Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2542/22.8T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
Data do Acordão: 06/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 364.º; 376.º, 3; 423.º; 425.º; 443.º, 1; 590.º. 2, B), 3 E 4; 615.º, 1, C) E 651.º, 1, DO CPC
Sumário:
I - Das pretensões formuladas resulta que, em suma, o que o Requerente pretende é a sustação da ação executiva onde estão penhorados os seus bens, até decisão da ação declarativa.
II - Na sua essência o procedimento cautelar é destinado a garantir, a quem o invoca, a titu­laridade de um direito, contra a ameaça ou um risco que sobre ele paira e que é tão imi­nente que a sua tutela não pode aguardar a decisão judicial.
Os procedimentos cautelares são, assim, medidas provisórias correspon­dendo à ne­cessidade efetiva e atual de remover o receio de um dano jurídico.
III - Entre a providência cautelar e a ação principal deve existir uma relação que permita afirmar que o direito acautelado será provavelmente reconhecido na ação definitiva.
IV - Da análise da p. inicial da ação principal e do requerimento inicial do procedimento cautelar é evidente a inexistência da relação de instrumentalidade exigida pela lei e indispensável para o decretamento de providências cautelares, pois o direito que o requerente pretende ver acautelado através deste procedimento cautelar é estranho e alheio ao âmbito de discussão da ação principal, nunca podendo vir a ser reconhecido na mesma, nem acautela nada no que é peticionado.
V - De qualquer modo e, independentemente da ausência da indispensável relação de instrumentalidade é a falta de poder jurisdicional para o decretamento da providência requerida – sustação da venda dos bens na ação executiva. É apodítico que não se pode, por falta de poder jurisdicional, determinar o que quer que seja noutro processo, uma vez que as decisões a proferir no mesmo só podem ser tomadas pelo juiz competente, estando vedado o decretamento de uma providência que suspenda a referida execução.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Sílvia Pires
1.º Adjunto: Henrique Antunes
2.º Adjunta: Cristina Neves


                   Requerente: AA

                   Requeridas: Banco 1..., S. A.
                                       P...

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    Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
Por apenso à ação declarativa que instaurou contra a Requerida o ali Autor requereu contra a mesma providencia cautela não especificada, pedindo que sem audiência da parte contrária seja determinada:
A SUSTAÇÃO DE QUAISQUER ACTOS TENDENTES À VENDA DOS IMÓVEIS IDENTIFICADOS, E SEJA DECRETADO QUE Os BENS DEVERÃO MANTER-SE NA ESFERA PATRIMONIAL D REQUERENTE ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO JUDICIAL DA ACÇÃO PRINCIPAL, NOTIFICANDO-SE O AGENTE DE EXECUÇÃO EM CONFORMIDADE.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, como consta do relatório da decisão recorrida:
A Requerida é uma instituição de crédito de espécie banco; no exercício da sua atividade comercial, celebrou, em 23 de dezembro de 2009, um contrato de abertura de crédito, denominado Operação n.º  ...91, até ao montante de € 770.000,00 com a S... Lda.; para garantia do referido contrato, o Requerente na qualidade de hipotecante, constituiu a favor da Requerida, hipoteca genérica até ao montante global de € 770.000,00€, sobre os bens imóveis Fracção autónoma, designada pela letra ..., correspondente ao ..., destinado a comércio do prédio urbano sito na R. ..., ... e ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz urbana sob o art. ...30 e descrito na CRP ... sob o n.º ...55, Prédio rústico composto por vinha da região demarcada do ..., oliveiras e arvores de pomar, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...89... e descrito na CRP ... sob o n.º ...56, Prédio urbano composto de casa destinada a habitação de dois pavimentos e quintal, sito na Calçada ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...76 e descrito na CRP ... sob o n.º ...7, Prédio urbano composto por parcela de terreno, destinada a construção urbana, denominada de lote ..., sito na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...72 e descrito na CRP ... sob o n.º ...45. mais referiu que a identificada sociedade deixou de liquidar as prestações em 03/03/2010, tendo a Requerida considerado o vencimento antecipado da dívida, entrando a Sociedade em incumprimento definitivo perante esta, em 02 de Janeiro de 2012, acabando por vir a ser declarada insolvente no âmbito do processo n.º 849/12...., que correu termos no ... – Juiz ..., em 21/12/2012; a Requerida reclamou créditos no referido processo, no valor global de € 6.571.348,98, no qual se incluía o valor atinente ao contrato identificado; posteriormente, a Requerida, reclamou os seus créditos hipotecários no âmbito do processo executivo n.º ...8..., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Execução ..., peticionando que lhe fosse “verificado e reconhecido o crédito da Banco 1..., S. A. sobre a executada, no montante de € 1.001.873,74 (um milhão um mil oitocentos e setenta três euros e setenta quatro cêntimos), acrescida de juros vincendos e até integral pagamento” e, em 15/07/2021, veio informar que “o crédito reclamado pela Banco 1..., S. A. encontra-se atualmente reduzido ao montante de € 318.962,95, correspondente a 3 anos de juros (€ 317.497,90) e comissões (€ 1.465,05)”.
Alega ainda que, no âmbito do referido processo de execução (n.º 1897/18....) encontram-se em fase de venda por negociação particular, através da plataforma e-leilões, os imóveis hipotecados e penhorados: Prédio rústico composto por vinha da região demarcada do ..., oliveiras e arvores de pomar, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...89... e descrito na CRP ... sob o n.º ...56 e Fração autónoma, designada pela letra ..., correspondente ao ..., destinado a comércio do prédio urbano sito na R. ..., ... e ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz urbana sob o art. ...30 e descrito na CRP ... sob o n.º ...55, concluindo estar eminente a venda em execução de tais prédio e assim a “a dissipação do património imobiliário do Requerente”, concluindo ser este procedimento é um sinal inequívoco de conduta fraudulenta com vista a um enriquecimento ilícito por parte da Requerida, bem como consubstancia abuso de direito, porquanto jamais o Requerente se constituiu em mora, a qual também jamais lhe foi imputada, uma vez que a Requerida nunca invocou qualquer situação de mora e, muito menos, de incumprimento definitivo por parte do Requerente, pretendendo a requerida se fazer valer abusivamente da garantia; o Requerente corre o sério e fundado risco de, em virtude da conduta da Requerida, ficar desapossado do seu património imobiliário, não podendo a Requerida executar a garantia enquanto não for proferida decisão final de mérito relativamente à existência e exigibilidade do direito de acionamento de que a Requerida arroga ser titular, a ser apreciado pelo tribunal na ação principal, a que os presentes autos se encontram apensos.

