Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3476/23.4T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA MARQUES FERREIRA
Descritores: SEGURO DE GRUPO
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO AO ADERENTE
VIOLAÇÃO PELO TOMADOR DE DEVERES DE INFORMAÇÃO
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
ABUSO DO DIREITO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 02/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 121.º, N.º 1, DO REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO (APROVADO PELO DLEI N.º 72/2008, DE 16-04), 3.º, N.º 1, E 4.º A 6.º DA DIRETIVA 93/13/CEE DO CONSELHO, DE 5 DE ABRIL DE 1993, E 334.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – O conhecimento da informação omitida aquando da celebração de um contrato de seguro não se confunde com o conhecimento do dano causado pela mesma omissão.

II – Sabendo o segurado, há cerca de quinze anos, que lhe estavam a ser cobrados valores muito superiores ao inicialmente acordado prémio mensal de € 104,56, sabia do dano sofrido e do seu direito à indemnização, tendo-se então – aquando de cada pagamento – iniciado o prazo de prescrição do direito ao seu reembolso.

III – A obrigação de o tomador de seguro informar o aderente não pode ser interpretada no sentido de afastar a responsabilidade da seguradora, o que violaria as expectativas e a confiança que o aderente depositou, não só no intermediário do seguro, mas também na própria seguradora.

IV – Nos seguros de grupo, há que distinguir as relações internas, entre seguradora e tomadora, de onde poderá decorrer a responsabilização desta perante aquela, das relações externas, destas com o aderente, não se afastando a responsabilidade da seguradora, ainda que tenha sido o tomador a violar os deveres de informação.

V – Dificilmente o abuso de direito decorrerá de uma conduta omissiva do agente, não se podendo confundir a violação da boa fé com uma mera conduta negligente ou menos atenta.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Recorrentes   A... S.A. e B..., Lda.

  Recorrido        AA

        

Juiz Desembargador Relator: Anabela Marques Ferreira

Juízes Desembargadores Adjuntos:    Cristina Neves

                                    Luís Manuel Carvalho Ricardo

Sumário (da responsabilidade do Relator – artº 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

(…).

Acordam os juízes que nestes autos integram o coletivo da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I – Relatório

Nos autos de ação de processo comum, que correram termos no Juízo Central Cível de Viseu - Juiz 3, o Autor AA demandou as Rés A... S.A. e B..., Lda., pedindo que seja declarado: a) Que as RR. incumpriram os deveres de informação do ajuizado contrato de seguro perante o A.; b) A resolução judicial do ajuizado contrato de seguro a ser efectivada por sentença, por culpa das Rés. II – Serem as RR condenadas a: a) Reconhecerem quanto vem peticionado e será declarado; b) Pagarem solidariamente ao A. a quantia de € 59.985,60 acrescida de juros à taxa legal vencidos e contados desde o dia 31 de Dezembro de cada ano de vigência contratual, e que, até hoje, ascendem à quantia de € 16.116,30 e vincendos a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que, no dia 12 de julho de 2002, a 1ª R., na qualidade de seguradora celebrou com a 2ª R. um contrato de seguro de grupo com o ramo vida titulado pela apólice nº ...55, seguro esse para o qual a 2ª Ré, na qualidade de mediadora de seguros, tinha obtido a adesão de vários segurados, designadamente, no dia 15 de julho de 2002, o A., na qualidade de segurado, apresentou uma proposta à 1ª Ré , aderindo a esse contrato de seguro de grupo; ocorrendo, porém, que nunca foram facultadas nem entregues ao A. as condições particulares, condições gerais e condições especiais do Seguro Vida Grupo, nem pela 1ª R. nem pela 2ª R..

Mais alegou que as Rés procederam a aumentos anuais e arbitrários do prémio de seguro, sem nunca terem notificado previamente o A., nem das eventuais alterações ao contrato, nem do agravamento do prémio, sendo que o A. não se apercebeu do aumento do prémio pois pagava por débito direto.

Concluiu então que as RR. incumpriram o dever de informação estatuído nos artºs 78º, 79º do RJCS, sendo ilegais os aumentos do prémio, pelo que o prémio devido pelo A., durante toda a vigência do contrato, sempre foi o de € 104,56/mês; tendo o A. pago a mais, pelo menos, € 59.985,60, valor que lhe terá que ser devolvido, acrescidos de juros à taxa de 4%, no valor global € 16.116,30.

Alegou ainda que a informação sobre a atualização do prémio, a cada 5 anos, devido à idade do A., referida na missiva de 17.03.2022, não lhe foi facultada oportunamente, só sendo conhecida com a referida missiva.

