a localização das pedras antigas, cepas de videira velhas e piais em pedra antigos, melhor indicados no art.º 15 da PI. Devem ainda aos réus serem condenados a: a) Reconhecerem tal direito; b) Absterem-se no futuro de praticar atos que perturbem a posse e o direito de propriedade do autor e requerida até aos limites dos seus prédios, conforme melhor identificados na alínea anterior; c) Retirarem do prédio dos AA os piais em cimento chumbados no pavimento de forma a libertarem o prédio dos AA na sua plenitude e permitindo que os mesmos acedam ao mesmo sem qualquer ónus ou encargos, repondo-o no estado em que se encontrava antes da ocupação por parte dos réus, retirando daquele todos os materiais que no mesma hajam colocado e d) Serem condenados a indemnizar os AA, segundo critérios de equidade, em montante não inferior a 3.000,00€ pela violação ilícita do direito de propriedade do A e requerida e pelos prejuízos resultantes da referida violação de propriedade.”. *** 1.2. – Os RR. citados, apresentaram contestação, invocando, entre o mais, a verificação de exceção de ineptidão da petição inicial. Para tanto, alegaram, grosso modo, que o pedido está em contradição com a causa de pedir pois que o pedido assenta a sua causa de pedir na demarcação dos prédios e, depois, o pedido visa o reconhecimento do direito de propriedade, tal como já foi decidido na Acção de Processo Comum n.º 312/21...., cuja decisão juntam em anexo. *** 1.3. - O autor, notificado nos termos do disposto no artigo 221.º do Código de Processo Civil, apresentou resposta, pugnando pela improcedência da excepção invocada. *** 1.4. – Foi proferida decisão a declarar inepta a petição inicial apresentada e em consequência absolver os réus da instância, julgando em consequência extinta a instância, com custas a cargo do autor (cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil), do seguinte teor. “ (…) Do peticionado pelo autor resulta que cumula, na mesma acção, pedidos que se reconduzem a acção de demarcação e de reivindicação. Veja-se que, no mesmo segmento de pedido peticionam “(...) deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e reconhecerem que o autor e requerida são donos e legítimos possuidores dos prédios identificados no artigo 1.º da PI, sendo que os limite dos prédios coincide com a localização das pedras antigas, cepas de videira velhas e piais em pedra antigos, melhor indicados no art.º 15 da PI.” (nosso sublinhado). Ou seja, peticiona o autor o reconhecimento da propriedade dos prédios mas, ao mesmo tempo, peticiona que sejam determinados os seus limites nos termos que identifica. Analisemos com mais profunda propriedade. Na ação de reivindicação o autor tem o ónus de alegar os factos constitutivos do direito de propriedade sobre a coisa, no caso, imóvel, de que se arroga titular; por isso, sabe o que é seu e deve, naturalmente, definir, delimitar aquilo que lhe pertence para além de descrever a concreta ofensa a esse direito. Na demarcação, o autor, de forma diversa, requer junto do tribunal que seja demarcado (delimitado) o seu prédio no confronto com aqueles que lhe é adjacente; nesta ação será o tribunal, não o autor, que virá a definir a área e os limites do prédio que possui. A norma do artigo 1353.º do Código Civil consagra o direito potestativo do dono de um prédio obter o concurso dos donos dos prédios vizinhos para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles. Como resulta do artigo1354.º, n.º 2, do Código Civil, o direito a demarcar prédios não depende da invocação de uma linha de demarcação decorrente dos títulos na medida em que estes podem não lograr determinar os limites do prédio ou a área pertencente a cada proprietário. Na verdade, desde que se verifique a confinância de prédios pertencentes a proprietários diferentes e inexista linha divisória entre eles, ocorre imediatamente o direito de demarcação, podendo a divisão da área conflituante ser resolvida pelos títulos de cada um ou, sucessivamente, pela posse ou por outros meios de prova; no limite, não podendo ser resolvida por nenhum desses meios, será equitativamente dividida pelos proprietários confinantes. Deste modo, conclui-se que “das duas, uma: ou o reivindicante está certo de que o terreno que reivindica é, todo ele, parte integrante do seu prédio, ou afirma que são incertos ou desconhecidos os seus limites e então já não é a acção de reivindicação que deve propor.” Acórdão do Tribunal da Relação do porto, datado de 25 de Janeiro de 2021, processo no 4029/18.4T8STS.P1, acessível em dgsi.pt). Neste segundo caso, em que existe uma dúvida sobre a configuração do prédio, é que se perfila a ação de demarcação. Alega o autor, de forma exactamente igual, decalcando a petição inicial já anteriormente apresentado no âmbito da Acção de Processo Comum no 312/21...., que, por si e pelos seus antecessores, estão, na posse dos prédios que identifica no artigo 1o da petição inicial, há mais de 25 e 30 anos, ao longo dos quais exerceram de forma pública, à vista de toda a gente, pacificamente, sem oposição de quem quer que fosse, na convicção do exercício de um direito próprio e sem lesar o de terceiros, os atos próprios de proprietários, habitando a casa, cultivando o terreno, fazendo reparações, melhoramentos, manutenções e pagando impostos. Essa posse reuniria as características de uma posse usucapível, pelo que teriam adquirido, conforme invoca, o direito de propriedade sobre esse prédio. Após alega que, desde há 2 anos para cá, os Réus começaram a arrancar as pedras delimitadoras do seu prédio com o do A. e a demove-las do local, fazendo-as desaparecer. Começaram a plantar bacelo além do limite do seu prédio, dentro do prédio do A. e arancaram várias videiras da sua estacada, para retirar sinais de demarcação dos limites dos prédios, começaram a arrastar as terras que suportavam as pedras, fazendo estender os limites dos seus prédios e mais grave ainda, colocaram piais de cimento nos prédios do A., muito além do limite demarcador dos mesmos, havendo-os chumbado com cimento no chão, propriedade do A e requerida, e vedando toda a área que ocupam para o lado dos RR., com arame forrado a plástico verde e plantando arbustos, invadindo a propriedade destes. Por isso, o autor pede que se reconheça o direito de propriedade sobre os prédios identificados no artigo 1.