Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MÁRIO RODRIGUES DA SILVA | ||
Descritores: | AUTORIDADE DO CASO JULGADO | ||
Data do Acordão: | 04/26/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA POR UNANIMIDADE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 576.º, N.º 3, DO CPC | ||
Sumário: | Verificada a autoridade do caso julgado de uma decisão de mérito que seja incompatível com o objecto a decidir posteriormente noutra acção, o seu alcance não pode deixar de se repercutir no próprio mérito desta, importando, nessa medida, a sua improcedência com a consequente absolvição do réu do pedido. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
RELATÓRIO AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que a ré seja condenada a: a) Reconhecer o autor como legitimo dono e possuidor do prédio misto suto à Estação ..., composto por casa de habitação com pátio. Adega, currais e terreno com oliveiras, figueiras, pereiras e vinha com área de 7761m2, a confrontar do Norte com serventia pública, do Sul com BB, do Nascente com caminho de ferro e do poente com CC, inscrito na matriz predial respetiva sob os artigos ... e ...-1, descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...91, e aí, inscrito a favor do autor; b) Reconhecer que a linha divisória entre o prédio da ré composto de parcela de terreno para construção descrito sob o nº ...70 da freguesia ... com o prédio misto do autor com a descrição nº ...91 da mesma freguesia ..., é constituída pelos segmentos de reta no alinhamento da parede das edificações de nascente do prédio do autor, não extravasando a área de 882m2, desobstruindo ou desimpedindo as vistas e os acessos ou aberturas existentes nas construções do A, em respeito pelas construções existentes no prédio do autor e seus antepossuidores, passada, presente ou futura, respeitando o afastamento mínimo legal de 1,50m às construções divisórias de muro e paredes do prédio do autor; c) Desocupar a edificação de “currais” existente no limite poente do prédio do autor e a demolir toda e qualquer obra edificada ilegal, não autorizada ou consentida pelo autor e seus antepossuidores e não licenciada pela câmara ou que viole as disposições legais do art.º 1360º nº 1 (afastamento mínimo legal das novas construções) e do art.º 1362º nº2 e 1365º nº 2 do Código Civil, atenta a servidão de vistas e de estilicídio constituída por usucapião das edificações existentes no prédio do autor, e as normas de proteção da salubridade, estética iluminação natural e de segurança da construção civil (art.º 73º, 74º, 15º, 16º e 121º do RGEU) e/ou que não respeita ou constitua a violação dos legítimos interesses e direito de propriedade do autor e seus antepossuidores ou que com eles contenda, lese ou prejudique, anule, diminua ou afete as funções e utilização anteriormente efetuada pelo autor e seus antepossuidores, atenta a aquisição originária e por usucapião e da constituição de servidão de vistas e de estilicídio; d) Pagar, a titulo de danos patrimoniais causados e decorrente da ocupação ilegítima e abusiva da construção de currais a poente pertencente ao autor, a quantia global de €30.000,00, e da ilegalidade e violação das legis artis nas construções da ré., que atentam contra o direito de propriedade do autor, prejudicam e violam a estética, segurança e salubridade das edificações existentes de muros de alvenaria e da edificação do anexo, que são ressarcíeis, a quantia global 6.000,00, a que acrescem os juros que se vencerem até integral pagamento; e e) As custas devida a juízo e em custas de parte, tudo com as legais consequências. Alegou para tanto e em síntese que adquiriu um prédio a DD e que a ré, em 19-01-2018, sendo proprietário, em virtude de uma doação realizada por DD, em 30-01-2004, de um prédio confinante (parcela de terreno destacada), se encontra a ocupar uma edificação pertencente ao seu prédio, tendo construído umas placas de betão que tapam a abertura de edificação de “curral/aviário” propriedade do A. Mais referiu que essas edificações impedem o escoamento natural, e permitem a entrada das águas pluviais, gelo, humidades e outros detritos da própria construção, folhas, ramos, que tapam a visibilidade à edificação (anexo) do A., reduzindo a iluminação natural e as vistas. A ré encontra-se assim a ocupar o anexo do curral que pertence ao autor, em virtude de não ter sido objeto da referida doação. A ré apresentou contestação/reconvenção. Na contestação, a ré defendeu-se por exceção (dilatória do caso julgado) e por impugnação. Quanto à matéria de exceção, veio a ré dizer que a questão da dependência/curral integrar ou não a parcela doada já foi discutida e decidida na Ação de Processo Sumário n.