Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1314/20.9T8CBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: ACORDO DE REVOGAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
EXIGÊNCIAS DE FORMA
NULIDADE
DESPEDIMENTO ILÍCITO
SOCIEDADES EM RELAÇÃO DE GRUPO E DE DOMÍNIO
INDEMNIZAÇÃO POR ANTIGUIDADE
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 334.º, 349.º, N.ºS 2 E 3, 381.º, AL.ª C), DO CÓDIGO DO TRABALHO, 220.º DO CÓDIGO CIVIL, 482.º, AL.ª D), E 488.º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário: I – Por força do disposto no artigo 349.º, n.ºs 2 e 3, do CT, o acordo de revogação de contrato de trabalho tem de ser feito por escrito e do mesmo devem constar a data da sua celebração e a do início da produção dos respetivos efeitos e, ainda, o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação.
II – Se do acordo de revogação do contrato de trabalho celebrado entre as partes não constar o aludido prazo para o exercício do direito de fazer cessar o mesmo, tal acordo de revogação é nulo por inobservância da forma legal (artigo 220º, do CC) e, consequentemente, o contrato de trabalho mantém-se em vigor.

III – A comunicação da Ré ao Autor de que as suas funções no Grupo foram completamente cessadas e que deveria abandonar as instalações da empresa consubstancia, sem dúvida, uma declaração inequívoca de cessação da relação contratual existente entre as partes e, por isso, um despedimento ilícito porque não precedido do respetivo procedimento disciplinar (artigo 381.º, c), do CT).

IV – Se as sociedades Rés, coligadas, se encontram numa relação de grupo (artigo 482.º, d), do CSC) e também de domínio (artigo 488.º do CSC), por força do disposto no artigo 334.º do CT, são solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Autor dos montantes em dívida a título de indemnização por antiguidade, retribuições intercalares e demais créditos laborais.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

Apelação n.º 1314/20.9T8CBR.C2

Acordam[1] na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ...,

intentou a presente ação de processo comum, contra

A..., SA, com sede em ...,

B..., SA, com sede em ... e

C..., SARL, com sede no ...

alegando, em síntese, que:

Foi admitido a trabalhar sob a autoridade e direção da 1ª Ré em dezembro de 1986, através de contrato de trabalho sem termo, não reduzido a escrito e como diretor de serviços; a partir de maio de 1988 foi designado administrador da 1ª Ré e manteve a suspensão do seu contrato de trabalho desde dezembro de 1986 até 21 de maio de 2018, data em que celebrou com a 3ª Ré contrato de cessão de quotas e compra e venda de ações das sociedades comerciais, nos termos do qual vendeu à 3ª Ré o denominado “Grupo D...” onde se inclui a 1ª Ré, detida na totalidade pela 2ª; na mesma data da outorga do contrato, o A. renunciou ao cargo de administração que vinha exercendo; a partir de 29/05/2018, o A. retomou a sua atividade diretiva, uma vez cessada a suspensão do seu contrato de trabalho com a 1ª Ré, regressou às funções de diretor de serviços, passando a obedecer às ordens de BB e CC, sendo certo que a renúncia só foi registada em finais de fevereiro de 2019, por iniciativa do A.; no dia 01 de abril de 2019 o A. apresentou-se ao trabalho na sede da empresa e foi-lhe comunicado por BB que estava despedido e que deveria abandonar as instalações, o que fez, enviando uma carta às 1ª e 3ª Rés; tem direito a receber a quantia total de € 148.616,39, a título de créditos laborais vencidos; foi ilicitamente despedido e tem direito a ser reintegrado ou a uma indemnização com base numa retribuição não inferior a 45 dias e a receber as retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação e até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento e, ainda, a uma indemnização por danos morais no montante a fixar nunca abaixo de € 50.000,00.

Termina, dizendo que:

Nestes termos e nos demais de direito deve a presente acção ser julgada procedente por provada e por via dela:

- Ser reconhecida a existência de contrato de trabalho entre Autor e desde Dezembro de 1986 até ao dia 01 de abril de 2019, data em que foi despedido;

- Ser reconhecido que o Autor desempenhava, à data da cessação do contrato de trabalho, a função de Diretor de Serviços;

-Ser fixado o vencimento do Autor, aquando da cessação da relação laboral, no montante ilíquido fixo de 13.571,43;

- Ser considerado ilícito o despedimento de que o Autor foi alvo e, em consequência, serem as Rés solidariamente condenadas no pagamento àquele, a título de créditos laborais, do montante de 148.616,39, conforme detalhado supra no presente articulado, com juros desde as datas de vencimento das verbas que compõem tal quantia e sem prejuízo dos vincendos até integral pagamento.

- Serem as Rés solidariamente condenadas no pagamento das retribuições do Autor desde 30 dias antes da propositura da acção, incluindo férias, subsídios de férias e natal até ao transito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, acrescido dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

- Ser a condenada na reintegração do Autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela indemnização que, no caso em apreço, e se for exercida, deve ter em conta a elevada ilicitude da conduta e, por isso, ser fixada no montante máximo admissível, sendo as e condenadas solidariamente com a ao pagamento dessa quantia a liquidar, acrescido dos juros até integral pagamento;

- Serem as Rés solidariamente condenadas no pagamento de 50.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.”

                                                             *
            Realizou-se a audiência de partes e, não tendo sido possível conciliar as mesmas, as
Rés apresentaram contestação alegando, em sinopse, que:

As 2ª e 3ª Rés devem ser absolvidas da instância atenta a sua ilegitimidade; o A., por carta datada de 01 de abril de 2019, dirigida à Ré refere expressamente que procede à resolução do contrato de trabalho com justa causa, pelo que, não pode vir alegar que foi despedido; o A. foi colaborador da 1ª Ré entre dezembro de 1986 e maio de 1988, data a partir da qual passou a fazer parte dos membros de órgãos estatutários da mesma, não havendo à presente data, por parte de nenhuma das ora Rés, créditos laborais em dívida; em maio de 2018 o A. vendeu à 3ª Ré o “Grupo D...” deixando, assim, de ter qualquer vínculo laboral com a então 1ª Ré e nunca tendo tido nenhum com a 2º e 3ª Rés.

Concluíram dizendo que:

Nestes termos e nos demais de Direito:

a) Deverá a excepção de ilegitimidade da 2.ª e ser julgada procedente, devendo as mesmas serem absolvidas do pedido;

b) Deverá a presente acção ser julgada totalmente improcedente pela inexistência do despedimento ilícito, porquanto não tem o Autor qualquer vínculo laboral com a Rés;

c) Caso assim não se entenda, deve o comportamento da 1.ª ser considerado não culposo não sendo, por isso, devida à Autora a compensação constante do artigo 396.º, n.º 1 do CT.

d) Deve o Autor consequentemente, ser condenado como litigante de má-fé em multa processual e indemnização cujo valor deixamos ao livre arbítrio do Tribunal.

e) Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se admite, a culpa da 1.ª deverá ter-se por reduzida;

f) Aos montantes peticionados pelo Autor deverão ser subtraídos todos os montantes referidos aos quais o Autor não tem direito.”

                                                             *

Foi proferido o despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a exceção de ilegitimidade das 2ª e 3ª Rés e dispensada a fixação dos temas da prova.

                                                             *

Procedeu-se a julgamento, conforme resulta das respetivas atas.

                                                             *

Foi, depois, proferida sentença (fls. 306 e segs.) que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu as Rés de todos os pedidos formulados pelo Autor.

                                                             *

Foi interposto recurso desta sentença e que foi objeto do acórdão proferido por este tribunal com o seguinte dispositivo:

“Nestes termos, sem outras considerações acorda-se:

- em anular a decisão proferida pela 1ª instância, devendo o tribunal recorrido proceder a um novo julgamento com vista a apurar os factos supra enunciados e suprir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

                                                              *

Foi interposto recurso deste acórdão e que foi objeto do acórdão do STJ de fls. 228 e segs. com o seguinte dispositivo:

Determina-se a repetição do julgamento dos pontos 1 a 3 do elenco de factos dados como não provados”.

                                                             *

Baixados os autos à 1ª instância procedeu-se a audiência de discussão e julgamento como consta das respetivas atas.

                                                             *

De seguida foi proferida a sentença de fls. 337 e segs. com o seguinte dispositivo:

Julgo a ação totalmente improcedente e absolvo A..., S.A., B..., S.A. e C..., S.A. de todos os pedidos formulados por AA.”

                                                             *

O Autor, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

(…).

                                                                       *

As Rés não apresentaram resposta.

                                                           *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 471 e segs. concluindo no sentido de que “com base nos fundamentos expostos sob as conclusões J. e seguintes, deve ser concedido provimento ao recurso”.