Indeferido o pedido de dispensa do contraditório a Requerida deduziu oposição [1]:
Excecionou a ilegitimidade por violação de litisconsórcio necessário, em virtude de a Banco 1..., S. A. ter cedido o seu crédito (dado à execução no processo executivo que se iniciou em 24.10.2018 e que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Execução ... – Juiz ... -, processo nº 1897/18....) à empresa cessionária P..., que é ré na ação principal, estando esta entidade cessionária habilitada no identificado processo executivo, onde estão efetivadas as penhoras e onde estão a ser efetivadas as vendas judiciais que o requerente pretende sustar com este procedimento cautelar, verificando-se uma situação de litisconsórcio necessário que acarreta a ilegitimidade da requerida e a consequente absolvição da instância nos termos do artigo 278º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
Mais refere que, mesmo que o requerente lograsse obter decisão judicial que ordenasse a sustação das vendas judiciais, tal sustação não seria oponível aos demais intervenientes processuais pelo que as diligências de venda judicial prosseguiriam a sua normal tramitação quanto aos demais créditos reclamados na execução e crédito exequendo.
Alega ainda que o direito reclamado pelo requerido se mostra precludido uma vez que a matéria que o requerente articula no presente procedimento cautelar constitui matéria que podia e deveria ter sido articulada/alegada em sede de defesa por embargos de executado; alega que a requerida em 15.04.2019 reclamou outro crédito seu em apenso à execução própria por si mesma instaurada, crédito este decorrente de um outro empréstimo garantido por hipotecas sobre os imóveis penhorados, para poder cobrar-se pela venda destes e que essa reclamação de créditos efetivada pela requerida Banco 1..., S. A. nesse processo executivo também não foi impugnada pelo aqui requerente, o que significa que o aqui requerente reconheceu e aceitou o montante reclamado pela Banco 1..., S. A., nos termos em que o mesmo foi reclamado.
Conclui que o requerente não embargou a execução nem impugnou a reclamação de créditos da Banco 1..., S. A. apresentada nessa mesma execução, nem se opôs às penhoras, com os efeitos cominatórios que daí advêm no processo nº 1897/18...., pretendendo agora, em sede de procedimento cautelar e de ação principal, neste Tribunal, apresentar defesa que não apresentou no momento e processo próprios, pugnando pela absolvição da requerida Banco 1..., S. A. da instância, nos termos preceituados no artigo 278º nº 1 alínea e) do Código de Processo Civil.
Sem embargo, invoca ainda a requerida, por impugnação que, com o presente procedimento cautelar pretende o requerente que este Tribunal ordene a sustação de quaisquer atos tendentes à venda dos imóveis que identifica e que seja decretado que os bens deverão manter-se na esfera patrimonial do requerente até ao trânsito em julgado da decisão judicial na ação principal; que foi instaurada em 20.10.2018 execução própria pela requerida Banco 1..., S. A. contra BB, CC, DD, e AA (aqui requerente), sendo o título dado à execução um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, mútuo esse no valor de € 107.000.00, operação n.º  ...85, celebrado com os executados AA (aqui requerente) e DD, destinado à aquisição de habitação própria e permanente destes. Em garantia do capital mutuado, juros e despesas emergentes deste contrato de mútuo, os executados mutuários constituíram hipoteca específica sobre a fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ... B, que faz parte do prédio urbano denominado por “lote número ...”, sito na Rua ..., Urbanização ..., freguesia e concelho ..., tendo os executados mutuários deixado de cumprir as suas obrigações decorrentes do identificado contrato (pagamento das prestações, juros e despesas, desde 29.05.2012), apesar de interpelados.
Nessa execução foram penhorados pelo Agente de Execução os imóveis ½ da fração autónoma designada pela ..., destinada a habitação, sito no Beco ..., ..., ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...77... da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...85... da referida freguesia, Prédio rústico, composto por vinha da região demarcada do ..., oliveiras e árvores de pomar, sito em ..., Fração autónoma designada pela ..., destinada a comércio, do prédio urbano, sito na Rua ..., ...; o imóvel respeitante à verba 1 foi já objeto de venda judicial encontrando-se já junto aos autos o respetivo título de transmissão a favor do respetivo adquirente do bem.
Alega que, relativamente ao imóvel enunciado sob verba 2 o leilão eletrónico foi já encerrado, tendo sido aceite pelo sr. Agente de Execução a proposta no valor de € 32.465,12 € apresentada por EE, já notificado para proceder ao depósito do preço em 15 dias. Assim, quanto a este imóvel “já não há procedimento cautelar que lhe possa aproveitar”, isto mesmo que fossem válidos os fundamentos invocados pelo requerente, inexistindo assim o periculum in mora.
Refere a requerida que, quanto ao requisito da probabilidade séria da existência, na titularidade do requerente, do direito invocado, a matéria carreada para o requerimento inicial para fundamentar este requisito revela-se exígua fáctica e juridicamente inconsistente, limitando-se o requerente a afirmar uma pretensa “conduta fraudulenta com vista a um enriquecimento ilícito por parte da requerida”, e um “abuso de direito” porque o requerente “jamais se constituiu em mora”, a qual nunca lhe foi imputada, nem tão pouco, “nenhum incumprimento definitivo”, e que a Banco 1..., S. A. apenas se “pretende valer da garantia tendo perpetrado um acto ilícito com consequências ruinosas para o requerente”, não explicando nem detalhando qual é a “conduta ilícita” que imputa à requerida, nem tão pouco em que factos é que se fundamenta para alegar o “enriquecimento ilícito”, que aliás nem sequer quantifica ou determina, o mesmo se passando aliás com o alegado “abuso de direito” que igualmente não fundamenta com factos.
Conclui que a requerida, no exercício da sua atividade comercial, financiou o aqui requerente na aquisição de habitação própria, o qual não honrou o pagamento das responsabilidades advenientes da contração desse mútuo, pelo que se viu forçada a instaurar a execução sob processo nº 1897/18.... e, relativamente ao crédito reclamado pela Banco 1..., S. A. em apenso à execução própria verificou-se igualmente o incumprimento do pagamento das responsabilidades decorrentes desse mútuo pelo que a requerida teve de reclamar o seu crédito, acionando as garantias reais.
A requerida financiou ainda a S... Lda. mediante contrato de abertura de crédito no valor de € 770.000,00, que esta usou na totalidade, tendo o requerente, como terceiro garante, garantido o pagamento mediante constituição de hipotecas voluntárias através da outorga de escritura para tal fim em 30.12.2009, esta Sociedade não cumpriu com as suas responsabilidades e acabou por vir a ser declarada insolvente no âmbito do processo nº 849/12...., em 21.12.2012; nessa insolvência a requerida reclamou os seus créditos, no valor global de € 6.571.348,98, nos quais se incluía o crédito resultante do contrato de abertura de crédito no valor de € 770.000,00, operação nº  ...91. Veio dar notícia em 15.07.2021 na execução onde corria a reclamação de créditos (processo nº 1897/18....) que em sede de rateio final obteve o pagamento do montante de € 773.844,41, ficando em dívida a quantia de € 318.692,95 correspondente a 3 anos de juros e comissões.
O requerente responde por esta dívida na sua qualidade de garante hipotecário e de fiador do contrato de abertura de crédito no valor de € 770.000,00, operação nº  ...91, tendo, nesse contrato, o requerente renunciado expressamente ao benefício do prazo estipulado no artigo 782º do Código Civil, não tendo qualquer fundamento a pretensão do requerente inexistindo assim o fumus boni juris.
O mesmo se passa relativamente ao periculum in mora, pelo menos relativamente ao imóvel Verba 2 (Prédio rústico, composto por vinha da região demarcada do ..., oliveiras e árvores de pomar, sito em ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...9º Secção ..., da freguesia ... (... e FF) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...56 da freguesia ...), pugnando assim pela improcedência do pedido.

