Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
18/23.5IDCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SANDRA FERREIRA
Descritores: CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
DESCRIÇÃO DAS CONDIÇÕES DE PUNIBILIDADE NA ACUSAÇÃO
PRAZO DE PAGAMENTO DO IMPOSTO APURADO PELO SUJEITO PASSIVO
Data do Acordão: 11/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 105.º, N.º 1, ALÍNEA A), E N.º 4, DA LEI N.º 15/2001 DE 5 DE JUNHO/RGIT
ARTIGOS 27.º E 41.º DO CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO/CIVA
ARTIGO 311.º, ALÍNEAS B) E D), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I - Os prazos para pagamento do IVA apurado pelo sujeito passivo estão legalmente definidos para os contribuintes sujeitos ao regime de tributação mensal e trimestral e resultam da conjugação dos artigos 41.º e 27.º do CIVA.

II - Não constando da acusação que “o pagamento não foi efetuado nos 90 dias que se seguiram ao prazo legal” mas se dela consta que o IVA retido diz respeito a Dezembro de 2021, que este valor era de 18.313,45 €, que não foi pago no prazo legal e que em Setembro de 2023 foi efectuada a notificação para o pagamento de tal quantia e juros no prazo de 30 dias, é linear que a acusação descreve que o montante não foi pago no prazo estabelecido no artigo 27.º, n.º 1, do CIVA nem nos 90 dias que se lhe seguiram, uma vez que em Setembro de 2023 continuava em dívida.

Decisão Texto Integral: *

I. Relatório

Os arguidos AA …, BB …  e …, Lda., foram acusados …, sendo-lhes imputada a prática, “em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 6º nº 1, 12º nº 1, e 105º nºs 1, 2, 3, 4 e 7 do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de junho, sendo a sociedade arguida punida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 7º nº 1, 12º nºs 2 e 3, e 105º nºs 1, 2, 3, 4 e 7 do mesmo diploma legal.”

Em 22.04.2024, foi proferido o seguinte despacho [transcrição]:

“Os arguidos AA …, BB …, e … LDA, encontram-se acusados, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 6º nº 1, 12º nº 1, e 105º nºs 1, 2, 3, 4 e 7 do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de junho, sendo a sociedade arguida punida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 7º nº 1, 12º nºs 2 e 3, e 105º nºs 1, 2, 3, 4 e 7 do mesmo diploma legal.

Nos termos do artº 105º do RGIT (Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de junho) : …

Sucede que compulsado o teor do libelo acusatório constante da Refª 92956926, constata-se que dele não constam os factos relativos ao preenchimento da previsão da alínea a) do nº 4 do citado preceito legal : Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação - que cumulativamente com a previsão da alínea b) do mesmo número e preceito legal : A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito - constituem condições objetivas de punibilidade.

Com efeito, na acusação apenas se narra factualidade atinente à citada alínea b), a saber: «(…) Notificados em 01/09/2023 e 08/09/2023, a título pessoal e na qualidade de legais representantes da sociedade arguida, para efetuar o pagamento da quantia acima referida e respetivos juros de mora no prazo de 30 dias a contar da notificação, os arguidos BB e AA não o fizeram, encontrando-se ainda em dívida aquele montante.»

Os elementos de punibilidade, sejam condições ou causas, têm de constar da matéria de facto alegada na acusação, uma vez que, embora não façam parte do tipo de ilícito ou do tipo de culpa, fazem seguramente parte do tipo de garantia, que abrange, para além do tipo em sentido restrito, ou tipo objetivo, a ilicitude, a culpa e as condições de punibilidade – cfr. Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, Vol. II, AAFDL, pags. 98 e 329.

Ora, revertendo ao caso concreto, não constando da acusação a factualidade respeitante ao preenchimento da previsão da alínea a) do nº 4 do artº 195º do RGIT, no caso, terem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação, não estão preenchidos todos os pressupostos cumulativos da punição, o que significa que não estão narrados na acusação todos os factos que possam constituir crime, enquanto conduta penalmente típica.

Termos em que, ao abrigo das disposições legais citadas, e ainda do artº 311º, nºs 2, al. a) e 3, als. b) e d) do Código de Processo Penal, decide-se rejeitar a acusação deduzida pelo Ministério Público constante da Refª 92956926, por manifestamente infundada.

Sem tributação.

Notifique”

*

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, motivando o recurso, com as seguintes conclusões [transcrição]:

“III. Das conclusões:

1. O princípio da acusação impõe que o juiz apenas deve controlar os vícios estruturais graves da acusação, referidos no artigo 311° n° 3 do Código de Processo Penal.