º 751/08...., que correu termos no ... Juízo do extinto Tribunal Judicial ..., movida pela DD (doadora) à aqui ré, tendo sido julgados improcedentes por sentença proferida em 07.01.2010, confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 21.12.2010, já transitado em julgado. Em sede de contraditório quanto à matéria da exceção, pugna o autor pela improcedência de tal exceção, afirmando que inexiste identidade das partes, nem que resulte da referida sentença que a construção de armazém ou de curral pertence à ré. Quanto ao petitório e notificado para tal, o autor veio aos autos esclarecer que com os pedidos a) e b) apenas pretende o reconhecimento do direito de propriedade do seu imóvel, nele incluindo a parcela/edificação ocupada pela ré, esclarecimento este que foi aceite pela ré. Foi proferido despacho saneador/sentença que julgou procedente a exceção dilatória de caso julgado, absolvendo-se a ré da instância. Inconformado com o decidido, o autor interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “Primeiro. Mediante douta sentença, datada de 14 de outubro de 2021, foi julgada procedente a exceção dilatória de caso julgado e consequentemente foi a ré absolvida da instância. Segundo. Ora salvo o devido respeito o Tribunal a quo errou e não se mostram respeitados os mais elementares direitos processuais do recorrente, porquanto face ao andamento dos autos, sempre confiou na realização quer de audiência prévia quer ainda de audiência de discussão e julgamento. Terceiro. Importa começar por chamar a atenção que a ação intentada não era de mera restituição conforme se comprova pelos pedidos múltiplos que se não reduzem à mera reivindicação. Ademais, conforme é reconhecido pela Meritíssima Juíza a quo na sentença recorrida quando expressamente reconhece que havia pedidos que não se reduzem ao efeito do caso julgado e abre a porta à propositura de uma nova ação, o que configura a violação dos princípios da imediação bem como da economia processual. Quarto. O que provoca inequivocamente, que os demais pedidos não umbilicalmente afetados pelo caso julgado poderiam muito bem ser apreciados nos presentes autos com o prosseguimento parcial dos mesmos?! Quinto. A fls. 13 o douto tribunal a quo considerou que “Resulta assim que a causa de pedir não é, pelo menos na globalidade, coincidente com a exposta na ação, o que poderia obstar a que se considerasse a exceção em apreço”. Sexto. Ora, face a esta douta apreciação, não havendo tal coincidência integral, não podia sem mais valer unicamente tal exceção e os autos cessarem, configurando uma clara contradição insanável entre a fundamentação e a decisão!; Sétimo. Destarte, não se vislumbra assim assertividade quanto ao vertido a fls. 13, último parágrafo, quando o douto Tribunal a quo refere que “…impõe-se que se aceite a decisão passada em julgamento no âmbito do proc. 751/08....”. Oitavo. Porquanto, bem basta uma análise breve do teor de tal decisão, para aferir que trata-se de uma decisão negativa, que absolveu a ré dos pedidos, pese embora, não tomou nenhuma decisão de reconhecimento ou de constituição de direitos! Nove. Em boa verdade, não foi julgado que a recorrida tinha razão e que os aviários lhe pertenciam, apenas que a autora (que não o recorrente) não foi capaz de fazer prova cabal do que alegou nem de cumprir o ónus que lhe competia (ponto de facto 3 provado), e ainda que em bom rigor não se podem ter como sinónimos “aviários” e “currais”. Décimo. Ressaltando claramente que o douto Tribunal a quo errou ao ter por sinónimos tais realidades não totalmente coincidentes e que apenas com a produção de prova (se necessário com uma ida ao local), poderiam ser constatadas e aferidas. Décimo primeiro. Na presente ação não está causa quaisquer aviários, mas sim currais, como aparece expressamente referido nos pedidos b) e c); Décimo segundo. Todavia, a haver a dita coincidência, então a douta sentença padece de contradição insanável, pois que assenta numa decisão anterior que fundou tal juízo de improcedência no facto de a descrição posterior à desanexação deixar de conter a palavra “aviários” (ponto provado 4.A). Mas continua a conter a palavra “currais”, pelo que tal elemento terá sido eliminado por ser redundante! Décimo terceiro. Na verdade, o certo é que tais aviários não passaram a constar da descrição do prédio da recorrida! Décimo quarto. Pelo que o objeto processual não