Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1012/14.2TBCTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE TRANSAÇÃO
FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FACTOS EXTINTIVOS DA EXECUÇÃO
PROVA POR DOCUMENTOS
ABUSO DE DIREITO
PROVA POR CONFISSÃO
Data do Acordão: 02/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 703, Nº1, A), 729.º, AL. G) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ARTIGOS 342.º, N.º 2, 394.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I-Em acção executiva para entrega de coisa certa, constituindo o título executivo uma sentença homologatória de transacção (artº 703, nº1, a) do C.P.C.), o embargante apenas pode invocar como fundamentos de oposição à execução, os referidos no artº 729 do C.P.C.

II- Sendo invocados factos extintivos da obrigação, nos termos previstos no artº 729, g) do C.P.C., ao embargante cabe o ónus de prova destes factos (artº 342, nº2 do C.C.), prova a efectuar por documento.

III-Por o documento exigido na alínea g) deste preceito legal constituir uma formalidade ad probationem, deve ser igualmente admitida prova por confissão da parte nos termos do artº 394 do C.C., quanto ao alegado pagamento, a ser requerida com o requerimento de embargos.

IV-Sendo invocados factos que integram a excepção de abuso de direito, fundada no facto de as embargadas estarem na posse do imóvel cuja entrega peticionam do embargante, deve ser admitida a prestação de meios de prova testemunhais e por declarações de parte por, em relação a estes factos, não operar a restrição da alínea g) do artº 729 do C.PC., uma vez que integram excepção de direito material de conhecimento oficioso.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: ***

Recorrente: AA.

Recorridas: BB

                    CC

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Hugo Meireles

                                          Luís Manuel Carvalho Ricardo


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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de COIMBRA:


RELATÓRIO

AA, veio por apenso à execução contra si instaurada por BB e CC, para entrega de coisas certa, apresentando como título executivo, decisão judicial homologatória de transacção celebrada entre embargante e embargadas, invocando que:

-resulta do título executivo a obrigação de entrega do imóvel até 31/12/2023, tendo o embargante retirado deste imóvel todos os seus bens e animais, em inícios de Dezembro, encontrando-se o arrendado livre e devoluto de pessoas, animais e bens desde essa data;

-quando ocorreu a notificação judicial avulsa para entrega em 18/12/2023, já o locado tinha sido desocupado;

-foi essa informação transmitida ao Mandatário das embargadas;

-resulta do artigo 3º do acordo homologado por sentença que “As senhorias entrarão no locado para usar e fruir do mesmo no dia 01/01/2024”, o que estas exerceram;

-o locado constitui um imóvel rústico sem qualquer vedação, chaves ou outro que impeça a entrada ou que exija uma efectiva entrega do local.


*


Após, pelo tribunal a quo foi proferida decisão de indeferimento liminar dos embargos, por os seus fundamentos não se enquadrarem no disposto no artº 729 do C.P.C., por entender que “o facto de o executado ter desocupado o imóvel até à data em que se obrigou a entregar o mesmo às exequentes não tornaria inexigível a obrigação exequenda, razão pela qual não se encontra preenchida a previsão da alínea e) do artigo 729º do CPC invocada pelo executado.

Por outro lado, a simples desocupação do imóvel não corresponde ao cumprimento da obrigação a que o executado se vinculou em sede de transação celebrada no dia 10 de novembro de 2016, consistente na entrega do mesmo às exequentes.

Ainda que assim não fosse, encontrar-se-ia em causa um facto extintivo da obrigação exequenda que, por não se provar por documento, não poderia integrar também a previsão da alínea g) do artigo 729º do CPC.”


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Não se conformando com essa decisão, veio o embargante dela interpor recurso, concluindo da seguinte forma:

“A- Andou mal o tribunal a quo quando indeferiu liminarmente os Embargos de executado e andou ainda pior quando proferiu uma decisão de mérito que deu como incumprida e exigível a formalização da entrega do arrendado pelo Embargante às Embargadas.

