Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JOSÉ AVELINO GONÇALVES | ||
Descritores: | SEGURO DE VIDA RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL INCAPACIDADE ABSOLUTA ATIVIDADE PROFISSIONAL HABITUAL INCAPACIDADE PARCIAL ÓNUS DA PROVA | ||
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Data do Acordão: | 06/27/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 227.º, N.º 1, 236.º, N.º 1, 406.º, N.º 1, E 342.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | I – A finalidade de um seguro de vida e incapacidade absoluta, celebrado a favor de um Banco tendo como garantia o pagamento do capital mutuado, é a de prevenir a situação do segurado ficar sem a possibilidade de auferir rendimentos, por ter ficado afetado na sua capacidade de trabalho, não podendo exercer atividade geradora de proventos.
II – A situação em que o segurado não pode continuar a desempenhar a atividade profissional anterior, mas pode desempenhar funções de natureza idêntica dentro da sua área de formação técnico profissional, desde que com menor intensidade e exigindo menor esforço físico, é conciliável com uma situação de incapacidade parcial. III – Sendo a situação de invalidez absoluta e definitiva o facto constitutivo do direito exercido, cabe ao segurado o ónus de demonstrar que a sua atual e subsistente capacidade de trabalho não lhe permite a angariação de remuneração. IV – Por isso, à apelada/ segurada – porque facto constitutivo do direito – cabia o ónus de prova da factualidade que permitisse concluir estar impossibilitada de auferir rendimentos provenientes do exercício de qualquer profissão ou atividade remunerada. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: |
Processo n.º 7815/18.1T8CBR-C1
(Juízo Central Cível de Coimbra - Juiz ...)
Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório AA, portuguesa, divorciada, titular do Cartão de Cidadão nº ..., NIF sob o nº ..., residente à Avenida ..., ..., Distrito ..., deduziu em 18-10-2018 accão declarativa em processo comum de responsabilidade civil contra A... – Companhia de Seguros, S.A., NIPC ..., Avenida ..., ..., ..., ..., pedindo que: i) seja excluída ou declarada nula cláusula do contrato de seguro que fixa a cessação da cobertura do seguro em situações de invalidez absoluta e definitiva aos 60 anos, mantendo todo o restante válido; ii) e nessa decorrência seja condenada a ressarcir a autora dos prémios por esta pagos desde a data do acidente (16 de dezembro de 2015) no valor total de 8.432,39€ (oito mil e quatrocentos e trinta e dois euros e trinta e nove cêntimos) até à presente data, montante que deverá ser atualizado com juros até o término do processo; iii) e a ré condenada ao pagamento do crédito à habitação remanescente no valor de 42.709,02 € (quarenta e dois mil e setecentos e nove euros e dois cêntimos) à presente data, valor este que deverá ser atualizado à data do término do processo; iv) quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, pretendendo a cobertura de contrato de seguro vida, relativamente a acidente profissional que lhe causou, alegadamente, um estado de invalidez absoluta e definitiva, o reconhecimento da validade do contrato e o pagamento do crédito à habitação – na sequência de sinistro sofrido pela mesma e que a apólice devia cobrir, sendo que o acidente ocorreu em 16/12/2015 e a abertura do processo de sinistro foi realizada na data de 10 de Abril de 2018 e a resposta negativa proferida em Maio de 2018, alegando para tanto: a) no dia 16 de Dezembro de 2015, enquanto trabalhava como assistente operacional da Escola Básica e Secundária ... – ..., foi vítima de um grave acidente de trabalho, quando se deslocava no interior da escola, em passeio destinado à circulação de peões, consubstanciado em atropelamento por um veículo ligeiro de mercadorias que, ao fazer marcha atrás, veio embater na parte posterior do seu corpo, provocando a queda no solo e graves traumatismos no membro superior direito e no membro inferior esquerdo, entre outras lesões; de seguida, foi assistida no local por uma equipa de emergência médica, que a transportou ao Serviço de Emergência do Centro Hospitalar e Universitário de ... e já sob cuidados médicos, foi detetada fratura exposta dos ossos da perna esquerda e fratura do úmero direito, motivo pelo qual foram necessárias duas intervenções cirúrgicas e o internamento; posteriormente, foi transferida para o Centro de Reabilitação ..., onde esteve internada até 14 de Março de 2016, deslocando-se ainda com recurso a uma cadeira de rodas, foi reencaminhada para a Casa de Repouso ..., a fim de dar continuidade ao seu tratamento pós-cirúrgico; em meados de Abril de 2016, teve alta da consulta de Ortopedia, do Centro Hospitalar e Universitário ... mas somente em Maio de 2016 pôde deixar de utilizar andarilho e passar a andar com o auxílio de uma canadiana do lado esquerdo, dado que não podia apoiar- se com o membro superior direito; ; conforme Relatório Final de Avaliação de Dano Corporal, de 20 de Abril de 2017, o estado atual da autora, segundo o exame objetivo realizado, em termos técnicos, era: “Duas cicatrizes cirúrgicas no ombro direito. Limitação de antepulsão e abdução do ombro direito a 60º, com perda total dos movimentos de rotação. Amiotrofia deltoideia à direita. Alguns vestígios cicatriciais na perna esquerda. Cicatriz acastanhada, cirúrgica, na região maleolar interna do tornozelo esquerdo. Anquilose da articulação tibiotársica esquerda.”; acresce “necessidade ocasional de canadiana para equilíbrio da marcha; tratamentos médicos regulares: três programas anuais de fisioterapia ao membro superior direito e ao tornozelo esquerdo, cada um deles constituídos por 10 sessões e, ainda, necessidade de ajuda complementar de terceira pessoa: para assegurar as limpezas no domicílio, a confeção das refeições e o banho pessoal”; irá precisar para o resto da sua vida de uma terceira pessoa – a ser contratada – para a auxiliar nas tarefas mais básicas do dia-a-dia, como por exemplo, na sua higiene pessoal; b) acresce a ausência de apoio familiar com que a autora lida, visto que além de a mesma ser divorciada, a sua filha não reside na referida habitação, nem mesmo em ..., sendo a única a custear as próprias despesas; c) encontra-se impossibilitada de exercer permanentemente, a profissão que exercia há data do contrato de seguro e com base na qual o mesmo foi celebrado, devendo considerar-se que a mesma se encontrava, há data do acidente, coberta pelo contrato de seguro; d) ademais, somente a 23 de Janeiro de 2018, a Caixa Geral de Aposentações comunicou o resultado da Junta Médica à Autora, fixando, de forma definitiva, as lesões desta, estabelecendo uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções e uma incapacidade permanente parcial de 48%; e) o referido seguro visava garantir o pagamento do crédito à habitação, caso ocorresse algum facto que impedisse a autora de garantir a sua capacidade de remuneração, especificamente, falecimento – cobertura principal – e invalidez absoluta e definitiva ou invalidez total e permanente – cobertura complementar; e no que toca à cobertura complementar do contrato de seguro, houve fixação de condições especiais que constam da apólice, procedendo-se no artigo 2º à distinção entre Invalidez Absoluta e Definitiva e Invalidez Total e Permanente: a pessoa segura encontra-se num estado desta última natureza quando, “em consequência de doença ou acidente, se encontrar definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa”; e “a Pessoa Segura será considerada no estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando se encontrar totalmente incapaz para o exercício de qualquer actividade lucrativa e necessite de recurso à assistência sistemática e definitiva de uma terceira pessoa para os actos ordinários da vida humana” - no caso em apreço, é este tipo de invalidez que está em causa, pelo que a autora deixou de poder auferir rendimentos que lhe permitam pagar as prestações mensais do contrato de seguro outorgado. f) Participada a situação à ré, esta declinou a sua responsabilidade e enviou, no dia 14 de Maio de 2018, uma comunicação afirmando que não daria prosseguimento à pretensão da autora – pagamento do capital seguro –, uma vez que à data do acidente a autora tinha especificamente 60 anos e “conforme informações pré-contratuais da apólice, a garantia de invalidez cessa aos 60 anos de idade da pessoa segura”. g) Na sequência de tal comunicação, considerando que o documento onde constavam as informações pré-contratuais não foi assinado, nem rubricado pela autora, desconhecendo a mesma quaisquer informações relativas à cessação das garantias seguras e exclusão da cobertura do contrato de seguro, foi solicitada, a 14 de Junho de 2018, a comprovação da tomada de conhecimento por parte da Autora – com aposição de assinatura – das referidas informações pré-contratuais; h) além de não ter atendido a tal pedido, após o e-mail enviado pelo seu Mandatário, no dia 5 de Julho de 2018, alegou a ré que a apólice assinada pela Autora só cobria o risco de invalidez absoluta e definitiva até aos 60 anos e ainda que por lapso dos serviços técnicos, tal limitação da cobertura de invalidez à idade de 60 anos não foi transposta para as condições da Apólice nº ...43 que formalizou a suprarreferida proposta de seguro, invocando estar a declaração negocial eivada de erro, defendendo, assim, ser esta nula e sem qualquer efeito; i) como se depreende das cláusulas contratuais da apólice do seguro, não foi de todo especificado quando ou, in casu, a que idade da tomadora do seguro cessaria a cobertura complementar por invalidez absoluta e definitiva ou total e permanente; j) deve a ré ser condenada a indemnizar a autora mediante pagamento do crédito à habitação e ser ressarcida das parcelas mensais cobradas indevidamente à mesma pela Seguradora, desde a data do acidente – 16 de dezembro de 2015 –, as quais já somam um valor de 8.432,39€ (oito mil, quatrocentos e trinta e dois euros e trinta e nove cêntimos). A ré contesta por excepção, invocando a nulidade parcial do contrato de seguro, e consequente absolvição do pedido; e subsidiariamente, por impugnando os fundamentos fácticos da pretensão, pugna pela sua improcedência. Assim, argumenta: --- na proposta de seguro denominada «Seguro Plano de Protecção ao Crédito à Habitação – Proposta de Subscrição», subscrita e assinada pela Autora em 30 de Dezembro de 2009, declarou a mesma na alínea a) do campo «Condições de Subscrição»: “Mais declara ter recebido as INFORMAÇÕES PRÉ-CONTRATUAIS da Apólice de Seguro, parte integrante desta Proposta de Subscrição”. – cf. Doc. 1 da contestação; --- por seu turno, no campo «Quando cessam as garantias seguras» das INFORMAÇÕES PRÉ-CONTRATUAIS do PLANO DE PROTECÇÃO AO CRÉDITO À HABITAÇÃO entregues nessa data à Sra. D. AA, estabelece-se: “Relativamente à cobertura de INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA, esta cessa, relativamente a cada uma das Pessoas Seguras, aos 60 anos”. - Cfr. Doc. 5 junto à petição inicial. --- os artigos 18º a 23º da Lei do Contrato de Seguro prevêem obrigatoriedade de prestar ao segurado as informações aí elencadas, mas não obrigam a seguradora a recolher do segurado um exemplar das informações pré-contratuais assinadas por este; estabelece sim o artigo 21º que “A proposta de seguro deve conter uma menção comprovativa de que as informações que o segurador tem de prestar foram dadas conhecer ao tomador do seguro antes de este se vincular”, e esta menção constava da proposta de seguro que foi subscrita e assinada pela Autora; --- por lapso dos serviços técnicos da Ré, tal limitação da cobertura de invalidez à idade de 60 anos não foi transposta para as condições da Apólice nº ...43 que formalizou a supra referida proposta de seguro, mas a Autora tinha conhecimento da importância de tal limitação para a Ré uma vez que a mesma constava das INFORMAÇÕES PRÉ- CONTRATUAIS que lhe foram entregues antes do início da vigência da Apólice; ---estabelece o artigo 34º, nº 3 da Lei do Contrato de Seguro: entregue a apólice de seguro, não são oponíveis pelo segurador cláusulas que dela não constem, sem prejuízo do regime do erro negocial; quanto ao regime do erro negocial, estatui o artigo 247º do Código Civil que quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro- foi o que aconteceu no presente caso: por força de erro, a vontade declarada pela Ré não correspondeu à sua vontade real- sendo como tal a declaração nula e de nenhum efeito quanto à cobertura de INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA para além dos 60 anos: não se encontra a ré obrigada à sua prestação contratual de pagamento do capital seguro quanto a esta cobertura; ---outrossim, estando em causa a aplicação das normas legais acima citadas (em especial o artigo 34º, nº 3 da LCS) em estrito cumprimento da sua ratio, não ocorre qualquer violação do princípio da boa-fé ou abuso de direito; --- obrigando o artigo 289º do Código Civil (em caso de declaração de anulação) à restituição do que tiver sido prestado, está a Ré na disponibilidade de restituir à Autora o valor correspondente à proporção da cobertura de INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA no valor total dos prémios pagos, sendo que a cobertura de “Morte” não foi afectada pelo erro; ---no mais, impugna o preenchimento fáctico dos requisitos contratuais da cobertura de Invalidez Absoluta e Definitiva; a necessidade de terceira pessoa – a ser contratada – para a auxiliar nas tarefas mais básicas do dia-a-dia; as particulares circunstancias familiares e pessoais- ausência de apoio familiar; a alegação de incapacidade impeditiva de auferir rendimentos, de exercer a profissão que tinha à data do acidente, a eclosão e circunstancias do acidente, a repercussão na sua vida pessoal e quotidiano, mormente quanto à sua autonomia, dependência de terceiros e insuficiência de rendimentos; ---sublinha que a incapacidade da autora apenas estaria coberta pela garantia do contrato de seguro caso a invalidez de que a mesma padece (i) o incapacitasse para o exercício de qualquer actividade lucrativa, e (ii) ademais acarretasse a necessidade do recurso sistemático à assistência de uma terceira pessoa para os actos normais de vida humana- pressupostos cumulativos de cobertura do contrato de seguro, decorrendo da sua verificação que a ré ficaria obrigada ao pagamento do capital seguro. Conclui a ré pedindo, na procedência da matéria de excepção- de nulidade parcial do contrato de seguro a consequente absolvição do pedido, e caso assim se não entenda, seja a acção julgada improcedente por não provada e a ré absolvida do pedido.