Admitida a intervenção principal de P..., esta deduziu oposição, concluindo pela seguinte forma:
Conclui que, mostram-se precludidos todos os direitos do Requerente para colocar em crise, quer o crédito da Requerida Banco 1..., S. A. SA e sua exigibilidade, quer a venda judicial dos imóveis que o garantem em curso no âmbito da execução n.º1897/18.... e que, não se mostrando integralmente satisfeitos, nem o crédito exequendo da ora Requerida, nem o crédito reclamado pela Banco 1..., S. A. SA, assiste a ambas o direito de se fazer pagar através do produto da venda dos imóveis penhorados, propriedade do Requerente, no âmbito daquela ação executiva, pelo que a penhora e venda dos imóveis descritos nas verbas 2 e 3 do auto de penhora não importam qualquer ato de dissipação do património imobiliário do Requerente muito menos constitui uma conduta fraudulenta com vista ao enriquecimento ilícito da(s) Requerida(s), sendo a penhora e venda judicial dos indicados bens um direito que, legitimamente, assiste à ora Requerida e à Banco 1..., S. A., SA (enquanto credora Reclamante) de obter a cobrança coerciva dos seus créditos através do produto da venda desses bens, sendo assim a presente Providência Cautelar manifestamente infundada não se mostrando preenchidos nenhum dos seus requisitos, pugnando assim pela improcedência da providência por não provada.

Após ter sido proferido despacho a julgar o tribunal competente e legítimas as partes foi proferida decisão que não decretou a providencia requerida.