*

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Questões a decidir

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Cumpre, assim, apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, quais sejam:

1ª – Se ocorreu a violação do “caso julgado”.

2ª – Se devia ter sido reconhecida a existência do contrato de trabalho entre o A. e a 1ª Ré no período compreendido entre 29 de maio de 2018 e 01 de abril de 2019.

3ª – Se o Autor foi despedido ilicitamente no dia 01/04/2019, com as legais consequências.

                                                             *

III – Fundamentação

a) Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:

1A.º O Grupo D... é composto por várias empresas detidas na totalidade pela holding do grupo, a segunda ré B..., SA;

1B.º A segunda ré detém a totalidade do capital social da primeira ré;

1C.º A terceira ré é proprietária da totalidade do Grupo D... e, portanto, da primeira e segunda rés;

1.º Em dezembro de 1986 o autor foi admitido pela ré A..., S.A., mediante acordo verbal, para sob a sua autoridade, direção e fiscalização desempenhar funções de diretor de serviços;   

2. º O autor desempenhava as funções referidas em 1.º na sede da ré A..., S.A. sita em ..., podendo deslocar-se para outro lugar que lhe fosse indicado, normalmente associado às obras que estivessem em curso e a serem realizadas pela A..., S.A.;   

3.º As funções do autor enquanto diretor de serviços incluíam o estudo, organização, direção e coordenação, nos limites dos poderes de que estava investido, das atividades da empresa ou de um ou vários dos seus departamentos, conforme definição funcional da categoria profissional prevista no CCT aplicável - Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) para o Setor da Construção Civil e Obras Públicas -, cuja última versão é de 29 de Julho de 2018, e foi publicada no BTE n.º 26, de 15 de Julho de 2017;  

4.º A ré A..., S.A. procedeu à inscrição do autor na Segurança Social enquanto trabalhador por conta de outrem;

5.º A partir de maio de 1988 o autor foi nomeado administrador da ré A..., S.A.;

6.º Em 21 de maio de 2018 autor e C... subscreveram o documento intitulado de contrato de cessão de quotas e de compra e venda de ações, junto de fls. 13 verso a 23 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta designadamente que:

Entre

1. AA (…);

2. DD (…);

De ora em diante abreviada e coletivamente designados por primeiros contraentes ou vendedores e

 3. C... S.A.R.L., sociedade de direito luxemburguês (…), neste ato representada por BB, na qualidade de administrador e procurador, com poderes para o ato, de ora em diante abreviadamente designada por Compradora;

Sendo os vendedores e a compradora adiante abreviada e conjuntamente designados por Partes.

Considerando que:

A. O vendedor AA é titular, livre de ónus ou encargos, de uma quota com o valor nominal de €5.000,00, representativa da totalidade do capital social e dos direitos de voto da sociedade E..., Unipessoal, Lda. (adiante a Quota) (…);

B. Os vendedores são titulares de 39.146 ações com o valor nominal de €5,00 representativas de 25% do capital social da sociedade D... SGPS, S.A. (adiante as Ações) (…);

C. Os vendedores são, em concreto, titulares das seguintes participações sociais na D... SGPS:

i)AA: 14.680 ações;

ii) DD: 24.466;

D. O vendedor AA pretende ceder à compradora, que pretende adquirir, a Quota;

E. Os vendedores pretendem alienar à compradora, que pretende comprar, as ações (sendo a cessão da Quota e a venda das Ações de ora em diante abreviada e conjuntamente designadas por a Operação);             

F. A E... encabeça o denominado Grupo D..., controlando as subsidiárias nacionais e estrangeiras que se identificam no organigrama que constitui o anexo I – em conjunto com a E..., tais sociedades são adiante abreviada e coletivamente designadas por Sociedades;

(…);

é celebrado e reciprocamente aceite o presente Contrato de cessão de quotas e compra e venda de ações (adiante o Contrato), que se regerá pelos termos e condições constantes das cláusulas seguintes:

Cláusula Primeira (Objeto)

1.Pelo presente contrato:

i) O vendedor AA cede á compradora, que adquire, (i) a Quota e (ii) todos e quaisquer direitos sociais e económicos inerentes à Quota ou à qualidade de sócio, nomeadamente, quaisquer créditos decorrentes de suprimentos, prestações acessórias ou suplementares, bem como quaisquer outros créditos sobre a E...;

ii) Os vendedores vendem á compradora, que compra (i) as Ações e (ii) todos e quaisquer direitos sociais e económicos inerentes às ações ou à qualidade de acionistas, nomeadamente, quaisquer créditos decorrentes de suprimentos, prestações acessórias ou suplementares, bem como quaisquer outros créditos sobre a D... SGPS;

(…);

3. Na presente data, os vendedores entregam à compradora os seguintes documentos:

(…);     

iv) cartas de renúncia, com efeitos a partir do oitavo dia seguinte ao da presente data, dos vendedores (ou familiares) aos cargos que exerçam nos órgãos sociais das sociedades, declarando nada ter a haver destas, seja a que título for;

v) acordos de revogação de todas as relações contratuais existentes entre as sociedades e os vendedores, incluindo, mas sem limitar, na qualidade de sócios e, caso seja aplicável, na qualidade de gerentes e/ou administradores, com efeitos imediatos, declarando nada mais terem a haver, seja a que titulo for, das sociedades;

(…);

Cláusula Segunda (Preço)   

1. O preço global da venda da (i) Quota, das (ii) Ações e de (iii) eventuais suprimentos é de €3,00 com a seguinte repartição:

i) Quota: €1,00;

ii) Ações pertencentes a AA: €1,00;

ii) Ações pertencentes a DD: €1,00;

2. O preço é pago, na presente data, mediante transferência bancária, dando os vendedores, pelo presente, a respetiva quitação;

(…);

Cláusula Quarta (Declarações e Garantias dos Vendedores)

(…);

4. Os vendedores declaram e garantem, expressa e formalmente que, na presente data, os seguintes elementos e informações são exatos, verdadeiros e atualizados:

(…); 

c) Relações entre Vendedores e as Sociedades:

(…);

iv) As Sociedades não são parte em qualquer contrato que tenha como contraparte ou beneficiário, direto ou indireto, (i) os Vendedores, (ii) respetivos familiares ou (iii) qualquer entidade em que os Vendedores ou os respetivos familiares detenham qualquer participação;

(…);

i) Laboral

i) Do Anexo VIII ao presente contrato consta uma lista completa e atualizada de todos os contratos de trabalho e de prestação de serviços com pessoas individuais em que são parte as sociedades, bem como um resumo das condições contratuais relevantes;

(…);

Cláusula Sexta (Não Concorrência)

1.O vendedores ficam sujeitos às seguintes limitações por um prazo de quatro anos contados desde a data da celebração do presente contrato:

(i)Impossibilidade de criação de negócio, por conta própria ou de terceiros, incluindo ao abrigo de contrato de prestação de serviços ou de qualquer outro tipo contratual, por si ou por interposta pessoa, sempre que a atividade em causa esteja relacionada com as atividades prosseguidas pelas Sociedades, no território nacional;

(ii) Abster-se de contactar quaisquer clientes e/ou fornecedores das Sociedades, atuais, passadas ou potenciais à data da assinatura do presente contrato, sob nenhum título ou pretexto e, em especial, com vista a convidá-los a terminar, total ou parcialmente a respetiva relação comercial com as Sociedades e/ou com a compradora; e

(iii) Abster-se de convidar, seduzir ou aliciar trabalhadores ou colaboradores das Sociedades a abandonarem estas empresas ou a deixarem de prestar serviços para as mesmas para passarem a colaborar, seja a que título for, com outras pessoas ou sociedades;

(…);            

Cláusula Sétima (Obrigação de Permanência)

1.O vendedor AA assume a obrigação de permanecer ao serviço das sociedades, em funções diretivas, conforme melhor definido pela compradora, por um período de quatro anos contados da presente data;

(…);

7.º  Consta do anexo VIII, do documento referido em 6.º (cláusula 4.ª, n.º 4, ponto i)), em relação ao autor, que o seu contrato se iniciou em 1 de dezembro de 1986, é um contrato sem termo, o seu vencimento base é de €11.786,00 e a função atribuída é de administrador;          

8A.º Em 21 de maio de 2018, E... Unipessoal, Lda., D... SGPS, S.A., A... SGPS, Lda., F..., Lda., G..., S.A., H..., S.A., I..., S.A., A..., S.A., J... SL, A..., SARL, AA, DD e C... S.A.R.L, subscreveram o documento intitulado de acordo de revogação de relações contratuais, junto de fls. 273 a 280 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta designadamente que:

(…);

Considerando que na presente data o décimo primeiro contraente [autor] e o décimo segundo contraente alienaram à décima terceira contraente:

A. Uma quota com o valor nominal de €5.000,00 representativa da totalidade do capital social e dos direitos de voto da Primeira Contraente;

B. Trinta e nove mil e cento e quarenta e seis ações com o valor nominal de €5,00 representativas de 25% do capital social e dos direitos de voto da Segunda Contraente;

É intenção das Partes revogar, com efeitos imediatos, todo e qualquer vínculo contratual, qualquer que seja a respetiva natureza, qualificação ou forma, existente entre as mesmas, incluindo, sem limitar, qualquer relação de sócio ou acionista aqui referidos.                