Pelo Juízo Central Cível de Coimbra - Juiz ... foi proferida a seguinte decisão: “Na total improcedência da causa: - declarando nula e excluída a cláusula do contrato de seguro que fixa a cessação da cobertura do seguro em situações de invalidez absoluta e definitiva aos 60 anos, por não comunicada; - ainda assim, por não verificada uma invalidez absoluta e definitiva, julgo improcedente por não provada a pretensão deduzida, dela absolvendo a ré. Custas pela autora, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário”.
AA, melhor identificada nos autos do processo supra identificado, notificada da sentença proferida em 06/02/2023 e com ela não se conformando, dela interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: I. A Apelante contratou um seguro de vida da A... – Companhia de Seguros, S.A., em 27/01/2010, com o capital seguro de 42.709,02€, o qual constitui seguro obrigatório face ao crédito à habitação contraído junto do Banco Montepio. II. Em 16/12/2015 a apelante foi vítima de um grave acidente de trabalho que a deixou absolutamente inválida para toda a vida, deixando de poder exercer qualquer atividade profissional e, por esse motivo, participou o sinistro à Seguradora Ré, que declinou a sua responsabilidade sob a justificativa de que a ora Apelante já tinha 60 anos à data do sinistro e que a cobertura do seguro contratado havia cessado aos 60 anos, nos termos do contrato. III. Nessa sequência, a ora Apelante apresentou a presente ação declarativa de responsabilidade civil pedindo, entre outros, que a cláusula que fixa a cessação da cobertura do seguro em situações de invalidez absoluta e definitiva aos 60 anos fosse excluída do contrato e/ou declarada nula, mantendo todo o restante válido. IV. Por sentença de 06/02/2023, quase um ano após a audiência final de julgamento, foi julgada totalmente improcedente a ação ao mesmo tempo que se declarou nula e excluída a cláusula do contrato de seguro que fixa a cessação da cobertura do seguro em situações de invalidez absoluta e definitiva aos 60 anos, por não comunicada. V. Ora, a Apelante não pode conformar-se com uma sentença que, julgando, na verdade, procedente o primeiro dos seus pedidos formulados na ação, acaba concluindo pela “total improcedência da causa”, pois com base na matéria de facto provada e não provada, a decisão devia, no limite, ser a de procedência parcial. VI. Além disso, não pode a apelante concordar com a não verificação da invalidez absoluta e definitiva pelo Tribunal a quo e sob a justificativa de que “a autora não provou factos que consubstanciem o preenchimento em particular do pressuposto de cobertura do seguro incapacidade para qualquer actividade lucrativa.” VII. As testemunhas BB e CC, as duas pessoas que a auxiliam nos atos mais básicos do dia-a-dia, produziram em sede de julgamento prova válida e segura da invalidez absoluta e definitiva da apelante, demonstrando quais os atos em concreto para os quais a apelante necessita de ajuda, a saber: para tomar banho e fazer a higiene, para cozinhar, limpar a casa, para se deslocar às compras e ao médico, para estender a roupa VIII. Pelo que não se compreende de que maneira é suposto uma pessoa (sobre)viver nestas condições, com uma pensão da CGA que nem chega a 100€/mês e ainda manter a obrigação de pagamento de um crédito à habitação associado ao qual contratou um seguro. IX. Mais não se compreende que tipo de trabalho poderia a apelante exercer se cada vez que precisa de ir comprar medicação tem de solicitar a ajuda de uma daquelas pessoas ou ir de táxi, porque não consegue andar de transportes públicos, visto o facto de não se conseguir manter em pé por muito tempo e de se deslocar de canadiana. Como era suposto deslocar-se para o trabalho? X. A apelante provou a sua alegação de que se encontra totalmente incapaz para o exercício de qualquer atividade lucrativa, a Mm.ª Juiz a quo é que preferiu, em face da prova produzida em julgamento, concluir que os depoimentos não oferecem credibilidade quanto à efetiva incapacidade, entendimento com o qual não pode a apelante conformar-se, por esse consubstanciar evidente erro de julgamento, em concreto, gerado pelo erro na apreciação da prova testemunhal e na fixação dos factos materiais da causa. XI. Com base na prova testemunhal e nas declarações da própria, a Apelante entende que os factos não provados n.os 3 e 4 deveriam constar do catálogo de factos provados, sendo que ao figurarem naquele catálogo tal significa que a prova produzida em sede de julgamento foi totalmente ignorada! XII. Sendo, além do mais, insuficiente a fundamentação plasmada na r. Sentença a respeito da não verificação da invalidez absoluta e definitiva. XIII. Por fim, existe uma evidente contradição entre os factos provados e a decisão de total improcedência já assinalada, com a agravante de se vislumbrar ainda um erro na subsunção dos factos e do direito, visto que é inegável a existência da responsabilidade civil pré-contratual, considerando a falta de cumprimentos dos deveres de informação e comunicação para com a ora Apelante, sendo que a r. Sentença não dá – corretamente - como provado que as informações pré-contratuais do PLANO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO À HABITAÇÃO foram explicitadas, depois conclui pela nulidade da cláusula limitativa da idade e decide excluí-la do contrato de seguro em questão, mas tudo isso sem que fixe uma consequência legal para a Ré Seguradora sem ser a declaração de nulidade da cláusula e a sua exclusão da mesma do contrato. XIV. Desta forma, a apelante entende que, violado o art.