º desta petição e, como decorrência desse direito, pede, na alínea b) e c) do pedido principal, ponto 2, que se condenem os réus a absterem-se no futuro praticar atos que perturbem a posse e o direito de propriedade do autor e requerida até aos limites dos seus prédios, e a retirarem do prédio dos AA os piais em cimento chumbados no pavimento de forma a libertarem o prédio dos AA na sua plenitude e permitindo que os mesmos acedam ao mesmo sem qualquer ónus ou encargos, repondo-o no estado em que se encontrava antes da ocupação por parte dos réus, retirando daquele todos os materiais que no mesma hajam colocado. Daqui decorre que, para o autor, os limites dos prédios identificados no artigo 1.º da petição inicial coincidem com a localização das pedras antigas, cepas de videira velhas e piais em pedra antigos, melhor indicados no art.º 15 da PI, concluindo-se não existir incerteza ou indefinição quanto aos limites dos prédios do autor e dos réus, ou sejam, dos prédios identificados no artigo 1.º e 12.º da petição inicial. No caso, da contestação apresentada pelos os réus, é seguro que os mesmos compreenderam bem o que está em causa e também estão seguros sobre quais as áreas de cada um dos prédios em litígio. Por isso, articulam que é o autor que pretendeu e, por várias, vezes, conseguiu, invadir e danificar o prédio dos Réus e as colheitas ali existentes. Conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 05/04/2018, Processo no 75/15.8T8TMC.G1, disponível em www.dgsi.pt, “1- A forma de processo adequada tem de ser determinada em função do pedido ou pedidos deduzidos pelo Autor em sede de petição inicial e a(s) causa(s) de pedir que invoca para sustentar esse(s) pedido(s). 2- Com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.o 329-A/95, de 12/12, foi eliminado o processo especial de arbitramento, passando a ação de demarcação, tal como a ação de reivindicação, a seguir a mesma forma de processo – o processo comum de declaração. 3- Ocorre ineptidão da petição inicial com fundamento em cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis quando, em cumulação real, são deduzidos pedidos cujos efeitos jurídicos mutuamente se repelem, isto é, pedidos que mutuamente se excluem ou que assentam em causas de pedir inconciliáveis. 4- A ação de reivindicação é uma ação real, petitória e condenatória, destinada à defesa da propriedade, sendo a respetiva causa de pedir integrada pelo direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e pela violação desse direito pelo reivindicado (que detém a posse ou a mera detenção desta). O pedido é o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e a restituição desta àquele. 5- A ação de demarcação não visa a declaração do direito real, mas apenas definir as estremas entre dois prédios contíguos, propriedade de donos distintos, perante o estado de indefinição/incerteza das respetivas estremas. O direito de propriedade de Autor e Réu sobre os respetivos prédios, a demarcar, não integra a causa de pedir da ação de demarcação, mas funciona como mera condição de legitimidade ativa (Autor) e passiva (Réu) para a ação de demarcação. 6- A causa de pedir na ação de demarcação é complexa e desdobra-se na existência de prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos, cujas estremas são duvidosas ou se tornaram duvidosas. O pedido é a fixação da linha divisória entre os prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos. 7- A distinção entre ação de reivindicação e de demarcação passa por verificar se perante o(s) pedido(s) e causa(s) de pedir invocadas pelo Autor em sede de petição – a relação jurídica material por ele delineada – se invoca um conflito de títulos de aquisição dos prédios ou um conflito de prédios. Se na ação se discute o título de aquisição dos prédios, então a ação é de reivindicação (conflito de títulos). Se na ação não se discute o título de aquisição dos prédios, mas a relevância deles em relação ao prédio, no sentido de se saber onde acaba um e começa o outro (conflito de prédios), a ação é de demarcação. 8- Ocorre cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis quando o Autor instaura uma determinada ação em que pede a condenação do Réu a reconhecer o seu direito de propriedade sobre determinado prédio e que dele faz parte integrante uma determinada parcela de terreno que alega estar a ser possuída pelo Réu e pede a condenação do último a reconhecer esse seu direito de propriedade sobre esse seu prédio, nele se incluindo aquela parcela de terreno e, bem assim a restituir-lhe essa parcela de terreno (pedidos típicos da reivindicação) e em cumulação real, pede que se ordene a demarcação entre esse seu prédio e o prédio do Réu, contíguo ao primeiro (pedido típico da demarcação). 9- O vício referido em 8) determina a nulidade insuprível da petição inicial, de conhecimento oficioso, que cumpre ao Tribunal da Relação conhecer, ainda que oficiosamente.