A Ré A... S.A. contestou, impugnando parcialmente os factos, nomeadamente no que concerne à omissão da informação, e alegando, para além do mais, que a adesão em causa vigorou até 1 de Abril de 2021, altura em que se operou a sua resolução, por falta de pagamento dos prémios de seguro relativos a Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto de 2021, sendo que, somente após a resolução do contrato de seguro por falta de pagamento dos prémios, é que o ora Autor colocou em causa a evolução dos prémios de seguro.

Mais alegou que o eventual direito do Autor à restituição de quaisquer importâncias suportadas com prémios de seguro no âmbito do contrato de seguro que vem referido nos autos, sempre se mostraria, ainda assim, parcialmente prescrito, na medida em que o contrato se manteve em vigor entre Julho de 2002 e Abril de 2021; período durante o qual foram pagos os prémios de seguro, nos valores reconhecidamente pagos pelo Autor, e foram recebidos dos respetivos certificados anuais de seguro, dos quais consta a menção ao valor do prémio mensal devido durante a respetiva anuidade, não sendo plausível que o Autor não conhecesse o valor dos prémios pagos.

A Ré B..., Lda. contestou, impugnando parcialmente os factos, nomeadamente no que concerne à omissão da informação, e alegando, para além do mais, que os prémios eram efetivamente devidos, pelo que não devem ser devolvidos.

Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, no qual foi fixado o objeto do processo e enunciados os temas da prova.

Foi realizada audiência de julgamento e proferida sentença, onde se entendeu, em síntese, que houve violação do direito de informação, que a data relevante para efeitos de contagem do prazo de prescrição é a da comunicação de que o prémio seria alterado a cada cinco anos em função da idade, e que os juros só são devidos desde a citação.

E se decidiu:

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente,

- declara-se que as RR incumpriram os deveres de informação do ajuizado contrato de seguro perante o Autor;

- condenam-se as RR as pagarem, solidariamente, ao Autor, a quantia de €48.296,07 (quarenta e oito mil, duzentos e noventa e seis euros e sete cêntimos) acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da citação das RR até efectivo e integral pagamento.

Absolvem-se as RR do demais peticionado.

         A Recorrente A... S.A.  interpôs recurso da sentença, concluindo, nas suas alegações, que:

         (…).

A Recorrente B..., Lda.  interpôs recurso da sentença, concluindo, nas suas alegações, que:

(…).

O Recorrida AA respondeu aos recursos interpostos pelos Recorrentes A... S.A. e B..., Lda., concluindo, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.



II – Objeto do processo


Colhidos os vistos legais, prestados contributos e sugestões pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos e realizada conferência, cumpre decidir.

Da conjugação do disposto nos artºs 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 1 e 639º, todos do Código de Processo Civil, resulta que são as conclusões do recurso que delimitam os termos do recurso (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 608º, nº 2, ex vi artº 663º, nº2, ambos do mesmo diploma legal), não vinculando, porém, o Tribunal ad quem às soluções jurídicas preconizadas pelas partes (artº 5º, º 3, do Código de Processo Civil). Assim:

Questões a decidir:

1)Da alteração da decisão relativa à matéria de facto

2)Da prescrição do direito do Autor

         3) Da distinção entre os deveres de informação da companhia de seguros e da corretora de seguros

         4)Do abuso de direito



III – Fundamentação


A) De facto

       Factos julgados provados na sentença recorrida:

1. A 1ª R. é uma companhia de seguros que se dedica à actividade de seguros (1.º PI).

2. A 2ª Ré B..., Lda é uma sociedade corretora de seguros, que se dedica à consultadoria e corretagem de seguros, inscrita no Instituto de Seguros de Portugal (2.º PI, 4.º e 6.º Cont. 2.º Ré).

3. No âmbito da sua actividade, a 2.ª Ré B... celebrou com a C..., agora 1.ª Ré, um contrato de seguro de grupo, do Ramo Vida, correspondente à Apólice de seguro com o número ...55, seguro esse para o qual a 2ª Ré tinha obtido a adesão de vários segurados (3.º PI e 10.º Cont. 2.ª Ré).

4. O referido contrato de seguro do Ramo VIDA GRUPO celebrado entre a 1ª e a 2ª Rés e titulado pela apólice nº ...55, rege-se por: a) condições gerais; b) Condições particulares; c) condições especiais das seguintes coberturas: c.1) cobertura principal morte; c.2) cobertura complementar de invalidez absoluta e definitiva por doença; c.3) cobertura complementar de invalidez total e permanente (12.º Cont. 1.ª Ré).

