Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FÁTIMA SANCHES | ||
Descritores: | HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA INDEMNIZAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 01/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CANTANHEDE) | ||
Texto Integral: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO PRINCIPAL E CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO SUBORDINADO | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 137º, N.º 1, C.P., 496º, N.ºS 2 E 4, 562º, 566º, N.º 3, CÓDIGO CIVIL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I- Tendo em conta a intensidade e duração do sofrimento da vítima (dores imensas, cerca de 14 dias, com agravamento para o final), o facto de a mesma ter estado consciente da sua situação durante todo esse tempo, tendo percebido que a sua vida corria perigo, o que agravou o seu estado de sofrimento, a quantia justa a atribuir a este título é de €30 000,00 (trinta mil euros).
II- Do ponto de vista dos sofrimentos psicológicos que afetaram a viúva e o filho da vítima, não se vê razão para fazer qualquer distinção a refletir-se na quantia a atribuir a título de indemnização pelos mesmos, uma vez que ambos mantinham com a vítima laços afetivos fortes, embora de diferentes naturezas, sendo razoável admitir que terão ficado psicologicamente afetados em igual medida com a perda da vítima. III- Contando a vítima 37 anos de idade e o facto de ser pessoa familiar, profissional e socialmente bem integrada, a quantia justa a atribuir a título de indemnização pelo dano morte é de €90 000,00. IV- Não tem cabimento o recurso à taxa de divórcios em Portugal como fundamento para limitar temporalmente o valor dos danos patrimoniais futuros pela perda de rendimento da viúva. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | *
Acordam em conferência os Juízes da 4º Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. RELATÓRIO 1. No âmbito do processo comum singular nº7344/18.3T9CBR do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Local Criminal de Cantanhede, por sentença proferida em 25-10-2023 [referência 92493228], foi decidido (transcrição): «Pelo exposto, decide-se: a) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelos art.ºs 15º, alínea b) e 137º, nº 1 do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão; b) Suspender a execução da pena de prisão ora aplicada pelo período de 1 (um) ano (artº 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal); c) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 6 (seis) meses, nos termos do disposto no art.º 69º, n.º 1, alínea a) do Código Penal; d) Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização cível e, em consequência, condenar a demandada “A..., S.A.” a pagar aos demandantes BB e CC a quantia total de € 426.447,70 (quatrocentos e vinte e seis mil quatrocentos e quarenta e sete euros e setenta cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo € 206.723,85 (duzentos e seis mil setecentos e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de dano futuro pela perda de rendimento para a Demandante BB, € 69.723,85 (sessenta e nove mil setecentos e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos) pela perda de rendimento para o Demandante CC, € 20.000,00 (vinte mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima no período que decorreu entre o acidente e o falecimento, € 70.000,00 (setenta mil euros) pelo dano morte e € 60.000,00 (sessenta mil euros) pelos danos não patrimoniais próprios, sendo € 30.000,00 (trinta mil euros) para o cônjuge e € 30.000,00 (trinta mil euros) para o filho, acrescido de juros de mora contados desde a data de prolação da presente decisão, absolvendo-se do que demais havia sido peticionado; e) Julgar totalmente procedente por provado o pedido de indemnização cível e, em consequência, condenar a demandada “A..., S.A.” a pagar ao demandante “Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões” a quantia de € 17.839,01 (dezassete mil oitocentos e trinta e nove euros e um cêntimo), referente a subsídio por morte e pensões de sobrevivência pagas à cônjuge e filho do falecido, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; f) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo (artº 8º do Regulamento das Custas Processuais), fixando a de taxa de justiça em 2 UC – artºs 374º, n.º 4, 513º, n.º 1 e 514º, n.º 1 do Cód. Processo Penal; g) Custas do pedido cível por demandantes BB e CC e demandada “A..., S.A.” na proporção do decaimento; h) Custas do pedido cível formulado pelo demandante “Instituto da Segurança Social, IP – Centro Nacional de Pensões”, pela demandada “A..., S.A.”.»
2. Inconformada a demandada A..., S.A interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões e petitório (transcrição): (…) 6. A este recurso subordinado respondeu, também, a demandada A..., S.A. Na parte relativa à indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima e por danos patrimoniais futuros decorrentes da perda de rendimento dos demandantes, remete para tudo quanto ficou dito no recurso que interpôs. Relativamente à indemnização pelo dano morte e pelos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes, sustenta, em síntese, o seguinte: - Quanto ao dano morte, considerando os contornos factuais do caso concreto, indica Jurisprudência que permite, ao contrário da citada no recurso subordinado, concluir que o montante fixado a este título não merece reparo [acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.06.2021, prolatado no âmbito do processo n.º382/15.0T8VCT.G1 e de 30.09.2021, prolatado no âmbito do processo n.º 5872/19.2T8BRG.G1]; - Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes, apelando, igualmente aos contornos factuais do caso concreto, indica Jurisprudência que permite suportar a decisão recorrida na parte em que fixa a título de indemnização dos mesmos a quantia de €30 000,00 para cada um dos demandantes [acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.06.2021, prolatado no âmbito do processo n.º382/15.0T8VCT.G1; do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2022, prolatado no âmbito do processo n.º 2374/20.8T8PNF.P1.S1; do Supremo Tribunal de Justiça de 25/2/2021, prolatado no âmbito do processo nº4086/18.3T8FAR.E1.S1].
7. – Pelo Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto foi aposto “visto”.
8. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, n.º 3, alínea c) do citado código.
II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Delimitação do objeto dos recursos. Segundo jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - como seja a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto resultantes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal[1], e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza os fundamentos de discordância com o decidido e resume as razões do pedido (artigo 412º, n.º 1, do referido diploma), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do conhecimento do mesmo pelo tribunal superior. Atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir são as seguintes: 1ª – Montante atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima desde a data do acidente até à sua morte [conclusões 3. a 13. do recurso principal e 3. a 5. do recurso subordinado] 2ª – Montante atribuído ao demandante CC a título de indemnização por danos não patrimoniais por ele suportados em virtude da morte do seu progenitor [conclusões 14. a 20. do recurso principal] e montante fixado nos mesmos termos, tanto a um como a outro dos demandantes [conclusões 14. a 17. do recurso subordinado] 3ª – Montante atribuído a título de indemnização pelo dano morte [conclusões 6. a 13. do recurso subordinado] 4ª – Montantes atribuídos aos demandantes a título de indemnização dos danos futuros pela perda de rendimento [conclusões 21. a 74. do recurso principal] 5ª – Dedução aos montantes arbitrados das quantias pagas pela Segurança Social IP, a título de pensão de sobrevivência aos demandantes [conclusão 75. do recurso principal]
2. Da decisão recorrida. A sentença proferida pelo Tribunal a quo é do seguinte teor (transcrição dos segmentos pertinentes à decisão a proferir): «II) FUNDAMENTAÇÃO 1. Fundamentação de facto A) Factos provados 1) No dia 25 de Novembro de 2018, cerca das 14h30, DD conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-TQ-.., em segmento da Estrada Nacional 234, inserido no concelho de Cantanhede, no sentido Cantanhede-Mira. 2) A via pública referida em 1) encontrava-se em bom estado de conservação, possuindo um pavimento flexível e betão betuminoso na camada de desgaste, apresentando, ainda, quatro vias de trânsito, duas para cada sentido de circulação, sendo duas de abrandamento. 3) Nas mesmas circunstâncias de tempo referidas em 1), o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-BA-.., em segmento da Estrada Municipal 1020, via perpendicular à Estrada Nacional 234, inserida em área do concelho de Cantanhede, no sentido Corticeiro de Cima/Cantanhede. 4) A via pública referida em 3) desenvolvia-se numa recta em patamar com a largura de 6,40 metros, permitindo trânsito nos dois sentidos da marcha. 5) A Estrada Municipal 1020 cruza com a Estrada Nacional 234. 6) Na Estrada Municipal 1020, a anteceder o cruzamento com a Estrada Nacional 234, existia, entre outra sinalização vertical, considerando o sentido de marcha adoptado pelo arguido, o sinal de cedência de passagem B2 e o sinal de direcção J1. 7) Na EN234, a anteceder o cruzamento com a EM1020, existia, entre outra sinalização vertical, considerando o sentido de marcha adoptado por DD, sinal de pré-sinalização I2c, sinal de proibição C13, no mesmo suporte e o sinal de cedência de passagem B8. 8) No dia referido em 1), chovia, encontrando-se o piso molhado e a visibilidade era reduzida no local onde as duas vias públicas acima referidas se cruzavam. 9) O arguido não se apercebeu da aproximação ao cruzamento acima referido, nem da existência do sinal vertical de cedência de passagem, ou mesmo do trânsito que circulava na EN 234. 