Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | MARIA JOSÉ GUERRA | ||
| Descritores: | PENA ACESSÓRIA DE AFASTAMENTO DA RESIDÊNCIA OU DO LOCAL DE TRABALHO DA VÍTIMA FISCALIZAÇÃO POR MEIOS TÉCNICOS DE CONTROLO À DISTÂNCIA. PERÍMETRO DE EXCLUSÃO VIOLADO DISTÂNCIA CONCRETA DO AGENTE À VÍTIMA | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO - JUIZ 1 | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 50.º E 152.º DO CÓDIGO PENAL ARTIGO 35.º DA LEI N.º 112/2009, DE 16 DE SETEMBRO/REGIME JURÍDICO APLICÁVEL À PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E À PROTECÇÃO E ASSISTÊNCIA DAS SUAS VÍTIMAS ARTIGOS 1.º, ALÍNEA E), 29.º E 30.º, N.º 2, DA LEI 33/2010, DE 2 DE SETEMBRO/MEIOS TÉCNICOS DE CONTROLO À DISTÂNCIA | ||
| Sumário: | I - Quando o sistema de vigilância electrónica é implementado como meio técnico para controlar a distância do afastamento imposto em decisão judicial ao agressor em relação à vítima, a autoridade judiciária, ou, na sua falta, os serviços de vigilância electrónica, definem as zonas de protecção à vítima e o seu raio, que devem ser adaptadas em função das circunstâncias dos envolvidos, nomeadamente perfis, rotinas das partes e condicionalismos de natureza geográfica.
II - Com essas instruções, os serviços da VE definem zonas de exclusão para o/a agressor/a, correspondendo à casa da vítima, ao seu local de trabalho ou a outros locais, e uma zona de exclusão dinâmica relativa à vítima, em seu redor, que a acompanha nas suas deslocações. III - Feito isto os serviços da VE entregam ao/à agressor/a um dispositivo de identificação pessoal (pulseira eletrónica) e uma unidade de posicionamento móvel (UPM) que devem estar sempre próximos, estabelecendo a UPM relação com o GPS, e entregam à vítima uma unidade de protecção, que deve ser sempre transportada por esta e que estabelece relação com o GPS. IV - Se o/a agressor/a e se aproximar ou entrar nas zonas de exclusão ou se a vítima se aproximar daquele/a esta é informada da aproximação e aquele é alertado automaticamente na sua UPM e pode ser interpelado pelos serviços da VE. V - O sistema electrónico sinaliza a violação do perímetro de afastamento fixado na decisão, sendo irrelevante saber a concreta distância a que o/a arguido/a se encontrava nas datas das violações. VI - Querendo, o agente pode saber as concretas distâncias a que se encontrava em tais ocasiões, pois tem o direito de conhecer o conteúdo dos registos dos dados que lhe respeitem. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório 1. …, foi sujeito a julgamento o arguido …, acusado pelo Ministério Público pela prática, em autoria material ena forma consumada, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. p. pelo art. 353.º do Código Penal. * 2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, datada de 7 de março de 2025, depositada na mesma data, do dispositivo da qual ficou a constar o seguinte (transcrição): … a) Condena o arguido … pela prática, entre 19.12.2021 e 30.04.2022, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. p. pelo art. 353.º do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 10,00€ (dez euros), num total de 1.800,00€ (mil e oitocentos euros). * 3. Inconformado com tal decisão dela interpôs recurso o arguido …, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1ª Vem o presente recurso da sentença de 7 de março ser interposto por ter o Tribunal a quo condenado o Arguido à prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições (art. 353.º, Cód. Penal), na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 10,00€, num total de 1.800,00€. 2ª Por decisão proferida pelo Juízo Local Criminal de Castelo Branco – J2, em 25.06.2021, Proc. N.º 733/19...., foi o Arguido condenado na pena acessória, relativamente ao crime de violência doméstica, à proibição de contactos com a ofendida, proibindo-o, em especial, de se acercar da residência ou do trabalho daquela, em 250metros, pelo período de 2 anos, sendo o afastamento controlado por aparelho eletrónico. 3ª Considera o Arguido que ocorreu um erro na análise da prova produzida, bem como a incorreta interpretação e aplicação dos princípios jurídicos penais in casu. … 5ª No facto inscrito sob o n.º 7), o Tribunal a quo não indica qual a data concreta do facto suscetível de constituir a violação, nem a localização concreta do Arguido, não delimitando qual a distância, em metros, em que este se encontrava relativamente aos locais relevantes. 6ª A CRP impõe um dever constitucional e legal de fundamentação (art. 205.º da CRP, conjugado com o art. 95.º, n.º 5, CPP), devendo todos os factos dados como provados e a fundamentação do Tribunal ser especificada e rigorosa, revestindo-se a sentença de segurança e evidências claras que permitam formular a convicção que conduz à condenação, o que não se observou in casu. 7ª O facto n.º 7) não permite concluir que o Arguido violou o perímetro de exclusão, apenas se atendendo ao sinal emitido pelos meios técnicos de controlo. 8ª Sucede que, quanto a este respeito, do depoimento do Sr. Técnico da DGRSP, …, resultaram dúvidas quanto à possível margem de erro que deve ser atendível na utilização destes aparelhos (depoimento gravado no dia 28 de fevereiro, entre as 15h47 e as 16h). 9ª O Sr. Técnico não soube esclarecer ao Tribunal qual o valor concreto dessa margem de erro, admitindo saber que ela existe (passagem do depoimento que se ressalva entre os 07:20 e os 08:15). 10ª O Sr. Técnico referiu também que não dispõe de dados suficientes para indicar a concreta localização do Arguido nos factos relevantes e se os mesmos respeitavam a dita margem de erro, tendo de se consultar o sistema eletrónico para se apurarem tais informações. 11ª Tornava-se, então, necessário fazer prova quanto à localização concreta do Arguido nas movimentações identificadas na Acusação, bem como a respetiva distância até aos locais relevantes, tendo sido feita tábua rasa ao princípio IN DUBIO PRO REO. 12ª Quanto ao facto inscrito sob o n.