é liquido que seja o mesmo não havendo litispendência nem verdadeiro caso julgado, pois que se discute coisa diversa! Décimo quinto. Não havendo assim certeza de identidade de objeto pelo que a subsunção jurídica a tal exceção mostra-se errónea! E, como decorre do facto dado por provado 5), do prédio vendido ao recorrente constam os “currais”, assim mesmo no plural! Bens esses que o recorrente reclama, pois comprou uma propriedade que é composta por três currais dos quais a ré se apropriou ilicitamente! Décimo sexto. Não há assim verdadeira nenhuma “repetição de uma causa em dois processos”, nem se pode falar que se pretende obter o mesmo efeito jurídico pois que não há identidade de causas de pedir nem de pedidos! Décimo sétimo. A sentença proferida pela Meritíssima Juíza a quo, pretende obrigar o autor a intentar uma nova ação, o que será deveras lesivo e não conforme a um Direito que se queira justo. Décimo oitavo. Aliás, o alegado caso julgado é no limite sempre duvidoso pois que verdadeiramente não atribuiu à ré. E mesmo que atribuísse, não pode a coberto de tal caso julgado não ser julgada a forma de fruição, seu abuso e o prejuízo causado ao recorrente, tal como alegado na causa de pedir e maxime no pedido d). Décimo nono. Julga-se que se trata de um caso paradigmático de absoluta necessidade de prova, sendo incompreensível para o recorrente que a decisão tenha sido proferida com a sua dispensa e sem um mínimo de procura da verdade material, com dimensão ajuizativa e a violação do principio do inquisitivo. Vigésimo. Outrossim, num litigio judicial a prova não pode circunscrever-se à que seja feita por documentos e/ou pela confissão escrita nos articulados das partes, uma vez que foram arroladas testemunhas com razão de ciência e para ser apurada a verdade terão de ser ouvidas, tal qual requerido… Vigésimo primeiro. Importando concluir, que a não realização de tais diligências de prova inquina toda a descoberta da verdade material, ficando esta precludida; Vigésimo segundo. O Tribunal a quo não exerceu os deveres que sobre si recaem de forma justa e adequada, abstendo-se, aos olhos do recorrente, do cumprimento pleno e cabal da legalidade bem atuando com demissão do exercício pleno dos deveres em que se mostra investido na qualidade de órgão de soberania. Vigésimo terceiro. E tal circunstancialismo da construção e fruição abusiva é deveres essencial para a boa decisão da causa, só podendo ser apreendido pelo Tribunal, para prolação de decisão justa, se de facto ouvir os envolvidos, tal qual requerido pelo recorrente! Vigésimo quarto. Temos assim que não estavam nem estão reunidos os pressupostos e requisitos para a prolação decisória sem produção de prova, devendo a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por despacho saneador e agendamento da audiência de discussão e julgamento. Vigésimo quinto. E mesmo que estivessem sempre se teria de reduzir apenas a pedido que contendesse com a propriedade (apenas aquele que poderia ter a relação umbilical com a anterior ação!), nunca com os demais pedidos que nunca foram devidamente apreciados ou decididos!; Vigésimo sexto. Mostra-se, assim, inconstitucional, por preclusão do principio do acesso à tutela jurisdicional efetiva, plasmado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa a interpretação e dimensão normativa do artigo 591º, nº 2 a) ex vi do artigo 732º, nº 2 do Código de Processo Civil segundo o qual “(E)m sede de petição inicial a coenvolver não só reivindicação como fruição abusiva e danos, com pedido para terminus da mesma e indemnização, é licito ao Tribunal decidir do mérito de tal petição com base na exceção de caso julgado face unicamente a reivindicação de objeto diverso (aviários vs currais), julgando-a totalmente improcedente e dando por não provados os factos alegados, sem realização da audiência de discussão e julgamento bem como produção de prova e audição das testemunhas arroladas pelo autor, as quais têm conhecimento direto dos factos. Vigésimo sete. Analisada a douta sentença ora recorrida, constatamos que o contraditório exercido pelo autor não se mostrou acolhido, havendo esta discordância de opinião, que é legítima; Vigésimo oitavo. Conforme ensinamentos do Professor Alberto dos Reis, a exceção de caso julgado consiste na alegação de que a ação proposta já está decidida por sentença transitada em julgado (vid. Código de Processo Civil Anotado, III, p. 86). Vigésimo novo. Ou seja, pressupõe a repetição de uma causa que se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (cfr. artigo 