10) E, sem parar ou abrandar na intercepção das vias, acedeu ao cruzamento. 11) Ao actuar nos termos acima descritos, o veículo conduzido pelo arguido embateu no veículo conduzido por DD que, nesse momento, seguia na EN 234, no local de intercepção com a EM 1020. 12) Apesar de DD ter travado e desviado o veículo por si conduzido para a esquerda, não foi capaz de evitar ser embatido pelo veículo conduzido pelo arguido, maioritariamente na zona lateral anterior direita. 13) Em consequência directa e necessária de tais factos, DD sofreu lesões que lhe provocaram a morte, por enfarte cerebral, por trombose da artéria carótida comum direita, a partir da bifurcação, atingindo a artéria carótida interna direita e ramos, complicada de trombose/tromboembolia pulmonar aguda e oclusiva e bronquite aguda neutrofílica bacteriana grave. 14) O embate ficou a dever-se, exclusivamente, ao comportamento do arguido que, não atentou nas características da via em que circulava e sinalização aí existente, não se apercebendo da aproximação ao cruzamento acima referido, nem do sinal de paragem obrigatória que lhe era dirigido e se encontrava visível e legível. 15) O arguido agiu nos termos descritos, de forma temerária e imprudente, porquanto na ocasião chovia, o que reduzia a visibilidade, e o piso estava molhado, circunstâncias que lhe exigiam especiais cuidados na condução do seu veículo. 16) Sabia que era seu expresso dever atentar sobre a sinalização vertical existente na via em que circulava e que tinha obrigação de parar em face de um sinal de paragem obrigatória em cruzamentos ou entroncamentos – STOP. 17) O arguido não previu que, ao agir da forma descrita, no exercício da condução, poderia não se aperceber, atempadamente, como não se apercebeu, da existência de intercepções com outras vias públicas onde se encontrassem a circular outros veículos com os quais se pudesse cruzar e, assim, atingi-los, provocando a morte aos seus ocupantes, cenário este que se lhe exigia que representasse. 18) Não ignorava que a sua conduta era proibida e criminalmente punível. 19) DD, nasceu a ../../1981 e faleceu a 10/12/2018, no estado de casado, desde ../../2010, em primeiras núpcias, no regime de comunhão de adquiridos, com BB. 20) Ficaram a suceder-lhe como únicos e universais herdeiros, a sua esposa e o seu filho. 21) CC, nascido a ../../2013, é filho de DD e BB. 22) O veículo ligeiro de passageiros referido em 3), encontra-se registado em nome do arguido. 23) À data referida em 1), a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo referido em 3) encontrava-se transferida para a demandada, A..., S.A., através do contrato de seguro a que se reporta a apólice nº ...05. 24) No dia do embate referido em 1), DD foi transportado para o hospital de Cantanhede, onde lhe foi efectuado um raio-x e prescrita medicação para as dores, tendo o mesmo tido alta. 25) No dia seguinte, DD tentou ir trabalhar, mas não conseguiu por via das dores que sentia, tendo-se deslocado novamente ao hospital de Cantanhede, onde lhe foi prescrita nova medicação e determinado oito dias de baixa médica. 26) Durante a semana que se seguiu, DD passou a sentir fortes dores que se estendiam na totalidade do braço esquerdo, até ao ombro. 27) Por via do ocorrido em 26), DD voltou ao hospital, tendo-lhe sido marcada uma ecografia, que realizou na semana seguinte. 28) No dia 08/12/2018, DD sentiu tonturas, encontrando-se exausto e indisposto. 29) No dia referido em 28), DD ficou a dormir com o seu filho, CC, no quarto deste e BB dormiu noutro quarto, uma vez que se encontrava constipada. 30) Por volta das 05h15 do dia 09/12/2018 DD acordou, sentou-se na cama por uns minutos e ao levantar-se para se dirigir à casa de banho caiu prostrado no chão. 31) Por força da queda referida em 30) a demandante acordou e de imediato se dirigiu para o quarto do seu filho e ao deparar-se com aquela situação telefonou para o INEM. 32) Nessa ocasião, DD gemia em sofrimento, queixando-se de dores na parte de trás da cabeça e de que não sentia a parte esquerda do corpo. 33) Nesta altura DD apresentava um discurso coerente e perceptível. 34) No mesmo dia referido em 30), pelas 07h18m, DD deu entrada no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra – Pólo HUC, tendo sido submetido a uma TAC. 35) Nessa altura DD queixava-se de hemiparesia à esquerda, desvio conjugado à direita, apresentando um diagnóstico de ECG 15 que se manteve por 5h30, tendo sido activada a via verde AVC. 36) Apresentava ainda um défice neurológico agudo, tendo-se verificado o apagamento de sulcos corticais à direita, hiperdensidade espontânea e dissecação oclusiva da artéria carótida interna direita e defeito de preenchimento da artéria cerebral média direita. 37) No mesmo dia referido em 30), pelas 12h31m, DD foi transferido para o Serviço de Internamento, onde o seu estado neurológico se degradou, ficando entubado, ventilado e internado na UAVC. 38) À chegada do serviço de medicina intensiva, pelas 18h00m, DD apresentou as primeiras provas de morte cerebral, vindo a falecer no dia 10/12/2018, pelas 14h52m. 39) DD esteve consciente da sua situação durante o tempo decorrido desde o embate referido em 11) até ao momento referido em 34), tendo sofrido dores imensas à medida que a sua situação de saúde se ia agravando. 40) DD percebeu que a sua vida corria perigo, o que agravou o seu estado de sofrimento. 41) DD desempenhava a categoria profissional de auxiliar de operações de máquinas, auferindo um salário mensal médio líquido de € 874,11 (oitocentos e setenta e quatro euros e onze cêntimos), a que acresce o subsídio de férias e subsídio de Natal. 42) DD era um homem saudável, trabalhador e socialmente bem integrado. 43) Tinha uma vida alegre, formando um lar feliz com a sua esposa e filho. 44) Fazia parte das expectativas do casal ver a sua família aumentar com o nascimento de, pelo menos, outro filho. 45) DD era um marido meigo, exemplar e um pai extremoso. 46) DD vivia com os demandantes, BB e CC, em economia conjunta, para a qual colaborava com parte do seu vencimento ao conforto da família, designadamente para as despesas com vestuário, alimentação, água, luz e com a educação do filho. 47) Fora das horas de trabalho, DD, reservava a maior parte do seu tempo para a família. 48) Por força do embate referido em 11), a demandante, BB, sentiu dores no peito provocadas pelo cinto de segurança, que ficaram visíveis no corpo durante várias semanas. 49) Com a perda do marido, a demandante, BB, ficou muito perturbada e sofreu um grande desgosto, que se prolongou durante vários meses. 50) Ainda hoje dorme mal. 51) Antes da morte de DD tinha uma vida alegre, vivendo para o seu marido e filho. 52) DD e BB davam-se bem enquanto casal. 53) Após ter tomado conhecimento da morte do seu marido, BB ficou num estado depressivo e sorumbático. 54) No dia referido em 30), ao chegar ao hospital e tendo-se apercebido da situação em que o seu marido se encontrava, ficou num estado de angústia e desespero total. 55) Quando soube da morte do seu marido sentiu-se perdida, sem vontade de trabalhar ou de conviver com outras pessoas. 56) Foi-lhe prescrita medicação para dormir. 57) Com a morte do marido, BB sofreu e continua a sofrer a perda daquele até ao final dos seus dias. 58) Por força do embate referido em 11), o demandante, CC, sofreu lesões no pescoço e foi assistido, no local, pelo INEM. 59) A morte inesperada de DD, constituiu para o Demandante, CC, um profundo sofrimento. 60) CC assistiu a todos os desenvolvimentos da situação de saúde do pai. 61) Desde o dia em que DD deu entrada no Hospital Universitário de Coimbra, CC vem sendo acompanhado pelos Serviços de Psicologia da Santa Casa da Misericórdia de Cantanhede, sendo que nos primeiros dois anos o era com uma periocidade semanal e actualmente o acompanhamento ocorre sempre que experiencia momentos de maior descompensação emocional. 62) Até ao falecimento do pai, CC era uma criança extremamente feliz e entusiasta. 63) Desde a morte do pai, que surgiram na sua pessoa medos, inseguranças, lacunas ao nível do sono reparador e uma angústia de separação sempre que tem de se separar da sua progenitora, ficando marcado por traumas. 64) CC tinha o seu pai introjetado dentro de si de forma vinculativa e securizante. 65) CC, por vezes acorda durante a noite aos gritos, chamando pelo seu pai. (…)
3. Apreciação do recurso. Os Recorrentes discordam dos montantes fixados na sentença a título de indemnização pelos danos não patrimoniais (danos sofridos pela própria vítima entre o momento em que ocorreu o evento gerador da responsabilidade pela indemnização respetiva e a morte; o dano consubstanciado na perda do direito à vida; danos sofridos pelos demandantes em virtude do falecimento do sinistrado) e danos patrimoniais futuros. Não está, assim, em causa quer o dever de indemnizar a cargo da Demandada, quer a ressarcibilidade dos referidos danos, mas apenas o seu montante, sendo de notar que, mesmo no que tange aos aludidos danos de natureza patrimonial, intervêm juízos de equidade – Cfr. artigos 566º nº3 e 496º nº4 do Código Civil. Cabe, portanto, a este Tribunal de recurso, aferir se os montantes fixados se afastam, ou não, de forma substancial, dos critérios e montantes que vêm sendo adotados em situações similares pela Jurisprudência e se assim for, proceder à sua correção. É que, embora, como se referiu, a fixação de tais montantes esteja sujeita a critérios de equidade, cabe salvaguardar a segurança da aplicação do Direito, não podendo, por isso, prescindir-se dos critérios jurisprudenciais uniformizados, garantindo assim, o respeito pelo princípio da igualdade. A este propósito, vejam-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28-10-2010[2], 21-01-2016[3], 29-06-2017[4], 25-10-2018[5], 12-11-2020[6] e 15-10-2024[7] e acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-02-2023[8], todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. Passemos, pois, à apreciação das pretensões recursórias, tendo por horizonte as considerações acabadas de tecer.