º 32), na sua audição pessoal, …o Arguido referiu saber não estar a menos de 250 metros da residência da ofendida, pois tem conhecimento … 13ª Nasrestantesmovimentaçõesidentificadas, o Arguido não tinha a convicção de que seencontrava a violar a zona de exclusividade. … 16ª O Tribunal a quo não dispõe de meios suficientemente adequados e credíveis para determinar que o Arguido, naqueles momentos, tenha afastado de si o aparelho de vigilância, pois a perda do sinal não significa, necessariamente, que o Arguido tenha agido nesse sentido. 17ª O Arguido deu a conhecer ao Tribunal inúmeros episódios em que o aparelho perdia a rede, sendo contactado pela DGRSP em momentos em que estava longe dos locais relevantes e até no interior da sua casa … 18ª É meramente conclusivo o facto de que foi o Arguido quem afastou o aparelho nos momentos identificados no facto 29), sendo consabido que só os acontecimentos ou factos concretos podem integrar a matéria de facto relevante para a decisão (Ac. STJ de 11/09/2024, Proc. N.º 2695/23.8T8LSB.L1.S1, dgsi.pt). 19ª Contudo, a questão não é sequer esta: é que a sentença que condenou o Arguido à pena acessória de proibição de contactoséclara,referindo que o Arguido ficaproibidodese acercar a 250 metros dos locais de residência e de trabalho da ofendida. … 23ª Sucede que, em nenhum desses factos o Tribunal a quo identifica, em concreto, a distância a que o Arguido se encontrava de tais locais, não tendo como se avaliar a distância, do ponto concreto em que o Arguido estava, aos locais relevantes, o que não se concebe. … 25ª No caso em apreço,aprova produzidaégeradoradedúvidas, não sendoinequívocae indiscutível, pelo que estão em falta elementos típicos objetivos do ilícito criminal do art. 353.º do Cód. Penal. 26ª Também não existe qualquer correlação entre a prática do crime e os elementos intelectual e volitivo do dolo do tipo, estando em falta os elementos típicos subjetivos do ilícito criminal, porquanto o Arguido sempre considerou estar em cumprimento do afastamento que lhe foi imposto. … * 4. Admitido o recurso, a ele respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, … * 5. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer … * 6. Não foi apresentada resposta ao parecer. * 7. Colhidos os vistos legais, os autos foram a conferência. * II- Fundamentação A) Delimitação do objeto do recurso … Assim sendo, estando a apreciação do recurso balizada pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, com o alcance por este nelas traçado, são as seguintes as questões a decidir: - A incorreta decisão da matéria de facto, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por erro de julgamento e por violação do princípio in dubio pro reo, e suas consequências. * B) Da decisão recorrida … O Tribunal, com relevo para a boa decisão da causa, julga provados os seguintes factos: a) Pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, al. a) – e não nº 2 – e, também, nº 4 e 5, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo; b) Pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. p. pelos arts. 86º, nº 1, al. c) e nº 2 e 3º, nº 6, al. c) e 2º, nº 1, al. s) da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros); c) Condena … na pena única de 2 (anos) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo e em 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros) - considerando a diferente natureza das penas referidas em a) e b); d) Condena-se, ainda, o arguido na pena acessória de proibição de contactar, por qualquer meio, com a ofendida AA, pelo período de suspensão da pena fixado, de 2 (dois) anos, proibindo-o, em especial, de se acercar da residência ou do trabalho da ofendida, sendo tal afastamento controlado por meios técnicos de controlo à distância; … - no dia 8 de janeiro de 2022, entre as 01h20 e as 04h33; - no dia 27 de março de 2022, entre as 00h48 e as 02h35; - no dia 16 de abril de 2022, entre as 14h32 e as 16h08; - no dia 27 de abril de 2022, entre as 21h34 e as 23h56; - no dia 28 de abril de 2022, entre as 22h08 e as 00h55 (29 de abril de 2022); - no dia 29 de abril de 2022, entre as 01h05 e as 02h01; - no dia 2 de maio de 2022, entre as 09h15 e as 12h59; entre as 14h37 e as 15h02 e entre as 20h28 e as 23h51; - no dia 3 de maio de 2022, entre as 12h29 e as 13h17 e entre as 15h37 e as 15h48; - no dia 5 de maio de 2022, entre as 20h10 e as 23h12; - no dia 27 de maio de 2022, entre as 10h46 e as 11h15 e entre as 11h26 e as 12h51. Mais se provou que: Inexistem factos não provados com relevo para a boa decisão da causa. O Tribunal fundamentou a sua convicção na prova produzida em sede de audiência de julgamento, globalmente analisada e concatenada, em conjugação com as regras da lógica e da experiência comum. Concretizando. No que concerne à factualidade descrita nos pontos 1 a 4, o Tribunal teve em consideração a sentença proferida no proc. n.º 733/19.... a fls. 4-28, a certidão a fls. 58 e as informações da DGRSP a fls. 58v e 84, das quais resulta o início e o termo da vigilância eletrónica efetuada ao arguido. Já em relação ao facto provado n.º 5, o Tribunal formou a sua convicção com base no depoimento de … cujas declarações, nesta parte, não foram postas em causa pelo arguido. No que respeita aos factos provados n.ºs 6 a 29 e 31, o Tribunal teve em consideração o relatório da DGRSP a fls. 29-32, em conjugação com os depoimentos das testemunhas … e … Em primeiro lugar, do relatório da DGRSP a fls. 29-32, datado de 01.06.2022, o qual foi junto ao proc. n.