º 227º do Código Civil e os deveres de informação e boa fé contratual, nasceu na esfera jurídica da Ré Seguradora uma obrigação de indemnizar nos termos da responsabilidade civil pré-contratual, pelo dano da confiança, da culpa in contrahendo, não podendo conformar-se com uma sentença que não lhe atribui os direitos decorrentes dessa responsabilidade, ao mesmo tempo que reconhece a violação da boa fé e dos deveres de informação inerentes aos contratos de seguro. XV. Além de que, não compreende sequer por que entende o Tribunal a quo que à Apelante foi explicado o sentido e alcance da “invalidez absoluta e definitiva” e não o foi em relação à idade limite de 60 anos, pelo que a apelante não se conforma com a improcedência dos pedidos indemnizatórios. Nestes termos, e nos demais de Direito, requer a V. Exas., seja o presente recurso julgado totalmente procedente e, em consequência, julgada totalmente procedente a ação, mediante a convolação dos dois últimos factos não provados na r. Sentença para o catálogo dos factos provados. Caso assim não se entenda, requer a V. Exas. seja proferida decisão que julgue parcialmente procedente a ação, em face da procedência na r. Sentença do primeiro pedido formulado pela A., e fixe a equitativa indemnização pela violação dos deveres impostos no art.º 227º do Código Civil, pois só assim se fará a Costumada Justiça!
A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., Ré nos autos supra identificados, notificada das Alegações de Recurso juntas pela Autora AA, vem, nos termos do n.º 5 do artigo 638.º do Código de Processo Civil, apresentar a sua RESPOSTA: (…).
2. Do objecto do recurso São as seguintes a questões a resolver: 1.Impugnação da matéria de facto; A 1.ª instância fixou, assim, a sua matéria de facto: IV- Fundamentação fáctico-jurídica: São factos provados: Factos assentes: A) A autora outorgou com a ré seguro de vida, a 27 de Janeiro de 2010, contrato de seguro de vida a 27 de Janeiro de 2010, denominado de Plano de Protecção ao Crédito à Habitação – Seguro de Vida Individual, no qual figura como tomadora e pessoa segurada e, por sua vez, a ré como seguradora, apresentando sob a Apólice nº ...43, B) sendo actualmente (à data da propositura) o capital seguro no valor de 42.709,02€ (quarenta e dois mil, setecentos e nove euros e dois cêntimos), contratado na sequencia da compra de imóvel. C) Tal seguro visa garantir o pagamento do crédito à habitação, em caso de falecimento – cobertura principal – e invalidez absoluta e definitiva ou invalidez total e permanente – cobertura complementar. D) Quanto à cobertura complementar do contrato de seguro, de acordo com as condições especiais que constam da apólice, na invalidez total e permanente “14. A pessoa segura encontra-se num estado desta última natureza quando, “em consequência de doença ou acidente, se encontrar definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa” (seria só para trabalhadores do Montepio); por sua vez, “a Pessoa Segura será considerada no estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando se encontrar totalmente incapaz para o exercício de qualquer actividade lucrativa e necessite de recurso à assistência sistemática e definitiva de uma terceira pessoa para os actos ordinários da vida humana”. E) Na proposta de seguro denominada «Seguro Plano de Protecção ao Crédito à Habitação – Proposta de Subscrição», subscrita e assinada pela autora em 30 de Dezembro de 2009, consta na alínea a) do campo «Condições de Subscrição» que: “Mais declara ter recebido as INFORMAÇÕES PRÉ-CONTRATUAIS da Apólice de Seguro, parte integrante desta Proposta de Subscrição”. - Cfr. Doc. 1 junto à contestação. F) No campo «Quando cessam as garantias seguras» do doc. 5 (2ª pagina e ss) designadas de INFORMAÇÕES PRÉ-CONTRATUAIS do PLANO DE PROTECÇÃO AO CRÉDITO À HABITAÇÃO pode ler-se: “Relativamente à cobertura de INVALIDADE ABSOLUTA E DEFINITIVA, esta cessa, relativamente a cada uma das Pessoas Seguras, aos 60 anos”. - cfr. Doc. 5 junto à petição inicial. G) A Autora, como tomadora do seguro, fez a participação à ré do sinistro, a 10 de Abril de 2018, a fim de ser indemnizada, ré esta que declinou a sua responsabilidade, enviando no dia 14 de Maio de 2018, uma comunicação afirmando que à data do acidente a autora tinha especificamente 60 anos e “conforme informações pré-contratuais da apólice, a garantia de invalidez cessa aos 60 anos de idade da pessoa segura”. H) À data da outorga do contrato, a autora tinha 54 anos, porquanto nascera a 2-10-1955. I) Por parecer da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações realizada em 27-11- 2018, foi a autora considerada absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções vertendo-se na acta da junta medica as seguintes lesões: uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções e uma incapacidade permanente parcial de 48%, (mas daí não resultando, como expressamente referido- uma incapacidade permanente e absoluta para todo o trabalho). Factos provados da matéria controvertida: J) Foi por lapso dos serviços técnicos da ré, que a limitação da cobertura de invalidez à idade de 60 anos não foi transposta para as condições da Apólice nº ...43 que formalizou a supra referida proposta de seguro. K) A autora sofreu acidente de trabalho a 16 de Dezembro de 2015 quando trabalhava como assistente operacional da Escola Básica e Secundária ... – ..., sendo vítima de um atropelamento por um veículo ligeiro de mercadorias que, ao fazer marcha atrás, veio embater na parte posterior do seu corpo, levando à sua queda no solo e sofrendo traumatismos no membro superior direito e no membro inferior esquerdo, entre outras lesões. L) De seguida, foi assistida no local por uma equipa de emergência médica, que a transportou ao Serviço de Emergência do Centro Hospitalar e Universitário de .... M) Já sob cuidados médicos, foi detectada fratura exposta dos ossos da