3.1. – Montante atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima desde a data do acidente até à sua morte. A quantia fixada a título de indemnização destes danos pelo Tribunal a quo foi de €20 000,00 (vinte mil euros). Contestam este valor, quer a Demandada (conclusões 3. a 13. do recurso principal), quer os Demandantes (conclusões 3. a 5. do recurso subordinado). Aquela, porque considera adequada a quantia de €10 000,00 (dez mil euros), estes, porque consideram adequada a quantia de €35 000,00 (trinta e cinco mil euros). Recordemos os fundamentos da decisão nesta parte: «Com efeito, no que concerne aos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, no período que decorreu entre o acidente e o momento em que a vítima veio efectivamente a falecer, peticionados pela demandante BB e designados de danos intercalares, encontram-se estes, ao nível da fixação do seu quantum indemnizatório, dependentes de vários factores, como sejam, o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima se manteve consciente ou inconsciente, se teve ou não dores, qual a intensidade das mesmas, se teve consciência de que ia morrer, entre outros (cf. Ac. TRG, proc. n.º 7328/15.3T8GMR, de 28-09-2017, disponível em www.dgsi.pt). Tais danos, sofridos ainda em vida da vítima surgem na esfera do falecido e com a morte deste transmitem-se aos seus sucessores que nos termos do art. 2133.º, n.º 1, al. a) do Código Civil e atento o facto provado em 20), são a cônjuge, aqui demandante e o filho desta e do falecido. Conforme sumaria o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/02/2022 “O dano intercalar, porque medeia entre o momento em que ocorre o acto lesivo e a morte da vítima resultante desse evento, abrange o sofrimento, designadamente pela percepção da eminência da própria morte, e dores físicas sentidas pela vítima durante o período em causa. Esse dano é atendível em termos compensatórios, devendo os respectivos valores indemnizatórios ser calculados, conforme já se referiu, em função do caso concreto, ponderando, designadamente, a gravidade das lesões sofridas, a intensidade das dores, o período de tempo durante a qual as dores se prolongam e eventual pressentimento da morte” (cf. Ac. TRP, proc. n.º 2374/20.8T8PNF.P1, de 24-02-2022, disponível em www.dgsi.pt). Reportando ao caso em concreto, está provado que em virtude das lesões sofridas com o acidente de viação, DD faleceu (cf. facto provado em 13)). Ademais provou-se ainda que no espaço em que mediou entre o acidente e a ocorrência da sua morte, DD foi tendo a percepção da gravidade do que lhe estava a acontecer e ainda que sofreu muitas dores durante todo o processo, dores essas que iam ficando mais intensas com o passar dos dias (cf. factos provados em 24) a 39)). Por seu turno, no dia do acidente deslocou-se ao hospital por via da dor que sentia no pulso, onde foi submetido a um raio-x e lhe foi prescrita medicação para as dores (facto provado em 24)). Mais se provou que no dia seguinte e nos dias que se seguiram até à sua morte, se deslocou por várias vezes ao hospital, onde lhe foi prescrita nova medicação, determinada oito dias de baixa e realizada uma ecografia por via das fortes dores que se iam agudizando com o passar dos dias (factos provados em 25) a 28)). Igualmente se demonstrou que na madrugada de 09-12-2018 o mesmo foi transportado pelo INEM para o Centro Hospitalar de Coimbra, onde ficou imediatamente internado e onde veio, no dia seguinte a falecer (cf. factos provados em 30) a 38)). Mais se refira que o acidente ocorreu no dia 25-11-2018 e que DD só veio a falecer a 10-12-2018, havendo assim um hiato temporal entre o acidente e a sua morte de 15 dias (cf. factos provados em 1), 3), 9) a 11), 19)). A par disso ficou ainda demonstrado que DD esteve consciente da sua situação durante o tempo decorrido desde o embate até à manhã do dia 09/12/2018, apresentando até ao dia que foi internado no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, um discurso coerente e perceptível (cf. factos provados em 33) e 39)). Mais se demonstrou que o mesmo teve percepção que corria perigo de vida, o que agravou o seu estado de sofrimento (cf. facto provado em 40)). Não obstante, não pode o Tribunal ser alheio, na fixação do quantum indemnizatório, dos quantitativos fixados pela jurisprudência e reputados como «justos». Assim, veja-se a título de exemplo o citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/02/2022, onde foi fixada a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por uma vítima que fora submetida a diversos tratamentos, exames, três intervenções cirúrgicas, onde após o acidente a vítima permaneceu em sofrimento durante 13 (treze) dias até ao seu decesso, durante os quais esteve internada no hospital, em consequência desse mesmo acidente. Ou ainda o caso plasmado no aresto do Supremo Tribunal de Justiça, proc. n.º 569/10.1TBVNG.P1.S1, de 19/04/2012, onde se fixou em € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a indemnização a atribuir à vítima que sofreu 22 (vinte e dois dias) de internamento desde o acidente até ao seu falecimento. Assim, atendendo aos 15 (quinze) dias de crescente sofrimento que a vítima experienciou até ao seu decesso, durante os quais foi submetida a exames, tratamentos e por último a um internamento em estabelecimento hospitalar, à dor física profunda sofrida e tendo por mote os padrões fixados pela jurisprudência, decide-se ser adequado atribuir a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), a título de danos morais sofridos por DD no período que ocorreu entre o acidente e o seu falecimento. Pelo exposto, deverá a demandada A..., S.A. ser condenada a pagar à demandante BB, por si e em representação do seu filho menor, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos intercalares sofridos pelo de cujus.» A Demandada sustenta que o valor fixado pela decisão recorrida é exagerado e afasta-se, face às circunstâncias do caso, daquilo que tem vindo a ser a Jurisprudência nesta matéria. Na verdade, ali se teve em consideração um caso [acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/02/2022, (Proc. 2374/20.8T8PNF.P1)] onde foi fixada a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), mas em que estava em causa uma situação em que o dano a ressarcir era muito superior, tendo em conta que a vítima sofreu no local uma “dor física brutal”, sendo transportado para o hospital onde, após 13 dias de tratamentos (três cirurgias e inúmeros exames e tratamentos) acabou por falecer. Esse caso, na perspetiva da Demandada, evidencia o exagero da quantia fixada nos presentes autos, pois que, aqui, a vítima do acidente apesar de ter falecido 15 dias após o acidente, apenas teria padecido sofrimento relevante durante cerca de um dia e meio. Por outro lado, o exagero resulta da comparação do montante fixado com aquilo que são os montantes das tabelas indemnizatórias aplicáveis em sede extrajudicial (constantes da Portaria 679/2009, de 25 de Junho) onde se computa o quantum indemnizatório relativo aos danos morais próprios da vítima que sobrevive mais de 72 horas em €7 182,00 (sete mil, cento e oitenta e dois euros). Vejamos. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem valorado a este nível, o maior ou menor grau de sofrimento da vítima, a sua duração, se a vítima estava ou não consciente do seu estado, se perspetivou a sua morte com a angústia e medo que lhe são inerentes. No caso dos autos, o acidente ocorreu em 25-11-2018 e a morte veio a ocorrer em 10-12-2018. É certo que, como refere a Demandada não resultou provado que durante todo esse tempo, tenha sofrido dores, angústia e medo de igual intensidade à daquelas que sentiu nos últimos dois dias de vida, mas ainda assim, resultou provado um assinalável sofrimento, durante cerca de 15 dias consubstanciado em: - Logo no dia em que ocorreu o acidente, foi-lhe prescrita medicação para as dores; - As dores persistiram o que fez com que não conseguisse trabalhar no dia seguinte, tendo sido assistido no hospital e aí, em virtude das dores de que se queixava, foi-lhe prescrita medicação e baixa médica por uma semana. - Durante toda essa semana, sentiu fortes dores e, por isso, voltou ao hospital. - No dia 08-12 (13 dias após o acidente) sentiu tonturas, exaustão e indisposição e, de madrugada, ao levantar-se caiu prostrado no chão e foi conduzido ao hospital, gemendo em sofrimento e queixando-se de dores na parte de trás da cabeça e de insensibilidade na parte esquerda do corpo, apresentando-se, porém, consciente e com um discurso percetível. - Dado o agravamento da sua situação foi transferido para o CHUC, onde veio a falecer no dia 10-12. - Esteve consciente da sua situação durante o tempo decorrido desde o acidente até ao dia 09-12, tendo sofrido dores imensas à medida que a sua situação de saúde se ia agravando, tendo percebido que a sua vida corria perigo, o que agravou o seu estado de sofrimento. Por outro lado, apelar aos montantes das tabelas indemnizatórias aplicáveis em sede extrajudicial constantes da Portaria 679/2009, de 25 de junho como critério para fixação da quantia ajustada não se revela admissível. Desde logo porque o acidente ocorreu em 2018 e as tabelas datam de 2009 (cerca de dez anos antes) e, por outro lado, porque, conforme reconhece a própria Demandada, não são vinculantes para os Tribunais nem visam a fixação definitiva dos valores indemnizatórios (Cfr. acórdão do STJ de 15-09-2016, prolatado no âmbito do processo nº492/10.0TBBAO.P1.S1, relator, Cons.º António Joaquim Piçarra; acórdão do STJ de 07-05-2020, prolatado no âmbito do processo nº952/06.7TBMTA.L1.S1, relator Cons.º Olindo Geraldes, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Atentando naquilo que vem sendo considerado ajustado pelo STJ nesta matéria, as decisões oscilam entre as quantias de €20 000,00 (vinte mil euros) para casos em que o sofrimento perdurou por algumas horas[9] e €125 000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) para um caso em que tal sofrimento se prolongou por mais de um ano[10]. Ora, no caso concreto nesta parte e procedendo , tendo em conta a intensidade e duração do sofrimento da vítima (dores imensas, cerca de 14 dias, com agravamento para o final), o facto de a mesma ter estado consciente da sua situação durante todo esse tempo, tendo percebido que a sua vida corria perigo, o que agravou o seu estado de sofrimento, consideramos, à luz dos padrões acima referidos, que a quantia justa a atribuir a este título é de €30 000,00 (trinta mil euros), improcedendo o recurso principal parcialmente o recurso subordinado.