º 733/19...., na sequência da execução da pena acessória em apreciação, constam, pormenorizadamente, todas as anomalias verificadas pela DGRSP, até à data de elaboração do mesmo, de acordo com o que foi reportado pelo equipamento de vigilância colocado ao arguido. Ademais, as referidas anomalias foram confirmadas por … e por …, técnico da DGRSP. … A este propósito cumpre assinalar que o arguido, antes de ser condenado, por decisão transitada em julgado, na pena acessória de proibição de contactar com … e de se aproximar da sua residência e local de trabalho, já havia sido sujeito à medida de coação de proibição de contactar e de se aproximar de …, bem como da sua residência, local de trabalho e outros locais onde a mesma se encontrasse, tendo sido estabelecido um perímetro de exclusão de 500 metros, posteriormente alterado para os 250 metros (despachos com refª. 38378251). Os equipamentos eletrónicos foram instalados em 25.05.2020, na sequência da aplicação da referida medida de coação, tendo sido desinstalados apenas em 09.12.2023, após cumprimento da pena acessória. Ou seja, o arguido esteve sujeito ao perímetro de exclusão de 250 metros durante todo o período de duração da pena acessória, transportando consigo um aparelho que lhe dava alarmes de aproximação em determinadas zonas, conforme o arguido confirmou, mas que, ainda assim, o arguido persistia em invadir. Por outro lado, a atuação do arguido, durante o acompanhamento efetuado pela DGRSP à execução da pena acessória, foi confirmada pela testemunha …, esclarecendo, de modo assertivo e determinado, que o arguido muitas vezes não acedia aos contactos da DGRSP e, quando conseguiam contactá-lo, informaram-no que se encontrava em zona proibida, o que nunca foi suficiente para que o arguido deixasse de circular nos locais sinalizados. Além disso, também se afastou da unidade de posicionamento móvel, impedindo a sua localização, para o que também foi advertido pela DGRSP. Por fim, esclareceu …, de forma relevante, que não foi registada nenhuma situação de anomalia no funcionamento dos equipamentos de vigilância eletrónica, designadamente quanto à medição da distância ou captação de rede. Por seu lado, o arguido, pretendendo prestar declarações, fê-lo de forma confusa, ambígua e contraditória, anunciando-se como uma verdadeira vítima, que viu coartada a sua liberdade, não reconhecendo que tal facto é uma circunstância decorrente da pena acessória que lhe foi aplicada. Ademais, negou ter desrespeitado a decisão do Tribunal, embora não tenha propriamente colocado em causa os alarmes de aproximação, ou seja, a circulação e permanência no perímetro de exclusão, mais propriamente a menos de 250 metros da residência e local de trabalho de AA. As explicações do arguido foram variadas, desde a necessidade de ir buscar as filhas à residência de …, o que esta negou e que não decorre da informação do CAFAP a fls. 101-102, à frequência de bombas de combustível onde são praticados preços mais baixos. Note-se que a explicação sobre a aproximação ao local de trabalho de … com a necessidade de colocação de combustível onde se praticam preços mais baixos e com cartão de fidelização é amplamente demonstrativa da atuação persistente de desrespeitar a decisão do Tribunal. … * C) Apreciação do recurso
- Da incorreta decisão da matéria de facto, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por erro de julgamento e por violação do princípio in dubio pro reo a. Nesta sede, começaremos por traçar os parâmetros do conhecimento da questão assim submetida pelo recorrente ao conhecimento deste Tribunal da Relação. A impugnação, por via de recurso, da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art. 410º nº 2 do CPP, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, ou por via do recurso amplo ou recurso efetivo da matéria de facto, previsto no art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPP. O sujeito processual que discorda da “decisão de facto” da decisão de primeira instância pode, assim, optar pela invocação de um erro notório na apreciação da prova, que será o erro evidente e visível, patente no próprio texto da decisão recorrida (os vícios da sentença poderão ser sempre conhecidos oficiosamente e mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito, conforme acórdão uniformizador do STJ, de 19.10.95 ) ou de um erro não notório que a sentença, por si só, não demonstre. Ao enveredar pela primeira hipótese, a sua discordância traduz-se na invocação de um vício da decisão recorrida e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; optando pela segunda hipótese, o recorrente terá de socorrer-se de provas examinadas em audiência, que deverá então especificar. Vejamos, pois, como a respeito de presente segmento recursivo se apresenta o discurso recursivo do arguido. Sem invocar, embora, qualquer suporte normativo que sustente a incorreta decisão da matéria de facto, desvenda-se do discurso recursivo do arguido que o faz ancorado nas duas referidas vias de impugnação, ou seja, com base em erro de julgamento previsto no art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP, a propósito da factualidade vertida nos pontos 7), 29) e 32), e com base em vício decisório, a propósito da factualidade vertida nos pontos 8) a 28) d mesmo diploma legal. * b. Sendo a invocação dos vícios decisórios, como já o dissemos, uma das vias de impugnação, por via de recurso, da decisão da matéria de facto, o sujeito processual que desta discorde pode, assim, optar pela invocação de um erro notório na apreciação da prova, que será o erro evidente e visível, patente no próprio texto da decisão recorrida. Com efeito, nesta forma de reagir - invocação dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP - contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto – a denominada “revista alargada” - o Tribunal de recurso limita-se a detetar os vícios que a decisão da primeira instância em si mesmo evidencia e, não podendo saná-los, a determinar o reenvio do processo para novo julgamento, tendo em vista a sua sanação (art.426, nº1). Os vícios previstos no art. 410º nº2 do CPP são do conhecimento oficioso – conforme jurisprudência fixada no acórdão nº7/95, de 19 de outubro, in Diário da República, I Série – A, de 28/12/1995 - e constituindo um defeito estrutural da decisão têm que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para os fundamentar como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da decisão que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. Tais vícios decisórios traduzem, pois, defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e, por isso, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e ser de tal modo evidente que uma pessoa normalmente dotada