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 13-07-2021, proc. 500/20.6T8ALB.P1, disponível em www.dgsi.pt. Neste conspecto, face ao alegado e ao peticionado na petição inicial, resulta inequívoca uma ausência de alegação de factos essenciais para a causa de pedir que se revelem insuscetíveis de ser concretizados ou complementados por força de um convite ao aperfeiçoamento feito pelo tribunal. Pois que, “Na ação de reivindicação, o autor tem o ónus de alegar os factos constitutivos do direito de propriedade sobre a coisa de que se arroga titular; donde já sabe bem o que é seu e, por isso, impõe-se que defina, delimite, aquilo que lhe pertence para além de descrever a concreta ofensa feita a esse direito por quem foi demandado.” (cfr. Ac. da Rel. do Porto citado). E na “Na ação de demarcação, o autor, de forma bem distinta, requer junto do tribunal que este demarque (delimite) o seu prédio no confronto com aquele que lhe é adjacente; nesta ação será o tribunal, não o autor, que virá finalmente a elucidar a área e os limites do prédio que o autor possui. Aqui visa-se pôr fim a um estado de incerteza sobre a localização da linha divisória entre dois (ou mais) prédios, dúvida essa que o autor também partilha.” (cfr. Ac. Rel. do Porto Citado). Razão pela qual a petição inicial, atenta a incompatibilidade dos pedidos formulados, desde logo por contradição da própria causa de pedir, haverá de desembocar na ineptidão da mesma. Desde já se dizendo que, querendo, e por forma a que o autor possa ver apreciada a sua pretensão, terá de apresentar nova petição inicial, apresentando os factos tendentes ao reconhecimento do direito de propriedade de determinados prédios (seja por via da aquisição originária, seja por via da aquisição derivada por usucapião), alegando factos em conformidade com a aquisição de tal direito. Ou, no caso de entender que existem dúvidas quanto aos limites dos seus prédios, alegar factos tendentes à sua demarcação, indicando expressamente os limites de tais prédios, e peticionando que sejam os mesmos demarcados em tais termos. Não lhe sendo já possível, no mesmo pedido, como supra ficou analisado e decidido, peticionar o reconhecimento do direito de propriedade de determinados prédios e, ainda, que seja declarado que os mesmos possuem determinados limites. Ora, a ineptidão da petição inicial consubstancia uma nulidade processual (artigo 186.º n.º 1 do Código de Processo Civil), sendo inepta a petição, entre outros casos, quando fse cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (artigo 186.º, n.º 2 alínea c) do Código de Processo Civil). Tudo redundando na verificação de uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577o al. b) e 578o do CPC)”. (…)” *** 1.5. – Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., não houve resposta. *** 1.6. – Inconformado com tal decisão dela recorreu o A. terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem: “1. Vem o presente recurso interposto da decisão que considerou a petição inicial do autos inepta, consubstanciando tal uma nulidade processual, por cumular pedidos substancialmente incompatíveis, redundando na verificação de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que obstou a que o Tribunal a quo conhecesse do mérito da causa e dando lugar à absolvição da instância. 2. O Tribunal recorrido não podia considerar a petição inepta por cumular causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis. 3. Desde logo não há na petição cumulação de pedidos nem qualquer confusão na causa de pedir, 4. Estando o pedido formulado de acordo com a causa de pedir e a factualidade invocada nunca e em tempo algum colocou dúvidas ou contradições quanto à causa de pedir e ao pedido. 5. O autor apresentou sim uma petição que preenche todos os requisitos legais e formais para prosseguir como ação de reivindicação e 6. O autor nunca apresentou qualquer factualidade ou pedido que pudesse confundir-se com a causa de pedir de uma ação de demarcação. 7. O tribunal Recorrido ao não apreciar convenientemente a petição inicial e a sua aptidão processual e legal cometeu uma nulidade, violando o art.º 607 n.º 4 do CPC . Termos em que deve o presente recurso ser admitido e como tal ser ordenado a revogação da decisão, ordenando-se o prosseguimento dos autos, tudo acrescido das demais consequências legais. Assim se fará justiça.” *** 1.6. Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor: “Por tempestivo, legalmente admissível e interposto por quem tem legitimidade, admito o recurso apresentado pelo autor, recurso que é de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo (cfr. artigos 638o nos 1 e 7, 644o no 1 al. a), 645o no 1 al. a) e 647o, todos do Código de Processo Civil). Notifique. * Subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra”. *** 1.7. Colhidos os vistos cumpre decidir. *** 2. Fundamentação Factos referidos no relatório supra, bem como nos aditados por este Tribunal, nos termos do art.º 662.º, do C.P.C., colocados a negrito e etálico. Na petição inicial, para o que importa refere-se: 1-“O requerente é dono e legítimo proprietários de: a-Um prédio urbano, casa de habitação inscrita na matriz sob os artigos ...11, com área coberta de 45m2 e área total do terreno de 95 m2, sita ao campo de ..., ... da ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar de todos os lados com o próprio, cf. Doc nº 1 e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...70, Doc n.º 2, b- Um prédio rústico composto de terra de cultura com 17 oliveiras, 70 videiras em cordão e casa de arrecadação, sito a ..., a confrontar de Norte com caminho, Sul, ..., nascente GG e Poente HH, com a área de 3735 m2, inscrito na matriz sob o artº ...03, Doc nº 3 de descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...71, Doc. nº ... e *** 3. Motivação É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC). Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.” Assim, a questão a decidir - consiste em saber se a petição inicial é ou não inepta. Antes de iniciarmos analise da questão em apreço, para melhor compreensão, adita este Tribunal, nos termos do art.º 662.º, do C.P.C., factos aludidos na P.I., pertinentes à situação em apreço, que coloca a negrito e a etálico no respetivo lugar (fundamentação). Dito isto, passemos analisar a questão em apreço. - Saber se a petição é ou não inepta. Segundo o recorrente a mesma não é inepta, desde logo, por o Tribunal não poder considerar que houve cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis, na verdade, refere não há na petição cumulação de pedidos nem qualquer confusão na causa de pedir, o pedido formulado está de acordo com a causa de pedir e a factualidade invocada nunca e em tempo algum colocou dúvidas ou contradições quanto à causa de pedir e ao pedido. Mais refere, que apresentou uma petição que preenche todos os requisitos legais e formais para prosseguir como ação de reivindicação e nunca apresentou qualquer factualidade ou pedido que pudesse confundir-se com a causa de pedir de uma ação de demarcação. Oposição oposta advogou a decisão recorrida. Vejamos. Antes demais, iremos dizer algo a respeito da figura em causa – Ineptidão da P.I. Como é sabido, é a causa de pedir que serve de fundamento à ação, isto é, o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo pelo autor (artigo 581.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). E como é consabido, o processo é de todo nulo sempre que a petição inicial se considere inepta, v.g. quando haja falta ou ininteligibilidade, quer do pedido, quer da causa de pedir ou, ainda, quando o primeiro esteja em contradição com o segundo – art.º 186º do CPC. No que concerne ao conteúdo componente da petição inicial, deriva da mera leitura do preceituado no art.º 552º que o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à ação, como lógico antecedente da pretensão que pretende formular. Decorrência lógica do funcionamento do princípio do dispositivo, em vigor no ordenamento processual, é sobre aquele que invoca a titularidade de um direito - autor - que recai o ónus de alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência desse direito – art.º 5, n.º1, do CPC. Na verdade, o Processo Civil surge como o instrumento privilegiado de realização do direito privado, não cabendo ao Tribunal a função de recolha de factos com interesse para a resolução de qualquer litígio que seja incumbido de resolver (art.º 5.º, n.º 3, CPC), embora tal não prejudique a atendibilidade de factos instrumentais advenientes da discussão da causa (art.º 5º, n.º2). Nesta consonância, a narrativa em que se consubstancia a petição inicial há-de conter, pelo menos, «os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o Autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido». A causa de pedir consiste no ato ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, sendo certo que este direito não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir (cfr. . Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 111. Dito de outro modo: a causa de pedir consiste no acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido ( cfr. J. A. dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, p. 369), traduzindo-se a indicação da causa de pedir na individualização daquele acto ou facto. É evidente que não é exigível que o autor faça uma exposição completa do elemento factual (cfr. A. de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1981, Vol. II, pag. 221). Todavia, não pode deixar de considerar-se que uma indicação de qualquer um dos elementos integradores da causa de pedir em termos genéricos pode importar uma individualização da causa de pedir que não constitui especificação suficiente do facto jurídico de que procede a pretensão e que leva à ineptidão da petição inicial (cfr. Castro Mendes, Direito Processual Civil, III, pag. 48). Como ensina o Prof. A. de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, 1981, Vol. I, pp. 209 a 211, não deve buscar-se uma noção de causa de pedir única para todos os efeitos, v. g., caso julgado, litispendência, alteração do pedido no decurso da causa (ou, acrescentamos nós, para aplicação do instituto da ineptidão da petição inicial), antes se devendo procurar a solução que melhor se ajuste para cada efeito, havendo que adotar o conceito mais adequado aos fins próprios de cada instituto – causa de pedir referida a factos concretos (para efeitos de caso julgado) e causa de pedir referida a categorias factuais abstratas (no que toca à alteração superveniente da causa de pedir e da litispendência). Ao delinear o regime da ineptidão da petição inicial a intenção e finalidade da lei foi “impedir o prosseguimento duma ação viciada por falta ou contradição interna da matéria objeto do processo, que mostra desde logo não ser possível um ato (unitário) de julgamento, «judicium»” ( cfr. Castro Mendes, Direito Processual Civil, III, pag. 47), ou dito de outro modo, com “a figura processual da ineptidão da petição inicial visa-se, em primeiro lugar, evitar que o juiz seja colocado na impossibilidade de julgar concretamente a causa, decidindo sobre o mérito, em face da inexistência do pedido ou da causa de pedir, ou do pedido e da causa de pedir que se não encontrem deduzidos em termos inteligíveis, visto só dentro dessas balizas se mover o exercício da atividade jurisdicional declaratória do direito”, sendo certo que além desse propósito de circunscrever e definir os poderes do juiz quanto à atividade decisória, a figura da ineptidão propõe-se “ainda impedir se faça um julgamento sem que o réu esteja em condições de se defender capazmente, para o que carece de conhecer o fundamento do pedido contra ele deduzido” ( cfr. A. de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1981, Vol. II, pp. 219 e 220). Pode afirmar-se, pois, que com o instituto da ineptidão da petição inicial se visa obstar ao prosseguimento de ações onde esteja logo à partida coartada a possibilidade de o juiz proceder a um julgamento sobre o fundo da causa (julgamento de facto e de direito) por a peça que introduz o feito em juízo padecer de qualquer dos vícios enumerados no n.