B- Pela sentença dada como título à execução, o Embargante contratou o arrendamento do prédio melhor identificado nos autos, com início em 10/11/2016 e termo em 09/11/2023, não renovável, com prazo de entrega até 31/12/2023.

C- No Requerimento Executivo peticionam as Embargadas a entrega do arrendado por incumprimento do dever de desocupação e entrega pelo Embargante.

D- Ora, o Embargante, em data não concretamente apurada, mas seguramente no início do mês de dezembro de 2023, já tinha retirado todos animais e bens da propriedade, encontrando-se o arrendado, naquela data, livre e devoluto de pessoas, animais e bens, inexistindo no terreno em causa qualquer animal, alfaia ou ferramenta agrícola, cultura instalada ou sementeiras.

E- A primeira obrigação a de desocupação – foi cumprida pelo Embargante.

F- No que toca à segunda obrigação de entrega do arrendado - inexistia qualquer ato formal que o Embargante pudesse praticar para a entrega da propriedade uma vez que o arrendado não tem qualquer vedação que impeça o acesso, não tem qualquer portão nem existe qualquer edifício agrícola para aceder.

G- Sem prejuízo da inexistência de qualquer barreira, no seguimento da NJA requerida pelas Embargadas, quando o arrendado já se encontrava desocupado, o Embargante contratou o advogado Dr. DD para transmitir tal informação (efetiva desocupação já tinha sido concretizada) ao ilustre mandatário das Embargadas, Dr. EE.

H- O Dr. DD transmitiu ao Embargante que efetuou a comunicação ao ilustre mandatário das Embargadas, Dr. EE, mas que nunca obteve resposta.

I- Cumpre ainda referir que, nos termos do artigo 3º. do contrato em causa, “As senhorias entrarão no locado para usar e fruir do mesmo no dia 01/01/2024”.

J- Ora, as Embargadas exerceram esse direito em janeiro de 2024, pelo que, bem sabem que, nessa data, a obrigação do Embargante de abandono e retirada de pessoas, animais e bens já se encontrava realizada.

K- Perante o exposto, errou o tribunal a quo na interpretação da factualidade e na aplicação do direito, mormente quando entendeu que não estavam preenchidos os prossupostos do artigo 729.º n.º 1 alínea e) do CPC quanto à inexigibilidade da obrigação, indeferindo liminarmente os embargos

L- Andou também mal o tribunal a quo quando, nesta fase do processo (sem contestação ou produção de prova) decidiu logo o mérito da causa, dando como incumprida e exigível a formalização da entrega do arrendado pelo Embargante às Embargadas.

M- O Embargante cumpriu pontualmente a primeira obrigação a que estava adstrito - a de desocupação (artigo 762.º n.º 1 do CC)

N- A segunda obrigação de entrega do arrendado – foi também cumprida, através do contacto entre mandatários, no seguimento da NJA, dando o mandatário do Embargante conta ao mandatário das Embargadas que o prédio estava desocupado e que podiam tomar posse deste, nos termos do artigo 3º. do contrato em causa.

O- E o Embargante não podia fazer mais do que isso, dado que, não existindo qualquer vedação que impeça o acesso, não existindo qualquer portão e não existindo qualquer edifício agrícola para aceder, a realização de qualquer ato formal (entrega de chaves ou qualquer ato material conferente de acesso) reveste caráter de prestação objetivamente impossível, nos termos do artigo 790.º n.º 1 do CC

P- Inexistindo incumprimento dos deveres do Embargante, são inexigíveis as prestações objeto da execução, existindo fundamento de oposição a que alude o artigo 729.º alínea e) do CPC

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. suprirão, requer-se que a decisão proferida pelo tribunal a quo seja revogada e que prossigam os autos dos embargos de executado, fazendo-se assim a acostumada justiça!