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O Requerente interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª/ Vem o presente recurso de apelação interposto da sentença que julgou improcedente a pretensão da requerente e, em consequência não se decreta a requerida providência cautelar, absolvendo-se as rés do pedido”.
2ª/ O Recorrente impugna no presente recurso quer a Matéria de Facto quer o Direito aplicado, constando do processo todos os elementos probatórios que fundamentaram as respostas aos factos e que permitem a reapreciação da matéria de facto, como infra se
3ª/ Impugna o Apelante os pontos 2.31, 3.32 e 3.33 dos factos provados por estarem em contradição com a prova produzida nos presentes autos.
4ª/ Quanto a matéria constante do facto provado 2.31 foi incorrectamente julgada, mostrando imprecisões, devendo a sua redação passar a ser a seguinte:
- “O requerente responde por esta dívida na sua qualidade de garante hipotecário do contrato de abertura de crédito no valor de 770.000,00 €, operação nº  ...91.” por ter sido essa a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
5ª/ Quanto aos factos provados nºs 3.32 e 3.33 devem os mesmos ser eliminados.
6ª/ Por sua vez todos os factos não provados devem passar a constar dos factos provados de acordo com a fundamentação supra elencada relativamente a cada um deles por estarem em contradição com a prova produzida nos presentes autos.
7ª/ uma sentença obedece a requisitos formais e substanciais, sendo que um desses mesmos requisitos se prende com a indicação na mesma dos factos dados como provados e não provados pois será a partir dos mesmos que o juiz poderá fundamentar convenientemente a sua motivação para proferir a sentença num ou noutro sentido.
8ª/ In casu, as contradições evidenciadas supra colocam em causa toda a motivação da douta sentença, pelo que a mesma deverá ser considerada nula, nos termos do disposto no artigo 615.º do CPC, por ser contrária à prova documental levada aos autos.
9ª/ Do artigo 376º, nº 3, do CPC, na parte em que se dispõe que «o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida».
10ª/ Conforme plasmado ao longo de toda a matéria factual vertida na petição inicial o que o recorrente pretende é que a requerida/recorrida não possa “cobrar” o seu eventual crédito até decisão final da acção principal.
11ª/ Assim, caso a Mma. Juiz verificasse que outro procedimento cautelar melhor se adequaria deveria ter efectuado a sua convolação nos termos da norma referida.
12ª/ Além disso impunha-se ao tribunal a quo que, previamente à decisão, tivesse convidado o requerente a suprir esse obstáculo, apresentando nova petição inicial.
13ª/ Não o tendo feito incorreu em erro de julgamento verificando-se, pois, a correspondente nulidade processual, inquinadora da decisão recorrida - cfr. art.º 195º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, de onde decorrerá a consequente revogação da decisão judicial em crise.
14ª/ Por fim e atento o trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância) requer-se a junção aos autos do contrato de arrendamento do imóvel.
NESTES TERMOS, E NOS QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS
MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DANDO PROVIMENTO AO
PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGANDO A
DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR
OUTRA QUE DECRETE A SUSTAÇÃO DO DIREITO CREDITÓRIO
DA RECORRIDA Banco 1..., S. A. S.A. ATÉ À DECISÃO FINAL NA ACÇÃO
PRINCIPAL FARÃO, COMO SEMPRE, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.

A Requerida Banco 1..., S. A. apresentou resposta, defendendo a confirmação da decisão recorrida.

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1. Da admissibilidade da junção do documento
Com a apresentação das alegações de recurso o Apelantes requer a admissão da junção aos autos de um documento, nos seguintes termos:
Assim, o Requerente enquanto proprietário pleno dos imóveis em questão está investido em todos os poderes e/ou faculdades que o direito de propriedade lhe confere, nomeadamente usá-la, aliená-la, locá-la, entre outros.
Ainda para mais, quando estamos a falar no caso concreto de bens imóveis cujo uso é imprescindível para a prossecução de vida do proprietário.
Pois que, e desde logo relativamente à Fracção autónoma, designada pela letra ... correspondente ao ..., destinado a comércio do prédio urbano sito na R. ..., ... e ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz urbana sob o art. ...30 e descrito na CRP ... sob o n.º ...55, a mesma está arrendada, constituindo esse rendimento o único de que o recorrente dispõe para o seu dia-a-dia.
Assim, requer-se a junção aos autos do comprovativo do contrato de arrendamento relativo ao dito imóvel o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (doc. 1).
Tal junção é admissível atento o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância).
A Apelada na resposta às alegações de recurso, pugna pela inadmissibilidade da junção requerida, o que faz pela seguinte forma:
… o requerente/apelante vem alegar matéria nova, que não invocou em sede e momento processual próprios, pelo que se trata de matéria que não foi sujeita a contraditório nem apreciada pelo Tribunal a quo não podendo agora ser apreciada pelo Tribunal da Relação, o mesmo se passando relativamente ao documento só agora junto, cuja intempestividade se afigura notória face ao estipulado no art. 423º do CPC, pelo que deverá o mesmo ser desentranhado e devolvido à parte;
Nos termos do art.º 423º do C. P. Civil os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes – n.º 1 –, podendo ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. Admite ainda este preceito a junção de documentos na situação a que se refere o n.º 3 - documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Por sua vez o art.º 425º do mesmo diploma legal preceitua:
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
A junção de documentos em fase de recurso é regulada pelo art.º 651º, n.º 1, do C. P. Civil que dispõe:
As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
Da leitura conjugada destas normas conclui-se que a apresentação de documentos em fase de recurso depende da alegação e prova pelo apresentante de uma de duas situações:
- a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remessa do artigo 651º, nº 1 para o artigo 425º;
- o ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objeto da ação ou inútil relativamente a este. [2]
Assim, em sede de recurso as partes podem juntar documentos com as alegações em caso de superveniência objetiva ou subjetiva ou ainda nos casos em que se verifique a necessidade da sua junção em consequência do julgamento proferido, quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. [3]
No caso dos autos o Apelante invoca para justificar a sua apresentação em fase de recurso o facto da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
A admissibilidade da junção de documentos, neste particular, só se justifica quando a fundamentação da sentença ou o objeto da decisão fazem surgir a necessidade de provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes dela, sendo o imprevisto da decisão proferida por razões de prova que justifica a junção [4].
A junção de documentos com as alegações..., afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão da 1º instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado. [5]
O recurso interposto abrange a decisão da matéria de facto, visando a sua alteração.
A 1ª instância pode ter ocorrido em erro de julgamento da prova produzida ao julgar não provados os factos alegados pela Autora, só que essa eventualidade não autoriza necessariamente a produção, em fase de recurso, de provas novas, podendo ser corrigido pela simples reponderação das provas já produzidas e que foram objeto de apreciação na instância recorrida.
O que torna admissível a junção do documento não é o erro da decisão na apreciação das provas, mas a influência exercida nessa decisão – de harmonia com os diversos entendimentos do problema – por uma prova, pela relevância de um facto, ou pela aplicação de uma norma jurídica com que as partes, justificadamente, não contavam.
Não tendo sido alegado, nem se revelando ser esse o caso deste recurso, não deve ser admitida a junção requerida.
Assim, não se admite o documento em causa, condenando-se o apresentante pela indevida apresentação do mesmo, em 1/2 UC, a título de multa – art.º 443º, nº 1 do C. P. Civil e 27º, nº 1 do R. C. Processuais. 