os pode detetar – neste sentido, vide ac. da Rel. de Coimbra, de 12.06.2019, Proc. 1/19.5GDCBR.C1, in www.dgsi.pt. O respetivo regime legal não contempla a reapreciação da prova – contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla da matéria de facto – limitando-se a apreciação pelo tribunal de recurso a incidir sobre defeitos presentes na decisão recorrida suscetíveis de serem detetados, e, na impossibilidade de sanação, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento, como impõe o citado art. 426º nº1 do CPP, relativamente ao qual se impõe esclarecer o seguinte: Nele prevê-se que «sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio». Densificando a previsão e o conteúdo normativo relativo ao vício decisório previsto na alínea a) do nº2 do art. 410º do CPP [que se perspetiva ser o que vem invocado pelo recorrente, embora a este em concreto não se refira na conclusão 24ª, mas que decorre da alegação que vem feita no ponto 5º. do corpo da motivação, quando remete para o ac. do TRC nela citado a respeito da questão por este conhecida como vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada] diremos: - quanto ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do citado normativo legal ( art. 410º, nº2 do CPP) verifica-se a existência do mesmo quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito, ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adotada, designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria, com a segurança necessária, à solução legal e à prolação de uma decisão justa. (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69, e, entre outros, os Acórdãos do STJ de 7/04/2010 (proc. n.º 83/03.1TALLE.E.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49). … Ora, o recorrente ao pretender assacar à sentença recorrida a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, alinha na sua argumentação que: “5.º Veja-se, por outro lado, que são dados como provados os factos 8) a 28) por meio dos quais o Tribunal a quo identifica, de forma padronizada, que o Arguido se deslocou, por diversas vezes, entre a Avenida …, a Rua …, a Praça … e o local de trabalho da ofendida, assumindo, desta forma, uma conduta reprovável, em violação da pena acessória a que fora condenado. Ora, em nenhum destes factos o Tribunal a quo identifica, em concreto, qual a distância a que o Arguido se encontrava de tais locais, sendo que as ruas/praças identificadas são longas e largas, sendo relevante a identificação do ponto geográfico em que o Arguido se encontrava em cada uma delas para se partir do mesmo e avaliar a distância, desse ponto, aos locais relevantes, o que não se sucedeu. … Tal como alcançamos da argumentação assim expendida pelo recorrente, o mesmo sustenta a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada na circunstância de não vir identificado o concreto local das ruas/praças identificadas naqueles pontos 8) a 28) onde se descreve que o arguido passou, circulou ou se movimentou nas datas/horas neles referidas, por entender que sem essa identificação não é possível avaliar a distância entre esses locais e a residência e/ou local de trabalho de AA. Esquece, porém, o recorrente que a distância, por referência a qualquer uma das ruas/praças/avenidas identificadas naqueles pontos 8) a 28), vem feita no ponto 7), onde se diz que o mesmo decidiu desrespeitar a proibição de se acercar, a 250 metros, da residência e do local de trabalho de …, donde se infere que, ao dar-se como provado que ao passar, circular ou movimentar-se naqueles locais e nas datas/horas referidas naqueles pontos 8) a 28), o fez não respeitando a distância de 250 metros da residência e do local de trabalho de AA, que estava obrigado a respeitar. Poderá o arguido discordar dessa decisão por entender que dos elementos de prova coligidos para os autos e analisados pelo tribunal recorrido não poderá resultar a prova de que desrespeitou a referida distância de 250 metros, como, aliás, se percebe que discorda porque impugna a decisão da factualidade contida naquele ponto 7) a partir da diferente valoração que o próprio faz dos elementos probatórios carreados para os autos – que não foi a seguida pelo tribunal recorrido e que este exprime na decisão recorrida pela forma nela exarada - da qual se não descortina, ao contrário do que parece pretender o recorrente, que tenha ficado por apurar matéria contida no objeto do processo relevante para a decisão. Com efeito, o que poderá ter interesse para a decisão de enquadrar a atuação do arguido no crime que lhe vem imputado – violação de imposições, proibições ou interdições – é o que se descreve na aludida factualidade - pontos 7) a 28) - devidamente cotejada, independentemente dos demais contornos que o recorrente, a respeito da mesma, pretende deverem ter sido indagados. Esclarecendo melhor: O que interessa saber é se quando passou/circulou ou se movimentou nas circunstâncias de tempo e lugar descritas naqueles pontos 8) a 28) o fez, ou não, a mais de 250 metros da residência ou do local de trabalho da mencionada …, e, para tanto, não importa saber em que concreto ponto geográfico daquelas ruas/praças/avenidas o fez. Donde, entendemos não se patentear na decisão recorrida - em relação à factualidade descrita nos aludidos pontos 8) a 28) do elenco factual provado - o vício decisório da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. * c. Como já deixámos adiantado, da análise da argumentação recursiva exarada na motivação e nas conclusões do recurso apresentadas pelo recorrente resulta que este impugna a decisão da matéria de facto provada com base nas provas produzidas, aduzindo que estas foram incorretamente valoradas pelo tribunal recorrido, com vista a almejar a modificação da decisão sobre a mesma. … Sendo esse, como parece ser, o desiderato do recorrente, incumbia-lhe o cumprimento dos ónus de impugnação especificada previstos no art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, de indicação pontual, um por um, dos concretos pontos de facto que reputa incorretamente provados e a alusão expressa às concretas provas que impelem a uma solução diversificada da recorrida - als. a) e b) do n.