º 2 do art.º 186.º do C.P.C. – seja porque impede ou dificulta em termos irrazoáveis e desproporcionados a defesa do réu, seja porque não carreia para os autos os factos que constituem o objeto do processo e nos quais o juiz se pode basear para decidir o litígio (art.º 5, n.º 1 a 3 do C.P.C.). A opção do nosso legislador (art.º 581º, nº 4 do C.P.C.) pela teoria da substanciação, em detrimento da teoria da individualização, no que à causa de pedir concerne, implica que o preenchimento da causa de pedir supõe a alegação dos factos essenciais que se inserem na previsão abstrata da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela se busca através do processo (cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2ª edição revista e ampliada, p. 193). Essa individualização do ato ou facto concreto que suporta a pretensão de tutela formulada em juízo deve ser efetuada em termos inteligíveis, permitindo apreender com segurança a causa de pedir. Devem ser expostos com clareza os fundamentos da pretensão, devendo ser considerada inepta a petição que se apresente em termos obscuros ou ambíguos, por forma a impedir a apreensão segura da causa de pedir (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2ª edição revista e ampliada, p. 211). Ainda que, no caso em apreço a questão da deficiência da P.I. não esteja em discussão, sempre diremos algo a propósito, desde logo, para ficarmos com maior abrangência sobre os casos de ineptidão da P.I. A petição deficiente (quando tal vício não seja colmatado) é censurada ao nível do mérito da causa, enquanto a petição inepta importa a absolvição da instância (por nulidade de todo o processo). A petição deficiente (e sendo certo que se descura aqui a deficiência que implica a ineptidão – a ausência de alegação de factos essenciais à delimitação do fundamento factual da pretensão constitui também uma deficiência, mas uma deficiência radical e absoluta) é constituída por aqueles casos em que ocorre uma insuficiência – sendo a peça em questão clara e suficiente quanto à causa de pedir, omite todavia factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor (cfr. J. A. do Reis, Comentário …, Vol. 2º, p. 372). Não sendo fácil distinguir entre situações de causa de pedir imperfeita (mas ainda assim meramente deficiente) e situações em que falta a causa de pedir, designadamente os casos em que o autor faz, na petição, afirmações mais ou menos vagas e abstratas, que umas vezes descambam na ineptidão por omissão de causa de pedir, outras na improcedência por falta de material de facto sobre que haja que de assentar o reconhecimento do direito (cfr. J. A. dos Reis, Comentário …, Vol. 2º, p. 374), temos por seguro, para encontrar a linha de fronteira entre as duas situações, um critério pragmático que assenta num juízo de prognose acerca da delimitação do caso julgado, pressupondo uma sentença favorável ao autor (cfr. Critério proposto por Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol, 2ª edição revista e ampliada, reimpressão, p. 209, em nota (nota 377), sendo daí retirada a citação que se segue em texto - ‘projetando no futuro a decisão, se for então possível determinar concretamente qual a situação jurídica que foi objeto de apreciação jurisdicional, sem correr riscos de repetição da causa, não se verificará a falta de causa de pedir; já quando, por falta de invocação de qualquer matéria de facto, por grave deficiência na sua descrição ou por falta de localização no espaço e no tempo, for previsível o risco de repetição da causa ou se tornar impossível a averiguação da relação jurídica anteriormente litigada deverá concluir-se pela ineptidão da petição inicial’. Assim, deixaremos aqui vária jurisprudência sobre o critério que distingue uma petição inepta de uma meramente deficiente. Sobre esta temática, pensamos, que a nossa jurisprudência é doutrina são pacíficas, nesta matéria ao consagrar que a distinção deriva da essencialidade ou não da omissão praticada: A propósito, aqui deixamos alguma jurisprudência e doutrina. 1. Ac da RC de 27.9.2016, nº 220/15.3T8SEI.C1: “ A petição inicial apenas é inepta, por falta de causa de pedir, quando o autor não indica o núcleo essencial do direito invocado, tornando ininteligível e insindicável a sua pretensão. Se tal não se verifica a petição é, quando muito, deficiente, devendo o juiz proferir despacho de aperfeiçoamento – artºs 6º e 590º nº4 do CPC”. 2. Ac RC de 14.11.2017 nº 7034/15.9T8VIS.C1: A figura da ineptidão da petição inicial (que implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objecto inteligível) distingue-se e contrapõe-se à mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida. Apenas nesta segunda situação a parte poderá/deverá ser convidada a completar o articulado, podendo ainda tal insuficiência ou incompletude vir a ser suprida em consequência da aquisição processual de tais factos concretizadores, se revelados no decurso da instrução - art.ºs 5º, n.º 2, alínea b) e 590º, n.º 4 do CPC. 3. Ac do STJ de 9.6.1994 Processo nº 085685 “A petição inicial é inepta quando falta ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, sendo esta o facto jurídico concreto de que procede a pretensão deduzida. II - Os fundamentos ou razões de facto invocados pelo Autor são pontos de facto com função instrumental relativamente à causa de pedir; facto principal e decisório. Na doutrina Prof. Teixeira de Sousa, ob. cit.,pág. 304, "o articulado é deficiente quando contenha insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto (cf. art.