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2. Do objeto do recurso
Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas alegações formuladas as questões a apreciar são:
- da nulidade da sentença
- da omissão de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial
- da omissão de convolação para a providência adequada
- da impugnação da matéria de facto
- da verificação dos requisitos


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3. Da nulidade da sentença
 O Recorrente imputa à sentença o vício da nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, c) do C. P. Civil, concretizando a mesma que na motivação da sentença recorrida onde se inclui matéria que entra em contradição com a prova produzida…, designadamente os pontos 2.31, 3.32 e 3.33 dos factos provados e os factos não provados”.
Dispõe o art.º 615º, n.º 1, do C. P. Civil:
1 — É nula a sentença quando:
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
A nulidade prevista na al. c), do nº 1, do art.º 615º, do C.P.C., verifica-se quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resul­tado expresso na decisão, mas a resultado oposto, ou seja, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta àquela que logicamente deveria ter chegado.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respetivos fun­damentos.
O Recorrente, alicerça esta nulidade no facto do julgamento da matéria de facto não ter sido, na sua perspetiva, o acertado.
Ora, perante o entendimento expresso na fundamentação da sentença, inde­pendentemente do seu acerto, a decisão revela-se lógica, pelo que não há qualquer contradição entre os funda­mentos e a deci­são recorrida, não se verificando a nulidade apontada.

4. Da omissão de convite ao aperfeiçoamento do req. inicial
Defende o Requerente que o tribunal de 1ª instância deveria ter proferido um despacho de aperfeiçoamento, porquanto se encontram reunidos os pressupostos de que a prolação do mesmo depende.
Nos termos do art.º 590º, n.º 2, b), do C. P. Civil, o tribunal pode fazer uso dos poderes de convite ao aperfeiçoamento nas hipóteses que caibam na previsão dos seu n.º 3 e 4.
O despacho proferido nos termos do n.º 3, daquele preceito, é um despa­cho que versará sobre um articulado irregular – que careça dos requisitos legais, quando falte um documento essencial de que a lei faz depender o seu prossegui­mento –, constituindo a sua omissão a prática de uma nulidade processual [6].
Por sua vez o despacho proferido nos termos do n.º 4, do art.º 590º, do C. P. Civil, é um despacho em que o juiz, apreciando os articulados e fazendo um juízo de viabilidade das pretensões, entende convidar as partes a suprir deficiências de alegação, encontrando-se o seu âmbito delimitado à correção das imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada. No entanto, deste poder-dever, não se pode inferir, nem seria legítimo fazê-lo, que o juiz deva proferir um despacho de aperfeiçoamento quando a petição inicial contenha uma factualidade incapaz de conduzir à procedência da pretensão deduzida, sem que dela resulte que essa incapacidade tenha origem numa deficiente tradução em palavras duma realidade existente.
No caso dos autos o Recorrente não concretiza o convite que entende que lhe deveria ter sido dirigido, admitindo-se que o mesmo estivesse relacionado como o que se escreveu na sentença proferida:
Conclui-se assim que a factualidade invocada é insuscetível de, mesmo que viesse a ser considerada indiciariamente demonstrada, fazer concluir pelo preenchimento, do periculum in mora, nada tendo sido alegado de concreto quanto a isso relativamente à atuação dos requeridos nem nada tendo resultado comprovado.
Para a hipótese do Requerente, como entendeu a 1ª instância, não ter alegado qualquer facto objetivamente demons­trativo do periculum in mora, não pode o tribunal impor-lhe que alegue factos cuja existência se desconhece ou que se ponha a adivi­nhar factualidade só para preencher o vazio da alegação.
Não compete, em nosso entender, ao juiz da 1ª instância, andar a imagi­nar as hipotéticas intenções das partes subjacentes aos articulados apresentados, nem tal resulta dos princípios da economia processual, inquisitório e cooperação, pelo que improcede este fundamento do recurso.


 5. Da omissão de convolação

O Recorrente invocando o disposto no art.º 376º, n.º 3 do C. P. Civil defende que se o tribunal verificasse que outro procedimento cautelar melhor se adequaria deveria ter efectuado a sua convolação nos termos da norma referida.
Ora, não decorre da decisão proferida que existisse qualquer outra providência que melhor de adequasse à situação configurada, pelo que a alegação é desprovida de conteúdo.

