Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
720/23.1T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
RISCO COBERTO
PRÉMIO
DECLARAÇÕES DO SEGURADO
OMISSÃO DOLOSA DE DOENÇA
ANULAÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 03/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – VISEU – JUÍZO CENTRAL CÍVEL – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 227.º E 253.º DO CÓDIGO CIVIL.
ARTIGOS 1.º, 24.º, N.º1 E 3, 25.º, 99.º E 177.º DO D.L. N.º 72/2008 DE 23 DE OUTUBRO
Sumário: I- Nos contratos de seguro, a definição do risco coberto constitui um elemento essencial do contrato e da determinação do prémio a suportar pelo segurado, conforme resulta do artº 1 do RJCS, uma vez que só constitui sinistro para efeitos de accionamento da cobertura do seguro, o evento aleatório previsto no contrato (cfr. artº 99 do RJCS).

II- Cabe ao segurado o dever de prestar todas as informações que conheça e tenha por razoavelmente relevantes para a apreciação do risco pela seguradora (artº 24, nº1 do RJCS).

III- Nos seguros de vida, pode a seguradora condicionar a celebração destes contratos a questionários médicos, os quais delimitam contratualmente este dever de informação sobre o risco (artº 177 do RJCS).

IV- A omissão dolosa das doenças de que o sinistrado já sofria – doença coronária, com quatro cateterismos, hipertensão arterial e colesterol - no questionário médico que precedeu a celebração do seguro de vida com cobertura de invalidez absoluta e definitiva e morte, influi na avaliação do risco por parte da seguradora e constitui fundamento de anulação do contrato e de recusa da cobertura do sinistro (cfr. artº 25 do RJCS).


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: *

Recorrente: COMPANHIA DE SEGUROS A... d.a.c

Recorridos: AA,

              BB,

              CC e

              DD

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Luís Miguel Caldas

                                         Luís Miguel Carvalho Ricardo

                                               *

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


RELATÓRIO

 AA, BB, CC e DD intentaram a presente acção declarativa de condenação contra COMPANHIA DE SEGUROS A... d.a.c., Sucursal em Portugal, pedindo que a R. seja condenada a pagar à Instituição Financeira, Banco 1..., SA o capital em dívida, até ao limite do capital seguro à data do sinistro, no valor de 48.899,22€; a pagar-lhes o diferencial do capital seguro, no valor de 5.233,03€, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos, até integral e efetivo pagamento; a restituir-lhes o valor das prestações mensais pagas por estes e respetivas comissões de processamento, referentes aos contratos identificados, valor esse acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data de cada um dos pagamentos que a R. deveria ter realizado à data da participação do sinistro [24.06.2020], em sua substituição, até efetivo e integral pagamento do capital seguro, no valor de 7.952,44€.

Para tanto, alegaram, em síntese, que são os herdeiros habilitados do falecido EE, tendo este e a primeira A., enquanto cônjuge, celebrado com a R., dois contratos de seguro de vida, titulados pelas apólices ...56 e ...57, tendo como beneficiário irrevogável o Banco 1..., SA, contemplando, além de outras coberturas, a cobertura morte, e que, pese embora lhe tenha sido participado o respectivo sinistro – falecimento do 1.º tomador – a R. não liquidou as importâncias seguras, incumprindo as obrigações contratuais a que se vinculou.


*

A R. contestou a acção alegando que ainda não dispunha, nem dispõe dos elementos clínicos necessários para concluir a avaliação do processo de sinistro e que, ainda que o mesmo se enquadre nas apólices em causa nestes autos, a sua obrigação de pagamento está circunscrita ao valor do capital seguro.

*

Foi realizada audiência prévia, proferindo-se despacho saneador com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.

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Na sequência das informações clínicas juntas aos autos em 14/12/2023, ordenadas por Acórdão deste Tribunal de 10/10/2023, a R. apresentou articulado superveniente onde alega que a pessoa segura não informou, aquando da subscrição das apólices de seguro, que já tinha sofrido um enfarte agudo do miocárdio, que tinha sido submetido a quatro cateterismos cardíacos, tinha hipertensão e colesterol elevado e estava medicado para todas essas patologias, sustentando que o mesmo, de modo consciente, prestou falsas declarações, impedindo que a R. fizesse uma correcta avaliação do risco e que formasse a sua vontade de contratar de forma livre e esclarecida, dado que se tivesse conhecimento desses factos, tinha recusado contratar, circunstâncias que, na sua perspectiva, determinam a anulabilidade das apólices em causa.

Sustenta ainda a R., em termos subsidiários, que a patologia que os AA. invocam como causa de pedir é anterior aos contratos de seguro, a qual foi determinante da morte da pessoa segura devendo concluir-se, nos termos da cláusula 3.ª, n.º 1, alínea d) das condições gerais dos contratos de seguro, que o risco de morte não se encontra coberto.


*

Os AA. contestaram a materialidade introduzida no articulado superveniente, afirmando que se limitaram a assinar as propostas de crédito, as quais foram preenchidas electronicamente, sem que lhes tivessem sido explicadas ou comunicadas quaisquer cláusulas integrantes do contrato, as quais se devem considerar nulas nos termos do artigo 8.º, alínea a) do DL 446/85, de 25.10, avançando ainda que essas propostas se destinaram a substituir as anteriores apólices, das quais a R. tinha perfeito conhecimento através do seu mediador de seguros, sustentando, por fim, que a R. assume uma posição não séria, quando afirma que os AA. não lhe remeteram documentos para avaliação do sinistro.

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Em resposta à matéria de excepção, a R. afirmou que as informações constantes das propostas de seguro foram fornecidas pelos próprios tomadores, tendo os mesmos declarado ter recebido todas as informações e explicações relativas ao contrato de seguro e às suas condições.

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Admitido o articulado superveniente, foram aditados quatro novos temas de prova.

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Procedeu-se à audiência de julgamento, finda a qual veio a ser proferida decisão que considerou “totalmente procedente a presente acção e, consequentemente,

a. Condena-se a Ré a pagar ao Banco 1... SA, na qualidade de beneficiário, os capitais em dívida, à data do sinistro ocorrido em 22.06.2020 deduzidos das prestações mensais pagas pelos AA, entre essa data e Janeiro de 2023, o que perfaz o capital total de €40.946,78 (quarenta mil, novecentos e quarenta e seis euros e setenta e oito cêntimos);

b. Condena-se a Ré a pagar aos AA a quantia de €5.233,03 (cinco mil. duzentos e trinta e três euros e três cêntimos), a título de diferença entre os capitais seguros e os capitais devidos ao beneficiário na data do sinistro;

c. Condena-se a Ré a restituir aos AA o valor das prestações pagas dos contratos de crédito celebrados com o Banco 1... SA, entre 22.06.2020 e Janeiro de 2023, na quantia global de €7.952,44 (sete mil, novecentos e cinquenta e dois euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 24.06.2020, até efectivo e integral pagamento.


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Não se conformando com a decisão, dela apelou o R. seguradora, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“1. O Tribunal a quo julgou não provado que, “Os autores não enviaram à ré todos os elementos necessários para que esta pudesse fazer a avaliação do sinistro” – alínea c. da matéria de facto não provada.

2. Ao valorar a prova, o que o Tribunal a quo decidiu foi que os autores deram sempre resposta às solicitações da ré, o que é distinto daquilo que a ré alegou no artigo 39º da contestação e que o Tribunal a quo julgou não provado na alínea ora em referência.

3. Ora, a prova da alínea c. da matéria de facto não provada decorre da análise concatenada dos documentos nºs 9 a 15 da contestação, dos quais resulta que os autores se limitaram a instruir a participação de sinistro com o certificado de óbito da pessoa segura, o que era manifestamente insuficiente para aferir do enquadramento do sinistro na apólice.

4. Dos referidos documentos resulta ainda que a autora, ao invés de diligenciar pela obtenção dos elementos requeridos pela ré, limitou-se a informar que deles não dispunha e que, não obstante a postura da autora, a ré tentou obter, moto próprio os documentos que deveriam ter instruído a participação de sinistro.

5. Sendo que, o Tribunal a quo olvidou que não constitui obrigação da ré diligenciar pela obtenção dos documentos clínicos da pessoa segura para poder concluir a avaliação do sinistro.

6. Do facto de a ré não ter obtido resposta da parte do médico de família da pessoa segura não se pode, porém, concluir que a ré “decidiu não dar andamento à participação do sinistro, escudando-se na falta de resposta por parte de terceiras entidades”,

7. O Tribunal a quo onerou a ré com uma responsabilidade que esta não tem. E nunca teve.

8. Por todo o exposto, deve a alínea c. da matéria de facto não provada ser considerada provada.

9. O Tribunal a quo julgou não provado que, “EE, de forma consciente e intencional, omitiu à Ré os factos descritos em B.”, que, “Por forma a impedir que a Ré fizesse uma correcta avaliação do risco”, que, “EE sabia que se revelasse esses factos à Ré esta não aceitaria contratar consigo as referidas apólices.”, e que, “À data em que celebrou os contratos de seguro, EE sofria de patologia cardíaca, hipertensão e colesterol elevado, que vieram a determinar-lhe a morte” – alíneas d., e., f. e g. da matéria de facto não provada.