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Notificadas as exequentes/embargadas, nos termos e para os efeitos do artº 641 nº7 do C.P.C., estas vieram deduzir contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
1. O Executado apresentou alegações de recurso do despacho de indeferimento liminar dos embargos de executado apresentados por falta de exigibilidade do título executivo.
2. Porém, não lhe assiste qualquer razão.
3. Ademais, o Recorrente não liquidou sequer a taxa de justiça devida pelo impulso processual.
4. Pelo que o recurso deveria, sem mais, ser desentranhado.
5. O título que serve de base à ação executiva é uma Sentença Homologatória (condenatória).
6. Não o fez.
7. No final do ano do de 2023, aproximando-se a data-limite para entrega e uma vez que arrendatário continuava no silêncio, as Recorridas deram entrada de Notificação Judicial Avulsa, que originou o processo n.º 2056/23...., Juízo Local Cível de Castelo Branco – Juiz ....
8. O Executado, aqui Recorrente, foi notificado, por Oficial de Justiça, a dia 18-12-2023, tudo em conformidade com a Certidão da Notificação Judicial Avulsa.
9. Não obstante todas as diligências adotadas pelas Exequentes, facto é que em junho de 2024 o Executado ainda não havia procedido à entrega do locado, desrespeitando o que ficou acordado em Tribunal, o que motivou a entrada dos autos executivos.
10. O Executado não só não procedeu à entrega, como não adotou qualquer comportamento que daí pudesse extrair e aferir a boa-fé daquele, para a entrega do locado, tendo uma vez mais frustrado as legítimas expectativas das Exequentes, que se encontram privadas do seu direito de propriedade, uso e fruição.
11. Considerando o teor dos Embargos apresentados e, ainda do Recurso interposto, é notório a inveracidade das alegações apresentadas, mormente no que respeita à comunicação entre Advogados (Dr. EE e Dr. DD), e que não fosse o Dever de Segredo Profissional, vulgo Sigilo Profissional, previsto no art.º 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, juntaríamos aqui em anexo a correspondência trocada.
12. No entanto, caso este Venerando Tribunal assim o entenda, o Mandatário ora signatário sempre poderá requerer o levantamento do sigilo profissional.
13. Sem prejuízo do retro alegado, é manifestamente falso que o Dr. DD tenha transmitido que a desocupação já tivesse ocorrido.
14. O que sucedeu, sim, foi que na sequência da entrada do processo executivo, o Mandatário ora signatário informou o colega, Dr. DD de que havia entrado com o processo, por dever de urbanidade, o qual apenas agradeceu.
15. Ademais, no que respeita à alegação de que quando havia sido notificado da Notificação Judicial Avulsa o Executado já havia cumprido com a obrigação, tal é manifestamente falso e até mesmo irrisório. Para além de que, diga-se, se já havia cumprido a obrigação, qual o motivo de constituir com mandatário o Dr. DD?
16. À luz das regras da experiência comum vislumbra-se como improvável, se não mesmo impossível, dar como verdadeiro tal facto. Mais, se em Dezembro de 2023 o Executado já havia entregado o locado, qual o motivo para as Senhorias virem despender recursos económicos com a constituição de mandatário para elaboração de Notificação Judicial Avulsa e Requerimento Executivo, pagamento de honorários com Agente de Execução, pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo?
17. Salvo o devido respeito, aqui, para o Homem Médio não restam dúvidas.
18. Vertendo-nos por ora para apreciação da matéria de Direito invocada pelo Recorrente cumpre, desde logo, referir que efetivamente o Embargante não deu cabal cumprimento ao preenchimento da alínea e) do art.º 729.º do CPC.
19. Porém, e não obstante a interposição de recurso, continuamos por desconhecer em que medida, os Embargos apresentados, preenchem a al. e) do art.º 729.º do CPC, pois que o título apresentado não se encontra incerto, inexigível ou não líquido, nem, em bom rigor, da alegação do Recorrente, se depreende ou almeja tais características.
20. Baseando-se a ação executiva numa sentença judicial, são admissíveis apenas os fundamentos de oposição elencados no artigo 729º do CPC e, que, aliás o Embargante identifica na sua peça processual.
21. No entanto, os embargos apresentados carecem total e integralmente dos fundamentos previstos naquele normativo.
22. Mais, o facto eventual de já ter entregue o locado (que não se admite), ainda assim, não importava o preenchimento do art.º 729.º do CPC.
23. Conforme decidiu e, bem, o douto Tribunal a quo, “Efetivamente, o facto de o executado ter desocupado o imóvel até à data em que se obrigou a entregar o mesmo às exequentes não tornaria inexigível a obrigação exequenda, razão pela qual não se encontra preenchida a previsão da alínea e) do artigo 729º do CPC invocada pelo executado.”
24. “Por outro lado, a simples desocupação do imóvel não corresponde ao cumprimento da obrigação a que o executado se vinculou em sede de transação celebrada no dia 10 de novembro de 2016, consistente na entrega do mesmo às exequentes.”
25. “Ainda que assim não fosse, encontrar-se-ia em causa um facto extintivo da obrigação exequenda que, por não se provar por documento, não poderia integrar também a previsão da alínea g) do artigo 729º do CPC.”
26. “Nestes termos, por não ter sido invocado nenhum fundamento que se ajuste ao disposto nos artigos 729º e 860º, n.º 1, ambos do CPC, a oposição à execução deduzida pelo executado não se mostra admissível, motivo pelo qual não poderá deixar de ser liminarmente indeferida.”
27. A decisão recorrida afigura-se justa, adequada, fundamentada, legal e em conformidade com a nossa Ordem Jurídica, devendo, consequentemente, manter-se tal-qual como foi proferida
Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o mui douto suprimento deste Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, deve o Recurso apresentado pelo Exequente ser julgado totalmente improcedente por não provado, confirmando-se, nos exatos termos, a douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo.