5. Sendo um seguro de grupo, a ele podiam aderir, como Pessoas Seguras, todos os clientes da 2ª Ré e respetivos cônjuges que subscrevessem, junto de entidades bancárias, contratos de mútuo para aquisição de habitação própria (1ª habitação ou habitação secundária), cuja idade, na data da sua admissão ao seguro, adicionada ao prazo de amortização da dívida, fosse inferior ou igual a 65 anos no caso Plano de seguro A, ou 70 anos, no caso do Plano de seguro B (8.º Cont. 1.ª Ré)

6. Os proponentes a aderente tinham assim à sua disposição para escolha, os seguintes planos/garantias:

a) Plano de seguro A, com garantia de Morte (seguro principal) e invalidez total e permanente (garantia complementar);

b) Plano de seguro B, com garantia de Morte (seguro principal) e invalidez absoluta e definitiva (garantia complementar) (9.º Cont. 1.ª Ré)

7. Caso viesse a ocorrer a verificação dos riscos cobertos pela apólice, consoante o plano de seguro contratado, caberia então à 1ª Ré, proceder ao pagamento do capital seguro, nos termos, condições e com as limitações do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...55 (10.º Cont. 1.ª Ré).

8. Por cada adesão era atribuído o respetivo certificado (11.º Cont. 1.ª Ré).

9. A 2.ª Ré B..., através do seu colaborador BB, apresentou ao Autor o produto através da declaração individual de adesão, junta como documento 1 da petição inicial (6.º PI e 14.º Cont. 2.º Ré)

10. Antes da subscrição da Apólice pelo Autor, o Sr. BB explicou: i. Número de pessoas seguras admitido; ii. O risco coberto e garantias concedidas em caso de morte ou invalidez de alguma das pessoas seguras; iii. Valor do capital seguro, em consonância com o que foi solicitado à data pelo Autor; (15.º Cont. 2.ª Ré).

11. Em julho de 2002 o Autor, conjuntamente com a sua mulher apresentou uma proposta à 1ª Ré para aderir a esse contrato de seguro de grupo, subscrevendo para o efeito o correspondente boletim de adesão (4.º PI e 15.º Cont. 1.ª Ré)

12. Através de tal proposta de adesão à apólice de seguro, o Autor e a sua mulher pretendiam garantir o mútuo bancário contratado junto do Banco 1... para aquisição de habitação própria permanente, crédito esse no montante de € 324.218,63 (16.º Cont. 1.º Ré).

13. Essa proposta de adesão, acompanhada dos respetivos questionários, deu entrada nos serviços da 1ª Ré em 15.07.2002 (17.º Cont. 1.ª Ré).

14. A 1ª Ré aceitou a adesão do Autor à mencionada apólice, com as seguintes condicionantes: cobertura de morte, com agravamento de 50% no prémio (por alterações analíticas); cobertura de invalidez total permanente, com agravamento de 50% (por alterações analíticas) (10.º PI e 18.º Cont. 1.ª Ré)

15. Em 18.07.2002, a 1.ª Ré comunicou ao Autor e ao Banco para efeito de aceitação de benefício, as referidas condicionantes e comunicou que, para as condições informadas para o capital proposto, o prémio mensal devido era de € 104,56. (5.º e 9.º PI, 18.º a 20.º da Cont. 1.ª Ré).

16. Com base na proposta de adesão subscrita, conjuntamente, pelo Autor e pela sua mulher, a 1ª Ré avaliou o risco relativo a essa adesão que igualmente aceitou (originando a adesão relacionada com o n.º ...02) (21.º Cont. 1.ª Ré)

17. O prémio mensal devido à 1ª Ré pela adesão n.º ...02 (pessoa relacionada), era no valor de € 68,36 (22.º Cont. 1.ª Ré)

18. Os prémios parcelares devidos eram pagos do débito direto global na conta bancária com o NIB n.º ...76, identificado quer no formulário de adesão, quer na correspondente autorização de débito direto SEPA, posteriormente alterado para o NIB  ...47 (25.º e 26.º Cont. 1.ª Ré).

19. O celebrado contrato de seguro teve início em 18 de julho de 2002 e renovou-se anualmente a 01 de janeiro de cada um dos anos subsequentes (7.º e 29.º Cont. 1.ª Rè)

20. Na apólice nº ...55 constam as seguintes condições particulares:

INÍCIO DO SEGURO: O contrato de seguro é estabelecido por um período que vai desde 01 de Julho de 2002 até 31 de Dezembro de 2002, considerando-se tácita e automaticamente renovado por períodos anuais sucessivos contados a partir de 1 de Janeiro de cada ano, data que se considera como a do vencimento anual do contrato.

TERMO DO SEGURO: Ano e seguintes

FRACCIONAMENTO: Mensal

TIPO DE SEGURO: Contributivo. A percentagem de contribuição das pessoas seguras é de 100%.

I. GRUPO SEGURÁVEL: Todos os clientes do Tomador de Seguro e respectivos cônjuges que contraiam, com entidades bancárias, empréstimos para a compra de Habitação ou habitação secundária), cuja idade, na data da sua admissão ao seguro, adicionada ao prazo de amortização da dívida, seja inferior ou igual a 65 anos ou 70 anos caso subscreva o Plano Seguro A ou B, respectivamente.