10. Em suma, o Tribunal a quo julgou não provado que ao omitir os seus antecedentes clínicos, EE agiu com dolo.

11. Ora, dos documentos notificados às partes com a refª nº 94385965, de 14.12.2023, e que são o processo clínico da pessoa segura no Centro de Saúde ..., ACES ..., em concreto, da página 13 deste conjunto de documentos, que consiste no registo clínico da consulta, com o Dr. FF resulta que:

i. A 24.02.2011, a pessoa segura já tinha sofrido um enfarte agudo do miocárdio, desconhecendo-se em que data é que tal efectivamente aconteceu;

ii. De igual modo, já tinha sido submetida não a um, mas sim a quatro cateterismos cardíacos;

iii. Tinha hipertensão;

iv. Tinha colesterol elevado;

v. E já se encontrava muito medicada para todas estas patologias.

12. Das páginas 10, 8 e 7 deste conjunto de documentos resulta ainda que a pessoa segura foi renovando a prescrição da medicação.

13. A 22.11.2018, quando preencheu a proposta de seguro que deu origem à apólice nº ...56, sob a epígrafe “Declaração de saúde”, a pessoa segura declarou:

“Caso não reúna as condições necessárias à assinatura da “Declaração de saúde” queira por favor preencher o Questionário Médico. A(s) pessoa(s) segura(s) declara(m):

− Encontra-se em bom estado de saúde e não se encontrar de baixa clínica por doença ou acidente nem ter interrompido a sua actividade laboral durante mais de 1 mês nos últimos 3 anos, por doença ou acidente.

− Nunca lhe ter sido diagnosticada ou tratada nenhuma das seguintes situações:

− Tumores malignos ou benignos;

− Doenças de sangue, anemia, linfomas, ou outras;

− Doenças cardíacas ou circulatórias, hipertensão arterial, angina de peito, ou outras;

− Diabetes, colesterol elevado ou doenças endócrinas: tiroideia, ou outras;

− Doenças do tubo digestivo, fígado, pâncreas, ou outras;

− Doenças do foro respiratório, asma, bronquite, ou outras;

− Doenças do foro urológico, rins, bexiga, próstata, ou outras;

− Acidente vascular cerebral, epilepsia ou qualquer outra doença ou perturbação do sistema nervoso;

− Sida ou teste positivo para o HIV I ou II;

− Doenças reumatismais ou osteoarticulares.

− Não apresentar sequelas de doença ou acidentes.

− Não ter sido, nem ter expectativas de vir a ser submetido, no prazo de 6 meses, a alguma intervenção cirúrgica” (negrito e sublinhados nosso) – cfr. Pág. 4 do Doc. nº 1 da contestação.

14. E, por baixo desta declaração, a pessoa segura apôs a sua assinatura.

15. O mesmo fez a pessoa segura quando, na mesma data, preencheu a proposta de seguro que deu origem à apólice nº ...57 – cfr. Pág. 4 do Doc. nº 5 da contestação.

16. A pessoa segura preencheu igualmente o “Questionário Médico”, onde, no ponto 5 do é perguntado se:

“Sofre ou sofreu de alguma(s) doença(s) relacionada(s) com:

(…)

b) Diabetes, doenças da tiroide, colesterol elevado?

c) Aparelho Cardiovascular, hipertensão arterial, sopros, febre reumática, varizes,

sistema circulatório?

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(…)

n) Outras doenças não mencionadas atrás. Especifique.” – cfr. Pág. 5 do Doc. nº 1 da Contestação.

17. A todas estas questões a pessoa segura respondeu: “não” - cfr. Pág. 5 do Doc. nº 1 da Contestação.

18. No ponto 9 do mesmo questionário médico, é ainda perguntado se:

“b) Está medicado em relação a alguma patologia? Em caso afirmativo discrimine.” – cfr. Pág. 5 do Doc. nº 1 da Contestação.

19. Ao que a pessoa segura respondeu: “não” – cfr. Pág. 5 do Doc. nº 1 da Contestação.

20. O quanto se acaba de descrever corresponde, na íntegra, ao que a pessoa segura quando, na mesma data, preencheu a proposta de seguro que deu origem à apólice nº ...57 – cfr. Pág. 5 do Doc. nº 5 da contestação.

21. Perante todo o exposto, e considerando que:

a) A pessoa segura tinha as patologias que resultam da documentação clínica de 2011;

b) As perguntas nos questionários médicos são directas e referem expressamente cada uma das referidas patologias;

c) A pessoa segura sabia – porque não podia não saber – que tinha (ou, sem prejuízo do que se exporá adiante, pelo menos tinha tido as referidas patologias);

d) As perguntas nos questionários médicos não tinham qualquer baliza temporal, ou seja, o que se perguntava era se sofre ou sofreu (pretérito perfeito);

22. É forçoso concluir que a pessoa segura omitiu factos sobre o seu estado de saúde.

23. A relevância dos factos omitidos – e consciência dela pela pessoa segura – para a ré fazer uma correcta análise do risco é, entende-se, autoexplicativa.

24. Em primeiro lugar, porque no questionário médico as questões foram colocadas de forma expressa e directa,

25. Em segundo lugar, porque as perguntas foram colocadas tanto no presente do indicativo como no pretérito perfeito, e sem qualquer baliza em termos temporais.

26. Em terceiro lugar, porque o que seguradora questionou – de forma muito clara, repete-se – foi se a pessoa segura sofreu de alguma das patologias elencadas no questionário médico, e não sobre se a pessoa segura estava curada, ou se sentia curada.

27. E, por fim, porque sobre esta matéria foi ouvida a testemunha GG, director clínico da apelante, com larga experiência na análise de risco de propostas de seguro do ramo vida, que esclareceu que as patologias omitidas pela pessoa segura eram tão relevantes que, tivesse a apelante delas tido conhecimento aquando da celebração dos contratos, a probabilidade de o contrato ter sido recusado era grande – depoimento encontra-se integralmente gravado no sistema áudio Citius.

28. Mas, se dúvidas existissem sobre a intencionalidade da omissão – e não há – no que respeita à consciência da pessoa sobre a relevância das informações omitidas, atente-se ainda que, aquando da subscrição das apólices de seguro, a pessoa segura declarou sob a epígrafe “declarações importantes”, que,

“1) O Tomador do Seguro e o(s) candidato(s) a Pessoa Segura declaram que são residentes em Portugal, estão conscientes de que as informações prestadas na presente proposta bem como em questionários posteriores (incluindo os formalizados através de entrevista telefónica com gravação de chamada) servem de base ao contrato de seguro e que todas as respostas e dados fornecidos estão completos e são verdadeiros. Reconhecem e aceitam eu eventuais omissões, inexactidões e falsidades no que respeita a dados de fornecimento quer obrigatório, quer facultativo, são da sua responsabilidade e poderão ter as consequências previstas na lei e contempladas nas condições gerais do seguro”. (negritos e sublinhados nossos). – Cfr. Pág. 7 dos Docs. Nºs 1 e 5 da contestação.

29. O que o Tribunal a quo olvidou, bem como olvidou que, de seguida, a pessoa segura assinou as referidas declarações.

30. Assim, os factos contantes daquelas declarações, concretamente, que a pessoa segura sabia que as informações por si prestadas e as respostas dadas ao questionário médico serviam de base ao contrato de seguro, consideram-se provados, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 376º do CC.

31. Em face do exposto, não tinha o Tribunal a quo como negar – ou ignorar – que a pessoa segura sabia da essencialidade das declarações que estava a prestar e das respostas que estava a dar.

32. Sobre as patologias de que a pessoa segura era portadora à data da celebração dos contratos de seguro, foi ouvida a testemunha GG, o qual esclareceu que EE tinha doença coronária, pelo menos desde 2011, e que teria essa doença para toda a vida – depoimento encontra-se integralmente gravado no sistema áudio Citius.

33. Aliás, por essa razão, foi-lhe prescrita medicamentação para controlar diversos factores de risco (colesterol, hipertensão, etc), que igualmente deveria tomar para toda a vida.

34. Acresce que, nos presentes autos resultou provado que,

Do relatório de urgência do Hospital ... – ... consta, além do mais, que EE foi admitido no mesmo dia 24.02.2011, pelas 05.14h, com «queixa: Carta – dor torácica sem irradiação, antecedentes cardíacos», (…).

Antecedentes de EAM. Desde então o doente tornou-se mais ansioso e mais apreensivo com medo que a situação se possa repetir. (…) Medicado habitualmente com Codiovan forte, Lopressor 100, Clopidogrel, Monoket 20, AAS 150, Zanicor 20. (…)” – alínea C) da matéria de facto provada

35. As regras da lógica e da experiência impõem concluir que, quem receia repetir um evento coronário, segue à risca as indicações médicas.

36. Em face do exposto, é forçoso concluir que, em 2018, quando celebrou os contratos de seguro, EE tinha doença coronária.