É celebrado e reciprocamente aceite o presente acordo de revogação de relações contratuais, nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes:

Cláusula Primeira (objeto)

Pelo presente acordo, as partes convencionam fazer cessar, por mútuo acordo, toda e qualquer relação contratual atualmente vigente entre as Sociedades e os Décimo Primeiro [autor] e o Décimo Segundo Contraentes, individual ou conjuntamente, qualquer que seja a respetiva natureza, qualificação ou forma, incluindo, sem limitar, a relação de sócio e/ou gerente e/ou administrador, presente ou passada, e independentemente do título que sustente ou tenha sustentado essa relação, nomeadamente, mas sem limitar, qualquer acordo parassocial relativamente a qualquer uma das Sociedades;

Cláusula Segunda (Produção de Efeitos)

1. O presente acordo de revogação produzirá efeitos imediatos, cessando na presente data todas as relações contratuais entre as Partes, incluindo, sem limitar a relação de sócio e/ou gerente e/ou administrador;

2. Na presente data os Décimo Primeiro [autor] e Décimo Segundo Contraentes entregarão as necessárias cartas de renúncia, com efeitos imediatos, aos cargos de administrador e/ou gerente que exerçam nos órgãos sociais das Sociedades;

Cláusula Terceira (Quitação)

Os Décimo Primeiro [autor] e Décimo Segundo Contraentes declaram que nada mais têm a receber ou haver das Sociedades, nem de qualquer sociedade, entidade ou pessoa singular com estas relacionadas, seja a que título for, incluindo ao abrigo de quaisquer relações, de natureza contratual ou outra, ora ou anteriormente cessadas, quer por referência ao período em que as mesmas se encontraram vigentes, quer por força da respetiva cessação, com exceção dos montantes referidos na cláusula quarta, ponto cinco, do contrato de cessão de quotas e compra e venda de ações (…);         

8.º A ré C... subscreveu e entregou ao autor, que a recebeu no dia 21 de maio de 2018, a carta junta de fls. 26 a 27 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta, designadamente, que:

Assunto: Compromissos assumidos pela sociedade C... S.A.R.L, em relação ao contrato de cessão de quotas e compra e venda de ações celebrado, entre outros, com AA

Exmo. Sr. Eng.º

Referimo-nos ao contrato de cessão de quotas e compra e venda de ações celebrado entre a sociedade C..., S.A.R.L. (…), na qualidade de compradora, DD e AA, na qualidade de vendedores (…); 

A C... assume o compromisso de, após a concretização da operação, assegurar as seguintes condições, relativamente às sociedades do grupo D... e ao Eng. º AA:

(…);

(iii) Em obras de valor igual ou inferior a €5.000.000, atribuição de uma comissão variável de 2% do valor de obra contratado em cada ano civil pelas sociedades do Grupo D..., do Grupo K... e do Grupo L... a AA, sendo 50% dessa comissão a liquidar no ano da angariação da obra e os remanescentes 50% a liquidar no ano da conclusão do contrato, desde que a obra em questão seja, efetivamente, angariada por AA, e se encontre cumprida a margem comercial de fecho;

(iv) Em obras de valor superior a € 5.000.000, atribuição de uma comissão variável de 1% do valor de obra contratado em cada ano civil pelas sociedades do Grupo D..., do Grupo K..., e do Grupo L... a AA, sendo 50% dessa comissão a liquidar no ano da angariação da obra e os remanescentes 50% a liquidar no ano da conclusão do contrato, desde que a obra em questão seja, efetivamente, angariada por AA, e se encontre cumprida a margem comercial de fecho;  

(v) Atribuição de uma remuneração fixa a AA no montante anual ilíquido de €190.000 (cento e noventa mil euros), a liquidar em 14 prestações mensais e sucessivas, ficando o concreto enquadramento jurídico da relação contratual entre as partes por definir;

(vi) Reembolso das despesas realizadas por AA, relativas à utilização de viatura própria ao serviço das sociedades do Grupo D..., excluindo-se as que se refiram a deslocações entre o seu domicílio e a sede da respetiva sociedade, no valor de €0,20/km (vinte cêntimos por quilómetro), sujeitas a validação mensal por parte do Presidente do Conselho de Administração da respetiva sociedade;

(vii) Reembolso de despesas de alojamento e alimentação realizadas por AA ao serviço das sociedades, desde que devidamente documentadas e efetivamente suportadas, com os valores máximos diários de € 80 (oitenta euros) e € 35 (trinta e cinco euros) para alojamento e refeições, respetivamente, quando realizadas no território português ou €120 (cento e vinte euros) e €50 (cinquenta euros) para alojamento e refeições, respetivamente, quando realizadas fora do território português, sujeitas a validação mensal por parte do Presidente do Conselho de Administração da respetiva sociedade e quando realizadas fora do território nacional, desde que tais deslocações tenham sido prévia e expressamente autorizadas pelo Presidente do Conselho de Administração da respetiva sociedade;

(…);

9.º Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor manteve um gabinete próprio, nas instalações da A... S.A., sitas em ...;

10.º Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor identificava oportunidades de negócio, marcando reuniões com os parceiros (donos de obra, empresas de fiscalização e arquitetos) e produzindo relatórios dessas reuniões; 

11.º Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor cumpria as ordens de BB e CC na assinatura dos documentos que exigiam a assinatura do administrador;

12.º  Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor deixou de dar ordens de pagamento de salários;

13.º Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor deixou de contratar trabalhadores e de exercer poder disciplinar sobre os mesmos;

14.º Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor deixou de controlar e de tomar decisões da empresa de índole administrativa e financeira;

15.º Em 30 de janeiro de 2019 o autor remeteu a BB e CC, que o receberam, o mail junto a fls. 73 verso cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta designadamente que:

(…) Assinarei mais esta comunicação, por instruções vossas, porque face ao incumprimento do registo dos contratos de cessão de participações sociais do Grupo D... e de nomeação dos gerentes e administradores - que, de facto, desde a data da transação tomam as decisões de gestão - me mantenho formalmente como administrador das sociedades.

Não obstante, gostaria de ver este assunto definitivamente resolvido até ao dia 15 de fevereiro de 2019, data a partir da qual desde já informo que deixarei de assinar os documentos que me vêm solicitando que assine (…);      

16.º Em 19 de fevereiro de 2019 o autor remeteu à M..., Lda., com conhecimento da A..., S.A. e C... S.A.R.L., que a receberam, a carta junta de fls. 74 verso a 75 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta designadamente que:

Assunto: Renúncia à administração da sociedade A..., S.A.

(…);

Nessa sequência estavam V. Exas. obrigados à apresentação de tal documento a registo, o que até à presente data não cumpriram. Como tal, reitero a vontade já transmitida no dia 21/05/2018 de renunciar à administração da sociedade A..., S.A., com efeitos á data de outorga do referido acordo (21/05/2018) (…);    

17.º Em 22 de fevereiro de 2019 foi registado na matrícula da ré A..., S.A., o ato de renúncia do autor do cargo de presidente do conselho de administração, datado de 20 de fevereiro de 2019; 

18.º Em 7 de maio de 2019 foi registado na matricula da ré A..., S.A. o ato de nomeação de BB, como presidente do conselho de administração, e de CC, como vogal do conselho de administração, com data da deliberação de 2 de abril de 2019;

19.º Em outubro de 2018 a ré A..., S.A. emitiu recibo de remuneração do autor do qual consta, designadamente: o montante da remuneração mensal ilíquida de €13.571,43 (líquida de €6.446,57) e a menção da categoria profissional de administrador;

20.º Na lista de funcionários a serem pagos pela ré A... S.A. em julho de 2018, é indicado o autor com o valor a pagar de €6.446,57;

21A.º No dia 1 de abril de 2019 ocorreu uma reunião nas instalações da A... S.A., sitas em ..., na qual participaram o autor e BB e foi comunicado ao autor que com a renúncia do mandato de administrador dos CADM do Grupo D..., as suas funções no Grupo foram completamente cessadas e que deveria abandonar as instalações da empresa;