º 508.º, n.º3), isto é, quando nele não se encontrem articulados todos os factos principais ou a sua alegação seja ambígua ou obscura”. Ou seja, o Dever de Gestão Processual consagrado nos arts.º 6º e 590º, n.º2 do CPC não visa obter a justa composição do litígio a todo o custo, mas deve ser limitado às situações em que se verifique “deficiência na concretização dos factos integrantes da causa de pedir, tanto mais que os AA podem sem quaisquer delongas, corrigir a sua alegação e interpor nova ação. Para isso teremos de distinguir se a omissão de exposição da causa de pedir diz respeito a factos essenciais ou não da causa de pedir. Como critério complementar, poderá ser útil utilizar a distinção legal contida no art.º 5.º, do CPC segundo o qual os factos podem ser classificados como essenciais e instrumentais ou complementares. Como é evidente só a omissão de factos essenciais pode dar origem à ineptidão da petição e, dentro desta, apenas quando o facto/causa de pedir não possa ser “complementado ou concretizado” (art.º 5.º, n.º 3, do CPC). Dito isto, voltemos ao caso em apreço. Operando à leitura do pedido formulado pelo A., verificamos que são várias as pretensões, desde logo, o reconhecimento de que ele e a requerida são donos e legítimos possuidores dos prédios identificados no artigo 1.º da PI, sendo que os limite dos prédios coincide com a localização das pedras antigas, cepas de videira velhas e piais em pedra antigos, melhor indicados no art.º 15 da PI. Os RR. insurgem-se, contra tal, por entenderem, estar-se perante uma ineptidão da Petição Inicial, porquanto a causa de pedir assenta em ação de demarcação. Ainda que a questão, colocada pelo recorrente, não consista em saber se é ou não possível haver cumulação de pedidos na ação de demarcação com a ação de reivindicação, não deixaremos, de dizer, algo a respeito, até por a decisão parecer enveredar, por esse caminho, para a prolação da mesma. De forma sintética, pode dizer-se que enquanto a ação de revindicação pressupõe a definição precisa da coisa imóvel reivindicada, nomeadamente dos seus limites [---], operando a restituição dentro desses limites, a ação de demarcação implica necessariamente uma situação de incerteza ou dúvida quanto a uma ou várias estremas do imóvel a demarcar, destinando-se precisamente à definição precisa das linhas que permitem a determinação dos limites dos prédios em que se regista essa incerteza. Digamos, desde já, que tem sido jurisprudência constante, ao menos à luz da jurisprudência publicada, a afirmação de que existe incompatibilidade substancial de pedidos no caso de cumulação real de pedido de reivindicação e de demarcação (cfr. a propósito sem preocupações exaustivas, por ordem cronológica, os seguintes acórdãos, todos acessíveis na base de dados da DGSI: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de janeiro de 2003, processo 02A1029; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09 de outubro de 2008, processo 1192/08-3; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31 de outubro de 2013, processo 98/11.6TBNIS.E1; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05 de abril de 2018, processo 75/15.8T8TMC.G1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de janeiro de 2021, relatado pelo Sr. Desembargador segundo-adjunto nestes autos, processo 4029/18.4T8STS.P1; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25 de março de 2021, processo 768/21.0T8BRG-B.G1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de julho de 2021, processo 500/20.6T8ALB.P1 e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de fevereiro de 2022, processo 768/21.0T8CVL.C1.) Para melhor aquilatarmos tal entendimento, aqui transcrevemos alguns segmentos do Ac. da Rel. do Porto, de 25 de janeiro de 2021, proc.º n.º 4029/18.4STS.P1, relatado por Joaquim Moura, que defende esse ponto de vista: “Há incompatibilidade substancial dos pedidos quando estes se excluem reciprocamente, levando a que, no limite, inexista pedido algum (cfr. A. S. Abrantes Geraldes, P. Pimenta e L. F. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2019, pág. 221). Verifica-se uma tal incompatibilidade «(…) quando os efeitos jurídicos que com eles se pretendem obter estão, entre si, numa relação de oposição ou contrariedade, de tal modo que o reconhecimento de um é a negação dos demais. Como o autor os apresenta a todos simultaneamente, e no mesmo plano, torna-se impossível discernir qual é, na realidade, a pretensão que pretende ver judicialmente reconhecida» (Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I, págs. 388 e 389). Como explicava o Professor José Alberto dos Reis (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. III, págs. 154 e 156) «duas ou mais prestações são legalmente incompatíveis quando produzem efeitos contraditórios ou sob o aspecto material ou sob o aspecto processual (…). A incompatibilidade substancial que conta para a ordem jurídica é a que resulta do facto de as pretensões produzirem efeitos jurídicos contraditórios». O ponto fulcral está, pois, nos efeitos jurídicos derivados da procedência de cada um dos pedidos: se são inconciliáveis ou se o reconhecimento de um exclui a possibilidade de verificação do(s) outro(s), teremos uma incompatibilidade substancial (cfr. por todos, o acórdão desta Relação de 24.01.2019 (Des. Madeira Pinto), disponível in www.dgsi.pt). Algo idêntico pode dizer-se quanto à incompatibilidade substancial de causas de pedir. É nesse sentido que se expressa o Professor Antunes Varela para quem “devem considerar-se incompatíveis não só os pedidos que mutuamente se excluem, mas também os que assentam em causas de pedir inconciliáveis” (Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 246). Em termos muito simples e sintéticos, pode dizer-se que o pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor e a causa de pedir o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido (o mesmo é dizer, o facto constitutivo da situação jurídica material que quer fazer valer). (…) Procurando não ser repetitivos, diremos que, sendo o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição da coisa os pedidos característicos da reivindicação, a causa de pedir é o facto jurídico de que emerge tal direito e a posse ou a detenção do réu não conferidas por qualquer relação de natureza real ou obrigacional. O que importa acentuar é que na acção de reivindicação o autor tem o ónus de alegar os factos constitutivos do direito de propriedade sobre a coisa (móvel ou imóvel) de que se afirma titular, de caracterizar, de forma tão precisa quanto possível, o objecto a que respeita o seu direito e descrever a ofensa que foi feita ou está a ser feita a esse direito, delimitando a medida desse ataque, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que afirma pertencer-lhe. Por isso, na acção de reivindicação, está excluído que o autor possa formular a pretensão de que seja delimitado o seu terreno no confronto com o(s) terreno(s) contíguo(s), que se determine a área e os limites do prédio de cuja propriedade se arroga titular. Das duas, uma: ou o reivindicante está certo de que o terreno que reivindica é, todo ele, parte integrante do seu prédio, ou afirma que são incertos ou desconhecidos os seus limites e então já não é a acção de reivindicação que deve propor. É esse o sentido que se extrai dos arestos do STJ publicados com os seguintes sumários: - Ac. de 25/09/2012 (processo n.º 3371/07.4TBVLG.P1.S1) in www.dgsi.pt «I - Quando uma das partes sustenta que uma determinada parcela de terreno do seu prédio se encontra usurpada pelo vizinho, sempre que haja debate sobre a propriedade de certa faixa de terreno confinante e sobre os títulos em que se baseia, discutindo-se o título de aquisição, em vez da sua relevância em relação ao prédio, tratando-se de um conflito de títulos e não de um conflito entre prédios quanto à sua fronteira e extensão, não se definindo apenas a linha divisória que ofereça dúvidas, face aos títulos existentes, a acção correspondente não é a acção de demarcação, mas antes a acção de reivindicação» - Ac. de 07/07/2010 (processo n.º 854-B/1997.L1.S1) in www.dgsi.pt «I - Quando as dúvidas ultrapassam a zona de fronteira entre os dois prédios contíguos para atingirem uma parcela bem definida de terreno, na posse do vizinho, sai-se da esfera da acção de demarcação para se entrar no âmbito da acção de reivindicação, sendo certo que naquela se respeitam os títulos existentes, não se admitindo prova contra os mesmos, apenas se definindo a linha divisória que ofereça dúvidas, face aos títulos existentes». Diversamente, a demarcação não visa a declaração do direito real, mas apenas pôr fim a um estado de incerteza ou de dúvida sobre a localização da linha divisória entre dois (ou mais) prédios e por isso a pretensão a formular pelo autor é a de que os proprietários dos prédios vizinhos sejam obrigados a concorrer para a definição e fixação das estremas dos prédios confinantes. O acórdão da Relação de Coimbra de 13/05/2014 (processo n.º 3779/10.8TBVIS.C1), descreve, de forma cristalina, o objecto da acção de demarcação: «I – A norma do art.º 1353º do Código Civil consagra o direito potestativo do dono de um prédio obter o concurso dos donos dos prédios vizinhos para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles. II - Visando efectivar esse direito, as acções de demarcação apresentam uma causa de pedir complexa, traduzindo-se na invocação da titularidade de prédios distintos, da confinância e, por último, da controvérsia quanto aos limites, sendo certo que se trata da acção adequada ainda naquelas situações em que a linha limite é conhecida e indiscutida, destinando-se a acção a obter o concurso do dono do prédio vizinho para a mera aposição dos marcos. III - Por via da norma do artº 1354º, nº 2, do C. Civ., vê-se que o direito a demarcar prédios depende, não tanto da invocação de uma linha de demarcação, mas antes da própria inexistência de demarcação em si - tudo o mais deve ser conhecido pelo próprio tribunal, aplicando, para efeitos da fixação de uma linha de demarcação, os critérios principal e supletivo previstos no citado artº 1354º. IV - Desde que se verifique a confinância de prédios pertencentes a proprietários diferentes e inexista linha divisória entre eles (seja porque, indiscutida entre os proprietários confinantes, não está marcada, sinalizada no terreno, seja porque ela (isto é, a sua localização), é objecto de controvérsia entre eles, seja porque eles pura e simplesmente desconhecem a sua localização) está aberta a porta para a actuação do direito de demarcação. V - Se a divisão da área conflituante não puder ser resolvida pelos títulos de cada um, será sucessivamente resolvida pela posse ou outros meios de prova; no limite, não podendo ser resolvida por nenhum desses meios, será equitativamente dividida pelos proprietários confinantes». É recorrente na doutrina e na jurisprudência a afirmação de que nem sempre é linear e fácil identificar quando estamos perante uma ou outra acção e que o critério de distinção reside em que, na reivindicação, há um conflito de títulos de aquisição, ao passo que na demarcação há um “conflito de prédios”, ou, como se discorreu no acórdão da Relação de Guimarães de 29.06.2017 (acessível