37. Ainda que assim não se entenda, no que não se concede, sempre se dirá que sobre esta matéria foi igualmente inquirida a testemunha HH, médico, que não hesitou em afirmar e confirmar que EE era doente cardíaco, e que tais doentes têm de ser acompanhados para sempre! – depoimento encontra-se integralmente gravado no sistema áudio Citius.

38. Pelo que, entre 2011 (data do primeiro registo conhecido de doença cardíaca) e 2020 (data da morte por enfarte agudo do miocárdio), EE não deixou de ser doente cardíaco, o que, implica concluir que, em 2018, quando celebrou os contratos de seguro, EE era doente cardíaco.

39. Nos presentes autos também resultou provado que foi o médico que família que atestou a doença cardíaca nos registos clínicos de 2011 que veio, posteriormente, a atestar que a morte em 2020, ocorreu na sequência de novo enfarte agudo do miocárdio, fundamentando esta decisão com base em elementos clínicos.

40. O certificado de óbito é um documento autêntico e faz prova plena das declarações nele contidas.

41. Assim, se EE era doente cardíaco em 2011 e se a causa da morte em 2020, determinada pelo mesmo médico, foi um novo episódio cardíaco, as regras da lógica e da experiência – e a força probatória do certificado de óbito – impõem, mais uma vez, concluir que também era doente cardíaco em 2018.

42. Da prova produzida decorre que todos os factos omitidos são – e não podiam deixar de ser – conhecidos da pessoa segura, e já o eram no momento em que preencheu as propostas de seguro.

43. Pelo que a pessoa segura escolheu, de forma deliberada e consciente, omiti-los da ré, não obstante ter assinado e, consequentemente, assumido a paternidade, das declarações acima transcritas.

44. Todos estes factos, para além do exposto, demonstram cristalinamente o carácter intencional das omissões da pessoa segura pois que sabia – porque não podia não saber – que se revelasse a verdade – e ainda para mais, toda a verdade – a ré, seguramente, não aceitaria contratar consigo um seguro de vida, com cobertura de invalidez.

45. Não sendo sequer possível imaginar um contexto em que TODAS estas omissões pudessem ser vislumbradas como um mero esquecimento.

46. Por todo o exposto, as alíneas d., e., f. e g. da matéria de facto não provada deverão ser julgadas provadas.

47. Deve ainda ser aditado um novo facto à matéria de facto provada com a seguinte redacção: “Se a pessoa segura tivesse declarado o seu verdadeiro estado de saúde, a ré não aceitaria contratar”.

48. A prova do referido facto decorre do depoimento da testemunha GG, que, de forma absolutamente espontânea, não hesitou em afirmar que, tendo sabido de antemão dos antecedentes clínicos de EE, a decisão mais provável seria a de recusa destes contratos - O depoimento encontra-se integralmente gravado no sistema áudio Citius.

49. Encontrando-se, como estão, demonstrados todos os pressupostos da excepção de anulabilidade do contrato de seguro, a apelante não está obrigada a cobrir o sinistro.

50. Em face do exposto, deve a decisão ora recorrida ser revogada e substituída por uma outra que, alterando a matéria de facto ora impugnada, julgue a acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolva a ré, ora apelante, dos pedidos.

51. Ainda que assim não se entenda, no que não se concede, sempre se dirá que da prova efectivamente produzida, e ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a patologia que os autores invocam como causa de pedir – e omitida pela pessoa segura – é anterior aos contratos de seguro.

52. O que foi corroborado pelo depoimento da testemunha GG - O depoimento encontra-se integralmente gravado no sistema áudio Citius.

53. A referida testemunha esclareceu que os antecedentes de doença coronária da pessoa segura estão directamente relacionados com a causa da morte, ou seja, com o enfarte agudo do miocárdio, tal como, aliás, foi atestado pelo médico subscritor do certificado de óbito e que era, também, o médico de família da pessoa segura.

54. Assim, nos termos da cláusula 3ª, nº 1, alínea d) das condições gerais, o risco de morte da pessoa segura não está coberto por nenhuma das apólices em causa nos autos.

55. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 376º, nºs 1 e 2 do CC, e ainda os arts. 24º, 25º , 42º e 44º da Lei do Contrato de Seguro.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida, e substituída por uma outra que absolva a apelante dos pedidos pois só assim se fará

JUSTIÇA!”


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Não foram interpostas contra-alegações.


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QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões a decidir consistem em apurar:

a) da admissibilidade e procedência da impugnação da matéria de facto;

b) se o segurado prestou falsas declarações sobre o seu estado de saúde, de forma dolosa, que influíram na decisão da R. de contratar.


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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores-adjuntos, cumpre decidir.


***

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto adquirida pelo tribunal recorrido, é a seguinte:

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos (ordenados cronologicamente):

A. Os A.A. são herdeiros únicos de EE, falecido em 22.06.2020, conforme procedimento simplificado de habilitação de herdeiros outorgado em 03 de julho de 2020 na Conservatória do Registo Civil/Predial/Comercial de ... (1.º PI).

B. No registo clínico do SAP do Centro de Saúde de ..., ACES ..., relativo a EE, atendido pelo Dr. FF, a 24.02.2011, pelas 04:06 horas, consta o seguinte: “DOENÇA CARDÍACA ISQUÉMICA COM ANGINA Queixa de dor e ardor retroesternal de aparecimento pelas 3h. História de EAM com realização de 4 cateterismos cardíacos. Polimedicado (codiovan forte + Iopressor 100 + clopidogrel + monoket 20 + AAS 150 + zanicor 20 + pravastatina 10). Doente ansioso Nega tonturas ou sudorese. Dor que não irradia. AC – taquicardia sinusal com +- 100 bpm rítmico AP – N TA 160/90 mmhg DOENÇA CARDÍACA ISQUÉMICA COM ANGINA ? R/ valim 10 per os (uma ampola) + nitromint SL Agradecia observação por Medicina / Cardiologia e posterior orientação.” (9.º AS).

C. Do relatório de urgência do Hospital ... – ... consta, além do mais, que EE foi admitido no mesmo dia 24.02.2011, pelas 05.14h, com «queixa: Carta – dor torácica sem irradiação, antecedentes cardíacos», «história da doença actual» enviado do SAP da área de residência por dor e ardor retroesternal desde esta noite e que surge já durante o sono. História de ingestão de refeição “pesada” ao jantar. Antecedentes de EAM. Desde então o doente tornou-se mais ansioso e mais apreencivo com medo que a situação se possa repetir. Ap –sem alterações aparentes. Palpação abdominal disperta ligeiro desconforto na região epigástrica. Sem alteração dos hábitos intestinais e urinários. Medicado habitualmente com Codiovan Forte. Lopressor 100, Clopidogrel, Monoket 20, AAS 150, Zanicor 20. Doente melhor agora, tendo a medicação tido efeito. Sem alterações electrocardiográficas e analíticas importantes. ECG sem sinais de isquemia aguda e marcadores cardíacos negativos. (….) «Diagnóstico de saída» estado de ansiedade, não especificado (em investigação) Notas gerais: Dor e ardor retroesternal e sensação de opressão em doente ansioso. Sem alterações analíticas e electrocardiográficas importantes. Com marcadores cardíacos negativos e ECG sem sinais de isquémia aguda. Tipo de diagnóstico final: nenhum (…) «Alta«» Alta para exterior (…) 07.41h 24-Fev-2011. (documento clínico junto a fls. 204/206).

D. Resulta do processo clínico de EE junto do Centro de Saúde ..., ACES ... que em 10/07/2011, 06/11/2011 e em 15/01/2012 lhe foi renovada a medicação descrita em B. (21.º AS)

E. Nas propostas de seguro que deram origem às apólices nº ...56 e ...57 consta, no campo “Declaração de saúde”, “Caso não reúna as condições necessárias à assinatura da “Declaração de saúde” queira por favor preencher o Questionário Médico. A(s) pessoa(s) segura(s) declara(m): − Encontrar-se em bom estado de saúde e não se encontrar de baixa clínica por doença ou acidente nem ter interrompido a sua actividade laboral durante mais de 1 mês nos últimos 3 anos, por doença ou acidente. − Nunca lhe ter sido diagnosticada ou tratada nenhuma das seguintes situações: a. Tumores malignos ou benignos; b. Doenças de sangue, anemia, linfomas, ou outras; c. Doenças cardíacas ou circulatórias, hipertensão arterial, angina de peito, ou outras; d. Diabetes, colesterol elevado ou doenças endócrinas: tiroideia, ou outras; e. Doenças do tubo digestivo, fígado, pâncreas, ou outras; f. Doenças do foro respiratório, asma, bronquite, ou outras; g. Doenças do foro urológico, rins, bexiga, próstata, ou outras; h. Acidente vascular cerebral, epilepsia ou qualquer outra doença ou perturbação do sistema nervoso; i. Sida ou teste positivo para o HIV I ou II; j. Doenças reumatismais ou osteoarticulares. − Não apresentar sequelas de doença ou acidentes. − Não ter sido, nem ter expectativas de vir a ser submetido, no prazo de 6 meses, a alguma intervenção cirúrgica”, comportando, por baixo desta declaração, as assinaturas das pessoas seguras, EE e AA, seguidas da data (22.º/23.º/24.º AS).