perna esquerda e fratura do úmero direito, motivo pelo qual foram necessárias duas intervenções cirúrgicas e o internamento da autora; posteriormente, foi transferida para o Centro de Reabilitação ..., onde esteve internada até 14 de Março de 2016. Nesta data e, deslocando-se ainda com recurso a uma cadeira de rodas, foi reencaminhada para a Casa de Repouso ..., a fim de dar continuidade ao seu tratamento pós-cirúrgico. N) Em meados de Abril de 2016, teve alta da consulta de Ortopedia, do Centro Hospitalar .... O) Em Maio de 2016 pôde deixar de utilizar andarilho e passar a andar com o auxílio de uma canadiana do lado esquerdo, dado que não podia apoiar- se com o membro superior direito. P) Como se depreende do relatório pericial de 1 de Abril de 2020, elaborado nos autos: “CONCLUSÕES A examinada apresenta sequelas de fractura do úmero direito e da tíbio-társica esquerda, as quais se traduzem do ponto de vista clínico por limitação acentuada das mobilidades articulares do ombro direito e imobilidade do tornozelo esquerdo... Tais sequelas embora sejam impeditivas da atividade profissional que desempenhava à data do acidente (Assitente Operacional) não determinam uma incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer atividade profissional... Tendo em conta o exame objetivo é de aceitar que a examinada necessite de auxílio de terceira pessoa na realização das lides domésticas e para vestir a roupa da metade superior do corpo, sendo autónoma nas restantes atividades da vida diária (deslocações/transferências, alimentação e higiene).” E conforme resposta-esclarecimentos de 31-7-2020 (após convite a enquadrar as sequelas apontadas de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo DL 352/2007, com efectiva quantificação de coeficientes - designadamente do coeficiente global de incapacidade e bem assim enunciar as concretas limitações funcionais (gestos, movimentos, tarefas concretas, profissões…) que a mesma não conseguirá/conseguirá realizar. Q) O acidente de trabalho sofrido pela autora trouxe obstáculos mesmo fora do âmbito das funções exercidas na escola, apresentando a mesma dificuldades para o resto da vida na realização de tarefas da vida diária, como a sua higiene pessoal, vestir-se, fazer a lida da casa, mas também subir e descer escadas, usar transportes públicos dada a imobilidade do tornozelo esquerdo e a rigidez do ombro direito; a rigidez do ombro direito impede-a de colocar a mão atras das costas e assim de se vestir normalmente na parte superior sem ajuda de terceiro- pelo que para poder apertar o soutien, sozinha, depreende-se, terá de o fazer à frente e depois rodar e para vestir as peças da metade superior terá de introduzir primeiro a manga do lado direito e para as remover tem de flectir o tronco e recorrer a mão contralateral para puxar atras da nuca; ademais é difícil pentear-se com aquela mão direita e lavar o cabelo, necessitando ajuda de terceiro para o fazer normalmente; mas aida assim é autónoma nas restantes actividades da vida diária, nomeadamente nas deslocações, transferências, alimentação e higiene. R) Apresenta ausência de apoio familiar, visto que além de a mesma ser divorciada, a sua filha não reside na referida habitação, nem mesmo em ..., sendo a única a custear as próprias despesas. S) Em consequência do acidente, encontra-se impossibilitada de exercer, permanentemente, a profissão de assistente operacional - que exercia há data do contrato de seguro e com base na qual o mesmo foi celebrado. T) Na sequência da comunicação da seguradora referida em G), considerando que o documento onde constavam as informações pré-contratuais não foi assinado, nem rubricado pela autora, foi solicitada, a 14 de Junho de 2018, a comprovação da tomada de conhecimento por parte da Autora – com aposição de assinatura – das referidas informações pré-contratuais. U) O valor das parcelas mensais de premio de seguro cobradas pela Seguradora, desde a data do acidente – 16 de Dezembro de 2015 somava valor de 8.432,39€ (oito mil, quatrocentos e trinta e dois euros à data da propositura. V) Se a Autora tivesse tido um efetivo conhecimento da cláusula pré-contratual em questão não outorgaria um seguro de vida cuja cobertura em situações de invalidez absoluta e definitiva – garantia complementar – cessaria aos 60 anos, já que quando assinou tal contrato tinha 55 anos, tanto mais que é a partir dos 60 anos de idade que os episódios de acidentes e doenças ocorrem com uma maior frequência. W) As informações pré-contratuais do PLANO DE PROTECÇÃO AO CRÉDITO À HABITAÇÃO são habitualmente entregues aquando da subscrição da proposta. Y) Após solicitação realizada pela Mandatária da Autora, a ré não procedeu ao envio das informações pré-contratuais assinadas ou rubricadas por parte daquela, a fim de demonstrar a sua tomada de conhecimento e aceitação das mesmas. Factos não provados: 1 -As informações pré-contratuais do PLANO DE PROTECÇÃO AO CRÉDITO À HABITAÇÃO entregues à ré aquando da subscrição da proposta foram explicitadas, tendo a mesma conhecimento da essencialidade de tal limitação (cessação aos 60 anos) para a ré. 2 - A ré seguradora (…) procedeu à devida comunicação da cláusula pré-contratual que estipulava que a cobertura do contrato de seguro cessava aos 60 anos de idade em situações de invalidez absoluta e definitiva. 3 - A autora mostrava-se incapaz em resultado do acidente de exercer qualquer outra actividade lucrativa. 4- A autora necessita de recurso à assistência sistemática e definitiva de uma terceira pessoa para os atos ordinários da vida humana: irá precisar para o resto da sua vida de uma terceira pessoa – a ser contratada – para a auxiliar nas tarefas mais básicas do dia-a-dia, como por exemplo, na sua higiene pessoal.