ASSIM DECIDINDO, SE FARÁ A BOA E COSTUMADA JUSTIÇA!”

 

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QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões a decidir consistem em apurar:
a) Se os fundamentos invocados, integram os previstos no artº 729, nº1 al. e) do C.P.C.;


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto a considerar, relevante para a decisão a proferir, é a seguinte:

1-Intentada acção declarativa pelos embargados contra o ora embargante, que correu termos sob o nº 1012/14.... no Tribunal da Comarca de Castelo Branco, Juízo Local Cível, nesta vieram as partes celebrar transacção homologada por sentença de 10/11/2016, nos seguintes termos:
O Autor FF e o Réu GG declaram celebrar na presente data um contrato de arredamento rural com as seguintes cláusulas:
1ª. - O Réu GG toma de arrendamento a área de 71.750 m2 do prédio "..." descrito sob o nº. ...45 na Conservatória do Registo Predial ... e a área de 408.860 m2 do prédio "... e ..." descrito sob o nº ...44 na Conservatória do Registo Predial ..., que o autor FF lhe dá de arrendamento;
2ª. - O contrato tem início no dia 10/11/2016 e fim no dia 09/11/2023, não sendo este contrato renovável, devendo o inquilino GG entregar o locado ao senhorio livre e devoluto de pessoas, animais e bens, até ao dia 31/12/2023;
3º. - O senhorio entrará no locado para usar e fruir do mesmo no dia 01/01/2024;
4º. A renda anual é fixada em Euros 2.125,00 (dois mil cento e vinte e cinco euros), devendo ser paga até ao dia 31/10 de cada ano, vencendo-se a primeira no dia 31/10/2017, a qual será efectuada por meio de transferência bancária para o "NIB" a indicar aos autos, com conhecimento à Il. Mandatária dos réus, no prazo de 10 (dez) dias;
5º. - A referida renda é actualizada anualmente de acordo com o índice de inflação anual fixado pelo "Instituto Nacional de Estatística", ocorrendo a primeira actualização em 31/10/2018;
6º. - Fica assente entre as partes que o presente arrendamento não inclui a exploração cinegética (direito a caçar, ficar com a caça e a vender a mesma), bem como a exploração florestal do locado, pertencendo estas ao senhorio;
7º. - Para efeitos de notificação e assuntos referentes ao presente contrato, as partes indicam as seguintes moradas:
- Morada do senhorio FF: Largo ..., ..., ... ...
- Morada do inquilino GG: Rua .... - ... ...;
8º. - Toda e qualquer alteração ao presente contrato deverá ser feita através da forma escrita.
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II)
As autoras CC e BB e o réu AA declaram celebrar um contrato de arrendamento rural com as seguintes cláusulas:
1ª. O Réu AA toma de arrendamento a área de 438.250 m2 do prédio "... e ..." descrito sob o nº. ...46 na Conservatória do Registo Predial ..., que as autoras CC e BB lhe dão de arrendamento;