F. Nas propostas de seguro foi preenchido igualmente o “Questionário Médico” (25.º AS).

G. No ponto 5 do referido questionário é perguntado se: “Sofre ou sofreu de alguma(s) doença(s) relacionada(s) com: (…) b) Diabetes, doenças da tiroide, colesterol elevado? c) Aparelho Cardiovascular, hipertensão arterial, sopros, febre reumática, varizes, sistema circulatório? (…) n) Outras doenças não mencionadas atrás. Especifique.” (26.º AS)

H. A todas as questões identificadas em G. corresponde uma cruz na coluna «Não» relativamente à 1.ª e 2.ª Pessoa (27.º AS).

I. No ponto 9 do mesmo questionário médico, é ainda perguntado se: “b) Está medicado em relação a alguma patologia? Em caso afirmativo descrimine.” (28.º AS).

J. A essa questão corresponde uma cruz na coluna «Não» (29.º AS).

K. Nas propostas de seguro no campo “declarações importantes” consta, além do mais, o seguinte: “1) O Tomador do Seguro e o(s) candidato(s) a Pessoa Segura declaram que são residentes em Portugal, estão conscientes de que as informações prestadas na presente proposta bem como em questionários posteriores (incluindo os formalizados através de entrevista telefónica com gravação de chamada) servem de base ao contrato de seguro e que todas as respostas e dados fornecidos estão completos e são verdadeiros. Reconhecem e aceitam que eventuais omissões, inexactidões e falsidades no que respeita a dados de fornecimento quer obrigatório, quer facultativo, são da sua responsabilidade e poderão ter as consequências previstas na lei e contempladas nas condições gerais do seguro” (39.º AS).

L. As propostas de Crédito Seguro foram assinadas pelos segurados depois de preenchidas eletronicamente pelo mediador da Ré, mediante informações prestadas verbalmente por EE (35.º Resp. AS e 20.º Req. 01.03.2024).

M. As propostas de Crédito Seguro que deram lugar às apólices ...56 e ...57 visavam substituir as anteriores apólices que garantiam os empréstimos bancários junto do Banco 1... SA, para ambas as pessoas, o que era do conhecimento da Ré (12.º/16.º Resp. AS).

N. Assinada a proposta a 22.11.2018, a Ré, na qualidade de seguradora, celebrou com EE, na qualidade de tomador de seguro e de 1ª pessoa segura, e com a autora, AA, na qualidade de 2ª pessoa segura, com efeitos a 23.12.2018, um contrato de seguro de vida anual renovável, na modalidade “Crédito Seguro”, titulado pela apólice nº ...56, em conformidade com o documento junto a fls. 74 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido (4.º Cont).

O. Nos termos das respectivas Condições Especiais, “As presentes Condições Especiais fazem parte integrante do contrato CRÉDITOSEGURO que se rege por estas condições, pelas condições gerais do seguro de vida individual e ainda pelas condições particulares” (5.º Cont)

P. Nos termos do disposto na cláusula 2ª das Condições Gerais, “1 – Consoante a modalidade contratada pelo Tomador do Seguro, o contrato tem por objecto a cobertura do risco de morte da Pessoa Segura, ou sobrevivência, ou ambos. O pagamento das importâncias seguras – sob a forma de capitais ou de rendas – é garantido em conformidade com o estipulado nas Condições Especiais e Particulares da Apólice. 2 - Pode ainda ser objecto do contrato a cobertura complementar de riscos que afectem a esperança de vida da Pessoa Segura, nos termos das condições Especiais e Particulares aplicáveis.” (6.º Cont)

Q. De acordo com as Condições Particulares, o contrato de seguro titulado pela apólice nº ...56 compreende as seguintes coberturas: 1ª Pessoa Morte - € 38.659,25; Invalidez total e Permanente - € 38.659,25; 2ª Pessoa Morte - € 38.659,25; Invalidez total e permanente - € 38.659,25 (8.º Cont.)

R. Dispõem as condições particulares do contrato de seguro que a “Actualização do capital seguro: ANUAL”, tal como solicitado pelo tomador do seguro, na proposta de seguro, designadamente na 2ª página, sob a epígrafe “características do plano principal” (9.º e 10.º Cont).

S. De acordo com a cláusula beneficiária prevista nas referidas Condições Particulares, “Em caso de Morte/Invalidez: Beneficiário Irrevogável: Banco 1..., SA. Será pago o Capital em Dívida, até ao limite do Capital Seguro à data do Sinistro. Caso o Capital Seguro seja superior ao Capital em Dívida, o diferencial será pago a: OS HERDEIROS LEGAIS DA PESSOA SEGURA (13.º Cont).

T. Nos termos da cláusula 3ª, nº 1, alínea e) das condições gerais da apólice, “O segurador cobre o(s) risco(s) identificado(s) no artigo 2º, com exclusão dos seguintes casos: e) Patologia, lesão ou deficiência preexistente, de que a pessoa segura seja portadora à data da entrada em vigor da apólice. O risco só poderá estar coberto se expressamente solicitado pelo tomador do seguro e aceite pelo segurador, nos termos das condições particulares” (15.º Cont).

U. Assinada a proposta a 22.11.2018, a ré, na qualidade de seguradora, celebrou com EE, na qualidade de tomador de seguro e de 1ª pessoa segura, e com a autora, AA, na qualidade de 2ª pessoa segura, e com efeitos a 23.12.2018, um contrato de seguro de vida anual renovável, na modalidade “Crédito Seguro”, titulado pela apólice nº ...57, em conformidade com o documento junto a fls. 98 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido (16.º Cont).

V. Nos termos das respectivas Condições Especiais, “As presentes Condições Especiais fazem parte integrante do contrato CRÉDITO SEGURO que se rege por estas condições, pelas condições gerais do seguro de vida individual e ainda pelas condições particulares” (17.º Cont)

W. Nos termos do disposto na cláusula 2ª das Condições Gerais, “2.1 – Consoante a modalidade contratada pelo tomador do seguro, o contrato tem por objecto a cobertura do risco de morte da Pessoa Segura, ou sobrevivência, ou ambos. O pagamento das importâncias seguras – sob a forma de capitais ou de rendas – é garantido em conformidade com o estipulado nas Condições Especiais e Particulares da Apólice. 2.2 - Pode ainda ser objecto do contrato a cobertura complementar de riscos que afectem a esperança de vida da Pessoa Segura, nos termos das condições Especiais e Particulares aplicáveis.” (18.º Cont).

X. De acordo com as Condições Particulares, o contrato de seguro titulado pela apólice nº ...57 compreende as seguintes coberturas: 1ª Pessoa Morte - € 15.473,49; Invalidez total e permanente - € 15.473,49; 2ª Pessoa Morte - € 15.473,49; Invalidez total e permanente - € 15.473,49 (19.º Cont).

Y. Dispõem as condições particulares do contrato de seguro que, “Actualização do capital seguro: ANUAL”, tal como solicitado pelo tomador do seguro, na proposta de seguro, designadamente na 2.ª página, sob a epígrafe “características do plano principal” (20.º e 21.º Cont).

Z. De acordo com a cláusula beneficiária prevista nas referidas Condições Particulares, “Em caso de Morte/Invalidez Beneficiário Irrevogável – Banco 1..., SA Será pago o Capital em Dívida, até ao limite do Capital Seguro à data do Sinistro. Caso o Capital Seguro seja superior ao Capital em Dívida, o diferencial será pago a: OS HERDEIROS LEGAIS DA PESSOA SEGURA (23.º/24.º PI e 25.º Cont).

AA. Nos termos da cláusula 3ª, nº 1, alínea e) das condições gerais da apólice, “O segurador cobre o(s) risco(s) identificado(s) no artigo 2º, com exclusão dos seguintes casos: e) Patologia, lesão ou deficiência preexistente, de que a pessoa segura seja portadora à data da entrada em vigor da apólice. O risco só poderá estar coberto se expressamente solicitado pelo tomador do seguro e aceite pelo segurador, nos termos das condições particulares”. (27.º Cont).

BB. A 24.06.2020, a Autora AA participou o sinistro à ré – falecimento do 1.º tomador EE, ocorrido no dia 22.06.2020 (4.º PI e 28.º Cont).

CC. Para o efeito, juntou o certificado de óbito de EE, do qual consta o seguinte: “Causa da morte Parte I al. a) Enfarte agudo do miocárdio Causa de morte indicada com base em: elementos de ordem clínica” (29.º Cont).

DD. Na sequência da participação do sinistro, a 01.07.2020 a ré enviou uma carta à autora AA a solicitar o seguinte: “Por forma a podermos dar seguimento à análise do processo em epígrafe, vimos pelo presente solicitar o envio dos seguintes elementos: Relatórios médicos e exames relacionados com a causa do falecimento” (29.º Cont).

EE. À referida comunicação, a autora, AA, respondeu por carta de 11.09.2020, nos seguintes termos: “Relativamente ao V/Ofício de 01/07/2020 (…) venho, por este meio, informar que a morte do meu marido (tomador e pessoa segura – EE) foi súbita, sendo que a causa está descrita no respetivo certificado de óbito. Mais informo que não disponho de exames relacionados com a causa do seu falecimento. (…)” (31.º Cont).