º 3 -, sendo certo que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação (n.º 4). Com efeito, impõe o art. 412º, nº3 do CPP que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto por via do recurso amplo, o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas. Esta especificação deve fazer-se, quando se trate de declarações gravadas, por referência ao consignado na ata, indicando-se concretamente as passagens em que se funda a impugnação (art. 412º, nº4 do CPP). Na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AFJ nº 3/2012). O incumprimento das formalidades impostas pelo art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso. O erro de julgamento, ínsito no citado artigo 412º, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi. O que se visa com a impugnação ampla é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida. Tal reapreciação por parte do tribunal de recurso deverá, porém, ser feita com a necessária ponderação, atentos os princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova que nortearam a decisão do tribunal recorrido. Com efeito, conforme jurisprudência constante, esse recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição de gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como nela se apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente - vide, neste sentido, Acs. do STJ de 18-01-2018 (Proc. n.º 563/14.3TABRG.S1), de 17-03-2016 (Proc. n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), de 20-01-2010 ( Proc. n.º 149/07.9JELSB.E1.S1), de 14-03-2007 (Proc. n.º 07P21) e de 23-05-2007 (Proc. n.º 07P1498) e do TRP de 11-07-2001 (Proc n.º 110407), in www.dgsi.pt. E, nessa medida, como já referido, impõe-se, ao recorrente, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos do artigo 412º, nº3 do C.P.P., o qual dispõe o seguinte: «Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.» A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da decisão recorrida e que se consideram incorretamente julgados e só se se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. … A especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º). Estabelece ainda o n.º 4 do artigo 412.º que, havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º). Assim, quando se trate de depoimentos testemunhais, de declarações dos arguidos, assistentes, partes civis, peritos, etc., o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo destas, quais as particulares passagens, nas quais ficam gravadas, que se referem aos factos impugnados. A concretização das passagens da prova por declarações pode ser feita, designadamente, pela indicação dos tempos de gravação dos segmentos em causa ou pela transcrição das mesmas. O recorrente terá pois de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões. Exige-se que o recorrente refira o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado. No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão de que se recorre, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente. … Ao Tribunal da Relação, na sindicância do apuramento dos factos realizado em primeira instância, cabe, fundamentalmente, analisar o processo de formação da convicção do julgador e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado ou por não provado o que se deu por não provado. E só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão – neste sentido, Acórdãos do STJ de 15/5/2009,10/3/2010,25/3/2010, in www.dgsi.pt./stj. … Como aspeto relevante na apreciação da impugnação da matéria de facto, haverá, ainda, que considerar, como a tal vem estando atenta a jurisprudência, que a apreciação da matéria de facto pelo Tribunal de recurso, se destina, apenas, a remediar erros pontuais de procedimento ou de julgamento, pois, tal como se salienta no Ac. do STJ de 15.12.2005, ( Proc. 05P2951), igualmente disponível in www.dgsi.pt, “O recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros”. Donde, como bem se sintetiza, no ac. deste Tribunal da Relação de Coimbra de 30.04.2008, proferido no proc. nº 105/06.4GCPMS.C, disponível in www.dgsi.pt., “O recurso da matéria de facto não pressupõe portanto, uma reapreciação pelo tribunal superior dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida – o tribunal de recurso não efectua um novo julgamento nem forma uma nova convicção –, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal recorrido relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados, com base na avaliação das provas que considera determinarem uma diversa decisão (cfr. Ac. do STJ de 19/12/2007, processo nº07P4203, em http://www.dgsi.pt). Por isso, como neste se adianta, no que concerne à valoração da prova testemunhal e da prova por declarações, existe uma enorme diferença entre a apreciação e valoração feita na 1ª instância e a que pode ser efetuada pelo tribunal de recurso, com base na transcrição dos depoimentos ou mesmo, na audição das respetivas gravações. É que a impressão produzida no julgador pela prova testemunhal e por declarações, e que se fundamenta no conhecimento das reações humanas e análise psicológica que traçam o perfil de cada testemunha ou declarante, só alcança a sua plenitude através da imediação ou seja, do contacto próximo entre o tribunal e as testemunhas e outros intervenientes processuais. Daí que, quando o julgador atribui ou não, credibilidade a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, porque a opção tomada se funda na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador fundada naquela prova, quando for feita a demonstração de que aquela opção viola as regras da experiência comum. De outra forma, seriam violados os princípios da imediação e da oralidade. … Os factos provados que vêm impugnados pelo recorrente cuja alteração, para não provados, pretende com base na prova oral por si convocada, são os seguintes: [7] … [29] … [32] …