em www.dgsi.pt), na primeira, discute-se a titularidade e na segunda discute-se a extensão (dos prédios confinantes). Explicando esse critério diferenciador, Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, tomo III, 2ª edição, pág. 199) anotam: «se as partes discutem o título de aquisição, como se, por exemplo, o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa ou sobre uma parte dela, porque a adquiriu por usucapião, por sucessão, por compra, por doação, etc., a acção é de reivindicação. Está em causa o próprio título de aquisição. Se, pelo contrário, se não discute o título, mas a relevância dele em relação ao prédio, como, por exemplo, se o autor afirma que o título se refere a varas e não a metros ou discute os termos em que deve ser feita a medição, ou, mesmo em relação à usucapião, se não discute o título de aquisição do prédio de que a faixa faz parte, mas a extensão do prédio possuído, a acção já é de demarcação. Pretende-se com ela, no fundo, uma declaração da extensão da propriedade, sem que estejam em causa os títulos de aquisição». Em suma, lança-se mão da “acção de reivindicação” para pedir o reconhecimento do direito de propriedade sobre um prédio ou parte dele e a respectiva restituição, mas intenta-se “acção de demarcação” para obrigar o dono de prédio confinante a concorrer para a definição e fixação da linha divisória que seja incerta ou duvidosa.” Porém, como se refere no Ac. da Rel. do Porto de 9/1/2023, proc.º 41/21.4T8BAO.P1, relatado por Carlos Gil, segmento que se transcreve, “alguma doutrina tem questionado essa jurisprudência [Referimo-nos aos comentários críticos do Sr. Professor Teixeira de Sousa aos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 25 de março de 2021, processo 768/21.0T8BRG-B.G1 e do Tribunal da Relação do Porto de 13 de julho de 2021, processo 500/20.6T8ALB.P1, publicados no blogue do IPPC, respetivamente, em 25 de outubro de 2021 e em 30 de março de 2022 e ao comentário crítico do Sr. Juiz Conselheiro Urbano Aquiles Dias também publicado no blogue do IPPC em 27 de março de 2022 e intitulado “Da não incompatibilidade entre os pedidos de reivindicação e de demarcação”.], com argumentos ponderosos do ponto de vista dogmático e de uma adequada e eficiente gestão dos instrumentos processuais, sendo de admitir desenvolvimentos futuros na jurisprudência, aderindo ou criticando essas posições doutrinais. No mesmo aresto escreve-se, ainda, “Pela nossa parte, não cremos que exista uma verdadeira incompatibilidade de efeitos jurídicos entre o pedido de reivindicação e de demarcação, pois que também a reivindicação, na sua vertente de restituição, implica a prévia definição precisa dos limites do imóvel a restituir e, por outro lado, da definição das estremas entre os prédios em ação de demarcação pode resultar demonstrada uma violação desses limites, nomeadamente com a realização de construções dentro dos limites determinados em sede de ação de demarcação. A nosso ver, incompatibilidade existe sim ao nível das causas de pedir pois que enquanto a reivindicação pressupõe a certeza quanto aos limites do imóvel reivindicado, a demarcação envolve necessariamente uma incerteza quanto à definição de uma ou mais confrontações do prédio a demarcar, surgindo a pretensão de demarcação precisamente para pôr termo a tal situação de dúvida. Importa ainda reter que a incerteza dos limites dos prédios nem sempre é inicial, surgindo amiúde no desenvolvimento da lide, muitas vezes por força das contingências probatórias, o que deve motivar alguma reflexão sobre os meios a adotar para uma mais eficiente utilização dos meios processuais e para uma tanto quanto possível expedita resolução do conflito em que as partes estão envolvidas”. Independentemente da posição advogada sobre este ponto, a questão que temos entre mãos, não passa por este ponto. Como referimos in supra, temos para nós, que a questão, colocada no presente recurso consiste em saber se há contradição entre o pedido e a causa de pedir, referindo o recorrente, que tal não se verifica, desde logo, por afirmar, que o pedido formulado está de acordo com a causa de pedir e a factualidade invocada nunca e em tempo algum colocou dúvidas ou contradições quanto à causa de pedir e ao pedido. Opinião oposta têm os recorridos, tanto assim, que na contestação pugnam pela ineptidão da P.I., por entenderem que o pedido está em contradição com a causa de pedir, pois que o pedido assenta a sua causa de pedir na demarcação dos prédios e, depois, o pedido visa o reconhecimento do direito de propriedade, Vejamos. Antes demais cabe referir, que também nós, não vislumbramos que o A. tenha cumulado o pedido de reivindicação com o demarcação. Dito isto, passemos ao caso em apreço. Operando à leitura da P.I. podemos constatar, vários “setores”, a saber. Do art.º 1 ao 11, factos relativos ao terreno propriedade do A., agora recorrente. Do art.º 12 a 14, factos relativos ao terreno propriedade dos RR. Dos art.ºs 15 a 18 delimitação que tinham os terrenos, segundo o A. 20. Começaram a plantar bacelo além do limite do seu prédio, dentro do prédio do A., 21. Arrancaram várias videiras da sua estacada, para retirar sinais de demarcação dos limites dos prédios, *** 4. – Decisão Face ao exposto, decide-se, por acórdão, julgar o recurso procedente e por consequência, revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos, salvo se se verificar algum outro obstáculo processual ainda não conhecido. As custas do recurso são da responsabilidade dos recorridos já que decaíram (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Coimbra, 26/9/2023 Pires Robalo (relator) Henrique Antunes (adjunto) Falcão de Magalhães (adjunto)
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