FF. Por carta de 29.09.2020 a Ré solicitou à autora o seguinte: “Por forma a podermos dar seguimento à análise do processo em epígrafe, vimos pelo presente solicitar o envio dos seguintes elementos: - Nome e morada do médico de família/assistente – centro de saúde” (32.º Cont).

GG. A 15.10.2020, a ré enviou nova carta, com o seguinte teor: Acusamos a recepção de documentação que mereceu a nossa melhor atenção. Por forma a podermos dar seguimento à análise do processo em epígrafe, vimos pelo presente solicitar o envio dos seguintes elementos: - Relatórios médicos e exames relacionados com a causa do falecimento. - Nome e morada do médico de família/assistente – Centro de saúde” (33.º Cont).

HH. À qual a Autora respondeu a 05.11.2020, nos seguintes termos: “(…) venho, por este meio, informar do contacto do médico de família: II Centro de Saúde de ... Avenida ... ... ...” (34.º Cont).

II. A 29.04.2021, a ré remeteu uma carta ao médico de família da pessoa segura, a solicitar o seguinte: “Como médico consultou da A... – Companhia de Seguros, venho solicitar a sua colaboração. O Sr. EE era titular de um seguro de Vida neste Segurador e seu Utente. Faleceu em 22/6/2020 por EAM conforme certificado de óbito anexo. Para uma melhor avaliação do sinistro, solicitava da sua parte as seguintes informações complementares: 1 – Desde quando era vigiado na sua consulta. 2 – Se era portador de Doença coronária conhecida e em caso afirmativo desde quando. 3 – Se era portador de FRCV e em caso afirmativo quais e data de diagnóstico dos mesmos.” (35.º Cont).

JJ. A esta carta, a ré não obteve resposta, pelo que a 16.03.2022, enviou segunda via da mesma carta ao médico de família da pessoa segura (36.º e 37.º Cont).

KK. Os AA, através dos seus mandatários, enviaram à Ré, um email de 31.03.2022, ao qual anexaram procuração forense um pedido de informação, a solicitar que lhes fosse comunicado «o seu ponto de situação» (6.º PI doc.7).

LL. A essa missiva a Ré respondeu por email de 04.04.2022 no sentido de que “… os processos aguardam por resposta à carta clínica enviada pelo nosso departamento médico à ACES ... ao cuidado do Dr. II. Foi enviada nova via da carta em 16.03.2022” (7.º PI).

MM. Face a tal resposta, os AA, em 11.04.2022, novamente por email, deram um prazo de 20 dias à Companhia de Seguros, para o pagamento devido e respetiva indemnização, relacionada com a participação do sinistro MORTE (8.º PI)

NN. Novamente por email, de 12.04.2022, a Ré reagiu da seguinte forma: “Reiteramos a nossa informação do e-mail de 04/04/2022” (9.º PI)

OO. O valor do capital em dívida, à data do óbito – 22.06.2020 – dos empréstimos junto do Banco 1... SA, era no total de 48.899,22€ (€35.084,64 do contrato ...23 e €13.814,58 do contrato ...39), encontrando-se em dívida, em Janeiro de 2023, a importância de €40.946,78 (20.º PI).

PP. O capital seguro garantido pela apólice ...56 foi actualizado a 22.10.2020, com efeitos a 01.12.2020, nos seguintes termos: 1ª Pessoa Morte - € 35.612,91; Invalidez total e permanente - € 35.612,91; 2ª Pessoa Morte - € 35.612,91; Invalidez total e permanente - € 35.612,91 (12.º Cont).

QQ. E a 21.10.2021, com efeito a 01.12.2021, os referidos capitais foram alterados nos seguintes termos: 1ª Pessoa Morte - € 34.237,13; Invalidez total e permanente - € 34.237,13; 2ª Pessoa Morte - € 34.237,13; Invalidez total e permanente - € 34.237,13 (13.º Cont).

RR. O capital seguro garantido pela apólice ...57 foi actualizado a 22.10.2020, com efeitos a 01.12.2020, nos seguintes termos: 1ª Pessoa Morte - € 14.033,56; Invalidez total e permanente - € 14.033,56; 2ª Pessoa Morte - € 14.033,56; Invalidez total e permanente - € 14.033,56 (23.º Cont).

SS. E a 21.10.2021, com efeito a 01.12.2021, os referidos capitais foram alterados nos seguintes termos: 1ª Pessoa Morte - € 13.390,79; Invalidez total e permanente - € 13.390,79; 2ª Pessoa Morte - € 13.390,79; Invalidez total e permanente - € 13.390,79 (24.º Cont).

TT. Desde 22.06.2020 até Janeiro de 2023 os AA pagaram as prestações mensais dos aludidos créditos bancários, no valor global de 7.952,44€ (16.º/21.º/25.º PI).

UU. “EAM” é a sigla médica para enfarte agudo do miocárdio (10.º AS)

VV. O cateterismo cardíaco é um procedimento médico invasivo que permite tratar problemas nas artérias coronárias (11.º AS)

WW. Os medicamentos referidos em B, são indicados para hipertensão, para o colesterol e para o sistema cardiovascular (12.º a 19.º AS).


*

Factos não provados:

a. A data do sinistro, o capital seguro garantido pela apólice ...56 era de € 37.043,90 (11.º Cont).

b. À data do sinistro, o capital seguro garantido pela apólice ...57 era de € 14.707,10. (22.º Cont).

c. Os autores não enviaram à ré todos os elementos necessários para que esta pudesse fazer a avaliação do sinistro (39.º Cont).

d. EE, de forma consciente e intencional, omitiu à Ré os factos descritos em B. (34.º/42.º AS).

e. Por forma a impedir que a Ré fizesse uma correcta avaliação do risco (35.º/43.º AS).

f. EE sabia que se revelasse esses factos à Ré esta não aceitaria contratar consigo as referidas apólices (50.º AS).

g. À data em que celebrou os contratos de seguro, EE sofria da patologia cardíaca, hipertensão e colesterol elevado, que vieram a determinar-lhe a morte (57.º AS).

h. As informações constantes das propostas, respeitantes ao estado de saúde da segunda pessoa segura, foram fornecidas pela própria (20.º Req. 01.03.2024).


*

Não ficaram por provar outros factos com interesse para a decisão, não tendo o tribunal considerado o demais articulado pelas partes por corresponder a narrativa com um conteúdo jurídico ou conclusivo, duplicação de factos já considerados ou constituindo mera impugnação, ainda que motivada.”
***

DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 Insurge-se o recorrente contra a decisão proferida nos autos, intentando a reapreciação da matéria de facto não provada sob as alíneas as alíneas d), e), f) e g) que considera deverem considerar-se como provadas, indicando em apoio da sua pretensão o teor da certidão de óbito, o relatório elaborado pelo Hospital ... (al. C dos factos provados), o relatório do Centro de Saúde (alíneas B e C) dos factos provados), as respostas dadas pelo segurado no questionário médico junto à proposta de seguro (alíneas F) a J) dos factos provados), deles decorrendo que o segurado prestou falsas declarações, tendo conhecimento do dever de prestar informações verídicas (alínea K) e a sua relevância para a elaboração do seguro.

Mais requer que seja aditado um novo ponto à matéria de facto provada com a seguinte redacção: “Se a pessoa segura tivesse declarado o seu verdadeiro estado de saúde, a ré não aceitaria contratar”, indicando, em abono da sua pretensão, o depoimento do Dr. GG.

Decidindo:

Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que:

«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» [3]

Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.

A saber:

- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;

- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;

- E a decisão alternativa que é pretendida.[4]

Nestes termos, deste preceito resultam dois ónus principais e um secundário, consistente os primeiros na indicação concreta da matéria de facto impugnada, dos meios de prova que sustentam decisão diversa e da decisão que deveria ter sido tomada; o segundo, “na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC”[5].

O recurso interposto cumpre os ónus impostos por este preceito legal, indicando não só os pontos da matéria de facto impugnados, como a resposta que lhes haveria de ser dada, os concretos meios de prova que sustentam cada um destes factos e ainda, as passagens da gravação em que se funda para ver alteradas as respostas a estes pontos da matéria de facto, de forma perfeitamente perceptível.

Volvendo à impugnação da matéria de facto, a este respeito consignou a sentença recorrida o seguinte: “relativamente ao significado da sigla médica EAM, ao objectivo do procedimento médico «cateterismo cardíaco» e quanto às indicações terapêuticas dos medicamentos descritos em B, conforme consignado em WW, acolhemos os depoimentos dos dois médicos ouvidos em audiência final, o Dr. HH e o Dr. GG, os quais confirmaram os factos apenas com a amplitude que se deu como provada (justificando-se assim a nossa resposta restritiva/limitadora das indicações/descrição do procedimento médico e dos medicamentos em causa, sendo certo que a Ré não juntou aos autos as respectivas bulas, nem questionou as referidas testemunhas relativamente a cada uma das indicações que vinham alegadas).