2ª. - O contrato tem início no dia 10/11/2016 e fim no dia 09/11/2023, não sendo este contrato renovável, devendo o inquilino entregar o locado às senhorias CC e BB livre e devoluto de pessoas, animais e bens, até ao dia 31/12/2023;
3º. - As senhorias entrarão no locado para usar e fruir do mesmo no dia 01/01/2024;
4º. A renda anual é fixada em Euros 2.125,00 devendo ser paga até ao dia 31/10 de cada ano, vencendo-se a primeira no dia 31/10/2017, a qual será efectuada por meio de transferência bancária para o "NIB" ou NIB's" a indicar pelas senhorias aos autos no prazo de 10 (dez) dias com conhecimento à Il. Mandatária dos réus;
5º. - A referida renda é actualizada anualmente de acordo com o índice de inflação anual fixado pelo "Instituto Nacional de Estatística", ocorrendo a primeira actualização em 31/10/2018;
6º. - Fica assente entre as partes que o presente arrendamento não inclui a exploração cinegética (direito a caçar, ficar com a caça e a vender a mesma), bem como a exploração florestal do locado, pertencendo estas às senhorias;
7º. - Para efeitos de notificação e assuntos referentes com o presente contrato, as partes indicam as seguintes moradas:
- Morada da senhoria CC: Av. .... - ... ...
- Morada da senhoria BB: Rua ... .- ... ...
- Morada do inquilino AA: HH , Rua .... - ... ...
8º. - Toda e qualquer alteração ao presente contrato deverá ser feita através da forma escrita.
2-As exequentes, ora embargadas, procederem à notificação judicial avulsa do executado/ embargante, realizada em 18/12/2023, para proceder à entrega do imóvel.
3-Com data de 12/06/2024, vieram as embargadas interpor execução para entrega de coisa certa requerendo a #citação do Executado, e por conseguinte, proceder-se à efetivação da entrega do imóvel melhor descrito no ponto 1 do requerimento executivo, com imediata desocupação do mesmo.

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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Insurge-se o embargante contra a decisão que indeferiu liminarmente os presentes embargos, por duas ordens de razões:

-retirou-se do locado antes do dia 31/12/2023, deixando-o livre de pessoas e bens, o que comunicou às embargadas;

-estas estão na posse do locado desde 01/01/2024, em data anterior à da entrada em juízo da execução.

A qualificação inequívoca deste título como sentença que, apesar da homologação e acordo alcançado entre as partes, é ainda assim condenatória, enquadrado no elenco dos títulos executivos previstos no artº 703 nº1 a) do C.P.C., restringe os fundamentos de oposição invocáveis pelo executado aos previstos no artº 729 do C.P.C.

Nestes termos, decorre do disposto no artº 729 do C.P.C. que os fundamentos de oposição à execução fundada em sentença judicial, são apenas os taxativamente previstos nas diversas alíneas deste preceito, incluindo-se no caso das sentenças homologatórias de transacção, qualquer causa de nulidade ou de anulabilidade desses actos.