… Sendo certo que da audição dos excertos das passagens da gravação do depoimento prestado pela mencionada testemunha … e das declarações prestadas pelo arguido trazidas à colação pelo recorrente [produzidas na sessão desta que teve lugar no dia 28.02.2025, a que se reporta a ata que constitui a Refª 38351302 ] a que este Tribunal da Relação procedeu na íntegra, e não apenas, das passagens assinaladas das mesmas indicadas pelo recorrente - resulta, efetivamente, o conteúdo probatório que o recorrente delas extrai em sede recursiva, a verdade é que o Tribunal a quo não deixou de o levar em conta na ponderação da factualidade que vem posta em causa pelo mesmo, conjugando-o entre si e com os demais elementos probatórios carreados para os autos, designadamente com o teor das declarações prestadas pela testemunha/ofendida … e com o teor do Relatório da DGRSP a fls. 29-32, datado de 01.06.2022, concluindo da respetiva análise crítica pela demonstração da factualidade que o recorrente pretende ver alterada para não provada. … E, adiantando já, a valoração que deles se impõe fazer não poderá ser diferente da que foi feita pelo tribunal recorrido à luz das regras da experiência comum como impõe o princípio da livre apreciação da prova, previstos no art. 127º do CPP. É que, correspondendo, embora, o conteúdo probatório dos meios de prova convocados pelo recorrente ao que por ele deles foi extraído em sede recursiva e ao que, efetivamente, neles se contém, a verdade é que os mesmos não têm a virtualidade de impor decisão diversa em relação à factualidade que vem impugnada pelo recorrente. Desde logo, o teor do Relatório da DGRSP junto a fls. 29-32, elaborado pela testemunha BB, por este confirmado no depoimento que prestou na audiência de julgamento, explica cabalmente como foram reportados para o sistema de monitorização eletrónica os alarmes relacionados com a movimentação/passagem do arguido na zona de exclusão em relação à casa da vítima e do seu local de trabalho. Bastará perceber como funcionam os aparelhos de vigilância eletrónica para, facilmente, se alcançar como o Tribunal recorrido, com base na monotorização que foi feita e que consta do aludido Relatório e que foi confirmada pela testemunha BB no seu depoimento prestado na audiência de julgamento, ancorou a sua convicção para dar como provada a factualidade que vem impugnada. A tese do arguido e ora recorrente, alavancada nas provas oralmente produzidas por si convocadas, vai no sentido de que estas não fornecem dados suficientes quanto às alegadas violações pelo arguido da zona de exclusividade, porque, segundo o mesmo tal testemunha não soube esclarecer se existe e qual é a margem de erro dos equipamentos de vigilância eletrónica e também referiu que não tinha dados suficientes para indicar a concreta localização do arguido aquando dessas alegadas violações do perímetro de exclusividade que lhe havia sido imposto, e, também, porque segundo o que o próprio adiantou nas suas declarações prestadas na audiência de julgamento, nas suas movimentações ocorridas na Av. ... que vêm indicadas na acusação o ponto geográfico mais próximo da residência da ofendida/vítima … foi de, pelo menos, 260 metros. Como é sabido, o sistema de vigilância eletrónica, quando implementado enquanto meio técnico para controlo à distância do afastamento imposto em decisão judicial ao agressor em relação à vítima, detalhado nos arts. 35.º e 36.º da Lei n.º 112/2009, funciona, em traços largos, da seguinte forma: - a autoridade judiciária deve definir as zonas de proteção à vítima e o seu raio, que deverão poder ser adaptadas pelos serviços de vigilância eletrónica (VE) em função das circunstâncias dos envolvidos, nomeadamente perfis, rotinas das partes e condicionalismos de natureza geográfica; - com essas instruções, os serviços da VE definem zonas de exclusão para o/a agressor/a, correspondendo à casa da vítima, ao seu local de trabalho ou a outros locais, e uma zona de exclusão dinâmica relativa à vítima, em seu redor, que a acompanha nas suas deslocações; - se a autoridade judiciária não definir o raio dessas zonas, os serviços da VE definem um perímetro adequado às circunstâncias; - os serviços da VE entregam às partes os seguintes aparelhos: a) o/à agressor/a - um dispositivo de identificação pessoal (pulseira eletrónica) e uma unidade de posicionamento móvel (UPM) que devem estar sempre próximos; a UPM estabelece relação com o GPS; e b) à vítima - uma unidade de proteção da vítima, que deve ser sempre transportada pela vítima e estabelece relação com o GPS; - os serviços da VE detetam a aproximação do/a agressor/a: se ele/a se aproximar ou entrar nas zonas de exclusão ou se a vítima se aproxima daquele/a: - quando tal sucede, a vítima é informada dessa aproximação na sua UPV; - se o/a agressor/a penetrar numa área geográfica de exclusão, por regra é alertado automaticamente na sua UPM; pode ser interpelado pelos serviços da VE. A regulação da utilização de meios técnicos de controlo à distância quando decidida relativamente a medidas e penas previstas no artigo 35.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, vem prevista na Lei 33/2010, de 2.09, como decorre do disposto na al. e) do art. 1º desta Lei. E, para efeito da citada Lei 33/2010, de 2.09, é criada e mantida pela DGRS uma base de dados, a qual, de acordo com o que estipula o art. 29º da mesma, é constituída por: “a) Nome completo, data de nascimento, filiação, estado civil, sexo, naturalidade, nacionalidade, residência actual conhecida e número de identificação civil e fiscal dos arguidos ou condenados sujeitos a vigilância electrónica; b) Indicação da medida ou pena aplicada; c) Data de início, suspensão e fim da vigilância electrónica; d) Tribunal e número de processo à ordem do qual foi decretada; e) Tipos de crimes imputados; f) Tipo de relação existente entre o arguido ou condenado e a vítima, em caso de prática de crimes de violência doméstica e conexos; g) Data da prática dos factos; h) Local de instalação da vigilância; i) Registos da monitorização da vigilância electrónica. 2 - A DGRS é a entidade responsável pelo tratamento da base de dados referida no número anterior. 