3.2. – Dos montantes atribuídos aos Demandantes CC e BB a título de indemnização por danos não patrimoniais por eles suportados em virtude da morte do seu progenitor e cônjuge, respetivamente. A quantia fixada a título de indemnização destes danos pelo Tribunal a quo foi de €30 000,00 (trinta mil euros) para cada um dos Demandantes. Contestam este valor, quer a Demandada, no que concerne ao Demandante CC (conclusões 14. a 20. do recurso principal), quer os Demandantes, em relação a ambos (conclusões 14. a 17. do recurso subordinado). Aquela, porque considera que a quantia adequada a indemnizar este dano no caso do filho da vítima deve ser de €25 000,00 (vinte e cinco mil euros) e os Demandantes porque consideram adequada a quantia de €60 000,00 (sessenta mil euros) para cada um. Recordemos os fundamentos da decisão nesta parte: «No que concerne à indemnização peticionada pelos demandantes, BB e CC, a título de danos não patrimoniais próprios, também ficou por demais demonstrado que a morte de DD causou grande sofrimento, angústia, tristeza e abalo psicológico nos demandantes, que, com toda a segurança atingem o limiar necessário ao seu ressarcimento (cf. factos provados em 49) a 57)). Com efeito, a compensação é devida pelo sofrimento da perda abrupta e irreparável do ente destes. A origem do dano do desgosto é o sofrimento causado pela supressão da vida, sendo de negar o direito à indemnização em relação a quem não tenha sofrido o dano. Conforme dita o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça “Salvo raras e anómalas excepções, a perda do lesado é para os seus familiares mais próximos causa de sofrimento profundo, sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares, às pessoas que lhe são mais chegadas (…) trata-se de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos e que por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos. Na sua determinação há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, (…) se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não” (cf. Ac. STJ, proc. n.º 08P3704, de 15-04-2009, disponível em www.dgsi.pt). A este propósito resultou provado que a morte inesperada de DD, constituiu para os demandantes um enorme choque, sentimento de perda, abalo psíquico e grande sofrimento. Reflectiu-se na vida da sua mulher e filho, vivendo estes, desde então, num estado constante de sofrimento, tristeza e desequilíbrio emocional (cf. factos provados em 49), 50), 53) a 57), 59), 61), 63) e 65)). No que concerne ao relacionamento da vítima com os demandantes, provou-se que CC tinha o seu pai introjetado dentro de si de forma vinculativa e securizante (cf. facto provado em 64)), BB tinha com a vítima um casamento feliz e mantinha um relacionamento de companheirismo com o mesmo, casamento esse que atendendo à data da sua celebração, aquando do acidente durava há oito anos (cf. factos provados em 19), 43) e 52)). No que concerne aos danos não patrimoniais que os demandantes sofreram por força do acidente, nomeadamente os elencados nos factos demonstrados em 48) e 58), diga-se que também estes têm dignidade para o seu ressarcimento. Assim, tendo em conta a factualidade dada como provada e de acordo com o critério da equidade a que deve recorrer-se, mostra-se adequada uma compensação no valor de € 30.000,00 (trinta mil euros) para a viúva, BB e € 30.000,00 (trinta mil euros) para o filho CC.» A Demandada sustenta que o valor fixado a este título, no caso do filho da vítima, é exagerado porque excede o montante que, usualmente, vem sendo arbitrado pelos nossos Tribunais Superiores em situações similares, a título de danos não patrimoniais por morte de um pai, citando em abono da sua pretensão os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 24-02-2022 (Proc. 2374/20.8T8PNF.P1, citado na decisão recorrida) e, do mesmo Tribunal, o de 17-06-2021 (processo nº137/19.2T8VFR.P1), onde se considerou adequada a quantia de €25 000,00 para situações em que, como a dos autos, existia uma boa relação entre a vítima e os descendentes menores de idade. Por outro lado, também aqui, o exagero da quantia fixada resulta da comparação da mesma com aquilo que são os montantes das tabelas indemnizatórias aplicáveis em sede extrajudicial (constantes da Portaria 679/2009, de 25 de Junho) onde se computa o quantum indemnizatório relativo aos danos morais sofridos por filho da vítima com idade igual ou inferior a 25 anos em €15 390,00 (quinze mil, trezentos e noventa euros). Vejamos. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem valorado a este nível, quer o grau de parentesco (igualando a situação do viúvo à de pessoa que com a vítima vivia em união de facto) quer a intensidade dos laços existentes e sofrimento psicológico resultante da perda da pessoa com quem se tinha esse tipo de relação e proximidade. Por outro lado, apenas em situações muito específicas se distingue, para estes efeitos o viúvo/pessoa com quem a vítima vivia em união de facto e os filhos e entre estes últimos, assumindo relevo as diferentes idades dos filhos à data da perda do progenitor e a ligação que tinham com ele. No caso dos autos, resultou provado que os demandantes são mulher e filho da vítima mortal. Os danos não patrimoniais que sofreram em virtude do acidente e subsequente perda do seu ente querido que resultaram provados são os seguintes: 1) No caso da Demandante BB - Estava casada com a vítima há 8 anos e formavam um casal feliz, que se dava bem enquanto casal, sendo a vítima um marido meigo, exemplar que, fora das horas de trabalho, reservava a maior parte do seu tempo para a família; - Fazia parte das expectativas do casal ter, pelo menos, mais um filho; - Com a perda do marido, ficou muito perturbada e sofreu um grande desgosto, que se prolongou durante vários meses e, ainda hoje dorme mal. - Antes da morte do marido tinha uma vida alegre, vivendo para o seu marido e filho. - Após ter tomado conhecimento da morte do marido, ficou num estado depressivo e sorumbático. - No dia 09-12-2018, ao chegar ao hospital e tendo-se apercebido da situação em que o seu marido se encontrava, ficou num estado de angústia e desespero total. - Quando soube da morte do marido sentiu-se perdida, sem vontade de trabalhar ou de conviver com outras pessoas, tendo-lhe sido prescrita medicação para dormir, sendo que a perda do marido lhe causou e continua a causar sofrimento que perdurará até ao final dos seus dias. 2) No caso do Demandante CC - À data da morte do pai tinha 5 anos de idade, vivia com ele e com a mãe, formando uma família feliz; - A vítima era um pai extremoso e a sua morte inesperada constitui para si um profundo sofrimento. - Assistiu a todos os desenvolvimentos da situação de saúde do pai e desde que este deu entrada no CHUC vem sendo acompanhado pelos Serviços de Psicologia da Santa Casa da Misericórdia de Cantanhede, sendo que nos primeiros dois anos o era com uma periocidade semanal e atualmente o acompanhamento ocorre sempre que experiencia momentos de maior descompensação emocional. - Até ao falecimento do pai era uma criança extremamente feliz e entusiasta e, desde então, surgiram na sua pessoa medos, inseguranças, lacunas ao nível do sono reparador e uma angústia de separação sempre que tem de se separar da sua progenitora, ficando marcado por traumas, sendo que, por vezes, acorda durante a noite aos gritos, chamando pelo pai. - Tinha o seu pai introjetado dentro de si de forma vinculativa e securizante. Resulta, portanto, deste quadro factual que ambos os Demandantes mantinham com a vítima, para além do parentesco próximo, fortes laços de afetividade e convivência no âmbito do mesmo agregado familiar, tendo ficado fortemente afetados com a sua perda. Em relação à viúva ressalta a interrupção violenta e súbita de um projeto de vida que incluía ter mais um filho e em relação ao filho sobressai a sua tenra idade e a privação muito precoce do convívio com o pai a quem estava fortemente ligado. Do ponto de vista dos sofrimentos psicológicos que afetaram cada um deles, não se vê razão para fazer qualquer distinção a refletir-se na quantia a atribuir a título de indemnização pelos mesmos. Na verdade não se vislumbram razões para (como sustenta a Demandante) fixar para o filho uma quantia inferior visto que resulta claro da matéria de facto a que se alude supra que ambos mantinham com a vítima laços afetivos fortes, embora de diferentes naturezas, sendo razoável admitir que terão ficado psicologicamente afetados em igual medida com a perda da vítima. Também neste particular não cabe apelar aos montantes das tabelas indemnizatórias aplicáveis em sede extrajudicial constantes da Portaria 679/2009, de 25 de junho como critério para fixação da quantia ajustada (como defende a Demandante) pelas razões já apontadas supra e para as quais se remete. Atentando naquilo que vem sendo considerado ajustado pelo STJ nesta matéria, as decisões fixam indemnizações entre €20 000,00 (vinte mil euros) e €50 000,00 (cinquenta mil euros), oscilando as quantias arbitradas, quando estão em causa o cônjuge (ou pessoa que vivia com a vítima em união de facto) e filhos menores de idade, em regra, entre €20 000,00 (vinte mil euros) e €35 000,00 (trinta e cinco mil euros)[11].
Ora, no caso concreto, tendo em conta estes parâmetros e o quadro factual descrito, entende-se adequado manter as indemnizações arbitradas pelo Tribunal a quo [€30 000,00 (trinta mil euros) para cada um dos demandantes], não se vislumbrando qualquer razão para os distinguir, improcedendo ambos os recursos nesta parte.