Nos presentes embargos, invoca o apelante o teor da alínea e) do artº 729 do C.P.C., a qual dispõe como fundamento de oposição à execução, a “Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;”

Refere-se esta alínea à falta de pressupostos processuais da obrigação exequenda que não tenham sido supridos na fase introdutória da execução. Denote-se que, nos termos previstos no artº 713 do C.P.C., “A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo”. Pense-se nas obrigações alternativas, que carecem de liquidação, ou que ainda se não encontram vencidas.

Sendo estes requisitos essenciais da obrigação exequenda, deve o magistrado judicial, assim que detectada esta falta, se suprível, proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, sob pena de indeferimento liminar (artº 726, nº 4 do C.P.C.)

A dedução de embargos com base em qualquer destes fundamentos, não preclude a possibilidade de prolacção deste despacho, pois que constitui este um dever imposto ao magistrado judicial de suprimento da falta de pressupostos processuais sanáveis. Suprida a falta deste pressupostos, conforme refere José Lebre de Freitas[3]cessa o fundamento da oposição, que o juiz julgará, consequentemente, improcedente”. No entanto, prossegue este autor, “dependendo o suprimento  (…) dum ato do exequente, o juiz tiver proferido despacho de aperfeiçoamento do requerimento executivo, o exequente não tiver sanado o vício e o juiz tiver omitido o despacho de indeferimento liminar” do requerimento executivo, fica precludida a possibilidade de suprimento posterior.

Em qualquer causa, a incerteza, falta de liquidez ou exigibilidade da obrigação exequenda, afere-se pelo título executivo.

Quer isto dizer que a extinção da obrigação, pelo cumprimento voluntário do devedor após a prolacção da sentença homologatória de transacção e antes da interposição da execução, não se integra nesta alínea, mas antes, no teor da alínea g) do artº 729 do C.P.C.

Nos termos previstos nesta alínea, apenas podem ser invocados como fundamento de oposição à execução fundada em sentença, os factos extintivos ou modificativos da decisão que sejam posteriores ao encerramento da discussão e se provem por documento, conforme resulta da estatuição da alínea g) deste preceito. Os que sejam anteriores ao encerramento da discussão em sede declarativa, estão abrangidos pelo princípio da preclusão dos meios de defesa (artº 573, nº 2 do C.P.C.) e não podem ser posteriormente invocados em sede de embargos à execução.

Conforme esclarece DELGADO DE CARVALHO[4], “a exigência da posteridade do facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda decorre dos limites para a alegação dos factos supervenientes (artºs 588º, nº1 e 611º, nº1), bem como do princípio da concentração da defesa (artº 573º), precludindo a invocação das excepções cujos pressupostos de facto já estavam reunidos e podiam ser invocados, até ao encerramento da discussão no processo declarativo onde foi proferida a sentença que se pretende executar.”

Ora, os factos alegados pelo embargante ocorreram, na sua versão, em data posterior à sentença e anterior à interposição desta execução. Ocorre, no entanto, que a lei para além da posteridade do facto exige igualmente que este se prove por documento.
A restrição probatória constante deste preceito legal tem sido criticada pela doutrina por constituir uma violação do direito à prova, restringindo-o em casos em que o direito substantivo o não exige. Desta crítica nos dá conta RUI PINTO[5], citando LEBRE DE FREITAS e TEIXEIRA DE SOUSA, este último por entender que a exigência de prova documental “só pode referir-se àqueles casos em que esse meio de prova corresponda a uma imposição legal (como a estabelecida nos artºs 394º e 395º CC) ou em que, pelo menos, ela seja usual no comércio jurídico (…). A adequação do meio de prova não pode deixar de ser em função do facto a provar”.
No entanto, para Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo[6]percebe-se esta exigência do legislador, em nome da certeza jurídica e do próprio respeito pela força e eficácia do caso julgado que se formou sobre a sentença dada á execução.”
A mesma opinião é seguida por RUI PINTO[7] para quem “A exigência de prova documental (…) não é um mero capricho arbitrário do legislador, não constituindo uma violação do direito à prova” decorrendo antes da consideração dos embargos apostos à sentença condenatória como uma acção constitutiva extintiva da execução e, nessa medida, funcionalmente como um meio de revogação do caso julgado, exigindo especial força probatória.
Admite, todavia, o aludido autor, que “dentro do espírito da ratio pode estender-se a prova admissível tanto à confissão, como a meios de prova mais seguros do que a prova documental, como sejam a inspecção judicial ou a a peritagem.”     
Trata-se de entendimento seguido também por AMÂNCIO FERREIRA[8]  segundo o qual “face ao disposto no nº 2 do art. 364º do CC, poderá o documento ser substituído por confissão, por nos encontrarmos, em princípio, perante uma formalidade ad probationem. Donde, e mesmo sem possuir o necessário documento, poder a oposição ser deduzida, contando o opoente, no seu decurso, obter a confissão do exequente”.
No mesmo sentido se pronunciam ainda LEBRE DE FREITAS E RIBEIRO MENDES[9], admitindo a “possibilidade da prova por confissão do exequente, tido em conta o art. 364-2 CC: pode, portanto, a oposição ser deduzida, contando o executado nela obter a prova por confissão”.
Também na jurisprudência tem vindo a ser admitida a possibilidade de prova por confissão e ainda, se invocado o abuso de direito, outros meios de prova nomeadamente testemunhais e por declarações de parte[10], embora limitados à prova dos factos que integrem este abuso de direito.