580º, nº 1 do Código de Processo Civil); Trigésimo. Neste particular, de modo a verificar, em concreto, a alegada repetição de uma causa anterior, importa ter em atenção que a exceção de caso julgado tem por finalidade evitar que o Tribunal seja colocado perante a alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior; Trigésimo primeiro. O artigo 581º do Código de Processo Civil delimita o que deve entender-se por repetição de uma causa, fazendo coincidir este conceito com o de identidade de ações: assim, repete-se uma causa quando essa identidade respeitar aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, enquanto elementos essenciais das ações; Trigésimo segundo. Daqui se infere, desde logo, que o caso julgado comporta limites subjetivos e objetivos, dado que será através da tríplice identidade referida que se define a extensão do caso julgado. Trigésimo terceiro. No caso sub-judice não há identidade das partes entre a sentença junta pela recorrida! Trigésimo quarto. E a exceção e caso julgado pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e da causa de pedir, o que inexiste nos presentes autos. Trigésimo quinto. Apesar do recorrente não ter sido parte na ação anterior, a decisão recorrida julgou procedente a exceção de caso julgado e absolveu a recorrida da instância; Trigésimo sexto. Ora, urge concluir que, a Meritíssima Juíza a quo não decidiu com base na autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida em ação anterior, pois que caso o tivesse feito teria julgado a ação improcedente e absolvido a recorrida do pedido; Trigésimo sétimo. Nesta conformidade, existe contradição entre a fundamentação e decisão, pois que ao longo da fundamentação de Direito constante da sentença recorrida alude-se à autoridade de caso julgado, mas a decisão surge com base na exceção de caso julgado… Trigésimo oitavo. E, por um lado, pois que a autoridade de caso julgado não atribuiu a propriedade da construção à recorrida! Trigésimo nono. Pelo que não tendo alicerçado a decisão na autoridade de caso julgado não pode haver fundamento para a procedência da exceção em razão da inexistência de identidade de partes nem de pedido! Quadragésimo. O caso julgado que se forma relativamente à decisão (sentença ou saneador) do mérito da causa, define a relação ou situação jurídica deduzida em juízo (a relação material controvertida), determinando que tal decisão tem força obrigatória dentro e fora do processo (dentro dos limites estabelecidos nos artigos 580º e 581º), e impedindo, dessa forma, que a mesma relação material venha a ser definida em moldes diferentes pelo tribunal ou por qualquer outra autoridade; Quadragésimo primeiro. Segundo Manual de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 305, o caso julgado material consiste em a definição dada à relação material controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) - quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (ação destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm de acatá-la, julgada em conformidade, sem nova discussão”. Quadragésimo segundo. A especifica relação material controvertida que foi alvo da decisão não pode voltar a ser discutida entre as mesmas partes e não pode voltar a ser contrariada. Pese embora, para que opere a exceção (e é disso que se trata na sentença recorrida!) pressupõe-se a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir- cfr. artigo 580º, nº 1 Código de Processo Civil), não se podendo dispensar a tripla exigência; Quadragésimo terceiro. Mesma a autoridade do caso julgado nunca poderá valer fora dos limites definidos pelos sujeitos, pelo pedido e pela causa de pedir, pois resulta do artigo 619º do Código de Processo Civil, é apenas dentro desses limites que a decisão adquire a força de caso julgado. Quadragésimo quadro. Fica estabilizada a definição vertida na decisão transitada em julgado e da concreta relação jurídica aí delimitada pelos sujeitos, pelo pedido e pela causa de pedir. Quadragésimo quinto. Tal concreta relação jurídica impõe-se e é vinculativa para os respetivos sujeitos no âmbito de qualquer outro litigio que entre eles venha a ocorrer e que tenha como pressuposto ou condição aquela relação. O que não se verifica in casu pois que a recorrente não foi sujeito processual em qualquer ação anterior! Quadragésimo sexto. Mostram-se as partes e o Tribunal vinculados, evitando, dessa forma, que a relação ou situação jurídica já definida por decisão transitada em julgado seja novamente apreciado para o efeito de decidir da segunda ação. O que