Com efeito, em concreto, a primeira testemunha limitou-se a confirmar o significado da sigla EAM, disse que um cateterismo é uma intervenção para desentupir as artérias e que os medicamentos descritos em B. são fármacos para o colesterol, para as tensões e o coração.

Segundo o Dr. GG, Director Clínico da Ré, o falecido EE estaria, em 2011 e 2012, polimedicado para a hipertensão, dislipidemia e para doença coronária.

Avançando para a justificação da razão de ser dos factos não provados, afirma-se que o facto constante da alínea c. se fundamenta na circunstância de ter sido produzida prova de sentido contrário ao que vinha alegado pela Ré, conforme supra consignado e resulta dos factos assentes em EE. e HH., tendo ficado claro que os AA deram sempre resposta às solicitações da Ré, tendo sido esta quem decidiu não dar seguimento à participação do sinistro, escudando-se na falta de resposta por parte de terceiras entidades.

Segundo o nosso juízo crítico a prova produzida não foi apta a convencer quanto à alegada consciência e intencionalidade do falecido EE em omitir factos relativos ao seu estado de saúde no momento em que subscreveu os seguros de vida (cf. factos não provados em d., e., e g). Com efeito, no vertente caso confrontamo-nos com registos clínicos elaborados em 2011, que fazem referência a antecedentes de enfarte agudo do miocárdio e à realização de 4 cateterismos, que se desconhece quando e onde ocorreram, e verificamos que o episódio vivenciado no SAP do Centro de Saúde de ..., no dia 24.02.2011, de interrogação quanto à possibilidade de estar a ocorrer «DOENÇA CARDÍACA ISQUÉMICA COM ANGINA ?», nada teve a ver com doença coronária, uma vez que, nesse mesmo dia, essa suspeita foi afastada pelos médicos (patologista e cardiologista) do Hospital ..., depois de realizarem as competentes análises e electrocardiografia.

Não dispomos, pois, de qualquer outro indício, qualquer outro elemento clínico que nos permita presumir que o falecido EE, quando preencheu as propostas de seguro, tivesse doença coronária, estivesse hipertenso, tivesse colesterol elevado e que, nesse momento (em 2018) estivesse medicado para essas patologias (ou para quaisquer outras) e/ou que tivesse intenção de omitir acontecimentos ocorridos há vários anos e que não tiveram outros desenvolvimentos na sua saúde.

A prova decorrente do que se encontra registado nesses elementos clínicos é, pois, no nosso juízo crítico, insuficiente para convencer quanto à intencionalidade e à consciência que o mesmo teria de que estava a omitir informação relevante, uma vez que a partir de 2012 (6 anos antes de serem subscritas as propostas de seguro), já não se dispõe de qualquer histórico de patologias, de toma de medicação e/ou de queixas, suspeitas ou acompanhamento por doença coronária, sendo certo que os dois médicos ouvidos em audiência final, nunca observaram o falecido EE e opinaram com base na análise desses elementos clínicos, tecendo considerações de carácter genérico/abstracto, que não nos permitem presumir que, em Novembro de 2018, EE, quando dá respostas sobre o seu estado de saúde, sabia e queria faltar à verdade.

Com efeito, o Dr. HH, reportando-se aos antecedentes clínicos que aparecem referenciados em 2011, afirma que, nesse período, o falecido EE poderia ser qualificado como doente cardíaco, opinando que os doentes cardíacos devem ser acompanhados durante toda a vida, todavia, não sabia se assim tinha acontecido, até porque, concluímos nós, tendo o doente realizado quatro cateterismos cardíacos, para desentupimento das artérias coronárias, acredita-se que, realizado esse procedimento e feita a referida medicação de prevenção, se interiorize que os factores que conduziram à ocorrência de um enfarte agudo de miocárdio tenham ficado ultrapassados e tratados, sobretudo, porque durante vários anos nunca mais se apresenta qualquer manifestação desse problema. Por outro lado, o Dr. HH na análise que fez dos dados clínicos que se deixaram descritos nos factos B. e C., reforçou a ideia de que nos cuidados primários o seu colega apenas levantou uma hipótese médica, porque nessa unidade de saúde não têm os meios adequados para estabelecer um diagnóstico, tendo o utente EE sido enviado pelo colega para o Centro Hospitalar, onde lhe fizeram os exames necessários e lhe foi dada alta, esclarecendo que a hipótese de existir um problema cardíaco não foi confirmada, negando que essa situação pudesse ter tido qualquer influência na morte que vem a ocorrer em 2020.

Embora o Dr. GG, Director Clínico da Ré, tivesse sido insistente quanto ao facto do falecido EE ter antecedentes de doença coronária, dando enorme relevo à circunstância de o mesmo ter sofrido um enfarte agudo do miocárdio e ter sido submetido a quatro cateterismos, em datas que o próprio reconheceu serem desconhecidas, (tornando patente que depunha em defesa da versão da Ré), tendo ainda enfatizando a polimedicação para problemas cardíacos e hipertensão ocorrida entre 2011 e 2012, a verdade é que, quando lhe perguntámos qual era a doença cardíaca que o falecido EE apresentava em 2018 e se era possível afirmar que, nessa data, estava hipertenso ou tinha colesterol alto, não conseguiu responder, tendo-se centrado sempre nos antecedentes clínicos que terão de ser necessariamente anteriores a Fevereiro de 2011, não conseguindo, por essa razão, convencer quanto à veracidade da materialidade que vinha alegada pela companhia de seguros nos artigos 34.º, 35.º, 43.º, 50.º e 57.º do articulado superveniente. De todo o modo, quando instada esta testemunha sobre o que faria a seguradora se tivesse conhecimento dos antecedentes clínicos do falecido EE, afirmou tão somente que se estivesse na posse dessas informações, para vir a aceitar as propostas de seguro, teria de pedir mais elementos ao proponente e só perante a análise desses elementos adicionais é que poderia dizer qual seria o procedimento da companhia, para tentar perceber qual era o risco, afirmações que são insuficientes para sustentar a asserção da Ré vertida em f. dos factos não provados, sendo certo que, quanto à causa de morte, o Dr. GG afirmou que só se pode basear no que está escrito no certificado de óbito, daí que também se tenha de concluir que o seu depoimento também não é apto a sustentar o facto ínsito em g.

Neste conspecto probatório, justifica-se que a Ré não tenha conseguido provar que, aquando da subscrição dos seguros, JJ tenha tido intenção de omitir os referidos antecedentes de KK e os cateterismos realizados, por forma a impedir que a Ré fizesse uma correcta avaliação do risco, sabedor que, caso revelasse esses factos, a Ré não aceitaria contratar consigo.”

Este tribunal, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artº 640, nº2 al. b) do C.P.C. e 662 do C.P.C., ouviu a totalidade da prova gravada e examinou os relatórios clínicos juntos aos autos. A respeito desta matéria depôs a testemunha HH, médico que presta serviços no Centro Hospitalar ..., testemunha que nunca examinou o falecido segurado, tendo o seu depoimento incidido essencialmente sobre o teor dos relatórios juntos aos autos que constam do centro de saúde, confirmando o seu teor e ainda que o falecido era “doente cardíaco”, que “um doente cardíaco o é para toda a vida” e tem de ser “controlado medicamente”.  O facto de ter declarado que não se poderia estabelecer uma relação entre o episódio que o levou ao Hospital em 2011 (referido nas Alíneas B e C) e aquele que conduziu à sua morte, essencialmente porque este episódio consistiu numa queixa com diagnóstico provável e não confirmado, não afasta o seu historial clínico e a conclusão de que este paciente era um doente cardíaco que necessitava de seguimento e controle médico e que foi na realidade uma doença desse foro que constituiu a causa do seu óbito. O relevante não é, assim, a relação entre o episódio descrito nestas alíneas da matéria de facto provada e o seu óbito, mas antes os antecedentes que nela constam relatados e que foram confirmados pelos referidos relatórios e pelo depoimento do Dr. HH.

Por sua vez o Dr. GG, também com base nos mesmos relatórios, depôs no mesmo sentido, ou seja, que este doente sofria de doença coronária, com vários cateterismos, tinha já sofrido um enfarte agudo do miocárdio, referido neste relatório, com vários factores de risco presentes, como a hipertensão e o colesterol elevado, que necessitavam de medicação contínua, “para a vida”, para o seu controle.

Não se vê assim como concluir que não foi feita a prova de que o falecido EE “quando preencheu as propostas de seguro, tivesse doença coronária, estivesse hipertenso, tivesse colesterol elevado e que, nesse momento (em 2018) estivesse medicado para essas patologias (ou para quaisquer outras)”.

A conclusão a que chegou o tribunal é contrária à prova produzida, quer ao teor dos relatórios dos quais decorre que o falecido fora sujeito a quatro cateterismos, era doente cardíaco, fora medicado para patologias relacionadas com o seu estado clínico, estado que era crónico, pelo que se presume que este estado existiria na data da subscrição destes seguros e que o falecido estaria medicado ou pelo menos deveria está-lo, de forma a prevenir a ocorrência de novos episódios.