6. Os factos
O Recorrente discorda do julgamento da matéria de facto quanto à materialidade contida nos factos provados sob os n.º 2.31, 3.32 e 3.33 e a dos que foram julgados não provados e que identifica.
Estes factos são:
Provados:
2.31. O requerente responde por esta dívida na sua qualidade de garante hipotecário e de fiador do contrato de abertura de crédito no valor de 770.000,00 €, operação nº  ...91.
3.32. Nesse contrato, por cláusula estipulada entre os contraentes, o requerente renunciou expressamente ao benefício do prazo estipulado no art. 782º do C.C.
3.33. Independentemente de qualquer interpelação, desde 23.12.2011 que o contrato estava definitivamente vencido.
Não provados:
- “Que a Requerida nunca invocou qualquer situação de mora e, muito menos, de incumprimento definitivo por parte do Requerente.
- Que a Requerida apenas se pretende valer abusivamente da garantia, incumprindo ela própria o contrato e receber aquilo que sabe não lhe ser devido.
- A lesão aqui em apreço é efetivamente de difícil reparação, senão mesmo impossível, porque sendo o direito de propriedade um direito pleno, a sua frustração dá-se no momento imediato à consumação da violação.
- Lesão essa, que não seria atenuada por uma indemnização da Requerida pela sua conduta ilícita, pois não permitiria ao Requerente recuperar o gozo da coisa que ficou vedada pela ocupação ilegítima.”
Quanto aos factos provados e agora impugnados, antecipamos a razão do recorrente.
Da leitura dos documentos juntos aos autos, em especial do contrato de abertura de crédito celebrado, em 23 de dezembro de 2009, denominado Operação n.º  ...91, até ao montante de € 770.000,00 entre a Banco 1..., S. A. e a S... Lda., com vista à reestruturação de créditos e apoio ao investimento o Requerente não consta como fiador do mesmo. Como decorre da escritura junta aos autos, o recorrente constituiu a favor da Banco 1..., S. A.  hipoteca até ao montante referido sobre os prédios identificados em 3. 5..
Não tendo o Réu a qualidade de fiador no contrato em causa, impõe-se que os factos 2.31 e 3.32 sejam julgados não provados. Por sua vez, o facto 3.33 é nitidamente conclusivo pelo que também deve ser eliminado dos provados.
No que concerne aos factos não provados e impugnados e acima transcritos os mesmos são conclusivos e contêm matéria de direito, razão pela qual não devem contar do conjunto dos provados.
 