não se verifica in casu porque não se trata de apreciar novamente tal situação jurídica já definida. Quadragésimo sétimo. Reafirma-se que na sentença de 7 de janeiro de 2010 confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de dezembro de 2010, transitada em julgado, não ficou provada que a aludida construção de armazém ou curral pertence à recorrida. Quadragésimo oitavo. Antes, e ao invés do agora alegado pelo Tribunal a quo, compulsada a aludida decisão final transitada em julgado, é manifesto que não ficou provado de quem era a propriedade da aludida construção, designadamente se era da autora nessa ação, a falecida DD ou da Ré; Quadragésimo nono. Ademais, a exceção de caso julgado não pode resultar verificada através de um aludido “pedido de destaque”, conforme a Ré invocou nos pontos 12 a 15 da sua contestação inseridos na parte da alínea A) da “exceção de caso julgado”, o qual não é apto à verificação de uma exceção; Quinquagésimo. Destarte, não há identidade de partes ou dos pedidos/decisão, tanto mais que não lograram as partes nessa ação de processo nº 751/08.... como na ação 536/15.... decidir sobre a propriedade de tal construção (se da Autora DD ou se da Ré, BB). Quinquagésimo primeiro. Pelo que não poderia proceder a invocada exceção de caso julgado, devendo a douta decisão recorrida ser revogada/alterada, atendendo ainda, ao facto do autor ter esclarecido os pedidos a) e b), o que foi aceite pela ré; Quinquagésimo segundo. A recorrida é proprietária de uma parcela de terreno para construção- unicamente- sem qualquer construção, anexo ou curral- como declarada e comprovadamente não consta qualquer construção urbana da escritura pública de doação e da descrição predial sob o número 8770 da Conservatória do Registo Predial ... (cf. Documentos 1 e 2, juntos com a petição inicial); Quinquagésimo terceiro. A linha divisória entre o prédio da recorrida composta de parcelo de terreno para construção descrito sob o número ...70 da freguesia ... com o prédio misto do Autor com a descrição número ...91 da mesma freguesia ..., é constituído pelos segmentos de recta no alinhamento da parede de edificações de “currais” a poente e a sul e do muro divisório a nascente do prédio do recorrente; Quinquagésimo quarto. Posto isto, juntou-se levantamento topográfico detalhado, onde se pode ver que o prédio misto do recorrente com 8835m2 está delimitado a tracejado de cor ... e onde se incluem todas as construções a vermelho claro, construções inalteradas pertencentes ao prédio dos antepossuidores e anteproprietários e que ora pertencem ao recorrente; Quinquagésimo quinto. O bem imóvel do recorrente, prédio misto, sito em Estação ..., freguesia ..., concelho ..., composto de casa de habitação com pátio, adega, currais e terreno com oliveiras, figueiras, pereiras, inscrito na matriz sob os artigos urbano ...61 e rústico ..., o qual do lado sul passou a confrontar com a parcela destacada por escritura doada à Ré, continua a incluir todas as construções que existiam aquando da aquisição por escritura pública de compra e venda realizada em 01 de Outubro de 1960 entre EE, casado com DD e FF, respetivos anteproprietários do referido bem! Quinquagésimo sexto. De facto, basta atentar na escritura pública de compra e venda realizada em 01 de Outubro de 1960 entre EE, casado com DD e GG. 93 a 95 do livro de notas para escrituras diversas nº 2B do Cartório Notarial ... a cargo do licenciado HH, que se mostra junta aos autos; Quinquagésimo sétimo. Na verdade, conforme já referido nos autos, as áreas registadas enfermam de lapso manifesto, porquanto, da escritura pública de compra e venda realizada em 01 de Outubro de 1960 entre EE (sogro do Autor), e FF, pode ver-se que a área total do prédio é de doze mil e seiscentos metros quadrados; Quinquagésimo oitavo. Daí que, o levantamento topográfico tenha aferido que atualmente o prédio misto da recorrente tenha ainda oito mil oitocentos e trinta e cinco metros quadrados; Quinquagésimo nono. Ora, bem sabe a recorrida que a área descrita no registo não é a real, pois que as áreas antigamente levadas “a registo” eram muitas vezes medidas a passo, pelo que para os registos eram levadas áreas de terreno maioritariamente imprecisas e desfasadas- como é o caso; Sexagésimo. Razão pela qual, aquando da doação de DD à recorrida, a mesma doou uma parcela rústica- unicamente- sem qualquer construção, anexo ou curral- como declarada e comprovadamente não consta qualquer construção urbana (de anexo, curral, aviário ou outra) da escritura pública de doação à