21.º O autor subscreveu e remeteu à A... S.A. e à C... S.A.R.L., que a receberam, a carta registada com aviso de receção, datada de 1 de abril de 2019 junta de fls. 86 verso a 88 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta, designadamente, que:

(…);

13. Ora, a minha atividade na A..., S.A. iniciou-se em outubro de 1986, pelo exercício das funções de diretor de obra, diretor de produção e diretor comercial, interrompidas apenas pelo período em que fui designado administrador;

14. Cessadas formalmente as funções de administrador, apresentei-me hoje ao meu posto de trabalho, para, tal como de facto vinha exercendo desde maio de 2018, exercer o cargo de diretor comercial nas condições remuneratórias acima mencionadas;

15. Hoje, por volta das 12 horas, foi determinada a minha presença na sala principal de reuniões da A..., S.A., em ..., por parte do Eng. BB, que me comunicou: que estava despedido; que hoje seria o meu último dia de trabalho; que deveria retirar todos os meus pertences e abandonar as instalações da empresa até ao final do ia; que estava impedido de entrar nas instalações a partir do final do dia de hoje em diante;

16. Aliás, essa comunicação ocorre na sequência da reunião havida no mesmo local pelas 10h30, com a presença de todos os colaboradores que trabalham a partir de ..., com exceção do signatário, onde, entre outras coisas, foi comunicado que a partir de hoje, o Eng. AA não teria mais quaisquer funções no Grupo D...;

(…);

19. Assim, além de ter sido despedido, tendo hoje sido recusada a minha prestação de trabalho, também não poderia continuar a prestar a minha atividade para o Grupo C..., sem que me fossem regularizadas todas as remunerações em dívida, no valor de remuneração fixa e variável de €80.760,64, não me sendo exigível a manutenção da obrigação de permanência e não concorrência assumida no contrato a que me refiro em 1., porque não posso continuar vinculado a uma obrigação que me impede de trabalhar para outrem, quando por força e tal obrigação não me é paga qualquer remuneração;

20. De modo que, venho pela presente, solicitar que me seja comunicado formalmente o despedimento, com entrega de toda a documentação que se impõe, bem como o pagamento imediato das remunerações em dívida;

21. Caso tal não suceda, informo, desde já que, não tenho outra solução que não seja resolver o contrato de trabalho com justa causa, por falta de pagamento de remunerações e também, desse hoje, por violação do dever de ocupação efetiva, considerando ser insustentável a manutenção desta situação, que coloca em causa o meu bem-estar e o da minha família (…);                

22.º Em 4 de abril de 2019 BB remeteu ao autor o mail junto a fls. 89, com conhecimento de várias pessoas de vários empresas, cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta designadamente:

Ex.mo Sr. Eng. AA

Com a renúncia do mandato de Administrador dos CADM do Grupo D..., as suas funções no Grupo conforme lhe foi devidamente explicado na reunião havida no ia 1/4/2019 nos escritórios da empresa foram completamente cessadas.

Neste sentido, não nos liga nenhum contrato de trabalho, nem existe nenhuma nomeação da A... para que exerça quaisquer cargos na empresa. Assim, solicito que no âmbito do que lhe foi comunicado abandone de imediato as instalações da empresa, porque a sua permanência no local para além de perturbadora e intrusiva, reveste-se de um abuso com o qual não estamos dispostos a pactuar.

Que fique bem claro a todos os trabalhadores do Grupo que o Sr. Eng. AA não é colaborador do Grupo, não foi nomeado para qualquer cargo de direção comercial, a sua presença dentro das instalações é abusiva, não representa o grupo de nenhuma forma nem em nenhum fórum e por conseguinte não deve ocupar quaisquer espaços dentro das instalações, nem os meios da sociedade, neste sentido está formalmente informado que em função do supra referido está proibido de, em nome da empresa, de se relacionar com clientes, funcionários, bancos ou outros (…);             

23.º Em resposta à carta referida em 21.º, as rés A..., S.A. e C... subscreveram e remeteram ao autor, que a recebeu, a carta datada de 4 de abril de 2019, junta de fls. 90 a 91 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta, designadamente:

(…) Na sequência da s/missiva datada de 1 de abril de 2019, a qual mereceu a nossa melhor atenção, vêm as signatárias esclarecer o seguinte:

Ao contrário do quem vem alegado por V. Exa., não existe qualquer relação jurídica de trabalho entre V. Exa. e as ora signatárias (ou qualquer outra empresa do Grupo A...).

(…) Com efeito, e pese embora desconheça a C..., S.A.R.L. a eventual existência de alguma relação jurídico-laboral passada entre V. Exa. e alguma das sociedades do Grupo A..., a verdade é que, a mesma, caso alguma vez tenha existido, cessou para todos os efeitos no dia 21 de maio de 2018, tendo aí V. Exa. dado integral quitação relativamente a todas as sociedades do Grupo A....

(…) Finalmente, e pese embora tenham sido acordados termos e condições específicos para a manutenção, a título transitório, de V. Exa. nas sociedades do Grupo A..., a verdade é que nunca foi acordada a celebração de qualquer contrato de trabalho entre as signatárias (ou qualquer outra sociedade do Grupo A...) e V. Exa..

Com efeito, e conforme ignora convenientemente V. Exa., foi acordado entre V. Exa. e a ora signatária C..., S.A.R.L, que o concreto enquadramento jurídico da relação contratual entre as partes ficava por definir.

Sendo certo que tal enquadramento nunca veio a ser formalmente definido, a verdade é que o foi materialmente, através do exercício prolongado - quer formal, quer material, - das funções de administração e/ou gerência das sociedades do Grupo A....

Com efeito, conforme V. Exa. sabe e não pode desconhecer, a única relação jurídica existente entre V. Exa. e as ora signatárias (ou qualquer outra sociedade do Grupo A...), desde 21 de maio de 2018, foi de administração e/ou gerência, a qual é, por natureza, incompatível com a existência de contrato de trabalho, porquanto não lhe sendo devida qualquer comunicação de despedimento, nem lhe assistindo qualquer direito como seja o de resolver o contrato de trabalho, atenta a inexistência, conforme se referiu, de qualquer contrato de trabalho (…);                         

24.º A título de salários a ré A..., S.A. pagou ao autor as seguintes quantias:

- €5.598,54 referente ao mês de maio de 2018;

- €6.446,57 referente ao mês de junho de 2018;

- €6.446,57 referente ao mês de julho de 2018;

- €5.000,00 em 19 de dezembro de 2018;

- €6.000,00 em 15 de janeiro de 2019;

25.º Em 4 de fevereiro de 2019 o autor enviou a BB e CC o mail junto a fls. 94 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos do qual consta, designadamente:

(…) Venho solicitar, muito respeitosamente, que me seja pago (pelo menos) um salário, com a maior urgência.

Desde 2013 que me têm vindo a ser, sucessivamente e por razões diversas, retirados rendimentos de trabalho (fixos e variáveis) que me seriam devidos.

Desde a transação (21 de maio de 2018) vários foram os salários que não me foram pagos.

Em consequência de tido isto, encontro-me numa situação de absoluto estrangulamento financeiro.

Não tenho dinheiro para viver com um mínimo de dignidade. Falta dinheiro para pagar a prestação da casa, para a saúde da família - que atravessa, como abem, um momento particularmente dramático -, para ajudar a cuidar dos pais, para a higiene pessoal, para a alimentação, etc.