O facto de não existirem relatórios especificamente sobre o enfarte agudo do miocárdio, ou sobre os cateterismos que realizou, não afasta esta conclusão, sendo certo que o ónus de prova imposto à seguradora, de que foram prestadas falsas declarações, tem de assentar em critérios de razoabilidade, tendo em conta que não se tratam de factos pessoais, ou de que possa tomar conhecimento, por abrangidos pelo sigilo médico e, por em qualquer caso, estar dependente de informações de terceiros, como se viu nesta acção. Como refere Lebre de Freitas[6]No âmbito do princípio da libre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do Julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança.

A certeza do julgador quanto aos factos é sempre uma certeza relativa, de acordo com regras de probabilidade e de verosimilhança, não sendo exigível certezas absolutas. Acresce que, conforme refere Pires de Sousa[7] o “standard de prova deve variar segundo a matéria concreta que esteja em litígio, designadamente em função dos bens ou direitos que se encontram em jogo, em função da importância e necessidade de obter uma decisão célere bem como dos custos expectáveis da produção e análise da informação potencialmente relevante. Cremos também que a ideia (…) de que o standard de prova deve ser mais exigente quanto maior for a improbabilidade do evento alegado colhe todo o sentido.”

Ou seja, de acordo com regras de verosimilhança e probabilidade, deve entender-se que as doenças descritas neste relatório médico, existiam nessa data e, por crónicas, existiriam ainda na data de celebração dos seguros.

Acresce que o facto de não existirem mais elementos (ou pelo menos não terem sido fornecidos mais elementos pelo Centro de Saúde) posteriores a 2011 e 2012, não significa que este paciente estivesse curado, tivesse deixado de ser um paciente cardíaco, portador de doença coronária, da qual veio aliás a falecer, e não necessitasse de qualquer medicação, mas antes que não recorria ao Centro de Saúde para esse efeito.

Por outro lado, também não é possível concluir que, apesar de advertido do dever de prestar declarações verídicas e que estas declarações serviriam de base à avaliação do risco e de ter declarado prestar declarações verdadeiras e correctas no questionário médico, não foi feita prova suficiente de que o falecido “tivesse intenção de omitir acontecimentos ocorridos há vários anos e que não tiveram outros desenvolvimentos na sua saúde”.

Não é conforme às regras de experiência comum que quem subscreve um questionário médico, sendo previamente advertido do dever de dizer a verdade e que as suas declarações são relevantes para a celebração do seguro, omita doenças graves e potencialmente fatais (e que, como qualquer cidadão médio, bem sabe serem potencialmente fatais, como o revela o estado de ansiedade descrito no episódio de urgência de 2011) e minta ao negar ter tido qualquer intervenção cirúrgica (os cateterismos são intervenções cirúrgicas), ter ou ter tido qualquer doença ou ter tomado ou tomar, à data da celebração do seguro, qualquer medicação, sem ter intenção de o fazer e de iludir a seguradora. Basta atentar no teor do questionário médico feito ao segurado e nas respostas, todas negativas, que este doente crónico deu.

Não é conforme ao teor da alínea E e não é conforme à declaração por si subscrita na qual declarou que ““1) O Tomador do Seguro e o(s) candidato(s) a Pessoa Segura declaram que são residentes em Portugal, estão conscientes de que as informações prestadas na presente proposta bem como em questionários posteriores (incluindo os formalizados através de entrevista telefónica com gravação de chamada) servem de base ao contrato de seguro e que todas as respostas e dados fornecidos estão completos e são verdadeiros. Reconhecem e aceitam que eventuais omissões, inexactidões e falsidades no que respeita a dados de fornecimento quer obrigatório, quer facultativo, são da sua responsabilidade e poderão ter as consequências previstas na lei e contempladas nas condições gerais do seguro(negrito nosso). Esta é uma declaração confessória, prestada à entidade que emite a Proposta, ora R., tal como resulta expressamente do disposto no artº 376 do C.C.

Concluir pela irrelevância de todos estes comportamentos da pessoa segura, equivaleria retirar qualquer relevância ao dever, imposto pelo artº 24, nº1 do do D. L. nº 72/2008 de 16 de Abril (doravante RJCS), de declarar com verdade todas as condições relevantes para a celebração do seguro e que lhe foram concretamente colocadas, sendo estas perguntas claras, directas e perceptíveis pelo cidadão comum. Às seguradoras caberia então a obrigação – que não a mera faculdade que resulta do disposto no artº 177, nº1 do RJCS, tendo em conta que o seguro é celebrado com base nas declarações do segurado - de solicitar em todos os casos, exames de saúde, até para pessoas que declarassem ser absolutamente saudáveis, com a inerente delonga e custo que não deixaria de ser reflectido no valor dos prémios.

Acresce que a celebração destes seguros foi precedida de questionário médico, nos termos previstos no artº 177, nº1 do RJCS, dele constando de forma clara e concisa as informações que a seguradora entendia por pertinentes para a avaliação do risco, não alegando o segurado que não tenha percebido qualquer das perguntas ou que tenha solicitado informações não esclarecidas.

Em causa não está sequer a omissão de informações pertinentes para a aferição do risco, mas antes a prestação de falsas declarações, intencionalmente, no questionário médico, sendo igualmente de fácil percepção as consequências da prestação dolosa de falsas declarações, que resultam aliás expressas no artº 25 do RJCS e na clausula 6ª das Condições Gerais dos contratos de seguro juntos com a p.i. Como é também de fácil percepção o dever de preenchimento, e de preenchimento com veracidade, do questionário médico que precedeu a celebração destes seguros. As perguntas colocadas neste questionário médico não eram nem ambíguas, nem vagas, sendo o A. recorrente expressamente inquirido sobre a existência destas patologias de que na realidade sofria à data, bem sabendo do dever de responder e com veracidade ao questionário médico que se destina precisamente a avaliar o risco que a seguradora assume na celebração deste seguro.

Nestes termos, procede a impugnação da matéria de facto, dando-se como provados as alíneas d), e), f) e g).

Em relação ao ponto que a seguradora entende ver aditado e que constava alegado na parte final do artº 50 do articulado superveniente, decorreu do depoimento do Dr. GG que a seguradora não teria aceite celebrar estes seguros, nestas condições, pois que foram celebrados no pressuposto de que estaria a segurar uma pessoa sem quaisquer antecedentes clínicos conhecidos, resultando deste depoimento que “Se a pessoa segura tivesse declarado o seu verdadeiro estado de saúde, a ré não aceitaria a celebração destes seguros nas condições contratadas”.

Procede assim a impugnação da R. à decisão da matéria de facto, aditando-se à matéria de facto assente, a seguinte:

ZZ. EE, de forma consciente e intencional, omitiu à Ré os factos descritos em B.

AAA. Por forma a impedir que a Ré fizesse uma correcta avaliação do risco.

BBB. EE sabia que se revelasse esses factos à Ré esta não aceitaria contratar consigo as referidas apólices.

CCC. À data em que celebrou os contratos de seguro, EE sofria da patologia cardíaca, hipertensão e colesterol elevado, que vieram a determinar-lhe a morte.

DDD. Se a pessoa segura tivesse declarado o seu verdadeiro estado de saúde, a ré não aceitaria a celebração destes seguros nas condições contratadas”.


***



DO DIREITO

Alega a R. que a acção deverá improceder tendo em conta a prestação de falsas declarações pelo segurado, dolosas, que determinam a anulabilidade dos seguros e, ainda que assim não seja, pela existência de doença pré-existente de que este veio a falecer, excluída por via da clausula 3ª, nº1, al. d) das Condições Gerais da apólice.   

Denomina-se contrato de seguro o contrato pelo qual uma pessoa transfere para outra o risco de verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração. A pessoa que transfere o risco diz-se tomador ou subscritor do seguro, a que assume esse risco e percebe a remuneração – prémio – diz-se segurador; o dano eventual é o sinistro; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida é o segurado – que pode ou não coincidir com o tomador do seguro (artºs 1.º, 16.º, n.º 1, e 24.º n.º 1, da RJCS).

Em qualquer caso, visa-se a cobertura de um risco do tomador de seguro ou de outrem, pela transferência deste risco da esfera jurídica do tomador de seguro para a do segurador, sujeito ao pagamento de uma contrapartida: o prémio de seguro.

Nesta medida, a definição do risco coberto constitui um elemento essencial do contrato de seguro e da determinação do prémio a suportar pelo segurado, conforme resulta do artº 1 do RJCS, uma vez que só constitui sinistro para efeitos de accionamento da cobertura do seguro, o evento aleatório previsto no contrato (cfr. artº 99 do RJCS)[8].

O dever de declaração inicial do risco, resulta imposto ao segurado pelo artº 24, nº1 do RJCS, estando este obrigado, “antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.”