3.3. – Do montante atribuído a título de indemnização pelo dano morte. A quantia fixada a título de indemnização deste dano pelo Tribunal a quo foi de €70 000,00 (setenta mil euros). Contestam este valor os Demandantes (conclusões 6. a 13. do recurso subordinado) reputando como ajustada a quantia de €150 000,00 (cento e cinquenta mil euros). A decisão recorrida, nesta parte, apresenta os seguintes fundamentos: «Relativamente aos danos decorrentes da perda do direito à vida, designados como dano morte e também peticionados pela demandante BB, por si e em representação do seu filho menor, foram os mesmos sofridos no momento da morte da vítima, nascendo, deste modo, o direito à indemnização na esfera do de cujus, direito esse que, conforme já referido, não preclude com a morte e transmite-se, por via sucessória, para as pessoas referidas no art. 496.º, n.º 2, do Código Civil. Com efeito e conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça “o direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto. O direito à vida é a conditio sine qua non para gozo de todos os outros direitos.” (Ac. STJ, proc. n.º 08P3704, de 15/04/2009), pelo que o dano morte, traduz-se, assim, na violação absoluta do mais elevado direito de personalidade, violação essa que não pode ser redimida por qualquer quantia pecuniária, pelo que o desiderato da lei é o de fixar uma quantia que permita aos titulares do direito à indemnização, minimizar a perda sofrida. Quanto ao montante da indemnização a fixar deverá atender-se, tal qual refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães ao “valor da perda da vida da própria pessoa, pois que se a perda de uma vida, em abstracto, deve ser valorada de forma igual para todos os seres humanos, não podemos deixar de valorar cada vida em particular, com as características e potencialidades que ela tem ou possa vir a ter no futuro”. A par disso, tem ainda a jurisprudência considerado que, atenta a dignidade da vida humana, não se justifica a fixação de um valor, pelo dano morte, inferior a € 50.000,00 ainda que a vítima tenha 75 anos de idade, tendo-se fixado, ao longo dos últimos anos indemnizações entre os € 50.000,00 (cinquenta mil euros) e os € 80.000,00 (oitenta mil euros) (cf. Ac. TRG, proc. n.º 7328/15.3T8GMR, de 28-09-2017, disponível em www.dgsi.pt). Vertendo ao caso em concreto, provado que a vítima tinha 37 anos de idade à data do acidente, era uma pessoa saudável, alegre, trabalhadora, socialmente bem integrada, um marido meigo, exemplar e um pai extremoso, (cf. factos provados em 19), 42) e 45)). Igualmente se demonstrou que tinha um casamento feliz, a expectativa de ter mais um filho e fora das horas de trabalho reservava a maior parte do seu tempo para a família, sendo que o seu filho era muito ligado a si (cf. facto provado em 43, 44), 47), 52) e 64)). Assim, tendo por mote os valores que a jurisprudência tem fixado nesta matéria, mas não ignorando a precária idade que a vítima tinha ao tempo da sua morte, a sua vontade de viver e todos os projectos de vida que tinha e que com o seu decesso ficaram defraudadas, outrossim que cada vida é única e deve ser valorizada como tal, entende-se justa e equilibrada a fixação do montante indemnizatório pelo dano morte em € 70.000,00 (setenta mil euros).» Os Demandantes sustentam que o valor fixado pela decisão recorrida fica muito aquém daquilo que têm sido as indemnizações fixadas a este título, indicando como exemplos acórdãos que as fixam entre €95 000,00 (noventa e cinco mil euros) e €150 000,00 (cento e cinquenta mil euros)[12], sendo que, embora se reconheça, já há algum tempo, que “A indemnização por danos não patrimoniais, para responder, actualizadamente, ao comando do artº 496 do CC e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, não meramente simbólica ou miserabilista”[13], a verdade é que continuam a fixar-se indemnizações muito baixas. Vejamos. Em data próxima daquela em que ocorreu o acidente dos autos, houve necessidade de fixar critérios[14] para utilizar no cálculo das indemnizações das vítimas dos grandes incêndios de junho e outubro de 2017, tendo sido estabelecida, já na altura, para este dano – uniformemente valorado, em correspondência com a igual dignidade de todas as pessoas (sem relevo para a idade da vítima) – um valor referencial não inferior a €70 000,00 (setenta mil euros), montante que se considerou encontrar-se dentro do espectro das indemnizações fixadas pelo STJ para esta categoria de danos. Na procura do valor da compensação devida por este dano, embora a vida seja o valor humano maior, não podem deixar de ser tidas em conta as circunstâncias específicas de cada vítima, como a idade, a saúde, a vontade de viver, a situação familiar, a realização profissional, os projetos de vida, etc … Os valores que predominam nos acórdãos mais recentes do STJ, como indemnização deste dano variam entre €70 000,00 (setenta mil euros) e €95 000,00 (noventa e cinco mil euros), sendo os mais recentes no sentido de fixar tal indemnização na ordem dos €100 000,00 (cem mil euros)[15]. O acórdão do STJ citado pelos Demandantes que fixa a indemnização de €120 000,00 (cento e vinte mil euros) – datado de 22/02/2018 e prolatado no âmbito do processo nº 33/12.4GTSTB.E1.S1 – sai ligeiramente dos parâmetros habituais, pois que, estando em causa um jovem de 25 anos de idade, solteiro, saudável, com formação académica superior, dedicado e com fundadas aspirações de progressão na carreira, os dados de facto não são muito distintos dos considerados nos acórdãos citados supra e ali as indemnizações não atingem este valor. No caso dos autos, resultou provado com relevo para a determinação da indemnização em causa que: - A vítima do acidente, à data da morte, tinha 37 anos de idade e desempenhava a atividade profissional de auxiliar de operações de máquinas, sendo um homem saudável, trabalhador e socialmente bem integrado. - Tinha uma vida alegre, formando um lar feliz com a sua esposa e filho. - Tinha a expectativa de, com a esposa, aumentar a família projetando o casal ter, pelo menos, mais um filho. - Era um marido meigo, exemplar e um pai extremoso, dedicando a maior parte do seu tempo livre à família. - A sua morte prematura constituiu forte abalo psicológico, quer para a mulher, quer para o filho. Assim, tendo em conta a idade da vítima (um jovem de 37 anos de idade); a sua saúde (era um homem saudável); a grande vontade de viver refletida no facto de pretender aumentar a sua família; a sua situação familiar (tinha um casamento feliz, dedicando-se à mulher e ao filho de 5 anos de idade, tendo a sua morte constituído grande abalo psicológico para ambos) e o facto de ser pessoa socialmente bem integrada, consideramos, à luz dos padrões acima referidos, que a quantia justa a atribuir a este título é de €90 000,00 (noventa mil euros), procedendo parcialmente o recurso subordinado nesta parte.
3.4. – Dos montantes atribuídos a título de indemnização dos danos patrimoniais futuros pela perda de rendimento. A quantia fixada a título de indemnização deste dano pelo Tribunal a quo foi de €276 447,70 (duzentos e setenta e seis mil, quatrocentos e quarenta e sete euros e setenta cêntimos), sendo € 206 723,85 (duzentos e seis mil setecentos e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de dano futuro pela perda de rendimento para a Demandante BB e € 69 723,85 (sessenta e nove mil setecentos e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos) pela perda de rendimento para o Demandante CC. Contesta este valor a Demandada (conclusões 21. a 74. do recurso principal) reputando como ajustadas: - Quanto à Demandante BB, €13 111,65 (treze mil, cento e onze euros e sessenta e cinco cêntimos), se se considerar um período de 5 anos; €39.334,95 (trinta e nove mil trezentos e trinta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos), se se considerar um período de 15 anos e €107 515,53 (cento e sete mil, quinhentos e quinze euros e cinquenta e três cêntimos), se se considerar o período de 41 anos. - Quanto ao Demandante CC, €42.750,00 (quarenta e dois mil, setecentos e cinquenta euros). A decisão recorrida, nesta parte, apresenta os seguintes fundamentos: «Começando pelos danos patrimoniais propriamente ditos, de acordo com o art. 564.º, n.º 1, do Código Civil, estes afectam interesses pecuniariamente avaliáveis e podem traduzir-se em danos emergentes (correspondendo ao prejuízo efectivamente causado), ou em lucros cessantes (correspondendo aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão). No caso sub judice, a demandante BB, por si e em representação do seu filho menor, pediu em sede de danos patrimoniais e a título de lucros cessantes, o montante € 332.049,01 (trezentos e trinta e dois mil, quarenta e nove euros e um cêntimo), referente ao rendimento que a vítima deixou de auferir por via do acidente, nomeadamente a perda de ganho. A perda de ganho aqui invocada comporta um dano futuro previsível e por isso indemnizável em dinheiro (cf. arts. 564º, nº. 2, e 566º, nº. 1, todos do Código Civil). Nesta senda, refere o art. 495.º, n.º 3 do Código Civil que, no caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. Conforme dita o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, ditando um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “quando o cônjuge reclama indemnização por danos futuros referenciados à perda para sempre da contribuição do outro cônjuge, (…) mais não está a fazer do que a reclamar junto de terceiro, nos termos do art. 495.º, n.º 3, do CC, os alimentos, expressão da contribuição para os encargos da vida familiar, que podia exigir ao falecido marido e a que este estava vinculado. (…) tal indemnização é sempre devida independentemente da efectiva necessidade do cônjuge, pois os cônjuges, no seio da vida familiar, não podem deixar de contribuir para os encargos da vida familiar na proporção das respectivas possibilidades (art. 1676.º, n.º 1, do CC)” (cf. Ac. TRG, 26-01-2012, proc. n.º 386/10.9TCGMR.G1). Não obstante, o nascimento de tal direito na esfera jurídica do seu titular está dependente de existir a possibilidade legal do exercício do direito aos alimentos, mesmo que não esteja a receber da vítima qualquer prestação alimentar por carência efectiva deles. Ora, da conjugação dos arts. 495.º, 2003.º, 2004.º e 2009.º, n.º 1, als. a) e c), todos do Código Civil resulta que os demandantes têm direito a indemnização pelos danos que eles próprios tenham sofrido em consequência do óbito de seu marido e pai, consistente nos rendimentos de que ficaram privados, na medida em que só mediante o recebimento desses rendimentos podiam manter o nível de vida que, para eles, a vítima se esforçava por alcançar, e que manteriam se este fosse vivo. No que se refere ao quantum indemnizatório deste tipo de danos dispõe o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/04/2019 que “É reconhecido o melindre da fixação do valor indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, para as despesas do seu agregado familiar, na medida em que se funda em parâmetros de incerteza, nomeadamente, quer quanto ao tempo de vida do lesado, quer quanto à própria evolução salarial que a vítima teria ao longo da sua vida, não fora o seu decesso, evolução que hoje, mais do que nunca, é de uma imprevisibilidade evidente, inclusive, a própria manutenção do emprego, cada vez mais incerta, outrossim, os próprios índices de inflação, entre outros” (cf. Ac. STJ, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc. n.