II. BENEFICIÁRIOS: Para cada Pessoa Segura, o beneficiário em caso de morte ou invalidez é a entidade credora indicada na Declaração Individual de Adesão pelo valor em dívida à data do sinistro, até ao limite do capital seguro. Pelo valor remanescente, caso exista, são beneficiárias as pessoas designadas na respectiva Declaração Individual de Adesão, ou na falta destas, aos herdeiros legais da Pessoa Segura.

III.CAPITAL SEGURO:

1.Para cada adesão, o Capital Seguro no primeiro ano do contrato será igual ao montante inicial da dívida, relativo ao empréstimo concedido à habitação e será indicado no respectivo Boletim Individual de Adesão.

2.O Capital Seguro é actualizável sempre que a Seguradora seja informada pelo Beneficiário Aceitante, sendo os aumentos objecto de apreciação e análise por parte da Seguradora, com vista ao condicionamento da sua aceitação.

IV. GARANTIAS DO CONTRATO DE SEGURO

As pessoas Seguras escolherão, opcionalmente um dos seguintes planos de seguro:

A) Plano Seguro A - Garantias: Morte (Seguro Principal) e Invalidez Total e Permanente (Garantia Complementar).

B) Plano Seguro B - Garantias: Morte (Seguro Principal) e Invalidez Absoluta e Definitiva (Garantia Complementar).

V. TERMO DAS GARANTIAS

1. Para além do previsto nas Condições Gerais e Especiais da presente apólice, as garantias cessam os seus efeitos em caso de liquidação do empréstimo.

2.A data de cessação de cada uma das coberturas, é a seguinte:

a. Morte e Invalidez Absoluta e Definitiva: no termo da anuidade em que a Pessoa Segura completa 70 anos de idade.

b. Invalidez Total e Permanente: no termo da anuidade em que a Pessoa Segura completa 65 anos de idade.

3. No Plano Seguro A, as pessoas seguras com mais de 64 anos de idade deixam de estar abrangidas pela garantia de Invalidez Total e Permanente ficam abrangidas pela garantia de Invalidez Absoluta e Definitiva até aos 70 anos de idade.

VI. PRÉMIOS

1.O prémio anual total corresponde, para as garantias contratadas, ao valor abaixo indicado por cada € 5.000,00 de Capital Seguro. (quadro que consta da sentença e que aqui se dá por reproduzido)

2.Os valores indicados pressupõem que no fim da primeira anuidade do seguro existam, no minímo,20 pessoas seguras, e no final da 2.ªanuidade do seguro existam, nominímo50 pessoas seguras.

3.No caso de um titular, o escalão etário a aplicar será o relativo à idade actual. No caso de dois titulares, o escalão etário a aplicar será o relativo à idade comum dos dois titulares.

4.Os valores indicados incluem já os encargos em vigor – 1% para INEM.

5.A taxa contratual para cálculo do premio será anualmente revista em função das idades e capitais do grupo seguro e comunicada ao Tomador de Seguro em caso de alteração (Condições gerais da Apólice junta)

21. O Autor tinha 37 anos de idade em 18.07.2002 (8.º PI).

22. O prémio do seguro foi aumentando anual e sucessivamente sem que as Rés tivessem informado ou explicado esse aumento ao Autor (18.º PI)

23. As Rés nunca informaram o Autor da fórmula do cálculo e/ou racional dos agravamentos do prémio (20.º PI)

24. O Autor liquidou os seguintes valores mensais de prémio de seguro:

em 2007, 268.65€

em 2008, 269.39€,

em 2009, 271.31€,

em 2010, 271.31€,

em 2011, 301.35€,

em 2012, 422.11€,

em 2013, 420.95€,

em 2014, 420.95€,

em 2015, 423.02€,

em 2016, 477.22€,

em 2017, 686.67€,

em 2018, 686.67€,

em 2019, 686.67€,

em 2020, 688.55€

em 2021, 775.85€, nos meses de Janeiro a Março (45.º PI)

25. Em 2022, questionada pelo Autor, a 1ª Ré (carta datada de 17 de março de 2022), informou-o que: “Este contrato mantém o capital seguro inicial, uma vez que nunca recebemos qualquer pedido de atualização do mesmo para o valor do capital em dívida. A atualização do prémio desta apólice ocorre de 5 em 5 anos em função da sua idade” (46.º PI).

26. A informação sobre a actualização do prémio, a cada 5 anos, devido à idade só foi conhecida do Autor através da referida missiva (47.º PI)

27. Entre Julho de 2002 e Março de 2022 o Autor não pediu informações à C..., ou à 1ª e 2.ª Rés, sobre as condições do contrato em vigor (39.ºe 40.º Cont. 2.ª Ré).