3 - A DGRS pode recolher imagens de rosto dos arguidos ou condenados para inserção no sistema informático de monitorização electrónica, apenas para acesso dos agentes intervenientes nas operações de vigilância electrónica, com a finalidade de reconhecimento do vigiado, não as podendo utilizar para outro efeito. 4 - A DGRS pode recolher e registar amostras de voz para verificação da permanência do vigiado em determinado local.”( sublinhado nosso) A defesa do arguido e ora recorrente parece pretender pôr em causa os registos da monitorização da vigilância eletrónica que foram efetuados e que constam da base de dados prevista no citado art. 29º, todavia, as concretas provas convocadas não têm essa virtualidade. Na verdade, a testemunha … referiu que o sistema eletrónico sinalizou a violação do perímetro de 250 metros de afastamento fixado nas datas e durante os períodos indicados no relatório da DGRSP junto a fls. 29-32, não sendo necessário, ao contrário do que pretende o arguido, saber qual a concreta distância a que, nessas circunstâncias, o arguido se encontrava em relação à residência ou ao local de trabalho da vítima, ainda que, como asseverou a mencionada testemunha … tal possa ser aferido pela consulta do sistema eletrónico, que o recorrente podia ter conhecido, pois que, lhe é reconhecido o direito de conhecer o conteúdo dos registos dos dados que lhe respeitem, como dispõe o nº2 do art. 30º da citada Lei 33/2010, o que o arguido não fez. É certo que o arguido nas declarações que prestou na audiência de julgamento pretendeu por em causa a violação desse perímetro de afastamento relativamente a deslocações ocorridas na Av. ..., invocando que estava a 260 metros de distância da residência da vítima, todavia, o tribunal recorrido não lhe deu credibilidade porque as entendeu infirmadas pelo aludido relatório da DGRSP, o que, a nosso ver, não merece censura, até porque, sendo o arguido alertado na sua UPM quando entra na área geográfica de exclusão, não podia ignorar que estava a violar a proibição de afastamento que lhe fora imposta que, nalgumas situações, se chegou a prolongar durante cerca de 10 minutos (no dia 30 de maio de 2021), não podendo, por isso colher, como pretende fazer crer, que não tinha a convicção de que se encontrava a violar a zona de exclusividade. Também quanto à convicção que o tribunal recorrido logrou alcançar a respeito da factualidade integrante do elemento subjetivo de crime de violação de imposições, proibições ou interdições imputado nos autos ao arguido ora recorrente - que considerou provada – e que integra também a matéria que se mostra impugnada, revela-se pertinente tecer as seguintes considerações sobre a prova dos factos de natureza psicológica ou subjetiva. O dolo, legalmente definido no art. 14º do C. Penal, consiste no conhecimento – elemento intelectual – e vontade – elemento volitivo – do agente em realizar o facto, com consciência da sua censurabilidade – consciência da ilicitude. O elemento intelectual implica a previsão ou representação pelo agente das circunstâncias do facto, portanto, o conhecimento dos elementos constitutivos do tipo objetivo, sejam descritivos sejam normativos. O elemento volitivo consiste na vontade do agente de realização do facto depois de ter previsto ou representado os elementos constitutivos do tipo objetivo – assim revelando a sua personalidade contrária ao direito, para uns, ou uma atitude contrária ou indiferente perante a proibição legal revelada no facto [elemento emocional do dolo], para outros. O dolo, enquanto facto subjetivo, enquanto facto da vida interior do agente, não pode ser apreendido ou percecionado diretamente por terceiros pelo que a sua demonstração, tem que ser feita por inferência, através da conjugação da prova dos factos objetivos, em particular, dos que integram o tipo objetivo do crime, pelo que relativamente à prova dos factos subjetivos esta é alcançável por recurso a presunções naturais e às regras da experiência comum. A prova dos factos de natureza subjetiva, mais do que quaisquer outros, não havendo confissão do agente, é alcançada através das chamadas presunções judiciais, tendo em vista os atos materiais praticados e a avaliação da vontade que neles teve que ser aplicada pelo agente, em função das regras do elementar senso comum. Dada a natureza subjetiva, a menos que sejam confessados pelo agente, a única forma de prová-los será através das regras da experiência comum, a partir da objetividade da ação desencadeada, no pressuposto de que o ser humano, atuando em liberdade e em estado consciente, quando pratica determinado facto, fá-lo porque quer, assumindo as consequências que dele previsivelmente resultam. No caso em vertente, lançando mão das presunções judiciais assentes nas regras da experiência comum, a partir da objetividade da ação desencadeada, é possível inferir a prova da factualidade atinente ao elemento subjetivo do referido crime imputado ao arguido, tal como se mostra salientado pelo tribunal recorrido na motivação da decisão da matéria de facto que aquele diz respeito e que considerou provada. Daí que, a convicção alcançada pelo tribunal recorrido em relação a tal factualidade não mereça qualquer censura, porque se mostra sustentada nesses meios probatórios por aquele valorados e mencionados na motivação da decisão de facto, os quais, no seu conjunto, sedimentam, à luz do princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum, a convicção que o tribunal recorrido alcançou ao dar como provados o facto vertido no indicado ponto 45. do elenco factual provado. E tal assim é porque, tanto quanto a imediação resultante da audição dessa prova produzida oralmente nos permitiu alcançar, não só tal factualidade se mostra suportada por esses meios de prova que foram valorados pelo tribunal recorrido, como também porque, não descortinamos que os mesmos, em si, ou entre si, padeçam de contradições ou discrepâncias suscetíveis de abalar a credibilidade que lhes foi conferida. … Se o Tribunal a quo, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicou racionalmente a opção tomada, e o Tribunal da Relação entender que da reapreciação da prova resulta o acerto dessa opção sobre a matéria de facto impugnada, nos termos do art.127.