recorrida; Sexagésimo primeiro. Face ao exposto, é falso que do prédio da recorrida conste qualquer anexo/curral que tenha adquirido seja por doação e/ou a qualquer outro título; Sexagésimo segundo. Da mesma forma inexiste qualquer sentença ou decisão judicial transitada em julgado a atribuir tal construção à ré! Sexagésimo terceiro. De facto, o julgamento como improcedentes de tais pedidos vertidos na ação 751/08.... fez-se pelas regras do ónus da prova, não sendo a decisão final a de atribuir a propriedade à ré. Sexagésimo quarto. E repita-se, em tal ação judicial o recorrente não foi parte, pois que a mesma foi muito anterior à sua aquisição, que só teve lugar em Janeiro de 2018; Sexagésimo quinto. O recorrente instaurou a presente ação declarativa de condenação, na qualidade de legitimo proprietário do prédio misto em questão, peticionando que a recorrida reconheça o seu (dele!) direito de propriedade sobre o bem imóvel em questão; Sexagésimo sexto. No referido prédio misto, existem várias edificações típicas das aldeias portuguesas cujos anteproprietários e antepossuidores dedicavam-se à atividade agropecuária. Sexagésimo sétimo. Todas as edificações têm a mesma construção, foram construídas sensivelmente na mesma época e pelo mesmo proprietário, fazendo parte de um aglomerado urbanizado e destinado ao mesmo fim; Sexagésimo oitavo. O autor, instaurou a ação alicerçada no facto de que aquilo que comprou não se mostra na prática aquilo que tem, pois que a sua descrição alude a “currais” e a recorrida ocupa-os. Sexagésimo nove. Designadamente, ocupou aquela que se encontra situada a poente do seu prédio, ou seja, aquela que se encontra encortelhada entre o seu prédio e o outro onde é herdeira (herança ilíquida indivisa por óbito de II). Setuagésimo. O recorrente, face a esta ocupação ilegítima, peticionou que a recorrida fosse condenada a desocupar a referida edificação que faz parte integrante do seu prédio e condenada a pagar-se uma indemnização pela abusiva ocupação e consequente privação do seu legitimo uso e fruição; Ademais pretende como efeito útil que lhe seja reconhecida a propriedade integral do seu bem, incluindo a edificação ocupada pela recorrida; Setuagésimo primeiro. O recorrente pretende recuperar a edificação ocupada pela recorrida cuja propriedade lhe pertence e que se encontra devidamente registada na Conservatória de Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o número 8591/20..., freguesia ..., presunção registral de titularidade constante do artigo 7º do Código de Registo Predial. Setuagésimo segundo. Ademais, para o recorrente não existe qualquer controvérsia quanto à titularidade/confrontações e/ou quanto aos limites entre o seu prédio e o da recorrida que justificasse a instauração de uma ação de demarcação Setuagésimo terceiro. Outrossim, nem se compreenderia que tal existisse no presente caso, dado que, o prédio da recorrida resulta de um destaque; Setuagésimo quarto. E nunca a anterior autora DD em tal ação, que tramitou com o número de processo 536/15.... reconheceu qualquer integração e/ou propriedade da dita herança indivisa sobre as construções, barracões do prédio, portanto edificados a “nascente” do prédio da herança indivisa! Setuagésimo quinto. E o prédio do recorrente, como supra se alegou e a recorrida admite, tem área superior à constante do registo predial; Setuagésimo sexto. Pelo que, é falso que à área de 7761m2 antes descrita tenha que ser deduzida a área reconhecida na ação de demarcação “devendo o prédio do Autor ter apenas cerca de 4.752m2” Setuagésimo sétimo. Mostra-se assim imperiosa a revogação da douta sentença proferida e ora recorrida pois a mesma não só não é justa como ainda padece dos supra apontados vícios, estando a reposição da legalidade manifestamente inquinada; **** Nestes Termos, contando com o douto e imprescindível suprimento de V. Exas deve o douto Tribunal da Relação e Coimbra, dar provimento ao presente recurso. ***** Destarte, interpõe-se recurso, visando a revogação de douta decisão recorrida, atento os vícios de que padece: errada subsunção jurídica, com preterição de realização de audiência de discussão e julgamento e produção de prova testemunhal bem como errónea apreciação da prova documental a redundar em injustiça e não conformidade a um Direito materialmente justo e processualmente conforme.” Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi admitido. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir consiste em saber se verifica a exceção de caso julgado ou a autoridade de caso julgado.