Adiantamentos desde já que aderimos à posição que admite a produção de prova por confissão em relação ao facto extintivo da decisão que se executa, entrega de coisa certa, conforme posição expendida no Ac. do TRL de 05/07/2018, subscrito pela ora Relatora como 2º adjunta[11], e nesta relação no proc. nº 1170/21.0T8CBR-A.C1..

Com efeito, a exigência deste documento, imposta pela alínea g) do artº 729 do C.P.C., constituir uma formalidade ad probationem e não ad substantiam.

Constituindo uma formalidade ad probationem há que considerar o disposto no artº 364, nº2 do C.C. que dispõe que: “Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.”

Resultando claramente da do disposto na alínea g) do artº 729 do C.P.C. que o documento é exigido apenas para prova do facto extintivo, impeditivo ou modificativo, pode sempre ser substituído por prova por confissão, quer por confissão em sede de depoimento de parte quer nos articulados.
Já quanto ao momento temporal de indicação dos meios de prova, constituindo a oposição à execução, conforme nos ensina LEBRE DE FREITAS[12]diversamente da contestação da acção declarativa, (…) do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter duma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e(ou) da acção em que se baseia (…), constituindo petição duma acção declarativa e não contestação duma acção executiva”, é-lhe aplicável o disposto no artº 552 nº2 do C.P.C.

Nestes termos, com a petição de embargos deve o embargante apresentar de imediato os seus meios de prova e no caso da alínea g) do artº 729 do C.P.C., prova documental que sustente o seu pedido, ou mencionar que pretende fazer prova destes factos por confissão da contraparte.

Ocorre que logo no requerimento executivo veio o embargante indicar que pretendia o depoimento de parte das embargadas.

Opõe, no entanto, a sentença recorrida que tendo em conta o teor da clausula 2 da transacção celebrada entre as partes, “a simples desocupação do imóvel não corresponde ao cumprimento da obrigação a que o executado se vinculou em sede de transação celebrada no dia 10 de novembro de 2016, consistente na entrega do mesmo às exequentes.”

Recorde-se que a clausula 2ª deste Acordo dispunha que “O contrato tem início no dia 10/11/2016 e fim no dia 09/11/2023, não sendo este contrato renovável, devendo o inquilino GG entregar o locado ao senhorio livre e devoluto de pessoas, animais e bens, até ao dia 31/12/2023;”.

Admite-se que a entrega do imóvel às embargadas exige dois actos materiais: um de desocupação do imóvel, dele retirando pessoas e bens e outro de entrega ao seu proprietário que assim fica instituído na sua posse, independentemente de existirem chaves ou vedações, uma vez que é esta restituição da posse ao seu proprietário (e não o mero abandono da coisa) que torna perfeita a obrigação a cargo do devedor. O devedor deve cumprir a obrigação ponto por ponto, conforme o exige o artº 406 do C.C.