(…). Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto. Avançando.
2. Ao declarar-se nula e excluída a cláusula que fazia cessar a cobertura assim que a pessoa segura atingisse os 60 anos de idade, teria forçosamente de se condenar a Ré ao pagamento de uma indemnização à Autora, por violação dos deveres impostos pelo artigo 227.º do Código Civil? Alega a Autora/Apelante: “XIII. Por fim, existe uma evidente contradição entre os factos provados e a decisão de total improcedência já assinalada, com a agravante de se vislumbrar ainda um erro na subsunção dos factos e do direito, visto que é inegável a existência da responsabilidade civil pré-contratual, considerando a falta de cumprimentos dos deveres de informação e comunicação para com a ora Apelante, sendo que a r. Sentença não dá – corretamente - como provado que as informações pré-contratuais do PLANO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO À HABITAÇÃO foram explicitadas, depois conclui pela nulidade da cláusula limitativa da idade e decide excluí-la do contrato de seguro em questão, mas tudo isso sem que fixe uma consequência legal para a Ré Seguradora sem ser a declaração de nulidade da cláusula e a sua exclusão da mesma do contrato. XIV. Desta forma, a apelante entende que, violado o art.º 227º do Código Civil e os deveres de informação e boa fé contratual, nasceu na esfera jurídica da Ré Seguradora uma obrigação de indemnizar nos termos da responsabilidade civil pré-contratual, pelo dano da confiança, da culpa in contrahendo, não podendo conformar-se com uma sentença que não lhe atribui os direitos decorrentes dessa responsabilidade, ao mesmo tempo que reconhece a violação da boa fé e dos deveres de informação inerentes aos contratos de seguro”. Vejamos. Como é sabido, o fundamento normativo deste tipo de responsabilidade reside na culpa na formação dos contratos, que se reconduz à figura da culpa in contrahendo, prevista no art.º 227.º do Código Civil, o qual preceitua, no seu n.º 1, que “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. Este artigo refere-se à observância das regras da boa fé, tanto nos “preliminares” - fase negociatória - como na “formação” - fase decisória - do contrato, entendendo-se, portanto, que abrange todo o processo negocial, desde as negociações até à formação do contrato. Como é referido pela Conselheira Maria da Graça Trigo, na anotação ao citado art.º 227.º, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 512 e no Acórdão, por si relatado, do STJ, de 7.11.2019, processo n.º 153/13.8TCGMR.P1.S1 – pesquisável em www.dgsi.pt: “A atenção prestada à fase anterior à celebração do contrato permitiu identificar deveres acessórios de conduta a respeitar, bem como tipos de situações a incluir na responsabilidade pré-contratual. Entre as múltiplas enumerações de deveres propostos pela doutrina e pela jurisprudência, estrangeiras e nacionais, saliente-se aquela que distingue entre deveres de segurança, deveres de lealdade e deveres de informação. Quanto às tipologias de responsabilidade, identificam-se essencialmente três: a responsabilidade pela conclusão de um contrato inválido ou ineficaz que, por esse motivo, causa danos a uma das partes; a responsabilidade pela celebração de um contrato válido e eficaz de um modo tal que cause prejuízos a uma das partes; e ainda a modalidade, entre nós algo tardiamente reconhecida, da responsabilidade por rutura das negociações (…)”. E acrescenta: … “Mais importante é o facto de a responsabilidade pré-contratual consistir indubitavelmente numa forma de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, exigindo-se que se verifiquem os pressupostos tradicionais desta forma de responsabilidade civil, i.e., facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano. Justifica particular atenção o pressuposto da ilicitude que corresponde ao desrespeito pelas regras da “boa fé”, expressão aqui utilizada em sentido objetivo, como norma de conduta. A doutrina e a jurisprudência têm, em grande medida, colocado a tutela da confiança como eixo da aferição do eventual desrespeito pelas exigências da boa fé, o que implicará que ocorram os seguintes requisitos: um facto indutor de confiança por parte de um dos contraentes, a efetiva criação de confiança no outro contraente, o investimento de confiança por parte de quem confia e, por fim, a imputação da frustração da confiança a quem a induziu. Assinale-se que alguma doutrina, estrangeira e nacional, defende a autonomização da responsabilidade pela confiança em relação ao princípio da boa fé, pelo que, na responsabilidade pré-contratual, não estará em causa a tutela da confiança propriamente dita” (Carneiro da Frada, Tutela da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 480-543). Ao contrário do alegado pela Apelada - Esta questão não foi colocada no Tribunal recorrido, não tendo, consequentemente, sido apreciada nem decidida. E também não foi colocada à 1.ª instância, não tendo sequer sido formulado o correspondente pedido pela autora, que também não alegou os correspondentes factos. Limitou-se a alegar, no art.º 17.º da petição inicial que “os réus beneficiaram dos trabalhos realizados pela autora na referida quinta, o que tudo aproveitaram”. Mas não invocou o enriquecimento sem causa, como fonte da obrigação que só agora vem pedir, em sede de revista.Trata-se, portanto, de uma questão nova. Como tal, e porque não se trata de uma questão de conhecimento oficioso, não pode, aqui e agora, ser decidida, visto que o recurso visa a reapreciação das questões já decididas, não se destinando a conhecer de questões novas, como tem vindo a ser unanimemente entendido por este Tribunal”, não estamos perante questão nova. Na sua petição a autora escreve: “95. Ora, da análise dos elementos que integram os deveres pré-contratuais – deveres de proteção, de informação e de lealdade –, in casu e, por maioria de razão, verifica-se a existência de uma violação ao dever de informação, o que levou a Autora a não conceber a circunstância de não cobertura por invalidez absoluta e definitiva após os 60 anos de idade e, consequentemente, à celebração do contrato (…) 98. Posto isto, encontram-se preenchidos os requisitos da responsabilidade civil pré-contratual, constituindo, desta feita, fundamento da presente ação o Artigo 227º do Código Civil, recaindo sobre a Ré-Seguradora o dever de indemnizar”. No entanto, consideramos não se estar perante a chamada responsabilidade pré-contratual, recaindo sobre a Ré/Apelada o dever de indemnizar. Neste particular, teremos de concordar com esta, quando escreve nas suas contra-alegações: “Não são necessárias sofisticadas demonstrações para perceber que esse “pedido consequencial” não tem qualquer razão de ser. O prémio é devido pela existência de um risco, uma alea, que o contrato de seguro visa cobrir. No presente caso, sendo declarada nula e excluída a cláusula em questão, a cobertura de invalidez absoluta e definitiva mantém-se, evidentemente e para o bem da Recorrente, em vigor”. Como escreve a 1.