A este respeito diz-nos Nuno Reis[9] que “Antes da celebração de um contrato, a seguradora deve aferir o risco que está prestes a assumir contratualmente. É assim uma vez que a seguradora deve calcular o prémio adequado ao risco assumido e assim evitar os perigos inerentes à selecção adversa. Considerando que a não prestação de informações incorrectas coloca em crise a própria aleatoriedade típica do contrato de seguro e que é na esfera do próprio tomador que serão encontrados os factores necessários à aferição daquele risco, diz-se que o contrato de seguro é um contrato em que a regra de comportamento de acordo com a boa fé deve ser entendida com grande exigência (princípio da uberrima bona fides ou da utmost good faith).” (…) Por outro lado, a violação dos deveres de informação conduz à aplicação de um regime distinto daquele previsto para os vícios da vontade negocial: os elementos dos tipos objectivos são distintos e verifica-se a circunstância particular de a parte tutelada pelos deveres de informação não ser a parte mais fraca na relação pré-contratual.”

Resultando a aposição nestes contratos de clausulas pré-determinadas, sem negociação de qualquer das suas clausulas, são impostos deveres de comunicação e esclarecimento, que decorriam já do disposto no artº 5 e 6 do D.L. 446/85 e do princípio da boa fé contratual constante do artº 227 do CC. e que resultam do regime especial vertido nos artºs 18, 21, 24 e 183 do RJCS (D.L. nº 72/2008 de 23/10), quer à seguradora – designadamente de esclarecer o tomador do seguro do dever de prestar declarações verídicas e das consequências em que pode incorrer se as não prestar - quer ao próprio segurado, nomeadamente o de prestar todas as informações relevantes para a aferição do risco a cobrir.

Este dever de informação sobre o risco, a cargo do segurado, nos seguros de vida, é independente da formulação de questionário específico (cfr. decorre do disposto no artº 24, nº2 do RJCS). O segurado está sempre obrigado a declarar todas as circunstâncias que possa ter por significativas para o risco que pretende ver coberto pela seguradora.

De acordo com Arnaldo Costa Oliveira[10] este dever de informação “depende de (1) este ter conhecimento do facto e de (2) o tomador “razoavelmente dever (tê-lo) por significativo para a apreciação do risco para o segurador. (…). O segundo requisito do dever de informação pressupõe que o tomador compreende o sentido do contrato de seguro a celebrar e, nessa medida, que percebe que o segurador se vincula e exige certo prémio como contrapartida de uma avaliação do risco em face de toda a informação disponível.” No entanto, se “o tomador por ignorância ou pouca reflexão, não compreende bem o sentido do contrato que pretende celebrar, nem por isso deixa de ter o mesmo dever de informação. A lei refere-se a uma leitura “razoável”, não só dos riscos existentes e da sua relevância, mas, por identidade de razão, do próprio contrato.”, de acordo com “um critério abstracto, ou seja, um critério de normalidade, e não um critério dependente das concretas capacidades do tomador.”

Certo que é irrelevante o incumprimento deste dever de informação se o segurador já sabia, ou devia saber as informações omitidas. Por outro lado, quando se verifique qualquer das circunstâncias descritas nas diversas alíneas do nº3 do artº 24 do RJCS, ou seja, nos casos em que o segurador tenha incorrido em negligência na elaboração das perguntas do questionário ou no tratamento das respostas, se tiver aceite o contrato não se pode prevalecer destas circunstâncias, salvo existindo dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem (dolo fraudulento). 

Conforme resulta do preâmbulo deste diploma, “Mantendo-se a regra que dá preponderância ao dever de declaração do tomador sobre o ónus de questionação do segurador, são introduzidas exigências ao segurador, nomeadamente impondo-se o dever de informação ao tomador do seguro sobre o regime relativo ao incumprimento da declaração de risco, e distingue-se entre comportamento negligente e doloso do tomador do seguro ou segurado, com consequências diversas quanto à validade do contrato. Neste âmbito, cabe ainda realçar a introdução do parâmetro da causalidade para aferir a invalidade do contrato de seguro e do já mencionado dever específico, por parte do segurador, de, aquando da celebração do contrato, elucidar devidamente a contraparte do regime de incumprimento da declaração de risco. Quanto à causalidade, importa a sua verificação para ser invocado pelo segurador o regime da inexactidão na declaração inicial de risco e a consequente invalidade do contrato de seguro.”

Nos seguros de vida, a declaração inicial do risco pode ser prestada também mediante o preenchimento de questionários médicos - que delimitam contratualmente o dever de declaração do risco -  acompanhados ou não da celebração de exames médicos (artº 177 e 178 do RJCS), dependendo a celebração do contrato de seguro das declarações sobre o estado de saúde do segurado e do resultado desses exames médicos.

Por outro lado, resulta ainda do disposto no artº 25, nº1 e 3, do RJCS, que o contrato é anulável, em caso de incumprimento doloso da obrigação de declaração inicial do risco, mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro, caso em que o segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso deste dever.

Conforme refere Arnaldo Costa Oliveira[11], está em causa o simples dolo, em conformidade com o disposto no artº 253, nº1 do C.C. que o define como “qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.

No caso dos autos, e no que se reporta ao cumprimento dos deveres de informação impostos ao segurado, resultou da prova produzida que este incumpriu estes deveres e incumpriu-os dolosamente, prestando falsas declarações no questionário médico que lhe foi apresentado pela seguradora no exercício da faculdade que lhe é conferida pelos artºs 176 e 177 do RJCS.

Tendo o falecido preenchido este questionário, indicando que não sofria nem sofrera de qualquer doença, nem tomava ou tomara qualquer medicação e nunca fora sujeito a intervenções cirúrgicas, está demonstrado que incorreu em falsas declarações de forma intencional e dolosa[12], sujeitando-se assim às consequências previstas na clausula 25, nº1 do RJCS, que determina que “Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.

Provando-se ainda que a seguradora não teria celebrado este seguro tendo em conta as patologias de que sofria o segurado, está verificado o nexo de causalidade relevante, não se podendo afirmar que é desproporcionada a sanção que resulta deste preceito, face às doenças de que o sinistrado padecia.

Procede, assim, a apelação.


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DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em considerar procedente o recurso interposto da sentença proferida nos autos, revogando a sentença proferida em primeira instância e absolvendo a R. do pedido.
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Custas pelos apelados, por terem decaído no recurso (artº 527 do C.P.C.).


Coimbra 25/03/25


[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, proc. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015,proc. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, proc. nº 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, proc. nº 1060/07.
[4] Ac. STJ. de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S
[5] Ac. do STJ de 16/12/20, de que foi Relator Bernardo Domingos, proferido na Revista nº 8640/18.5YIPRT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[6] LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 1996, pág. 160.
[7] PIRES DE SOUSA, Luís Filipe, Prova Testemunhal, Almedina 2013, pág. 383.
[8] Sobre a essencialidade do risco nos contratos de seguro, sob pena de constituírem “simples apostas” vide CORDEIRO, António Menezes, Direito dos Seguros, ob. cit., pág. 541; MARTINEZ, Pedro Romano, Direito dos seguros: apontamentos, Principia, Cascais, 2006, pág. 9, segundo o qual “por via do seguro, pretende-se transferir o risco que seria suportado numa esfera jurídica para outra entidade, mediante o pagamento de uma contrapartida”; esclarece ainda este autor, em anotação ao artº 1 da Lei do Contrato de Seguro, Almedina 2011, 2ª edição, a págs. 40 que, no entanto, a “obrigação típica do segurador não é a de assumir o risco de outrem, mas sim a de realizar a prestação resultante de um sinistro associado a tal risco. (…) O contrato de Seguro caracteriza-se pela obrigação, assumida pelo segurador, de realizar uma prestação (máxime pagar uma quantia) relacionada com o risco do tomador do seguro ou de outrem”; REGO, Margarida Lima, Contrato de Seguro e Terceiros - Estudo de Direito Civil, Coimbra Editora, 2010, a págs. 66, define, em termos gerais, o seguro como o contrato mediante o qual “uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico da outra parte ou de terceiro…”. No seguro obrigatório automóvel, o sinistro constituirá, de acordo com a Norma Regulamentar n.º 14/2008-R, de 27 de Novembro, do Instituto de Seguros de Portugal “a verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato, considerando-se como um único sinistro o evento ou série de eventos resultante de uma mesma causa;” Já para ANTUNES, José A. Engrácia, Direito dos Contratos Comerciais, ob. cit. o contrato de seguro é aquele “pelo qual uma pessoa singular ou coletiva (tomador de seguro) transfere para uma empresa especialmente habilitada (segurador) um determinado risco económico próprio ou alheio, obrigando-se a primeira a pagar uma determinada contrapartida (prémio) e a última a efetuar uma determinada prestação pecuniária em caso de ocorrência do evento aleatório convencionado (sinistro).
[9] Ob. cit., pág. 58.
[10] OLIVEIRA, Arnaldo da Costa, anotação ao artº 24, da Lei do Contrato de Seguro, Almedina, 2ª edição, pág. 149.

[11] OLIVEIRA, Arnaldo da Costa, anotação ao artº 24, da Lei do Contrato de Seguro, Almedina, 2ª edição, pág. 157.
[12] Aqui aferido no sentido dolo-culpa, conforme refere MARTINEZ, Pedro Romano, Lei do Contrato de Seguro Anotado, Almedina, 2011, pág. 161.