28. Por falta de pagamento dos prémios de seguro relativos a Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto de 2021, a 1.º Ré considerou operada a resolução do referido contrato com efeitos a 01.04.2022 (29.º e 30.º Cont. 1.ª Ré).

Factos julgados não provados na sentença recorrida:

a. O contrato referido em 3 foi celebrado em 12 de Julho de 2002 (3.º PI).

b. A 1.ª Ré, na missiva que endereçou ao Autor em 18.07.2022 informou que o prémio mensal de €104,56 era devido apenas para a primeira anuidade (20.º Cont. 1.ª Ré)

c. A 1.ª Ré comunicou à aderente mulher que o prémio mensal de €68,36 era devido apenas para a primeira anuidade (22.º Cont. 1.ª Ré)

d. O Autor não se apercebeu do aumento do prémio por pagar por débito directo (28.º PI)

e. Durante todo o período em que o contrato se manteve em vigor, o Autor (assim como a sua mulher, enquanto pessoa segura relacionada) foi recebedor dos respetivos certificados anuais de seguro (56.º Cont. 1.ª Ré)

f. A 1ª Ré, tanto aquando da formação do contrato como na sua execução, prestou todas as informações relevantes que incluíram a explicação quer da diferença de prémio devido por cada um dos planos de seguro disponíveis, quer quando ao modo de evolução desses mesmos prémios durante a vida do contrato, designadamente no que se refere aos períodos etários/momentos contratuais em que tal revisão era executada (50.º a 52.º Cont. 1.ª Ré).

g. Antes mesmo da subscrição da Apólice pelo Autor, o Sr. BB apresentou o produto de forma clara, explicando:

- valor do prémio mensal que seria pago pelo Autor e pela mulher

- fórmula de contabilização do valor do prémio;

- regras referentes à actualização do prémio, em função do aumento da idade da pessoa segura (15.º Cont. 2.ª Ré).

h. O Sr. BB entregou ao Autor: i. Cópia das condições gerais aplicadas ao Seguro em causa; ii. Cópia das Condições particulares; iii. Cópia das condições especiais; Tabela com a informação referente à evolução dos prémios de seguro ao longo do período de vida da Apólice (16.º Cont. 2.ª Ré)..

Da alteração da decisão relativa à matéria de facto

(…)

         Deste modo, cumpre retirar a al. e) dos factos não provados, transpondo-a para o elenco dos factos provados.

Da matéria de facto provada consolidada

        

A supratranscrita, que não se mostra necessário reproduzir aqui novamente, e ainda que:

         24-a) Durante todo o período em que o contrato se manteve em vigor, o Autor (assim como a sua mulher, enquanto pessoa segura relacionada) foi recebedor dos respetivos certificados anuais de seguro

B) De Direito

Da prescrição do direito do Autor

Tendo em conta a matéria de facto apurada, cumpre concluir, sem mais delongas, que houve violação do dever de informação, o que apenas seria de afastar se tivesse sido alterada a matéria de facto em termos mais vastos do que aquela em que a alteração foi admitida.

Consequentemente, também não está em causa o direito à indemnização nem o montante da mesma – uma vez que, nessa parte, a sentença proferida não foi objeto de recurso -, cumprindo agora apurar da eventual prescrição do direito do Autor.

Diz-se na sentença recorrida:

No vertente caso, a 1.ª Ré sustentava que durante todo o período de execução do contrato o Autor pagou os prémios de seguro e foi recebedor dos certificados anuais de seguro dos quais constava, de forma clara, a menção ao valor do prémio mensal devido durante a respectiva anuidade, advogando que, por essa razão, o direito do Autor à restituição de qualquer valor pago a esse título estaria limitado aos últimos cinco anos.

Ajuizamos que o facto relevante para a determinação do momento do conhecimento do direito é aquele em que a 1.ª Ré informa o Autor que a actualização do prémio desta apólice ocorre de 5 em 5 anos em função da sua idade, missiva essa que permite ao Autor ter conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito, (sendo certo que, embora as RR não tenham provado que os certificados anuais de seguro foram efectivamente recebidos pelo Autor, do teor desses documentos também não se extraía a necessária informação quanto à actualização quinquenal dos prémios).

O Autor sabia que teria de pagar mensalmente o prémio, o que fazia transferência bancária automática, para assim manter o contrato de seguro vigente; todavia, esse facto – de ter liquidado, ao longo dos anos, valores superiores aos que foram fixados pela 1.ª Ré, aquando da aceitação das adesões - não lhe permitia o conhecimento do direito, dado que esse conhecimento só nasce quando finalmente lhe são prestadas as informações relevantes a tal propósito (de cinco em cinco anos actualizámos o premio em função da sua idade).