Começo, pois, a não ter condições para viver com a dignidade que se exige a um qualquer ser humano. Começo, por conseguinte, e a persistir esta situação, a não ter as melhores condições (apenas por razões de estrangulamento financeiro) para desempenhar as funções que me estão confiadas (…);

26.º No ano de 2012 o autor foi eleito personalidade do ano, para a revista do sector da construção civil Construir;

Factos não provados:

1.º (eliminado);

2.º (eliminado);

3.º (eliminado);

4.º Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor passou a obedecer às ordens de BB e CC no exercício de funções de diretor de serviços, designadamente, comercial;   

5.º Após a subscrição do acordo referido em 6.º, o autor passou a auxiliar os elementos da direção técnico-comercial nas reuniões com os clientes e a participar nas reuniões de fecho de negócios;     

6.º Em obediência a ordens de BB, o autor estava ainda encarregue da delegação de ...;

7.º Nessa qualidade de encarregado, competia-lhe, entre outras funções, programar pagamentos de água, eletricidade, telefones, jardins, limpeza, entre outras muitas tarefas, respeitantes à delegação de ...;

8.º Servindo ainda de elo de transmissão das ordens emitidas por BB e CC aos demais trabalhadores que trabalhavam a partir dos escritórios dessa delegação de ...;

9.º Em julho de 2018, BB ordenou ainda ao autor a tarefa de coordenar a venda do mobiliário em stock na empresa do grupo, a N..., o que este fez; 

10.º Porque em obediência a ordens de BB, o autor susteve as ações comerciais de curto prazo e dedicou-se com mais acuidade à venda de ativos das sociedades, incluindo o escritório sede da primeira ré e uma outra empresa por esta detida (H..., SA); 

11.º Ao mesmo tempo, em cumprimento de ordens de CC, administrador financeiro e administrativo, estava encarregue de receber, e posteriormente reportar, os contactos dos fornecedores que diariamente pressionavam a empresa a tentar cobrar os seus créditos (ameaçando com processos judiciais);

12.º E tinha ainda a função de auxiliar EE, diretor de produção, que lhe solicitava informações acerca da manutenção das obras em curso e na conservação e reparação do património do Grupo D... em ..., o que sucedeu após a saída de FF ocorrida em novembro de 2018;

13.º Na reunião do dia 1 de abril de 2019 BB comunicou ao autor que estava despedido;

14.º Nos dias seguintes, o autor apresentou-se nas instalações da empresa onde permaneceu cumprindo o seu horário de trabalho;

15.º  A título de retribuição variável, o autor tem a receber das rés, pelas seguintes obras:

-  obra da residência oficial do primeiro-ministro de Portugal, iniciada e terminada em 2018, foi adjudicada por € 719.747,05: €14.394,94;

- obra Quinta ..., iniciada em 2018 e ainda não terminada, foi adjudicada por €1.290.000,00: metade de €25.800,00, ou seja, €12.900,00;

16.º O autor ficou impossibilitado de recorrer ao subsídio de desemprego, porque a relação de trabalho não estava devidamente comunicada junto da Segurança Social;

17.º O salário que o autor recebia da primeira ré era a sua única fonte de rendimento e desde agosto de 2018 que não recebia um salário por inteiro;

18.º O que, por si só, gerou uma situação de muita angústia ao autor;

19.º As dificuldades financeiras resultantes desta situação obrigaram o autor a realizar empréstimos junto de familiares;

20.º que ficaram a conhecer a sua débil situação financeira;

21.º o que lhe provocou um estado de vergonha;

22.º O autor teve também de mudar-se de casa porque não conseguia suportar os encargos daquela onde habitava, o que tanto para si, como para seus familiares, constituiu situação completamente inesperada, desconhecida e, por isso, verdadeiramente insuportável;

23.º e que gerou no autor um elevado sentimento de culpa por não estar a conseguir proteger a sua família;

24.º A situação financeira que lhe foi criada pela falta de pagamento dos seus salários e o despedimento de que foi alvo determinou que o autor tivesse de recorrer a ajuda médica psiquiátrica;

25.º Já que teve uma recidiva relativamente à situação de depressão que tinha tido no passado e da qual estava restabelecido;

26.º O autor passou a ter insónias;

27.º Crises de choro e ansiedade;

28.º Perda de apetite;

29.º Tudo tendo como causa a tristeza, revolta e sentimento de impotência perante a grave injustiça (despedimento maldoso e caprichoso) de que estava a ser vítima;

30.º  Em janeiro de 2019, o autor soube que foi diagnosticado à sua única filha esclerosa múltipla;

31.º O que lhe causou preocupação e receio pelo futuro, dado que estava financeiramente incapaz de a ajudar;

32.º Por ter reclamado que regularizasse a sua situação para não ser administrador, os administradores das rés marginalizaram o autor, transformando-o de um profissional estimado, útil e prestigiado em persona non grata;

33.º O que lhe diminuiu drasticamente a autoestima porque o reconhecimento profissional e pessoal da sua entidade patronal, superiores hierárquicos e colegas, é importante para o autor;

34.º O autor está muito ligado afetivamente ao Grupo D...;

35.º O autor sempre foi muito considerado e estimado por todos os trabalhadores e pessoas em geral em ... e em toda a zona de ..., pelo que o seu despedimento constituiu para si muito grave humilhação, porque este facto foi amplamente comentado na zona;

36.º Concretamente o sucedido no dia 1 de abril de 2019, data em que foi sumariamente despedido por BB e em que lhe foi dito para abandonar as instalações onde sempre tinha trabalhado com enorme dedicação;

37.º Situação de humilhação que se agravou com a atuação de BB no dia 4 de abril de 2019, ao remeter ao autor um e-mail ordenando-lhe que abandone de imediato as instalações da primeira ré, fazendo-o com conhecimento a cerca de uma dúzia de pessoas, todas pessoas que, como o autor, são conhecidas no mundo da construção civil, o que muito envergonhou e humilhou o Autor;

                                                          *

                                           *

b) - Discussão

1ª questão

Se ocorreu a violação do caso julgado

(…).

2ª questão

Se devia ter sido reconhecida a existência do contrato de trabalho entre o A. e a 1ª Ré no período compreendido entre 29 de maio de 2018 e 01 de abril de 2019.

Alega a recorrente que:

- O Tribunal a quo errou igualmente na decisão do pedido formulado de ser reconhecida a existência de contrato de trabalho entre o A. e a 1ª Ré desde dezembro de 1986 até ao dia 01/04/2019, data em que foi despedido, o que foi confirmado por escrito a 4 de abril, via email de fls. 89.