ª instância: “A nulidade da cláusula não implica a nulidade de todo o contrato, mantendo-se este último vigente, nos termos dos Artigos 13º e 14º, do diploma em referência. Outrossim, não se achando na apólice de seguro qualquer referência à limitação da cobertura em situações de invalidez absoluta e definitiva após os 60 anos de idade, a conduta da Ré produziu na Autora a confiança de que a cobertura do seguro não cessaria em virtude do alcance, por parte desta, de uma determinada idade, correspondendo a uma confiança tal que a levou a celebrar o contrato. E somente, após o acidente ter sido comunicado à Ré é que, esta última, veio invocar a existência de tal cláusula, ou seja, que a cobertura do seguro, em casos dessa natureza, cessaria naquela idade”. E esta é a única consequência jurídica, para o pedido formulado pela Autora. A declaração da nulidade e exclusão da cláusula do contrato de seguro que fixa a cessação da cobertura do seguro em situações de invalidez absoluta e definitiva aos 60 anos, por não comunicada. O que nos leva ao conhecimento da terceira questão: 3.Saber, no mais, se ocorrem os pressupostos de cobertura do acidente, devendo a ré ser condenada a ressarcir a autora dos prémios ( do seguro) por esta pagos desde a data do acidente (16 de Dezembro de 2015) no valor total de 8.432,39€ (oito mil e quatrocentos e trinta e dois euros e trinta e nove cêntimos) até à data da propositura e se deve a ré ser condenada ao pagamento do crédito à habitação, no valor remanescente, de 42.709,02 € (quarenta e dois mil e setecentos e nove euros e dois cêntimos) à data da propositura, valor este que deverá ser actualizado à data do término do processo. Consta nos autos que: “D) Quanto à cobertura complementar do contrato de seguro, de acordo com as condições especiais que constam da apólice, na invalidez total e permanente “14. A pessoa segura encontra-se num estado desta última natureza quando, “em consequência de doença ou acidente, se encontrar definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa” (seria só para trabalhadores do Montepio); por sua vez, “a Pessoa Segura será considerada no estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando se encontrar totalmente incapaz para o exercício de qualquer actividade lucrativa e necessite de recurso à assistência sistemática e definitiva de uma terceira pessoa para os actos ordinários da vida humana”. Ora, nos termos do artigo 406.º n.º 1 do Código Civil, o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei. A finalidade de um seguro de vida e incapacidade absoluta, celebrado a favor de um Banco tendo como garantia o pagamento do capital mutuado, é a de prevenir a situação do segurado ficar sem a possibilidade de auferir rendimentos, por ter ficado afectado na sua capacidade de trabalho, não podendo exercer actividade geradora de proventos. A situação em que o segurado não pode continuar a desempenhar a atividade profissional anterior, mas pode desempenhar funções de natureza idêntica dentro da sua área de formação técnico profissional, desde que com menor intensidade e exigindo menor esforço físico, é conciliável com uma situação de incapacidade parcial - No entender do perito médico a Apelante poderá desempenhar, a título exemplificativo, tarefas administrativas de atendimento telefónico, ou seja, todas aquelas que não impliquem a permanência na posição ortotástica/marcha e necessitem de força e mobilidade completa do ombro. Importa referir que a examinada é ambidextra e se encontra autónoma para as actividades da vida diária com as limitações acima referidas”. No Acórdão do STJ de 27.02.2020, Rel. Ricardo Costa, Proc. nº 125/13.2TVPRT.P1.S2, pesquisável em www.dgsi.pt, considerou-se que: «I - O conceito relevante de invalidez permanente (ou absoluta e definitiva) enquanto integrante de cláusula de contrato de seguro do ramo Vida, associado a contratos de mútuo bancário em que o segurado é mutuário, assenta: (i) na sua base, numa deficiência física e/ou intelectual que, não obstante os cuidados, os tratamentos e os acompanhamentos, clínicos e reabilitadores, realizados depois do sinistro, subsiste a título definitivo em sede anatómica-funcional e/ou psicossensorial e (ii) concretiza-se, independentemente do seu nível ou grau ou percentagem de incapacidade (desde que não seja residual ou insignificante), em consequência (enquanto impacto decisivo) na alteração ou modificação do estado de vida, pessoal e profissional, anterior ao sinistro. II - Para esse juízo sobre o reflexo do sinistro, há que ter em conta, numa ponderação múltipla e não individualmente exclusiva, nomeadamente, a actividade anteriormente desenvolvida como fonte de rendimentos, a idade e o tempo restante de vida activa profissional, a perda de independência psico-motora, o tipo de doença ou restrição de saúde, as habilitações e capacidades literárias e profissionais da pessoa segura e a possibilidade de reconversão para actividade compatível com essas habilitações e capacidades com igual ou aproximada medida de rendimentos, sempre com enquadramento na situação remuneratória concreta (e projecção na capacidade de ganho) do segurado após a estabilização das sequelas do sinistro.» Sendo a situação de invalidez absoluta e definitiva o facto constitutivo do direito exercido, cabe ao segurado o ónus de demonstrar que a sua actual e subsistente capacidade de trabalho não lhe permite a angariação de remuneração. Por isso, à apelada/ segurada – porque facto constitutivo do direito – cabia o ónus de prova da factualidade que permitisse concluir estar impossibilitado de auferir rendimentos provenientes do exercício de qualquer profissão ou actividade remunerada. Assim sendo, concordamos com a 1.ª instância quando escreve: “Questão subsequente é aferir do preenchimento fáctico dos requisitos contratuais da cobertura de de Invalidez Absoluta e Definitiva: Celebrado contrato de seguro entre as partes, em que um dos riscos cobertos é a invalidez absoluta e definitiva por doença, ao Autor cabe a prova da sua verificação, por se tratar de facto constitutivo do direito indemnizatório de que se arroga (art. 342º, n.º 1 do CC), competindo à seguradora o ónus da alegação e da prova de factos conducentes à exclusão da sua responsabilidade (n.