Prova-se, em 26, que a informação sobre a actualização do prémio, a cada 5 anos, devido à idade só foi conhecida do Autor através da referida missiva de 17.02.2022.

Assim, o Tribunal a quo considerou que o momento relevante para o início da contagem do prazo de prescrição é aquele em que o Recorrido tomou conhecimento que o prémio de seguro era atualizado anualmente em função da idade, e não o momento em que o Recorrido efetivamente soube do aumento do prémio, desconhecendo, contudo, a razão justificativa do aumento.

Dispõe o artº 121º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Dec.-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, que os direitos emergentes do contrato de seguro prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa. (sublinhado nosso)

O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido da aplicabilidade desta norma a todos os direitos que do contrato de seguro decorram para o segurado[1].

Assim, o que está em causa é saber quando é que o Recorrido soube da existência do seu direito.

Como se diz no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12 de Junho de 2016, proferido no processo nº 1545/13.8TVLSB.E1, disponível em www.dgsi.pt[2]:

I - O início do prazo de prescrição reporta-se, não ao momento da lesão do direito do titular da indemnização, mas àquele em que o direito possa ser exercido, a coincidir com o momento do conhecimento do direito que lhe compete, isto é, do direito à indemnização.

II - O lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar ação indemnizatória, mas é necessário que tenha conhecimento do dano. (sublinhado nosso)

Afigura-se-nos que, na sentença recorrida, se confunde o conhecimento da informação omitida com o conhecimento do dano causado pela omissão da informação, que são realidades distintas.

Isto é, foi omitida informação relevante, relativa à atualização do prémio, informação esta que só foi disponibilizada em março de 2022.

Contudo, o Recorrido já sabia, desde 2007, que o prémio aumentava, na medida em que celebrou o contrato em 2002, pagando então o prémio mensal de € 104,56, sendo que, desde 2007, pagou valores mensais muitíssimo superiores, ou seja, em 2007, 268.65€, em 2008, 269.39€, em 2009, 271.31€, em 2010, 271.31€, em 2011, 301.35€, em 2012, 422.11€, em 2013, 420.95€, em 2014, 420.95€, em 2015, 423.02€, em 2016, 477.22€, em 2017, 686.67€, em 2018, 686.67€, em 2019, 686.67€, em 2020, 688.55€ e em 2021, 775.85€, nos meses de Janeiro a Março.

Ora, o Recorrido bem sabia, desde 2007, que lhe estavam a ser cobrados valores muito superiores ao inicialmente acordado prémio mensal de € 104,56, sabia do dano mas não reagiu, não pediu explicações e continuou a pagar; contudo, como sabia do dano, o prazo de prescrição iniciou-se necessariamente, pelo que se encontra prescrito o direito à restituição dos valores pagos a mais até ao quinto ano anterior à data da propositura da ação.

O facto de continuar a não lhe ser prestada a informação relativa ao aumento do prémio em função da idade não se confunde nem anula o conhecimento do dano causado pela cobrança de premio superior ao inicialmente acordado.

Deste modo, cumpre dar provimento parcial recurso interposto, declarando prescrito o direito nesses termos.

Da distinção entre os deveres de informação da companhia de seguros e da corretora de seguros

A Recorrente A... S.A. alegou que:

40. E, nos termos do disposto no artº 4º do Decreto-Lei nº 176/ 95 de 26 de Julho, era ao tomador do seguro (no caso dos autos a Co-Ré B... Lda) que cabia encargo do cumprimento das obrigações de pré-informação contratual e de entrega das Condições do contrato de seguro aos proponentes a aderentes, aliás assim continuando a ser no presente, atento o disposto nos artº s 18º e 78º, nº s 1 e 3 do Decreto-Lei nº 72/ 2008 de 16 de Abril.

41. A este propósito, importa realçar que a mencionada apólice resultou da prévia negociação entre as Rés, que construíram conjuntamente o produto, leque de garantias garantidos e termos do seu funcionamento, grelha de evolução dos prémios, em suma, todo o seu clausulado, sendo por isso o tomador de seguro (Ré B... Lda) plenamente conhecedor dos seus exatos termos, estando igualmente munido das respetivas condições contratuais.

42. Em face do supra exposto, no que se refere à ora Recorrente, duvidas não se suscitam que cumpriu os deveres de informação pré-contratual que lhe eram impostos perante o Tomador de Seguro, nos termos à data previstos no artº 4º do Decreto-Lei nº 176/ 95 de 26 de Julho (que aliás se mantém na legislação atualmente em vigor, nos termos artº s 18º e 78º, nº s 1 e 3 do Decreto-Lei nº 72/ 2008 de 16 de Abril).