- Isto porque o Tribunal a quo interpretou o documento de fls. 273 a 280 como um acordo revogatório válido do contrato de trabalho, o que se não pode admitir.
- O concreto n.º 3 do artigo 349.º, determina que no acordo – seu conteúdo mínimo – deverá também constar “o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação”.
- Analisado o documento de fls. 273 a 280, dele não se extraí qualquer conteúdo mínimo que permita concluir que as partes quiseram fazer cessar qualquer relação laboral, e muito menos do seu texto consta a indicação de qualquer prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação, o que “determina a nulidade deste acordo, nos termos gerais do art.º 220º do CC, até porque a forma escrita é, no caso, uma forma ad substanciam”, não podendo o mesmo ser tido como acordo de revogação do contrato de trabalho, o que assim se impunha decidir.
- O documento de fls 273 a 280, interpretado como acordo revogatório da relação laboral, é inválido por violação do disposto no artigo 349.º, n.º 3, mas também estaria ferido de nulidade, por se tratar de um negócio contra legem (294.º CC).
- A validade como acordo de revogação do contrato de trabalho do documento junto de fls. 273 a 280, na prática, também não seria admitido porque o administrador/trabalhador estaria a celebrar um negócio consigo mesmo (cfr. art. 261.º CC) – sendo o seu objeto contratual contrário à lei e estando compreendido pela proibição do art. 398.º, n.º 1, do CSC.
- O Tribunal a quo errou ao concluir pela inexistência de um vínculo laboral entre Autor e Ré A..., SA no período compreendido entre 29 de maio de 2018, data em que o contrato de trabalho entre Autor e Ré A..., SA deixou de estar suspenso e abril de 2019, uma vez que a sentença deu como provado que o Autor deixou de a administrar a partir dessa data.
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
“O contrato de trabalho, como qualquer outro, pode cessar mediante a celebração de um acordo entre o empregador e o trabalhador.
É o chamado distrate ou revogação por acordo das partes, que o Código do Trabalho prevê no art.º 340.º, al. b) e regula nos art.ºs 349.º e 350.º.
O acordo revogatório pode ser celebrado a qualquer momento e é inteiramente discricionário, o que significa que não é necessário justificar a extinção da relação contratual.
A revogação tem de constar de documento assinado por ambas as partes, com indicação dos respetivos efeitos (art.º 349.º, n.ºs 1 e 2 do CT).
Entendeu-se que o princípio do consensualismo - consagrado no art.º 229.º do CC e, quanto à celebração do contrato de trabalho, no art.º 110.º do CT - não era de seguir relativamente ao acordo revogatório, prevalecendo, assim, as razões associadas ao formalismo negocial - nomeadamente, possibilitar uma maior reflexão das partes e facilitar a prova - reforçadas, no que toca ao distrate do contrato de trabalho, pela ideia da proteção da parte mais fraca e da estabilidade do vínculo laboral.
Consagrou-se, pois, a revogação por mútuo acordo como um negócio formal, exigindo-se que conste de documento escrito, assinado por ambos os contraentes e feito em duplicado.
Estamos perante um caso de forma ad substantiam, como é assinalado pela doutrina e geralmente afirmado pelos tribunais.
É a solução que decorre das regras gerais, uma vez que da lei não resulta que o documento escrito que titula o acordo é exigido apenas para prova da declaração (art.º 364.º, n.º 2 do CC).
Exige-se que o acordo seja assinado por ambas as partes, sem formalidades adicionais (art.º 349.º, n. 2 do CT).
Contudo, o n.º 4 do art.º 350.º do CT prevê a possibilidade de as assinaturas serem objeto de reconhecimento notarial presencial.
O cumprimento desta formalidade tem como efeito afastar o direito do trabalhador revogar unilateralmente o acordo de cessação.
Sublinhe-se que a observância desta formalidade não condiciona a validade do acordo de cessação do contrato, mas tão-só a exclusão do direito de revogação unilateral desse acordo.
O efeito típico do acordo revogatório é a extinção do vínculo contratual.
Este será também o seu conteúdo mínimo, no sentido em que a vontade das partes fazerem cessar a relação contratual terá de ser manifestada por escrito, contando do texto revogatório.
Exige-se, ainda, que a produção do efeito extintivo seja temporalmente localizada, indicando-se a data em que termina o contrato de trabalho (art.º 349.º, n.º 3 do CT).
E a mesma disposição impõe que se mencione expressamente a data da celebração do acordo.
Para além do efeito extintivo, as partes são livres de associar ao acordo revogatório outros efeitos, desde que não contrariem a lei (art.º 349.º, n.º 4 do CT).
O acordo revogatório é o veículo muitas vezes utilizado para prever e regular obrigações de não-concorrência, nele se incluindo o chamado pacto de não concorrência (art.º 136.º, n.º 2, al. a) do CT) (neste sentido Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª edição, Principia, pp. 125-131).
Analisado o teor do acordo de revogação de relações contratuais firmado entre as partes em 21 de maio de 2018 e a dinâmica que subsequentemente se estabeleceu entre as mesmas, resulta claro que neste acordo se incluiu a revogação do contrato de trabalho que o autor mantinha com a ré A..., S.A. e que se suspendeu com o exercício das suas funções de administrador.
Este efeito extintivo do contrato de trabalho extrai-se da declaração expressa emitida pelas partes de fazer cessar, por mútuo acordo, toda e qualquer relação contratual atualmente vigente entre as sociedades e o autor, individual ou conjuntamente, qualquer que seja a respetiva natureza, qualificação ou forma.
Acordo de revogação que se considera válido por constar de documento escrito e assinado por ambos os contraentes, dele constando a data da respetiva celebração (21 de maio de 2018) e data em que termina o contrato de trabalho (com efeitos imediatos a 21 de maio de 2018).” – fim de citação.
Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente.
Resulta do disposto no artigo 349.º do CT (redação da Lei n.º 73/2017, de 16/08), sob a epígrafe “Cessação de contrato de trabalho por acordo” que:
<<1. O empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo.
2. O acordo de revogação deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar.
3. O documento deve mencionar expressamente a data da celebração do acordo e a do início da produção dos respetivos efeitos, bem como o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação. (…)>>.
Pois bem, face ao que consta deste normativo, facilmente se conclui que o acordo de revogação de contrato de trabalho tem de ser feito por escrito e do mesmo devem constar a data da sua celebração e a do início da produção dos respetivos efeitos e, ainda, o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação.
Lido o acordo de revogação a que se refere o ponto 8.ºA do elenco dos factos provados constatamos que pese embora o mesmo mencione a data de celebração e a do início da produção dos respetivos efeitos, dele não consta qualquer menção ao referido prazo para o exercício do direito de fazer cessar tal acordo.
Ora, por força do disposto no artigo 220.º do CC, a inobservância da forma legal prevista no n.º 3 do citado artigo 349.º importa a nulidade da declaração negocial.
Na verdade, como se decidiu no acórdão da RG, de 23/01/2024, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos:
Como resulta do n.º 2 do citado art. 349.º do CT, o acordo de revogação do contrato de trabalho está sujeito à forma escrita, formalidade esta ad substantiam.
O acordo é composto pelas estipulações que as partes consensualizarem.
Mas, também, têm de constar do documento onde seja vertido o acordo as menções previstas no número 3 do citado artigo 349.º do CT.
Menções estas consentâneas com o art. 350.º do CT, que dispõe sobre a cessação do acordo de revogação, ao estabelecer no seu n.º 1 que o trabalhador pode fazer cessar o acordo, mediante comunicação escrita dirigida ao empregador até ao sétimo dia seguinte à data da respectiva celebração.
Confere-se assim ao trabalhador um prazo para, de forma mais refletida e livre, possa melhor ponderar a decisão de fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho.
Como se refere no douto parecer do M.º Público a propósito das ditas menções que devem constar do acordo de revogação, trata-se de “Exigências que têm a ver com as garantias do trabalhador, com uma maior protecção do trabalhador, perante pressões do empregador.
Procurou-se, desse modo, proteger o trabalhador contra possíveis abusos ou precipitações da sua própria vontade e pressões do empregador, tendo em conta a normal situação de superioridade económica, social e mesmo psicológica do empregador.
Visa-se possibilitar uma maior reflexão das partes e facilitar a prova, pela ideia da protecção da parte mais fraca e da estabilidade do vínculo laboral.”
Por isso que se justifica a obrigatória «advertência» ao trabalhador [d]o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação (segmento que foi acrescentado à norma pela Lei 73/2017, de 16.8, cujo anunciado propósito foi o de reforçar o quadro legislativo para a prevenção da prática de assédio no setor privado e na Administração Pública).
Embora esse segmento não constasse do correspondente artigo do revogado Decreto-lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro
[“Artigo 8.º - Exigência da forma escrita
1 - O acordo de cessação do contrato deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar.
2 - O documento deve mencionar expressamente a data da celebração do acordo e a de início da produção dos respectivos efeitos. (…)”], com referência a essa correspondente norma escreveu-se em douto Ac. do STJ de 05.11.1997, “A assinatura do documento por ambas as partes, tal como a menção expressa da data da celebração do acordo e a do início da produção dos respectivos efeitos, são elementos essenciais do acordo.
São, sem dúvida, formalidades ad substantiam, justificadas pela necessidade de certificar o acordo e de levar as partes, principalmente o trabalhador, normalmente o mais afectado pelos efeitos da cessação do contrato, a ponderar e reflectir sobre os efeitos e consequências da desvinculação.”, tendo-se sintetizado no respectivo sumário:
I - O acordo de cessação do contrato de trabalho deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma delas com um exemplar, nele se mencionando a data da celebração do acordo e a do início da produção dos respectivos efeitos.
II - A falta de alguma das referidas datas, ou a assinatura só de cada uma das partes em um dos dois exemplares do documento e só a da outra parte no segundo acarretam a nulidade de acordo inclusive no que diz respeito ao direito ao recebimento de qualquer outra quantia ou à renúncia ao direito de propor qualquer acção no tribunal de trabalho”[1]
Destarte, não constando do acordo de revogação do contrato de trabalho o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação, e por força do art. 220.º do CC, é nulo o mesmo acordo de revogação.
(…)
Sucede que, como também se discorreu no citado acórdão da RG, “(…) sendo o acordo de revogação do contrato de trabalho inválido por falta de requisitos formais [como é o caso], vícios da vontade ou qualquer outro fundamento, a consequência jurídica é a manutenção da vigência do contrato de trabalho celebrado entre as partes, com a inerente obrigação de o trabalhador restituir a quantia eventualmente recebida e se apresentar ao trabalho, por um lado, e de o empregador aceitar a prestação do trabalho e continuar a pagar a retribuição estipulada, por outro lado (arts. 247.º e ss. e 289.º do Código Civil).”
Pelo exposto, ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida, o acordo de revogação do contrato de trabalho celebrado entre as Rés e o Autor não é válido, é nulo por inobservância da forma legal e, consequentemente, o mesmo contrato não cessou mantendo-se em vigor a partir de 21/05/2018, data celebração daquele acordo, pese embora suspenso até 29/05/2018, data em que a renúncia do Autor ao cargo de administrador produziu efeitos (ponto 6.º, cláusula primeira, 3. iv).
Na verdade, como resulta da matéria de facto provada, o Autor foi admitido pela 1ª Ré em dezembro de 1986 para desempenhar as funções de diretor de serviços e que desempenhou até maio de 1988, data em que foi nomeado administrador da mesma Ré e, por força do disposto no n.º 1 do artigo 398.º do CSC, tal contrato ficou suspenso.
Assim sendo, procedem estas conclusões do recorrente, ficando prejudicados os restantes argumentos esgrimidos pelo mesmo a este propósito.