Nestes termos, poder-se-ia defender, como o faz a decisão recorrida, que este acto não é por si só, extintivo da obrigação a cargo do devedor. Ocorre, no entanto, que está também alegado que as embargadas logo no dia seguinte à data limite para restituição do locado, entraram na posse deste.

Assim, ainda que se entendesse que estes dois factos, saída do locatário até ao dia 31/12/2023 e a posse das proprietárias no dia 01/01/2024, como facto extintivo da obrigação, ainda assim seria de ponderar a existência de abuso de direito, pela interposição de acção executiva para entrega de imóvel já na posse das embargadas, este não sujeito à limitação prevista na parte final da alínea g) do artº 729 do C.P.C., pois que constitui excepção de direito material de conhecimento oficioso. 

Nestes termos, impõe-se a revogação da decisão de indeferimento liminar proferida pelo tribunal a quo, sendo substituída por outra que admita os presentes embargos, com fundamento no disposto no artº 729 g) do C.P.C., para apreciação dos factos invocados pelo embargante, incluindo dos factos referentes a eventual abuso de direito por parte das embargadas.

Procede assim a apelação.


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DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, sendo substituída por outra de admissão dos embargos, com fundamento no disposto no artº 729, g) do C.P.C., para apreciação dos factos invocados pelo embargante, incluindo da excepção de abuso de direito.
Custas pelas apeladas (artº 527 nº1 do C.P.C.)
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                                     Coimbra 18 de Fevereiro de 2025


[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] LEBRE DE FREITAS, José, A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª edição, JestLegal, 2017, pág. 198.
[4] DELGADO DE CARVALHO, José Henrique, A Ação Executiva para Pagamento de Quantia Certa, Quid Juris, 2014, pág. 169.
[5] PINTO, Rui, A Ação Executiva, Reimpressão, 2020, AAFDL, pág. 424.
[6] RIBEIRO, Virgínio da Costa, REBELO; Sérgio, A Ação Executiva Anotada e Comentada, 3ª edição, Almedina, 2021, pág. 202.
[7] Ibidem, pág. 425.
[8] FERREIRA, Amâncio, Curso de Processo de Execução, Almedina, 12ª edição, pag. 178, nota 290
[9] LEBRE DE FREITAS, José e RIBEIRO MENDES; Armindo,  Código de Processo Civil Anotado, vol. III, Coimbra Editora, pag. 316.
[10] Neste sentido vide Ac. do TRL de 20/10/20 proferido no proc. nº 791/14.1T8SXL-B.L1-2, de que foi relatora Laurinda Gemas, disponível in www.dgsi.pt, na qual defende que “(d) os direitos processuais, em particular do direito de ação, está sujeito ao controlo da boa fé, mormente por via do instituto do abuso de direito, nos termos dos artigos 334.º e 762.º do CC, e dos artigos 8.º, 542.º e 543.º do CPC (na doutrina, por todos, Menezes Cordeiro, “Litigância de má fé, abuso do direito de acção e culpa in agendo”, 3.ª edição, Almedina). Por assim entendermos, é que nos parece que, em certas situações, concedendo-se que poderá ser o caso da que se nos apresenta, se justifica, até por imperativo constitucional (mormente o respeito pelo princípio da proibição da indefesa consagrado no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), uma interpretação restritiva da referida alínea g) do art. 729.º, permitindo a prova dos factos invocados mediante depoimentos testemunhais e declarações das partes.”
[11] Proferido no proc. nº 2061/17.4T8CSC-A.L1-6, relator António Santos, disponível in www.dgsi.pt.
[12][12] LEBRE DE FREITAS; José, A Acção Executiva, Depois da Reforma da Reforma, 5ª Edição, Coimbra Editora, 2009, págs. 189 e 190.