Por seu turno, a Recorrente B..., Lda. alegou que:

20. Na prática, a atuação da corretora limita-se a facilitar a adesão ao seguro, não se podendo, por isso, inferir que cabe à 2.ª R. – aqui Apelante – a responsabilidade direta pelo cumprimento dos deveres de informação do segurador, ao contrário do que foi erradamente entendido pela sentença recorrida.

21. Mas mesmo que assim se entendesse – o que se apresenta por mera cautela de patrocínio – ficou patente que, dentro do quadro contratual existente, esse dever foi cumprido, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95, na estrita medida em que a aqui Apelada o poderia cumprir, e sem prejuízo do dever que recaía sobre a seguradora, considerando a mesma norma.

Como bem se diz na sentença recorrida, e aqui não foi posto em causa, na parte relativa à formação do contrato, é aplicável in casu o disposto no Dec.-Lei nº 176/95, de 26 de Julho, o qual dispõe no seu artº 4º, nº 1, que 1 - Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.

Daqui decorre à evidência que recai sobre o tomador do seguro, a 2ª Ré, o dever de informação do segurado, não tendo esta provado ou sequer alegado factos de onde decorra que a 1ª Ré a tivesse impedido de cumprir com este seu dever.

Aliás, o corretor é uma entidade altamente qualificada, que participa na formação do contrato, dispondo de toda a informação necessária ao esclarecimento dos aderentes.

Como nos diz Paula Ribeiro Alves, “Intermediação de Seguros e Seguro de Grupo”, Almedina, pág. 80:

O "Corretor de seguros é o mediador que estabelece a ligação entre os tomadores de seguros e as seguradoras, que escolhe livremente, prepara a celebração dos contratos, presta assistência a esses mesmos contratos e pode exercer funções de consultadoria em matéria de seguros junto dos tomadores, bem como realizar estudos ou emitir pareceres técnicos sobre seguros."

A única dúvida que se poderia colocar seria apenas a da responsabilização da 1ª Ré, enquanto seguradora, por um lado, porque não é ela quem, em princípio, lida com o aderente; por outro lado, perante o teor literal da norma supratranscrita, que (aparentemente apenas) responsabiliza o tomador do seguro pela prestação da informação ao segurado.

Porém, como se diz na sentença recorrida, esta norma não pode ser interpretada no sentido de afastar a responsabilidade da seguradora, o que violaria as expectativas e a confiança que o aderente depositou, não só no intermediário do seguro, mas também na própria seguradora.

Nos seguros de grupo, há que distinguir as relações internas, entre seguradora e tomadora, de onde poderá decorrer a responsabilização desta perante aquela, das relações externas, destas com o aderente, não se afastando a responsabilidade da seguradora, ainda que tenha sido o tomador a violar os deveres de informação.

A jurisprudência foi resolvendo esta questão de formas antagónicas[3].

Neste contexto, o Supremo Tribunal de Justiça, duvidando da compatibilidade da orientação jurisprudencial no sentido da desresponsabilização da seguradora com o disposto na Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, suscitou a questão em sede de reenvio prejudicial junto do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Consequentemente, veio este Tribunal de Justiça da União Europeia a decidir – acórdão de 20 de Abril de 2023, processo C-263/22 – que O artigo 3.o, n.o 1, e os artigos 4.o a 6.o da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que: quando uma cláusula de um contrato de seguro relativa à exclusão ou à limitação da cobertura do risco segurado, da qual o consumidor em causa não pôde tomar conhecimento antes da celebração desse contrato, é qualificada de abusiva pelo juiz nacional, este tem de afastar a aplicação dessa cláusula a fim de que não produza efeitos vinculativos relativamente a esse consumidor.

Após o que o Supremo Tribunal de Justiça veio a decidir – acórdão de 25 de Maio de 2023, proferido no processo nº 2224/14.4TBSTB.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt – que:

V. No caso dos autos, dúvidas não subsistem de que a cláusula contratual que exclui da cobertura do seguro as situações clínicas resultantes da evolução de doenças pré-existentes não foi comunicada à autora aderente aquando da celebração do contrato de seguro, configurando, de acordo com os parâmetros indicados na fundamentação do Acórdão do TJUE, uma situação frontalmente contrária à “exigência da boa fé”, sendo de qualificar como cláusula abusiva.

VI. De acordo com a orientação do Acórdão do TJUE, a interpretação do direito nacional em conformidade com a Diretiva 93/13/CEE não permite que a existência de regimes de responsabilização do tomador do seguro pelo incumprimento do dever de comunicação/informação das cláusulas possa afectar a inoponibilidade ao aderente consumidor de cláusula contratual qualificada como abusiva.

VII. Assim, o direito nacional (art. 8.º, al. a), do DL n.º 446/85, de 25.10), ao determinar que as cláusulas não comunicadas sejam excluídas do contrato, encontra-se em plena consonância com a Diretiva 93/13/CEE.