º 465/11.5TBAMR,G1.S1, de 11-04-2019, disponível em www.dgsi.pt). Acrescenta ainda o mesmo acórdão que “Não podendo ser quantificado, em termos de exactidão, o prejuízo decorrente da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, para as despesas do seu agregado familiar, impondo-se ao Tribunal que julgue equitativamente, este não poderá esquecer, critérios objectivadores, aferidores e orientadores, ou seja, não poderá deixar de considerar que a arbitrada indemnização pela frustração dos alimentos deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não receberá do falecido e que se extingue, no caso do cônjuge, no termo do período que, provavelmente viveria, não fora o acidente que o vitimou, e quanto ao descendente, no momento em que este, previsivelmente, irá concluir a sua formação académica; sabendo que as tabelas matemáticas, por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm carácter meramente indicativo, não substituindo, de modo algum a ponderação judicial com base na equidade; que no cômputo de indemnização, deve ser proporcionalmente deduzida, a importância que o próprio falecido gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos); sem deixar de considerar a natural evolução dos salários; ponderando, outrossim, o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, importando introduzir um desconto no valor achado, condizente ao rendimento de uma aplicação financeira sem risco; tudo isto sem deixar de atender à esperança média de vida do falecido” (cf. Ac. do STJ, ob. cit., disponível em www.dgsi.pt). Isto posto, resulta do acervo factual dado como provado que DD nasceu a ../../1981 e faleceu a 10/12/2018, ou seja, faleceu com 37 (trinta e sete) anos de idade, no estado de casado, com a demandante BB, tendo o casal um filho, o qual, contava com 5 (cinco) anos de idade aquando do falecimento do seu pai (cf. factos provados em 19) e 21)). Reconhecendo-se que a esperança média de vida, em Portugal, para os elementos do sexo masculino, à data do acidente, se encontra fixada nos 78 (setenta e oito) anos de idade, importa dizer que não fora o falecimento de DD aos seus 37 (trinta e sete) anos de vida, este iria continuar previsivelmente, por imposição legal, a contribuir para os encargos do seu agregado familiar, constituindo, à data da sua morte, por ele próprio, pela sua viúva, aqui demandante, e pelo seu filho, donde, o falecido, DD, iria contribuir para o sustento da demandante e filho, previsivelmente por mais 41 (quarenta e um) anos, por referencia à data em que previsivelmente ocorreria a sua morte e quanto ao seu filho, até este, previsivelmente, concluir a sua formação académica, o que sucederá, previsivelmente, aos 24 (vinte e quatro) anos de idade, ou seja, por referência à data do decesso do falecido, por mais 19 (dezanove) anos. À data do seu falecimento, o falecido, recebia, mensalmente, uma quantia líquida mensal média de € 874,11 (oitocentos e setenta e quatro euros e onze cêntimos) (cf. facto provado em 41)), dos quais destinava, ou, por imposição legal, devia destinar, 1/3, aos seus gastos próprios, destinando os restantes 2/3, ao sustento da sua mulher e filho, significando que do rendimento mensal líquido médio auferido, € 291,37 (duzentos e noventa e um euros e trinta e sete cêntimos) se destinavam às suas próprias despesas, igual quantia às despesas da sua cônjuge, e ainda igual quantia às despesas do filho, sendo certo que a aludida remuneração mensal média não se iria manter estática ao longo do tempo, sofrendo, necessariamente actualizações. Importa também considerar, quanto à demandante BB que, concluída a formação profissional do filho do casal, e autonomizando-se este do agregado familiar de seus pais, é aceitável que metade dos € 291,37 (duzentos e noventa e um euros e trinta e sete cêntimos), que a si eram destinados, fossem redireccionados, na proporção de metade, para o sustento de DD, acaso este não tivesse falecido, e para o sustento da demandante BB. Assim, quanto à demandante, nos 41 (quarenta e um) anos em que teria direito à contribuição para o respectivo sustento, caso DD não tivesse falecido, importa concretizar que durante os primeiros 19 (dezanove) anos, este iria, previsivelmente contribuir para o sustento da mesma, com € 291,37 (duzentos e noventa e um euros e trinta e sete cêntimos), e nos restantes 22 (vinte e dois) anos, com € 437,05 (quatrocentos e trinta e sete euros e cinco cêntimos), admitindo-se, actualizações salariais previsíveis do rendimento do trabalho que, entretanto, possam ocorrer. A demandante e o filho menor, receberam, entretanto, da Segurança Social, pensões de sobrevivência, por morte do seu marido e pai, respectivamente, no valor de € 16.552,31 (dezasseis mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e trinta e um cêntimos). A par disso e atento as dificuldades associadas à fixação do montante indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, dado pelo falecido, para as despesas do agregado familiar, importa ainda, deitar mão da previsão legal contida no n.º 3, do art.º 566°, do Código Civil e recorrer à equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, de forma que se tenha em consideração, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida. O cálculo do quantum indemnizatório, fixado pela perda do contributo remuneratório, tem assim, por base, critérios de equidade, assentes numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade permitida e respeitadora dos “critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade” (cf. Ac. do STJ, de 11-04-2019, ob. cit.). Volvendo ao caso concreto, atento os dados supra elencados e sublinhando que o montante indemnizatório a arbitrar irá ser entregue de uma só vez, impõe-se considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa dos lesados, à custa da responsável civil, aqui demandada, condizente a uma taxa de juro de 1%, julgada equitativa e ajustada, na linha do rendimento do capital, aplicado em produto sem risco, a reduzir ao montante do capital a atribuir aos demandantes. Desta feita, convertendo o acima enunciado numa fórmula matemática, tão só orientadora, que conjuga os critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, já adiantados, tem-se que, quanto à demandante BB [(€ 291,37 x 14 meses x 19 anos) + (€ 437,05 x 14 meses x 22 anos)] – [0,01 x (€ 291,37 x 14 meses x 19 anos) + (€ 437,05 x 14 meses x 22 anos)] , o valor de € 209.994,66 (duzentos e nove mil e novecentos e noventa e quatro euros e sessenta e seis euros), e quanto ao menor, representado pela aqui demandante [(€ 291,37 x 14 meses x 19 anos)] – [0,01 x (€ 291,37 x 14 meses x 19 anos)] o valor de € 76.729,37 (setenta e seis mil, setecentos e vinte e nove euros e trinta e sete cêntimos). Obtidos estes valores, há que atender ainda às previsíveis actualizações do salário que não podem ser consignadas na fórmula matemática, pelo que aqui, fazendo uso de um juízo de equidade e dentro dos limites do que se tem por demonstrado, consigna-se que é de fixar à demandante BB o valor de € 215.000,00 (duzentos e quinze mil euros) e ao filho menor o valor de € 78.000,00 (setenta e oito mil euros). Às fixadas indemnizações pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, para as despesas do agregado familiar, importa deduzir a quantia de € 16 552,31 (dezasseis mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e trinta e um cêntimos), correspondente ao valor das pensões de sobrevivência que os demandantes já receberam, por parte da Segurança Social. Assim, operando a subtracção, tem a demandante, BB direito a receber da demandada, por lhe ter sido transferida tal responsabilidade por via do contrato de seguro que celebrou com o arguido, a título de indemnização por perda de rendimento, em consequência do falecimento do seu marido, a quantia de € 206.723,85 (duzentos e seis, setecentos e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos) e o filho menor, tem direito a receber da demandada, pelas mesmas razões e a título de indemnização pela frustração de alimentos em consequência do falecimento do seu pai, a quantia de € 69.723,85 (sessenta e nove mil, setecentos e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos).» A demandada, considerando as conclusões 21. a 74., contesta o valor assim atribuído assentando a sua pretensão de redução do mesmo nos seguintes argumentos: a) A indemnização em causa tem por base “a indagação relativamente à capacidade que o malogrado DD tinha de os prestar e, por outro, uma análise da existência e extensão da necessidade que a sua esposa e filho tinham relativamente a essa prestação.” b) Quanto à viúva, a duração temporal previsível da aludida prestação alimentar não pode ser aferida em função da esperança média de vida da vítima, mas sim em função da duração do casamento, pois que, na obrigação de alimentos entre ex-cônjuges vigora o princípio de cada um deles prover à respetiva subsistência depois do divórcio – Cf. artigo 2016º n.º 1 do Cód. Civil – e, de acordo com os dados fornecidos pelo INE, a taxa de divórcios em Portugal supera os 70%, com tendência a aumentar. Nestes termos, prevendo-se que o casamento não perduraria por toda a vida dos cônjuges, o período temporal a considerar seria de 5 anos ou, quando muito, de 15 anos. c) Não foi feita prova nos autos de que a viúva não possa trabalhar e obter, assim, o seu próprio rendimento e que careça de prestação de alimentos por parte do marido. De todo o modo, nada justifica que, após a autonomização do filho, a quantia a ter em conta passe a ser a de 1/3 acrescida de metade do outro 1/3 que deixa de ser canalizado para o filho, pois que, não faria sentido que a vítima reservasse para si 1/3 do seu rendimento e a mulher dispusesse de quantia superior. d) Quanto ao filho da vítima, embora aceite que o período a considerar é de 19 anos (até completar 24 anos), não foi tido em conta na sentença que também a mãe está obrigada a prestar-lhe alimentos, devendo reduzir-se a quantia a considerar a esse título por parte da vítima. e) Não se mostra, igualmente, provado nos autos que a vítima contribuísse para acudir às despesas do agregado familiar com 2/3 da totalidade do seu rendimento médio mensal, nem os demandantes alegaram e provaram que tal percentagem correspondesse às suas reais necessidades de recebimento de alimentos, sendo antes de considerar que quantias como os subsídios de Natal e de férias seriam gastos com outras necessidades que não as relativas à prestação de alimentos (aquilo que se considera indispensável ao sustento, habitação e vestuário). f) Na sentença recorrida, considerando que o rendimento em causa será facultado de uma só vez e não ao longo dos anos, reduziram-se as indemnizações a este título aplicando uma taxa de 1%, sendo certo que existem instrumentos financeiros públicos a remunerarem o investimento a 2,5%. Por isso, em equidade, impõe-se uma redução das aludidas indemnizações nunca inferior à de 1/4 do valor a que se chegar. Vejamos. Adiantamos desde já que a sentença não nos merece reparo quanto à fixação do valor destas indemnizações. Dão-se aqui por reproduzidas as considerações dela constantes quanto ao regime legal aplicável, e bem assim, quanto àquilo que a Doutrina e Jurisprudência vêm entendendo sobre a aplicação do mesmo aos casos concretos. Cabe, porém, fazer algumas precisões quanto àquilo que, em especial, o Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo, nos seus mais recentes arestos (que não os citados pela Demandada que datam de 1991, 2014 e 2012) ser o conteúdo deste direito de indemnização do dano patrimonial a título de lucros cessantes em caso de morte do marido e pai dos titulares do mesmo. Exemplo desse entendimento, ao qual aderimos, é o acórdão do STJ de 11-10-2017[16], transcrevendo-se aqui parte do respetivo sumário: “VIII – Quanto à determinação dos danos patrimoniais futuros tem sido diversa a pronúncia efectuada em diferentes decisões deste STJ que, partindo do art. 495.