º do C.P.P., por não impor decisão diversa, deve manter a decisão recorrida. Ora, na motivação da decisão de facto que fez constar na fundamentação da sentença recorrida, o Tribunal a quo elencou as razões da valoração que efetuou, identificando a prova que relevou na formação da sua convicção a respeito da factualidade que considerou demonstrada e que o recorrente vem pôr em causa, indicando os aspetos da mesma que, conjugadamente, o levaram a concluir no sentido de a considerar provada, para além de ter assinalado de forma lógica e racional os fundamentos que, no seu entendimento, justificam a credibilidade que reconheceu e a força probatória que conferiu a esses elementos de prova, beneficiando, como já referido, da oralidade e da imediação que o julgamento em primeira instância lhe permitiu. E, tal convicção, como já se adiantou, não nos merece qualquer reparo, bem pelo contrário, mostra-se suportada plenamente pelos elementos probatórios para o efeito valorados, de forma segura, devidamente fundamentada, estando explicada de forma lógica e racional, não se vislumbrando também que tenha sido violada uma qualquer regra da experiência comum, tendo sido estritamente observado o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do C.P.P. De notar, ainda, que, apesar de não virem invocados – mas sendo de conhecimento oficioso - não se patenteia a existência dos vícios decisórios previstos nas als. b) e c) do nº2 do art. 410º do CPP. * Apela, ainda, o recorrente em sede recursiva ao princípio in dubio pro reo, pretendendo que o julgamento da decisão da matéria de facto provada que veio impugnar foi feito à revelia do mesmo, equacionando, por isso, a respetiva violação. A tal propósito, diremos que quanto à matéria que vem impugnada pelo mencionado recorrente, nada resulta da fundamentação sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida a respeito de qualquer dúvida que tenha pairado na convicção do julgador da primeira instância a propósito da mesma que justifique equacionar-se ter sido postergada pelo tribunal recorrido a aplicação de tal princípio constitucionalmente consagrado. … Assim, se na fundamentação aduzida na decisão o Tribunal não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo. No caso vertente, o recorrente propende para a existência da dúvida que deveria ter pairado no espírito dos julgadores que integraram o Tribunal da 1ª instância apenas e só em função e como decorrência da sua apreciação da prova. Para o recorrente, de acordo com a sua própria apreciação/valoração, a prova produzida nos autos não permite concluir no sentido decidido quanto à sua atuação pela forma que foi considerada provada, por entender que a prova carreada para os mesmos se mostra insuficiente para esse efeito, e que, sobre isso, se deveria inculcar dúvida razoável valorada positivamente a seu favor, em conformidade com o princípio in dubio pro reo consagrado no art. 32º, nº2, 1ª parte da CRP. Porém, em parte alguma da sentença recorrida resulta que, relativamente à factualidade narrativa da atuação do arguido nela descrita e que vem impugnada pelo mesmo, o tribunal recorrido se tenha defrontado com dúvidas que resolveu contra o recorrente ou demonstrou qualquer dúvida na formação da convicção e, ademais, se impunha que a devesse ter tido. A opção do tribunal recorrido relativamente à factualidade atinente à atuação do arguido ora recorrente que pelo mesmo vem posta causa no presente recurso, mostra-se segura, minimamente fundamentada, encontrando explicação lógica e racional na valoração feita dos meios de prova carreados para os autos, não se vislumbrando também, como já referido, que tenha sido violada uma qualquer regra da experiência comum, tendo sido estritamente observado o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do CPP.
* Face ao exposto, não se detetando omissões relevantes, factos inconciliáveis, juízos entre si incompatíveis, ilógicos, que inculquem uma apreciação à margem das regras da experiência comum, ou, sequer, que tenha o tribunal recorrido tomado a sua decisão perante um quadro factual desprovido de certezas; não se assistindo à preterição dos momentos vinculados da prova, à valoração de prova proibida; patenteando-se na fundamentação uma análise cuidada, detalhada, lógica e racional dos diferentes meios de prova, por si e em conjugação entre si, criteriosamente analisada, não nos suscitando o juízo de convicção observado pelo tribunal recorrido a mais ténue inquietação quanto à sustentação da decisão na abundante e, no essencial de sentido unívoco, prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento, considera-se, tal como se mostra consignado na decisão recorrida, definitivamente fixado o acervo factual que dela consta, improcedendo a pretensão do recorrente no tocante ao segmento recursivo vindo de analisar. * Vindo a pretensão recursiva do arguido de ser absolvido do crime por que foi condenado na almejada, mas não conseguida, alteração da matéria de facto, uma vez que esta permanece inalterada e não merece censura a ponderação feita na sentença recorrida a propósito do respetivo enquadramento jurídico-penal, é de manter a condenação do arguido os exatos termos nela decididos. Termos em que se julga improcedente o recurso. * * III- DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 4ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra, em: 1. Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido …, confirmando a decisão recorrida. 3. Condenar o recorrente nas custas relativas ao recurso, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs (arts. 513º, nº 1 e 514º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa). * * * Coimbra, 20 de novembro de 2025 (Texto elaborado pela relatora e revisto por todas as signatárias – art. 94º, nº2 do CPP)
(Maria José Guerra – relatora) (Rosa Pinto – 1ª adjunta) (Isabel Gaio Ferreira de Castro – 2ª adjunta)
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