º 2 do art. 342º do CC). De acordo com as Condições Particulares da Apólice dos autos, juntas aos mesmos como doc. 2 da petição inicial, prevê-se - no que à economia dos presentes autos interessa, a Cobertura Complementar de INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA (a cobertura de Invalidez Total e Permanente seria só para trabalhadores do Montepio). Na verdade, no artigo 1º (Garantias) da Condição Especial da Apólice (Doc. 2 junto à petição inicial) estabelece-se: Este Seguro garante, conforme indicado nas Condições Particulares: (…) B – Cobertura Complementar de Invalidez Absoluta e Definitiva. O pagamento antecipado do Capital Seguro em caso de invalidez absoluta e definitiva da Pessoa Segura. E no artigo 2º, nº 1 da mesma Condição Especial: A Pessoa Segura será considerada no estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando se encontrar totalmente incapaz para o exercício de qualquer actividade lucrativa e necessite do recurso à assistência sistemática e definitiva de uma terceira pessoa para os actos ordinários da vida humana. Como se verifica dos textos contratuais acima transcritos, a incapacidade da autora estaria coberta pela garantia do contrato de seguro caso a invalidez de que a mesma padece (i) o incapacitasse para o exercício de qualquer actividade lucrativa, e (ii) ademais acarretasse a necessidade do recurso sistemático à assistência de uma terceira pessoa para os actos normais de vida humana- pressupostos cumulativos de cobertura do contrato de seguro, decorrendo da sua verificação que a ré ficaria obrigada ao pagamento do capital seguro. Abdicando da definição contratual, chegaríamos por via interpretativa, do conteúdo e sentido da expressão “invalidez absoluta e definitiva” a um idêntico resultado. Tratando-se de cláusula predisposta pelo proponente – a seguradora – e à qual aderiu a autora, na sua qualidade de segurada, importa sublinhar que, por força do art.10º do DL nº 446/85, valem na interpretação das cláusulas com esta natureza as regras relativas à interpretação do negócio jurídico, mas sempre dentro do contexto do contrato singular em que se inserem. Releva, pois, a regra do nº 1 do art. 236º do Código Civil:o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real – o aderente – possa deduzir do comportamento do declarante – o proponente –, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Ora, a previsão de invalidez absoluta e definitiva, tal como foi convencionada, é suscetível de ser entendida por um declaratário normal, que estivesse na situação do real declaratário, aqui autor, como uma situação em que a pessoa afetada se encontra num estado que a deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua atividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência. A situação em que o segurado não pode continuar a desempenhar a atividade profissional anterior, mas pode desempenhar funções de natureza idêntica dentro da sua área de formação técnico profissional, desde que com menor intensidade e exigindo menor esforço físico, é conciliável com uma situação de incapacidade parcial. Neste sentido, acórdão do STJ de 29.03.2011, apud IGFEJ e, mais recentemente, o acórdão de 19.06.2018, lendo-se no sumário deste último, além do mais, o seguinte: “I - Uma incapacidade absoluta e definitiva – enquanto risco coberto por contrato de seguro de vida, individual, celebrado entre a autora, como tomador e pessoa segura, e a ré, como seguradora, em que ficou designado beneficiário irrevogável, o banco, com quem aquela e o marido haviam celebrado contrato de mútuo para aquisição de imóvel – refere-se, segundo um declaratário normal, a uma incapacidade para todo e qualquer trabalho e para o resto da vida, ao que não se equipara uma IPP de 80%.(…)” Na mesma linha, também no acórdão do STJ de 22.01.2009– citado no anterior –, a propósito da “invalidez absoluta definitiva”, enquanto risco coberto por contrato de seguro, se afirma “(…) à luz dum declaratário médio e medianamente sagaz – art. 236º do CC – não pode deixar de ser entendido como incapacidade absoluta e permanente para qualquer actividade e não apenas para o trabalho habitual da A., pois, doutro modo, ter-se-ia explicitado tal restrição.” Ou, ainda, como se escreveu no acórdão mesmo tribunal, proferido em 7.10.2010, uma situação que não permite a quem dela se mostra afetado, a angariação, pelo trabalho, de meios de subsistência, por apresentar “(…) estado em que ficou impossibilitado de exercer qualquer actividade remunerada, assim ficando em situação idêntica, no fundo, quanto a tal valia, à que da morte lhe resultaria.” A situação em que a autora se encontra acha-se descrita nos factos provados é de efectiva fragilidade e sequelas incompatíveis com o exercício da actividade habitual mas compatíveis com outras actividades dentro da sua área de formação- vg., um trabalho de telefonista ou qualquer actividade de cariz administrativo que não implique a permanência em posição ortostática /marcha e necessite de força e mobilidade completa do ombro, relevando que a mesma é ambidextra. Está, pois, adquirido que a autora não pode continuar a desempenhar a atividade profissional anterior; mas está ao seu alcance o desempenho de funções de natureza idêntica – dentro da sua área de formação técnico profissional, o que é conciliável com uma situação de incapacidade parcial. À autora cabia demonstrar uma subsistente capacidade de trabalho que não lhe permite a angariação de remuneração, já que a situação de invalidez absoluta e definitiva é facto constitutivo do direito que aqui pretende fazer valer – art. 342º, nº 1 do CCivil. Sendo assim, não o fazendo, não pode ter-se como verificada a situação de invalidez absoluta e definitiva que faria nascer o direito da autora a exigir da seguradora o pagamento da cobertura garantida pelo seguro: a autora não prova, desde logo, que se encontre totalmente incapaz para o exercício de qualquer actividade lucrativa- e apenas que tal ocorria em relação à sua actividade habitual. É assim forçoso concluir que a autora não provou factos que consubstanciem o preenchimento em particular do pressuposto de cobertura do seguro incapacidade para qualquer actividade lucrativa”. Razões pelas quais, neste enquadramento fáctico e jurídico, se terá agora que manter intacta, na ordem jurídica, a decisão proferida pelo Juízo Central Cível de Coimbra - Juiz ..., em consequência do que se tem, também, que julgar improcedente o presente recurso de apelação. As conclusões (sumário): (…).
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