                                                 *

Os factos provados são:
(do requerimento inicial)
3.1. A Requerida Banco 1..., S. A., S.A., é uma instituição de crédito bancário.
3.2. A Requerida Banco 1..., S. A., S.A., no exercício da sua atividade comercial, celebrou, em 23 de dezembro de 2009, um contrato de abertura de crédito, denominado Operação n.º  ...91, até ao montante de € 770.000,00 com a S... Lda., com vista à reestruturação de créditos e apoio ao investimento.
3.3. Nos termos do referido contrato, a Requerida disponibilizava à referida  sociedade, até ao montante de € 770.000,00, com juros à taxa nominal variável indexada à Euribor a 1 mês, acrescida de spread de 4%, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, serem pagos, nos termos acordados, em 24 prestações, mensais e sucessivas, a contar da data da perfeição do contrato.
3.4. De harmonia com o acordado, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante débito na conta de depósitos à ordem n.º ...30, constituída em nome da sociedade, na Agência da Requerida em ....
3.5. Para garantia do referido contrato, o Requerente na qualidade de hipotecante, constituiu a favor da Requerida, hipoteca genérica até ao montante global de € 770.000,00, sobre os seguintes bens imóveis:
A: Fracção autónoma, designada pela letra ..., correspondente ao ..., destinado a comércio do prédio urbano sito na R. ..., ... e ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz urbana sob o art. ...30 e descrito na CRP ... sob o n.º ...55.
B: Prédio rústico composto por vinha da região demarcada do ..., oliveiras
 e arvores de pomar, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...89... e descrito na CRP ... sob o n.º ...56.
C: Prédio urbano composto de casa destinada a habitação de dois pavimentos e quintal, sito na Calçada ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o art. ...76 e descrito na CRP ... sob o n.º ...7.
D: Prédio urbano composto por parcela de terreno, destinada a construção urbana, denominada de lote ..., sito na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...72 e descrito na CRP ... sob o n.º ...45.
3.6. A hipoteca sobre os referidos bens, a favor da Banco 1..., S. A. foi registada pela AP. ...19 de 2010/11/18.
3.7. A Sociedade deixou de liquidar as prestações em 03/03/2010, tendo a Requerida considerado o vencimento antecipado da dívida, entrando a Sociedade em incumprimento definitivo perante esta, em 02 de janeiro de 2012.
3.8. A S... Lda. veio a ser declarada insolvente no âmbito do processo n.º 849/12...., que correu termos no Juízo de Comércio ... – Juiz ..., em 21/12/2012.
3.9. A Requerida reclamou créditos no referido processo, no valor global de € 6.571.348,98, no qual se incluía o valor atinente ao contrato supra referido.
3.10. Posteriormente, a Requerida, reclamou os seus créditos hipotecários no âmbito do processo executivo n.º ...8..., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Execução ..., peticionando que lhe fosse “verificado e reconhecido o crédito da Banco 1..., S. A. sobre a executada, no montante de € 1.001.873,74 (um milhão um mil oitocentos e setenta três euros e setenta quatro cêntimos), acrescida de juros vincendos e até integral pagamento.”
3.11. Em 15/07/2021, veio informar que “o crédito reclamado pela Banco 1..., S. A. se encontra atualmente reduzido ao montante de € 318.962,95, correspondente a 3 anos de juros (€ 317.497,90) e comissões (€ 1.465,05)”.
3.12. Tal redução teve como base o rateio final, realizado no âmbito do processo de insolvência 849/12...., tendo a Requerida obtido pagamento do montante total de € 773.844,41€ dos quais imputou € 682.910,79 à satisfação do capital em dívida então reclamado nos referidos autos executivos e aqui em causa, permanecendo em dívida o valor de juros e comissões.
3.13. No âmbito do processo de execução n.º 1897/18.... encontram-se
 em fase de venda por negociação particular, através da plataforma e-leilões, os imóveis hipotecados e penhorados, designadamente:
- Prédio rústico composto por vinha da região demarcada do ..., oliveiras e arvores de pomar, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...89... e descrito na CRP ... sob o n.º ...56.
- Fração autónoma, designada pela letra ..., correspondente ao ..., destinado a comércio do prédio urbano sito na R. ..., ... e ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz urbana sob o art. ...30 e descrito na CRP ... sob o n.º ...55.
(das oposições)
3.14. A Banco 1..., S. A. cedeu o seu crédito – o crédito dado à execução no processo executivo que se iniciou em 24.10.2018 e que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Execução ... – Juiz ... -, processo nº 1897/18.....
3.15. A requerida em 15.04.2019 reclamou outro crédito seu em apenso à execução própria por si mesma instaurada, crédito este decorrente de um outro empréstimo garantido por hipotecas sobre os imóveis penhorados, para poder cobrar-se pela venda destes, nela sendo reclamado crédito respeitante ao – Operação nº  ...91
- contrato de abertura de crédito em conta-corrente até ao montante de 770.000,00 € destinado a reestruturação de créditos e apoio ao investimento.
3.16. Esta reclamação de créditos efetivada pela requerida Banco 1..., S. A. nesse processo executivo também não foi impugnada pelo aqui requerente, tendo este sido notificado por notificação pessoal que lhe foi dirigida para impugnar, querendo, os créditos da Banco 1..., S. A., e da sentença de verificação e graduação de créditos
3.17. O requerente não embargou a execução nem impugnou a reclamação de créditos da Banco 1..., S. A. apresentada nessa mesma execução, nem se opôs às penhoras no processo nº 1897/18.....
3.18. Foi instaurada em 20.10.2018 execução própria pela requerida Banco 1..., S. A. contra BB, CC, DD, e AA.
3.20. Sendo o título dado à execução um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, mútuo no valor de € 107.000.00, operação n.º  ...85, celebrado
 com os executados AA e DD, destinado à aquisição de habitação própria e permanente destes.
3.21. Em garantia do capital mutuado, juros e despesas emergentes deste contrato de mútuo, os executados mutuários constituíram hipoteca específica sobre a fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ... B, que faz parte do prédio urbano denominado por “lote número ...”, sito na Rua ..., Urbanização ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial
 urbana sob o artigo ...7-B e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...85..., hipoteca que se encontra registada pela Ap. ...0 de 2008/05/12.
3.22. Os executados mutuários deixaram de cumprir as suas obrigações decorrentes do contrato referenciado, nomeadamente, o pagamento das prestações, juros e despesas, desde 29.05.2012, e, apesar de interpelados, os executados não procederam a qualquer pagamento.
3.23. Nessa execução foram penhorados pelo sr. Agente de Execução os seguintes imóveis:
A - 1/2 da fração autónoma designada pela ..., destinada a habitação, sito no Beco ..., ..., ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...77... da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...85... da referida freguesia;
B - Imóvel Prédio rústico, composto por vinha da região demarcada do ...,
 oliveiras e árvores de pomar, sito em ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...9º Secção ..., da freguesia ... (... e FF) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...56 da freguesia ....
C - Imóvel Fração autónoma designada pela ..., destinada a comércio, do prédio urbano, sito na Rua ..., ..., inscrito na respetiva matriz sob o
 artigo ...49... da freguesia ... (... e FF) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...55... da freguesia ....
3.24. As referidas penhoras foram devidamente registadas pelo Sr. Agente de Execução.
3.25. Foi já objeto de venda judicial tendo sido emitido o respetivo título de
transmissão a favor do respetivo adquirente do bem.
3.26. Relativamente ao imóvel B o leilão eletrónico foi já encerrado, tendo sido aceite pelo sr. Agente de Execução a proposta no valor de € 32.465,12 apresentada por EE.
3.25. No nº 5 do requerimento inicial executivo respeitante a tal execução pode ler-se: “5.º Assim, apesar de interpelados, os executados não procederam, até esta data, a qualquer pagamento.”
3.26. Relativamente ao crédito reclamado pela Banco 1..., S. A. em apenso à execução própria verificou-se igualmente o incumprimento do pagamento das responsabilidades decorrentes desse mútuo pelo que a requerida teve de reclamar o seu crédito.
3.27 A requerida Banco 1..., S. A. financiou ainda a S... Lda. mediante contrato de abertura de crédito no valor de € 770.000,00, que esta usou na totalidade, tendo o requerente, como terceiro garante, garantido o pagamento mediante constituição de hipotecas voluntárias através da outorga de escritura para tal fim em 30.12.2009.
3.28. Esta Sociedade não cumpriu com as suas responsabilidades e acabou por
 vir a ser declarada insolvente no âmbito do processo nº 849/12...., em 21.12.2012.
2.29. Nessa insolvência a requerida reclamou os seus créditos, no valor global
 de 6.571.348,98 €, nos quais se incluía o crédito resultante do contrato de abertura de crédito no valor de 770.000,00 €, operação nº  ...91.
2.30. E veio dar notícia em 15.07.2021. na execução onde corria a reclamação
 de créditos (processo nº 1897/18....) que em sede de rateio final obteve o pagamento do montante de € 773.844,41 € dos quais imputou € 682.910,79 à satisfação do seu crédito ficando em dívida a quantia de € 318.692,95 correspondente a 3 anos de juros (317.497,90 € e comissões (1.465,05 €)).
2.31.  facto não provado.
3.32. facto não provado.