º, n.º 3, do CC, oscilam entre uma visão limitativa cuja genética radica no apego à consideração da existência duma obrigação alimentar tout court à consideração de que não são as necessidades da prestação alimentar, e a sua medida, que balizam a indemnização do dano previsto no referido artigo. Numa posição equidistante se coloca alguma jurisprudência que, afirmando a existência de uma perda de alimentos, reconduz o seu cálculo ao apelo à teoria da diferença a que se reporta o art. 562.º, do CC. IX - Estamos em crer, na sequência duma aquisição doutrinal e jurisprudencial que os arts. 495.º e 496.º, do CC (respectivamente em sede de danos patrimoniais e não patrimoniais) consagram no domínio da responsabilidade civil extracontratual uma excepção ao princípio de que o detentor do direito à indemnização é próprio portador do direito violado, que só depende do facto de elas assumirem a posição de poderem exigir alimentos à vítima da lesão de morte. O nascimento de tal direito na esfera jurídica está, assim, dependente de existir a possibilidade legal do exercício do direito aos alimentos e mesmo que não estejam a receber da vítima qualquer prestação alimentar por carência efectiva deles. X - Questão distinta da titularidade daquele direito é a da forma como o mesmo se define em concreto, sendo certo que, também aqui, se denota alguma divergência jurisprudencial pois que, enquanto alguns constroem a obrigação de indemnização em convergência com os parâmetros da obrigação alimentar, já para outros a solução adequada passa pela recondução aos princípios gerais inscritos no art. 562.º, do CC. XI - Não são a necessidade da prestação alimentar e a sua medida que efectivamente balizam a indemnização do dano previsto no art. 495.º, n.º 3, do CC. Portanto, conjugando aquele dispositivo com o disposto no art. 2009.º, do CC, não há dúvida de que as demandantes têm direito a indemnização pelos danos que eles próprios tenham sofrido em consequência do óbito do seu companheiro e pai, consistentes nos rendimentos de que ficaram privados, na medida em que só mediante o recebimento desses recebimentos podem manter o trem de vida que, para eles, o lesado se esforçava por alcançar, e que manteriam se este fosse vivo, que é o que os alimentos tendencialmente visam na interpretação mais correcta dos arts. 2003.º e 2004.º, do CC. XII – O direito de indemnização atribuído aos lesados indirectos na hipótese prevenida nesse preceito tem, como qualquer outro, a medida estabelecida nos arts. 562.º e segs. Só determinados no art. 495.º, n.º 3, do CC, os titulares da indemnização a que se refere, isto é, a quem é devida, o quantum dessa indemnização deve, conforme arts. 562.º, 564.º e 566.º, do CC repor a situação que existia no momento da lesão. É, assim, em função da denominada teoria da diferença, conjugado nos termos do art. 562.º e segs., do CC que é definido o direito de indemnização de que são titulares as pessoas referidas no art. 495.º, n.º 3, do CC, independentemente da necessidade efectiva de alimentos. XIII – Os danos indemnizáveis em questão são constituídos por tudo quanto, independentemente do montante de alimentos eventualmente exigível, - e sem com tal, enfim, qualquer correlação, o lesado directo efectivamente prestava, e com toda a probabilidade continuaria a prestar, à família, incluindo o cônjuge de facto, se fosse vivo. Porque a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas. Releva, essencialmente, o prudente arbítrio do tribunal, nos termos do art. 566.º, n.º 2, do CC, tendo em conta as regras da boa prudência, do bom sendo prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.” (sublinhados nossos). Também neste sentido, vai o acórdão do STJ de 10-10-2023:[17] “Em primeiro lugar, importa acentuar que a indemnização coberta pelo art.495 nº3 CC não se reconduz à prestação de alimentos a partir de uma obrigação de natureza familiar, pelo que os critérios de aferição divergem dos positivados para o direito dos alimentos (cf., por ex., 14/10/2010 ( proc nº 845/06), em www dgsi ). Depois, para o cálculo indemnizatório serão convocadas as normas dos arts.564º e 566 nº3 do CC onde se extrai a legitimação do recurso à equidade (art.4) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita. O direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, verdadeira law in action, com o imprescindível recurso ao “pensamento tópico” que irá presidir à solução dos concretos problemas da vida. Reportado especificamente à quantificação da indemnização através de juízos de equidade, LARENZ afirma que se exige do juiz a formulação de “juízos de valor”, devendo orientar-se “em primeiro lugar por casos singulares e sua apreciação na jurisprudência, mas seguindo para além disso, a sua própria intuição axiológica” (Metodologia da Ciência do Direito, pág.335).” Não podemos, também, deixar de referir, ao nível da 2ª Instância, o recentíssimo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-02-2024:[18] “Não é frontalmente questionado nos autos que sejam devidas estas quantias a título de indemnização, sendo certo que efetivamente, tais pessoas, por poderem ser sujeitas ativas da prestação de alimentos pelo falecido marido e pai, como mencionado na decisão, têm direito às mesmas. Como se menciona no Ac. do S.T.J. de 19/10/2016, processo n.º 1893/14.0TBVNG.P1.S1, www.dgsi.pt «Quando a relação matrimonial cessa devido à morte de um dos cônjuges em consequência de acidente de viação, exclusiva ou parcialmente, imputável a outrem, pondo-se dessa forma termo à vivência conjugal, verifica-se uma involuntária quebra do dever de assistência por facto culposo de terceiro, adquirindo, então, autonomia a componente do dever de prestação de alimentos. A ruptura da relação familiar em circunstâncias completamente alheias à vontade de qualquer dos cônjuges, devida à actuação culposa de um terceiro causador do acidente de viação que vitimou um dos membros do casal e fez cessar, por essa razão, o cumprimento do dever de assistência, faz sobressair a obrigação de prestar alimentos, passando para o lesante o dever de, através da componente indemnizatória prevista no nº 3 do citado artigo 495º, ressarcir esse dano face à impossibilidade da desejável reconstituição natural (artigos 562º e 566º nº 1 do Código Civil). Esta indemnização não tem por objecto a prestação de alimentos assente num vínculo de natureza familiar entre o credor da indemnização e a vítima tal como está perspectivado para o direito a alimentos consagrado nos artigos 2003º e seguintes do Código Civil. Radica no casamento e, por isso, os critérios da sua atribuição divergem dos consignados nos normativos que regem a matéria dos alimentos (vide neste sentido os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 12.10.2009 (proc. 220/03.6TBSTB.E1), de 14.10.2010 (proc. 845/06.8TBVCD.P1.S), e, bem assim, o de 31.01.2012 já citado, acessíveis em www.dgsi.pt/jstj. Neste caso, para alcançar a indemnização pela privação de alimentos prevista no referido nº 3 do artigo 495º não é exigível a alegação e prova por parte do cônjuge sobrevivo – lesado – de que, na data do acidente de viação (evento danoso) recebia alimentos do falecido ou estava em condições de os receber, designadamente, do requisito da necessidade de alimentos.». (sublinhado nosso). O que está em causa é apurar, tendo em conta os dados do caso e o normal acontecer - que não a multiplicidade de variáveis cuja ocorrência não pode afastar-se em tese, mas que não participam daquela normalidade – qual seria o contributo que a vítima no cumprimento do seu dever de assistência decorrente do casamento [Os cônjuges estão reciprocamente obrigados ao dever de assistência – artigos 1672.º, 1675º e 2009º nº1 alínea a) do Código Civil – o qual compreende a obrigação de prestação de alimentos e a de contribuição para os encargos da vida familiar, sendo que, aquela só se autonomiza em face desta quando os cônjuges vivem separados, de direito ou mesmo só de facto. Se vivem juntos, o dever de prestação de alimentos toma a forma de dever de contribuição para os encargos da vida familiar] daria para os encargos da vida familiar, na proporção das suas possibilidades e qual o contributo que daria para as mesmas necessidades tendo em conta o seu dever de prover ao sustento do seu filho menor (artigo 1878.º, n.º 1, do Código Civil). Os demandantes viram-se privados, atenta a morte violenta e precoce do seu marido e pai, destes contributos e é esse dano patrimonial que cabe indemnizar. Não se acolhem, por isso, os argumentos da Demandada assentes no entendimento de que o que está em causa quanto aos danos indemnizáveis em questão é a medida da prestação de alimentos legalmente exigível (seja pelo cônjuge, seja pelo ex-cônjuge, seja por filho menor ou em idade de frequentar o ensino universitário) pois entendemos que os critérios a ter em conta para determinação da quantia a atribuir nesta sede não são os mesmos que se encontram previstos para o direito a alimentos tout court. Improcede, assim, a argumentação constante das alíneas a), c), d) e e) na parte relativa à definição do conteúdo da indemnização por referência ao conceito estrito da obrigação de alimentos. Relativamente ao argumento de que o período temporal a considerar, no que tange à viúva, não pode ir além de 5 ou 15 anos. Alega a Demandada que tal período não pode ser aferido tendo em conta a duração média de vida do falecido, como considerou a sentença recorrida, mas sim em função da duração do casamento. Tendo em conta os dados estatísticos fornecidos pelo INE, a taxa de divórcios em Portugal supera os 70%, com tendência a aumentar, por isso, deveria considerar-se que o casamento terminaria em 5 anos, ou pelo menos, em 15 anos, altura em que o filho do casal sairia de casa e tal divórcio teria mais probabilidades de acontecer. Atento o desenho do conteúdo da prestação que a indemnização de danos patrimoniais futuros em causa visa reparar aludido supra, a duração do casamento seria, efetivamente, uma variável a considerar, pois que, não subsistindo o casamento, não poderia a Demandante contar com a contribuição do ex-cônjuge para a economia familiar. Não obstante, pensamos que tal não é de ponderar. Nada na factualidade apurada aponta para esse desfecho, sendo certo que o que se apurou foi que o casal era feliz, dava-se bem e tinham perspetivas de aumentar a família tendo, pelo menos, mais um filho, sendo que estavam casados há cerca de 8 anos. No caso, não tem, pois, cabimento a alegação da Demandada de que o casamento terminaria em 5 ou 15 anos, não se descortinando em que se baseia para estabelecer estes marcos temporais. A ser assim, também teria de se entrar em linha de conta com múltiplas outras variáveis, igualmente com expressão estatística, que poderiam pôr fim ao contrato de casamento [que, note-se, é um contrato sem termo – artigos 1577º e 1618º nº2 do Código civil] como por exemplo, a morte prematura de um dos cônjuges por doença cardiovascular ou por cancro, doenças com grande incidência no nosso país e estatisticamente contabilizadas. Como já dissemos, as variáveis a considerar têm a ver com aquilo que resultou provado e com o que em face dessa mesma factualidade é espectável que possa acontecer. No caso dos autos nada legitima a conclusão de que o casamento terminaria antes do período de tempo considerado e que foi a esperança média de vida em Portugal. Aliás, é esse o período de tempo que tem vindo a ser considerado, em detrimento, até, de entendimentos no sentido de limitar esse período à duração da vida ativa da vítima – conforme explicita o STJ no seu acórdão datado de 03-05-2011[19], onde se pode ler: “IV - Em relação ao viúvo, são-lhe devidos alimentos, até ao final da sua vida, pois que é de presumir que o cônjuge falecido lhos prestaria, até esse momento, porquanto lhe deve assegurar uma situação patrimonial correspondente à que ele teria, se a vida em comum se mantivesse, e, quanto aos filhos menores, pelo menos, até à data da sua maioridade, se melhor prova no sentido da prorrogação desta obrigação não for realizada, sendo equitativo atribuir a cada qual um valor percentual do total da indemnização arbitrada que tome como referência a esperança de vida do primeiro, e a distância que separava os menores da maioridade, à data da morte da vítima.” Contrapõe, ainda, a Demandada que não se mostra provado nos autos que a vítima contribuísse para acudir às despesas do agregado familiar com 2/3 da totalidade do seu rendimento médio mensal, sendo antes de considerar (para além das necessidades dos Demandantes, que já se viu, entendemos que não são de equacionar nesta sede) que quantias como os subsídios de Natal e de férias seriam gastos com outras necessidades que não as relativas à prestação de alimentos (aquilo que se considera indispensável ao sustento, habitação e vestuário). Ora, como pensamos já ter deixado claro, o que está em causa, não é uma estrita prestação de alimentos (o necessário ao sustento, habitação, vestuário), mas sim aquilo com que a vítima contribuía para a economia doméstica e, com franqueza, não vemos como normal que as quantias recebidas a título de subsídio de natal e de férias, (de acordo com a quilo que é o normal acontecer numa família com as características da que está em causa nos autos), não fossem canalizadas, pelo menos na proporção tida em conta na sentença (2/3) para aquilo que também são os acréscimos de gastos das famílias por ocasião do Natal e quando passam férias. A sentença recorrida teve em conta que a vítima reservaria para as suas despesas, 1/3 dos seus rendimentos e é isso que vem sendo considerado e nos parece razoável, não nos merecendo, assim, qualquer censura. Finalmente, sustenta a Demandada que, considerando que o rendimento em causa será facultado de uma só vez e não ao longo dos anos, reduziram-se as indemnizações a este título aplicando uma taxa de 1%, sendo certo que existem instrumentos financeiros públicos a remunerarem o investimento a 2,5%. Por isso, em equidade, impõe-se uma redução das aludidas indemnizações nunca inferior à de 1/4 do valor a que se chegar. A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte: “Volvendo ao caso concreto, atento os dados supra elencados e sublinhando que o montante indemnizatório a arbitrar irá ser entregue de uma só vez, impõe-se considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa dos lesados, à custa da responsável civil, aqui demandada, condizente a uma taxa de juro de 1%, julgada equitativa e ajustada, na linha do rendimento do capital, aplicado em produto sem risco, a reduzir ao montante do capital a atribuir aos demandantes.” Em primeiro lugar anote-se que, no que se reporta a esta vantagem do recebimento da indemnização de uma só vez, decorreram já seis anos desde a data do acidente sem que aos Demandantes tenha sido paga a indemnização que está em causa. Mas, independentemente disso, não pode perder-se de vista que esta indemnização, se bem que calculada com base em critérios dotados de alguma certeza matemática, em ordem a alcançar certeza jurídica e igualdade, deve ser temperada com recurso à equidade. Nisso assentamos e a própria Recorrente não o contesta. É que, se se considera ser de fazer o desconto em causa por a entrega imediata de um determinado capital, de uma só vez, ser suscetível de produzir rendimentos de que os Demandantes imediatamente podem usufruir, também não podem esquecer-se, a entrar em linha de conta no aludido juízo de equidade, as evoluções salariais (note-se que a vítima era muito jovem e é de admitir a sua progressão na carreira e aumento do rendimento do trabalho para além da evolução das tabelas salariais), as taxas de juro e da inflação, pelo que, os montantes atribuídos nos surgem equilibrados. Assim sendo, como é, pensamos que o critério adotado pelo Tribunal a quo se revela razoável, também neste particular, não nos merecendo censura. Improcede, pois, o recurso principal, também nesta parte.
3.5. – Da dedução aos montantes arbitrados das quantias pagas pela Segurança Social IP, a título de pensão de sobrevivência aos demandantes. Compulsada a conclusão 75. do recurso principal, ali se expressa a pretensão da Demandada de ver deduzido aos montantes arbitrados na sentença a título de danos patrimoniais futuros, a quantia já paga aos demandados pela Segurança Social, IP, a título de pensões devidas pelo decesso da vítima no acidente dos autos. Neste particular não compreendemos a razão de ser desta pretensão, a não ser por se tratar de lapso, pois que, a sentença recorrida considerou que efetivamente, tais montantes são de deduzir a essas quantias, por se tratar de prestações não cumuláveis entre si. A sentença pronunciou-se quanto a esta questão pela seguinte forma: “Às fixadas indemnizações pelos prejuízos decorrentes da perda do contributo remuneratório, para as despesas do agregado familiar, importa deduzir a quantia de € 16 552,31 (dezasseis mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e trinta e um cêntimos), correspondente ao valor das pensões de sobrevivência que os demandantes já receberam, por parte da Segurança Social. Assim, operando a subtracção, tem a demandante, BB direito a receber da demandada, por lhe ter sido transferida tal responsabilidade por via do contrato de seguro que celebrou com o arguido, a título de indemnização por perda de rendimento, em consequência do falecimento do seu marido, a quantia de € 206.723,85 (duzentos e seis, setecentos e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos) e o filho menor, tem direito a receber da demandada, pelas mesmas razões e a título de indemnização pela frustração de alimentos em consequência do falecimento do seu pai, a quantia de € 69.723,85 (sessenta e nove mil, setecentos e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos). Veio também o demandante cível Instituto da Segurança Social, I.P. deduzir pedido de indemnização cível contra a A..., S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 15.823,35 (quinze mil, oitocentos e vinte e três euros e trinta e cinco cêntimos), posteriormente actualizada para a quantia de € 17.839,01 (dezassete mil oitocentos e trinta e nove euros e um cêntimo), referente a subsídio por morte e pensões de sobrevivência pagas à cônjuge e ao filho menor do falecido, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento. Dispõe o art. 3.º, n.º 1 do DL n.º 322/90, de 18/10 que “A protecção por morte dos beneficiários activos ou pensionistas é realizada mediante a atribuição das prestações pecuniárias denominadas pensões de sobrevivência e subsídio por morte”. “As pensões de sobrevivência são prestações pecuniárias que têm por objectivo compensar os familiares de beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste” (cf. art. 4.º, n.º 1, do DL n.º 322/90, de 18-10), coincidindo, assim, a sua finalidade com a obrigação de indemnização do dano de lucro cessante acima expendido. Já o subsídio por morte destina-se a compensar o acréscimo dos encargos decorrentes da morte do beneficiário, com vista a facilitar a reorganização da vida familiar (cf. art. 4.º, n.º 2, do DL n.º 322/90, de 18-10), coincidindo, verificados os pressupostos, com a obrigação de indemnização do dano emergente, pelo dispêndio com o funeral do beneficiário da segurança social. Contudo, traduzindo-se a pensão de sobrevivência e o subsídio por morte em prestações pecuniárias sociais, estas não se confundem com aquelas outras referentes à indemnização por lucros cessantes e dano emergente, pois que, ao passo que as primeiras têm natureza de medida de carácter social, as últimas comportam natureza indemnizatória no quadro da responsabilidade civil. Importa agora aferir se tais prestações são cumuláveis. Dispõe o art. 70.º, da Lei n.º 4/2007, de 16-01 que “No caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”. Daqui se extrai que por via do direito de sub-rogação que lhes assiste, as instituições da segurança social surgem como titulares do direito de crédito indemnizatório dos familiares do falecido contra o terceiro civilmente responsável pela morte do beneficiário em causa. Nesta senda dir-se-á que as instituições de segurança social assumem um papel subsidiário e provisório face à obrigação de indemnização de que é sujeito passivo o autor do acto determinante da responsabilidade civil. Deste modo, tem a demandante o direito de exigir da demandada o que pagou a título de subsídio por morte e pensão de sobrevivência, com a ressalva de esse valor ser deduzido ao montante indemnizatório atribuído aos outros demandantes, designadamente à cônjuge e filho do falecido, não sendo, desta feita, tais prestações cumuláveis (cf. Ac. TRG., proc. n.º 43/04.5TAVLN.G1, de 11-05-2009 e Ac. TRC., proc. n.º 3767/16.0T8LRA.C1, de 11-09-2018, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). Com efeito, resulta da matéria dada como provada que na sequência do decesso de DD, titular que foi do NISS n.º ...38, BB, requereu junto da aqui demandante, as respectivas prestações por morte, por si e em representação do seu filho menor, as quais foram deferidas (cf. facto provado em 66)). Mais se demonstrou que em consequência desse deferimento o Instituto da Segurança Social, IP – Centro Nacional de Pensões, pagou a BB, a título de Subsídio por Morte o montante de € 1.286,70 (mil duzentos e oitenta e seis euros e setenta cêntimos) e a esta e ao filho, a título de Pensões de Sobrevivência, no período compreendido entre Janeiro de 2019 e Setembro de 2023 o montante global de € 16.552,31 (dezasseis mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e trinta e um cêntimos) (cf. facto provado em 67)). Assim, deverá a demandada ser condenada a pagar ao Instituto da Segurança Social, I.P. os montantes por si peticionados na quantia de € 17.839,01 (dezassete mil oitocentos e trinta e nove euros e um cêntimo), os quais, no que se refere às pensões de sobrevivência já foram deduzidos do valor fixado a título de indemnização por lucros cessantes à cônjuge e filho do falecido, pelo que nada mais deverá ser deduzido atendendo que não foi peticionado qualquer valor a título de dano emergente.” Sem necessidade de outras considerações, por inúteis, verifica-se ter a sentença recorrida atendido à pretensão da Demandada, pelo que, também nesta parte, nada se lhe censura.
III. DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar totalmente improcedente o recurso principal interposto por A..., S.A e parcialmente procedente o recuso subordinado interposto por BB, por si e em representação do seu filho menor de idade, CC e, em consequência: a) – Fixar a indemnização devida por danos não patrimoniais sofridos pela vítima desde a data do acidente até à sua morte em €30 000,00 (trinta mil euros). b) – Fixar a indemnização devida pelo dano morte em €90 000,00 (noventa mil euros). c) - No mais, confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas do recurso principal a cargo da Recorrente A..., S.A. Custas do recurso subordinado a cargo dos Recorrentes BB e CC na proporção do decaimento. * (Texto elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários - artigo 94º, n.º 2, do CPP) Coimbra, 08-01-2025 Os Juízes Desembargadores Fátima Sanches (Relatora) Rosa Pinto (1ª Adjunta) Maria José Matos (2ª Adjunta) (Data certificada pelo sistema informático e assinaturas eletrónicas qualificadas certificadas)
|