3ª questão
Se o Autor foi despedido ilicitamente no dia 01/04/2019, com as legais consequências.
Alega a recorrente que:
- O contrato existente cessou por iniciativa da Ré, pois que conforme dado como provado no ponto 21-A, foi unilateralmente comunicada ao A. a cessação de funções, e que deveria abandonar as instalações da empresa, comunicação em igual sentido foi dada como provada no ponto 22.º dos factos provados.
- A determinação dada pelo Administrador de facto (e de direito, embora não formalizado, como veio a ser e está provado em 18.) BB no dia 1 de abril de 2019 (confirmada por email de 4 de abril), de que o A. cessou funções e de que deveria abandonar as instalações da empresa, constitui um despedimento, enquanto modo de extinção da relação laboral, tratando-se de uma manifestação da vontade unilateral e inequívoca no sentido da extinção do vínculo, e que produziu o seu efeito logo que chegou ao conhecimento do trabalhador destinatário.
Vejamos:
Resulta da matéria de facto provada o seguinte:
- No dia 1 de abril de 2019 ocorreu uma reunião nas instalações da A... S.A., sitas em ..., na qual participaram o autor e BB e foi comunicado ao autor que com a renúncia do mandato de administrador dos CADM do Grupo D..., as suas funções no Grupo foram completamente cessadas e que deveria abandonar as instalações da empresa;
- Em 4 de abril de 2019 BB remeteu ao autor o mail junto a fls. 89, com conhecimento de várias pessoas de vários empresas, cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta designadamente:

Ex.mo Sr. Eng. AA

Com a renúncia do mandato de Administrador dos CADM do Grupo D..., as suas funções no Grupo conforme lhe foi devidamente explicado na reunião havida no ia 1/4/2019 nos escritórios da empresa foram completamente cessadas.

Neste sentido, não nos liga nenhum contrato de trabalho, nem existe nenhuma nomeação da A... para que exerça quaisquer cargos na empresa. Assim, solicito que no âmbito do que lhe foi comunicado abandone de imediato as instalações da empresa, porque a sua permanência no local para além de perturbadora e intrusiva, reveste-se de um abuso com o qual não estamos dispostos a pactuar.

Que fique bem claro a todos os trabalhadores do Grupo que o Sr. Eng. AA não é colaborador do Grupo, não foi nomeado para qualquer cargo de direção comercial, a sua presença dentro das instalações é abusiva, não representa o grupo de nenhuma forma nem em nenhum fórum e por conseguinte não deve ocupar quaisquer espaços dentro das instalações, nem os meios da sociedade, neste sentido está formalmente informado que em função do supra referido está proibido de, em nome da empresa, de se relacionar com clientes, funcionários, bancos ou outros (…).

Mais resultou provado que:

- Em 7 de maio de 2019 foi registado na matrícula da Ré A..., S.A. o ato de nomeação de BB, como presidente do conselho de administração, e de CC, como vogal do conselho de administração, com data da deliberação de 2 de abril de 2019.

E consta da mesma certidão que a sociedade se obriga pela assinatura de um administrador (inscrição de 09/03/2018).

Por força do artigo 409.º do CSC, os atos praticados pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros.

Acresce que, como refere Pedro Furtado Martins[2], <<o despedimento é uma declaração de vontade do empregador dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro. (…)

Contudo, para que exista um despedimento – embora ilícito – basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.>>

Na verdade, o despedimento constitui uma das formas de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, consubstanciando uma declaração unilateral deste de natureza recetícia, ou seja, que se torna eficaz quando chega ao conhecimento do destinatário (n.º 7 do artigo 357.º do CT e n.º 1 do artigo 224.º do C.C.).

Assim sendo, face à matéria de facto provada, dúvidas não existem de que a 1ª Ré procedeu ao despedimento do Autor, posto que, a referida comunicação da Ré ao Autor de que as suas funções no Grupo foram completamente cessadas e que deveria abandonar as instalações da empresa consubstancia, sem dúvida, uma declaração inequívoca de cessação da relação contratual existente entre as partes, despedimento ilícito porque não precedido do respetivo procedimento disciplinar (artigo 381.º, c), do CT).

E quais os efeitos da declaração de ilicitude do despedimento do trabalhador?

Conforme resulta do disposto no artigo 389.º, do C.T. sob a epígrafe:

Efeitos da ilicitude do despedimento:

<<1. Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:

a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;

b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º. (…)>>, ou seja, de indemnização em substituição da reintegração a pedido do trabalhador ou do empregador.

Na verdade, o trabalhador pode optar por uma indemnização, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º, ponderando-se todo o tempo decorrido até ao trânsito em julgado da decisão judicial, sendo que, a indemnização não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades – n.ºs 1 a 3 do artigo 391.º, do CT.

O trabalhador tem, ainda, direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento – n.º 1, do artigo 390.º, do CT, deduzindo-se àquelas as importâncias descritas no n.º 2 do mesmo normativo.

Face à declaração da ilicitude do despedimento é como se este nunca tivesse existido e o trabalhador tivesse estado ininterruptamente ao serviço do empregador.

Acresce que, o trabalhador, em audiência de julgamento, optou pela indemnização em substituição da reintegração.
Impõe-se, ainda, dizer que, como resulta da matéria de facto e foi por nós já referido, o Autor foi admitido pela 1ª Ré em dezembro de 1986 para desempenhar as funções de diretor de serviços e que desempenhou até maio de 1988, data em que foi nomeado administrador da mesma Ré e, por força do disposto no n.º 1 do artigo 398.º do CSC, tal contrato ficou suspenso até 29/05/2018, data em que a renúncia do Autor ao cargo de administrador produziu efeitos (ponto 6.º, cláusula primeira, 3. iv), como consta da sentença recorrida e não foi impugnado.
No período compreendido entre maio de 1988 e 29/05/2018, o contrato de trabalho do Autor esteve suspenso, pelo que, poder-se-ia questionar se tal período deve ser contabilizado para efeitos do cálculo da indemnização por antiguidade.
Como se decidiu no acórdão do STJ, de 23/10/2013, disponível em www.dgsi.pt:
<<Os efeitos da suspensão do contrato de trabalho decorrente da norma do n.º 2 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais são os estabelecidos na legislação geral do trabalho.
Assim, na data da designação do Autor como administrador vigorava o regime decorrente do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro, que previa no seu artigo 2.º, n.º 1, que «durante a suspensão mantém-se os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho», resultando do respectivo n.º 2 que o tempo de suspensão se conta para efeitos de antiguidade.
Por outro lado, resultava do n.º 4.º do mesmo artigo, que «terminado o impedimento, o trabalhador deve apresentar-se à entidade empregadora, para retomar o serviço, sob pena de incorrer em faltas injustificadas».
(…)
Em síntese, decorre deste dispositivo que durante a suspensão se mantém o vínculo inerente à relação de trabalho em tudo o que não pressuponha a efectiva prestação de trabalho, mantendo‑se os direitos, deveres e garantias dos trabalhadores que não decorram dessa prestação.
Cessada a suspensão do contrato, as partes reassumem na plenitude os seus direitos e obrigações, tal como eles se encontravam definidos na data da suspensão, sem prejuízo do reflexo que a antiguidade do trabalhador correspondente ao período de suspensão possa ter na definição do estatuto deste.>>
O mesmo regime do citado Decreto Lei encontra-se previsto no artigo 295.º do CT em vigor à data da cessação das funções de administrador pelo Autor, ou seja, o tempo de suspensão conta-se para efeitos de antiguidade.
Desta forma, para efeitos de antiguidade será contabilizado o tempo de suspensão do contrato.
Resta dizer que, conforme resulta da matéria de facto provada, o Autor auferia aquando da cessação da suspensão do contrato a remuneração mensal ilíquida de € 13.571,43, líquida de 6.446,57.

Assim, face à referida ilicitude do despedimento do trabalhador e ao por si peticionado, a Autor tem direito:

- a uma indemnização em substituição da reintegração e que, ponderando o elevado valor da retribuição e o baixo grau de ilicitude decorrente de todo o circunstancialismo descrito respeitante à revogação do contrato por acordo julgada nula, entendemos dever fixar-se em 15 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade a contar até à data da do trânsito em julgado da presente decisão e que até à presente data ascende ao montante ilíquido de € 254.181,76 (€ 6.785,72 x 37 anos + 6.785,72x5,5 meses:12 meses);

- a receber as retribuições que deixou de auferir desde 16/02/2020 (30 dias antes da data da propositura da ação), incluindo os subsídios de férias e de Natal, até ao trânsito em julgado da presente decisão (artigo 390.º, do CT), no montante mensal ilíquido de€ 13.571,43.

A estas retribuições deve ser deduzido o eventual subsídio de desemprego auferido pelo trabalhador (artigo 390.º, n.º 2, c), do C.T.), sendo certo que da matéria de facto provada não resulta que o trabalhador tenha auferido rendimentos de trabalho após o despedimento.