VIII. No caso dos autos, considera-se excluída do contrato de seguro a cláusula de exclusão do risco de doença pré-existente, mantendo-se, no mais, a vigência do mesmo contrato (art. 9.º, n.º 1, do DL n.º 446/85, de 25.10), devendo, por isso, entender-se que a situação de incapacidade total e permanente da autora se encontra coberta pelo seguro contratado. (sublinhado nosso)

Como nos diz Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, “O contrato de seguro de vida de grupo (contributivo)” in Julgar Digital, Novembro de 2024, analisando o tema à luz destes dois acórdãos:

A temática da oponibilidade à seguradora das consequências jurídicas da não comunicação ao aderente de uma cláusula geral do contrato de seguro de grupo contributivo do ramo vida, quando, nas relações internas, o dever da sua comunicação incumbe ao tomador, passa pela distinção entre essas relações internas e relações externas e pela aplicação do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais a este tipo de contratos, aplicação esta que não permitirá a desresponsabilização da seguradora perante o aderente e impedirá a mesma de lhe opor  uma cláusula, designadamente de exclusão ou limitação, quando essa cláusula não lhe foi comunicada pelo tomador, remetendo o eventual ressarcimento da seguradora para a sua relação interna com este, sendo esta uma interpretação conforme aos arts. 3.º, n.º 1, e 4.º a 6.º da Diretiva 93/13/CEE do Conselho de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores. (sublinhado nosso)

Assim, concordando inteiramente com esta orientação, cumpre manter a condenação de ambas as Rés no pagamento de indemnização ao Autor.

Do abuso de direito

Entendem ambas as Rés que o Autor age em abuso de direito.

Dispõe o artº 334º, do Código Civil, que É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Para que estejamos numa situação de abuso de direito, é necessário que o titular de um direito subjetivo não o possa exercer porque o seu exercício implicaria ultrapassar os limites impostos pela boa-fé, os bons costumes ou o fim social ou económico do direito.

Estamos perante um instituto aberto - a interpretar casuisticamente, fazendo apelo, nomeadamente, às conceções sociais dominantes, à tutela da confiança e à primazia da materialidade subjacente – dentro do qual a doutrina tem autonomizado tipos de atos abusivos, como a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a suppressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício do direito[4].

Ora, no caso em apreço, entendemos que o Recorrido não exerceu o seu direito de forma abusiva, tendo-se simplesmente limitado a não o exercer enquanto entendeu, nada mais lhe podendo ser imputado que fundamente o desequilíbrio da posição das partes.

Poder-se-ia ver aqui uma situação de venire contra factum proprium, pela aceitação tácita do aumento do prémio, por dela ter conhecimento, mas nada fazendo longo do tempo.

Como nos diz António Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 307:

I. A locução venire contra factum proprium - à letra: vir contra o facto próprio e, materialmente: contradizer o seu próprio comportamento - traduz, em Direito, o exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.

Contudo, no caso em apreço, por um lado, estamos perante uma conduta omissiva, sendo difícil configurá-la como uma atuação em violação da boa fé[5], podendo tratar-se apenas de uma conduta negligente ou menos atenta do agente.

Por outro lado, estando o direito do segurado limitado pela baliza da prescrição, encontra-se também por aqui afastada alguma forma de abuso que possa ter decorrido da passagem do tempo sem o exercício do direito.

Deste modo, concluímos pela inexistência de abuso de direito.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 3ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, julgando prescrita a indemnização fixada na parte relativa aos prémios pagos até 5 anos antes da data da propositura da ação.

                                                            

Custas pelos apelantes e apelado – artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil – na proporção de 1/3 e 2/3 respetivamente.

         Coimbra, 18 de Fevereiro de 2025

         Com assinatura digital:

         Anabela Marques Ferreira

         Cristina Neves

         Luís Manuel Carvalho Ricardo

        


[1] Nomeadamente acórdãos de 27 de Outubro de 2022 no processo nº 6735/20.4T8VNG.P1.S1, e de 3 de Maio de 2023 no processo nº 4427/19.6T8VNG.P1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Também acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de Junho 2024, proferido no processo nº 524/23.1T8FIG.C1, disponível em www.trc.pt.
[3] Em sentidos opostos, ver, nomeadamente, acórdãos deste Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Outubro de 2020 no processo nº 1531/19.4T8PBL.C1 e de 12 de Julho de 2017 no processo nº 64/14.0TBLMG.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] António Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil”, Tomo V, 3ª edição, Almedina, 2021, págs. 297 e segs.
[5] Ana Prata, “Código Civil anotado”, Volume I, 2ª edição, Almedina, 2024, pág. 441: Apesar de ser mais frequente encontrar situações de abuso por ação, pode ser que ele ocorra por omissão [dando como exemplo, apenas, o abandono de meios de produção]. (sublinhado nosso)