FUNDAMENTOS De facto Na decisão recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto: Encontram-se provados nos autos, e no que releva na presente sede, quer por documento (designadamente, escritura pública de doação de fls. 12 e seguintes, sentença de fls. 67 e seguintes, escritura pública de compra e venda de fls. 95 e seguintes, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra junto com a contestação/reconvenção), quer por acordo das partes, os seguintes factos: e. (De Direito- Do objecto mediato da doação) A questão está, pois, em definir os limites do prédio objecto do contrato de doação, por forma a saber se aquele abrange ou não o anexo referido em G, o que nos permitirá determinar o titular da sua propriedade e, consequentemente, saber se a sua ocupação por parte da ré é ou não legítima. Perante isto, entendemos que na presente ação não está em causa o anexo que a ré utiliza para arrecadar nele diversos materiais, como aconteceu no proc. 751/08...., mas sim o reconhecimento do direito de propriedade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...91, e aí inscrito a favor do autor; da linha divisória entre os prédios do autor e da ré; a desocupação de currais existente no limite poente do prédio do A.; a demolição de obras e indemnizações. Não se verifica assim identidade dos pedidos, entendida esta quando numa causa de pretende obter o mesmo efeito jurídico (art.º 581º-3, do CPC). Por sua vez, no que respeita à causa de pedir, dúvidas não restam dúvidas que estamos perante causas de pedir diferentes, dado que as mesmas procedem de factos jurídicos diferentes (art.º 581º-4, do CPC). A autoridade do caso julgado produzida pela decisão proferida no proc. 751/08.... não é extensível à presente ação; ou seja, a autoridade do caso julgado da decisão de mérito proferida naquele processo não é incompatível com o objeto a decidir na presente ação, o seu alcance não se repercute no mérito desta ação. Não ocorre assim, a exceção dilatória de caso julgado, como também não ocorre a exceção perentória de autoridade de caso julgado. x (…). DECISÃO Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se, em consequência, a decisão proferida, determinando-se que os autos prossigam seus termos. Custas a cargo da apelada. Coimbra, 26 de abril de 2022 Mário Rodrigues da Silva- relator Cristina Neves- adjunta Teresa Albuquerque- adjunta Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original
([1]) MARIANA FRANCA GOUVEIA, A Causa de Pedir na Ação Declarativa, Almedina, p. 394. ([2]) O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material (O Estudo sobre a Funcionalidade Processual, 1983, p. 168. ([3]) Ac. do STJ, de 28.03.2019, Proc. 6659/08.3TBCSC.L1.S1, relator TOMÉ GOMES, www.dgsi.pt. ([4]) Ac. do TRL, de 21-12-2021, proc. 131/21.3T8PDL.L1-7, relator JOSÉ CAPACETE, www.dgsi.pt. ([5]) Ac. do TRL, de 21-12-2021, já citado. ([6]) Ac. do STJ, de 28.03.2019, proc. 6659/08.3TBCSC.L1.S1, relator TOMÉ GOMES, www.dgsi.pt. ([7]) De 12-12-2017, proc. 3435/16.3T8VIS-A.C1, relator ISAIAS PÁDUA, www.dgsi.pt. ([8]) Limites Objectivos de Caso Julgado em Processo Civil, 1968, p. 161. ([9]) RUI PINTO, Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, p. 80. ([10]) SALVADOR DA COSTA, Responsabilidade pelas custas no recurso julgado procedente sem contra-alegação do recorrido, https://drive.google.com/file/d/1AUCq7fmuDEcJjTOH7adY2whdoybrxrEY/view. |