3.33. facto não provado.

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O direito aplicável

O Requerente como dependência de uma ação declarativa que moveu à Banco 1..., S. A., S. A., requereu o presente procedimento cautelar, pretendendo a SUSTAÇÃO DE QUAISQUER ACTOS TENDENTES À VENDA DOS IMÓVEIS IDENTIFICADOS, E SEJA DECRETADO QUE Os BENS DEVERÃO MANTER-SE NA ESFERA PATRIMONIAL D REQUERENTE ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO JUDICIAL DA ACÇÃO PRINCIPAL.
Da leitura do seu articulado resulta que a providencia requerida é dirigida aos atos de venda no processo executivo ...8... - que lhe foi movido pela Banco 1..., S. A., S. A. -  e em que foi graduado um crédito proveniente do contrato de abertura de crédito n.º  ...85.
Na ação declarativa os pedidos que o agora recorrente formula são os seguintes:
A. DEVE CONSIDERAR-SE PRESCRITA A DIVIDA ASSOCIADA AO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO N.º  ...85.
OU CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA
B. DEVE CONSIDERAR-SE INEXIGIVEL O VALOR PETICIONADO A TíTULO DE JUROS REMUNERATÓRIOS AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ART.º 781 CC.
OU CASO ASSIM TAMBÉM NÃO SE ENTENDA
C. DEVE CONSIDERAR-SE O CONTRATO EM CAUSA EM CUMPRIMENTO, ATENTA A FALTA DE INTERPELAÇÃO DO INCUMPRIMENTO E RESOLUÇÃO CONTRATUAL.
D. DEVE SER A RÉ CONDENADA COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ, NO PAGAMENTO DE MULTA E DE INDEMNIZAÇÃO AO A. DE VALOR NUNCA INFERIOR A € 3.000,00.
Destas pretensões resulta que, em suma, o que o Requerente pretende é a sustação da ação executiva onde estão penhorados os seus bens, até decisão da ação declarativa.
Na sua essência o procedimento cautelar é destinado a garantir, a quem o invoca, a titu­laridade de um direito, contra a ameaça ou um risco que sobre ele paira e que é tão imi­nente que a sua tutela não pode aguardar a decisão judicial.
São seus requisitos, antes do mais, a instrumentalidade - porquanto pres­supõe uma ação definitiva instaurada, ou a instaurar; o periculum in mora - ou seja de que a demora na decisão a proferir na acção principal acarrete um prejuízo grave; e o fummus bonus juris – a aparência da realidade do direito invocado.
Os procedimentos cautelares são, assim, medidas provisórias correspon­dendo à ne­cessidade efetiva e atual de remover o receio de um dano jurídico.
Do art.º 364º do C. P. Civil resulta  que as providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma ação já pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal [7].
Entre a providência cautelar e a ação principal deve existir uma relação que permita afirmar que o direito acautelado será provavelmente reconhecido na ação definitiva.
A este respeito consta do Ac. do S. T. J, de 8.4.2021 [8]:
O principal traço característico da tutela cautelar, escreve-se na doutrina, “é a sua instrumentalidade: ela existe em função dos processos em que se discute o fundo das causas, em ordem a assegurar a utilidade das sentenças a proferir no âmbito desses processos, que, por isso, são qualificados como processos principais”.
 Pois bem, os pedidos formulados no processo cautelar devem ter a necessária correspondência funcional com os pedidos formulados ou a formular na acção principal e ser adequados a acautelar a utilidade da sentença que vier a ser proferida no processo principal.
Da análise da p. inicial da ação principal e do requerimento inicial do procedimento cautelar é evidente a inexistência da relação de instrumentalidade exigida pela lei e indispensável para o decretamento de providências cautelares, pois o direito que o requerente pretende ver acautelado através deste procedimento cautelar é estranho e alheio ao âmbito de discussão da ação principal, nunca podendo vir a ser reconhecido na mesma, nem acautela nada no que é peticionado.
De qualquer modo e, independentemente da ausência da indispensável relação de instrumentalidade é a falta de poder jurisdicional para o decretamento da providência requerida – sustação da venda dos bens na ação executiva. É apodítico que não se pode, por falta de poder jurisdicional, determinar o que quer que seja noutro processo, uma vez que as decisões a proferir no mesmo só podem ser tomadas pelo juiz competente, estando vedado o decretamento de uma providência que suspenda a referida execução.
Assim, mostra-se acertada a decisão de não decretar a providência requerida, ficando prejudicada a apreciação dos demais requisitos da providência requerida.

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Decisão
Nos termos expostos, confirmando-se a decisão proferida, julga-se improcedente a apelação.

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Custas do recurso pelo recorrente.
         
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                                                                              27.6.2023




[1] como consta do relatório da decisão recorrida:
[2] Ac. do T. R. C., de 18.11.2014, relatado por Teles Pereira e acessível em www.dgsi.pt .

[3] Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, ed. 2013, pág. 184, Almedina.

[4] Luís Lameiras, in Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, pág. 84, ed. 2008, Almedina.

[5]  Antunes Varela, RLJ, Ano 115, pág. 95.
[6] Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, pág. 78, ed. de 1997, Almedina.

[7] Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, III volume, 3ª ed,, pág. 144, Almedina.

[8] relatado por Catarina Serra e acessível em www.dgsi.pt.