O montante desta compensação terá de ser apurado no respetivo incidente de liquidação (artigo 358.º, n.º 2, do C.P.C.), por ausência de elementos que nos permitam proceder aos respetivos cálculos (artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C.), ou seja, dos eventuais valores recebidos a título de subsídio de desemprego.

*

O Autor peticiona, ainda, os seguintes montantes a título de créditos laborais:

- Os salários dos meses de setembro a dezembro de 2018 e de janeiro a março de 2019, os subsídios de férias e de Natal de 2018 e os proporcionais.

Resulta da matéria de facto provada que a Ré pagou ao Autor, a título de salários, as seguintes quantias:

- € 5.598,54 referente ao mês de maio de 2018;

- € 6.446,57 referente ao mês de junho de 2018;

- € 6.446,57 referente ao mês de julho de 2018;

- € 5.000,00 em 19 de dezembro de 2018;

- € 6.000,00 em 15 de janeiro de 2019;

Assim sendo, e porque a Ré não provou, como lhe competia, o pagamento das retribuições respeitantes aos meses de setembro, outubro e novembro de 2018 e de fevereiro e março de 2019, nem dos subsídios de férias e de Natal (artigos 237.º, 245.º e 263.º, todos do CT), deve ao Autor a quantia total ilíquida de € 100.116,43 (€ 13.571,43 x 5 + € 3.045,34 em falta do mês de dezembro + € 940,13 em falta do mês de janeiro + € 13.571,43 respeitante ao subsídio de férias vencido em 01/01/209 + € 11.309,52 respeitante aos proporcionais (10 meses) do subsídio de Natal e + € 3.392,86 respeitante aos proporcionais do subsídio de férias do ano da cessação).

Mais peticiona o Autor a quantia de € 27.294,94 a título de retribuição variável respeitante a obras, no entanto, os factos capazes de sustentar este pedido foram julgados não provados, pelo que, em consequência, tal pedido tem necessariamente de improceder.

E o mesmo ocorre com o pedido de indemnização por danos morais formulado pelo Autor.

                                                             *

O Autor peticiona a condenação solidária das Rés.

Conforme resulta da matéria de facto provada o Grupo D... é composto por várias empresas detidas na totalidade pela holding do grupo, a segunda ré B..., SA; a segunda ré detém a totalidade do capital social da primeira ré e a terceira ré é proprietária da totalidade do Grupo D... e, portanto, da primeira e segunda rés.

Assim sendo, as sociedades Rés, coligadas, encontram-se, desde logo, numa relação de grupo (artigo 482.º, d), do CSC) e também de domínio (artigo 488.º do CSC).

Por outro lado, <<por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e a sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das sociedades Comerciais.>> - artigo 334.º do CT.

Como refere Rita Garcia Pereira[3], <<uma vez que, conforme oportunamente se referiu, o art. 378.º do Código do Trabalho não determina a desconsideração da personalidade jurídica da entidade patronal mas, ao invés, alarga a responsabilidade por créditos pecuniários às pessoas colectivas que mantenham determinada relação com a sociedade que assume a condição de entidade patronal, isenta-se o trabalhador da demonstração de que o comportamento das sociedades abrangidas defraudou os seus direitos ou comprometeu gravemente a satisfação dos referenciados créditos. Deste modo, o citado preceito legal encerra em si mesmo a consagração de uma responsabilidade solidária e objectiva pelo risco pela eventual escassez do património da sociedade-empregadora. As demais sociedades respondem pelos créditos pecuniários do trabalhador independentemente da existência de violação do princípio da boa fé, fraude à lei ou de abuso de direito, apenas e tão-somente em função da sua inserção num contexto mais amplo societário.>>

Assim sendo, as Rés são solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Autor da quantia total ilíquida de € 354.298,19 e das retribuições intercalares nos termos suprarreferidos.       

                                                             *

Quanto aos juros peticionados pelo trabalhador:

Nos termos do disposto no art. 805º, nº 1, al. a) do Cód. Civil, o devedor constitui-se em mora, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo. Não obstante, conforme resulta do disposto no n.º 3 do artigo 805.º, do CC, <<se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; (…)>>.

O disposto na segunda parte deste normativo diz respeito à responsabilidade por factos ilícitos (extracontratual), pelo que, não tem aplicação no domínio da responsabilidade contratual, nomeadamente, no caso de despedimento ilícito (neste sentido os acórdãos desta Relação de 11/05/2017, processo n.º 2211/15.5T8LRA.C2 e de 23/01/2014, processo n.º 273/12.6TaAVR.C1).

A este propósito escreveu-se no Ac. do STJ de 21/10/2009, disponível em www.dgsi.pt, o seguinte: <<como se observou no Acórdão deste Supremo de 25 de Junho de 2008 (Documento n.º SJ200806250010334, em www.dgsi.pt) (…), “[a] regra in illiquidis non fit mora, acolhida na primeira parte do n.º 3 do artigo 805.º citado, justifica-se na medida em que não é razoável exigir ao devedor que cumpra, enquanto não souber qual o montante ou o objecto exacto da prestação que deve realizar, e a única excepção é a falta de liquidez poder ser imputada ao próprio devedor, isto é, se o devedor for o culpado da não liquidação da prestação>>, sendo que a <<obrigação é ilíquida quando é incerto o seu quantitativo (ALBERTO DOS REIS, Processo de Execução, vol. I., p. 446) ou, no dizer de ANTUNES VARELA, é ilíquida a obrigação cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado (DAS Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª edição, pp. 918 e 920>> (…)>>.

Ora, dúvidas não existem de que as retribuições intercalares devidas ao A. por força do despedimento ilícito constituem obrigações com prazo certo.

Acontece que, como já supra se decidiu, o montante desta compensação terá de ser apurado no respetivo incidente de liquidação por ausência de conhecimento dos eventuais valores recebidos a título de subsídio de desemprego e cujo desconto se impõe. Acresce que esta iliquidez não é imputável ao empregador.

Pelo exposto, os juros de mora sobre as retribuições intercalares apenas serão devidos desde a data do trânsito em julgado da decisão judicial que proceda a tal liquidação.

No mais:

Por força da ilicitude do despedimento foi atribuída ao trabalhador uma indemnização em substituição da reintegração.

Assim sendo, fixando a presente decisão o valor desta indemnização devida pela ilicitude do despedimento, só a partir desta data a mesma se torna líquida, permitindo ao devedor saber o seu valor e devendo, por isso, os respetivos juros de mora ser contabilizados a partir da data do seu trânsito em julgado.

Desta forma, à quantia devida a este título acrescem juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data do trânsito em julgado da presente decisão.

                                                             *

Na parcial procedência do recurso impõe-se a revogação da sentença recorrida em conformidade.

*

IV – Sumário[4]

(…).

                                                                       *

                                                             *

V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na parcial procedência do recurso, acorda-se em revogar a sentença recorrida em conformidade e, em consequência:

1 – declara-se que existiu um contrato de trabalho entre o Autor e a 1ª Ré desde dezembro de 1986 até 01/04/2019;

2 – declara-se ilícito o despedimento de que foi alvo o trabalhador;

3 – condenam-se as Rés, solidariamente, a pagar ao trabalhador uma indemnização em substituição da reintegração no montante ilíquido de € 254.181,76  (duzentos e cinquenta e quatro mil cento e oitenta e um euros e setenta e seis cêntimos), as retribuições no valor mensal ilíquido de € 13.571,43 que a mesma deixou de auferir desde 16/02/2020 até ao trânsito em julgado da presente decisão, no que vier a ser liquidado no respetivo incidente e a quantia total ilíquida de € 100.116,43 (cem mil cento e dezasseis euros e quarenta e três cêntimos), a título de créditos salariais, quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data do trânsito em julgado da presente decisão, da decisão que proceda à liquidação e da data dos respetivos vencimentos, respetivamente, até integral e efetivo pagamento e

4 – absolvem-se as Rés do demais peticionado pelo Autor.

                                                                       *

                                                    *

Custas a cargo do recorrente e recorridas na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente.

                                                           *

                                                           *                                 


                                                          Coimbra, 2024/05/16

                                                                                                   ______________________

(Paula Maria Roberto)

                                                                                      ____________________

(Mário Rodrigues da Silva)

   ___________________     

(Felizardo Paiva)


     


[1] Relator – Paula Maria Roberto
Adjuntos – Mário Rodrigues da Silva
                    Felizardo Paiva
                    
                     

[2] Cessação do Contrato de Trabalho, 2ª edição, Principia, págs. 73 e 74.
[3] “A Garantia dos Créditos Laborais no Código do Trabalho”, Questões Laborais n.º 24, Coimbra Editora, págs. 206 e 207.
[4] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.