2. A acusação só deve ser considerada manifestamente infundada, e consequentemente rejeitada, com base na alínea d) do n° 3 do artigo 311° do CPP, quando resultar evidente, que os factos nela descritos, mesmo que porventura viessem a ser provados, não preenchem qualquer tipo legal de crime;

3. A acusação rejeitada cumpre o disposto no artigo 283º, n.º 3, alínea b) do CPP.

4. Resulta dos factos narrados na acusação, que a sociedade arguida é sujeito passivo de IVA, em regime mensal, que os arguidos AA …e BB …, por si e em nome e por conta da sociedade arguida decidiram fazer sua a quantia retida no mês de dezembro de 2021, a título de imposto sobre o valor acrescentado, feitas as deduções legais, no valor de € 18.313,45, não a entregando aos cofres da Estado dentro do prazo legal para o efeito, nem nos 90 dias posteriores ao termo do mesmo, bem como de depois de notificados, em setembro de 2023, para procederem ao pagamento da quantia em causa no prazo de 30 dias, apropriando-se indevidamente daquele montante, integrando-o na sua esfera patrimonial e da sociedade arguida, fazendo-o seu;

5. Praticando tais factos agindo de forma livre, voluntária e consciente e sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

6. Conforme decorre do artigo no artigo 27º, n.º 1, alínea a) do CIVA, o sujeito passivo em regime de periodicidade mensal está obrigado a entregar o montante do imposto exigível até ao dia 25 do 2.º mês seguinte àquele a que respeitam as operações.

7. O imposto retido em causa nos autos refere ao mês de dezembro de 2021,

8. De onde decorre que que o prazo legal para entrega do mesmo à Fazenda Nacional terminou em 25 de fevereiro de 2022.

9. Em setembro de 2023, quando notificados para proceder ao pagamento da quantia em dívida no prazo de 30 dias, os arguidos ainda não tinham procedido à entrega da quantia devida.

10. Assim sendo, resulta que os arguidos não entregaram ao Estado a quantia em causa nos 90 dias posteriores ao termo do prazo legal para o efeito, ou seja, até 26 de maio de 2022.

11. Não se poderá, portanto, concluir, como se fez no despacho recorrido, que da acusação não consta que os arguidos não procederam à entrega do imposto retido no mês de dezembro de 2021, no prazo de 90 dias após o termo do prazo legal previsto para o efeito, conforme disposto no artigo 195º, n.º 4, do RGIT.

12. Por todo o exposto considerar-se que a acusação deduzida no âmbito dos presentes autos não é manifestamente infundada,

14. Pelo que deverá ser revogada a decisão recorrida, pelo facto de o tribunal a quo ter efetuado uma aplicação incorreta do disposto nos artigos 283º, n.º 3, alínea b) e 311º, n.º 2 alínea a) e n.º 3, alínea b), ambos do CPP;

15. E substituída por outra que determine a admissão da acusação dos arguidos pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105º do RGIT, com referência aos artigos 1º, 2º, 4º, 27º e 40º do CIVA, sendo sociedade arguida responsável nos termos do artigo 7º, n.º 1 e a designação de data para julgamento dos arguidos, no âmbito dos presentes autos.

…!”

*

O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Não foi apresentada resposta.

Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer …

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal.

Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.


*

II – questões a decidir.

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – o despacho de rejeição da acusação – a única questão a examinar e decidir é a de saber se a acusação deduzida nos autos contém, ou não, todos os elementos impostos pelo artigo 283º do Código de Processo Penal, designadamente, no que se refere à condição de punibilidade prevista na al. a) do nº 4 do art. 105º do RGIT.


*

III– Fundamentação.

De acordo com o disposto no artigo 283º, nº 3 do Código de Processo Penal, para o que ao caso dos autos importa, “a acusação contém, sob pena de nulidade: (…) b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.

Refere João Conde Correia [Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, Almedina, Coimbra, 2021, págs. 1148-1150]: “A narração dos factos é o ponto fulcral ou o coração (Gerhard Zuberbier, 1991, p. 87) da acusação: ela «deve ser suficientemente clara e percetível não apenas, por um lado, para que o arguido possa saber, com precisão, do que vem acusado, mas igualmente, por outro lado, para que o objeto do processo fique claramente definido e fixado».

(…) A acusação deve limitar-se apenas ao essencial. O relato deve ser, tanto quanto seja possível, conciso, uma redação coerente, compreensível, sem repetições, saltos lógicos ou figuras de estilo.

(…) Nesta tarefa de identificar e separar aquilo que é importante daquilo que é desnecessário, o tipo legal de crime em causa assume especial relevo. «Os tipos (…) são, de certa maneira, os óculos através dos quais o juiz, no posterior decurso da audiência, observa tudo. Aquilo que não pode ser visto através desses óculos é, para ele, irrelevante» (Joachim Hruschka, 1965, p. 23/4)”.

Em resumo, pode dizer-se que a acusação deve conter a narração que justifica a aplicação de uma pena ou medida de segurança aos arguidos, no sentido de que, a provar-se tudo o que da mesma consta, conduzirá inevitavelmente à respetiva condenação.

Por seu turno, afirma António Latas  [Comentário Judiciário do Código de processo penal, Tomo IV, pág. 57] em anotação ao art. 311º, nº 3 do Código de Processo Penal: “ reportando-se a al. b) ao requisito  formal da acusação imposto pelo art. 283º/3/b) o que está em causa é a mera incompletude ou imperfeição da acusação, por não conter, de forma mais ou menos extensa, os factos indispensáveis à condenação do arguido pelo crime que aí lhe é imputado, quer os factos em falta respeitem ao preenchimento do tipo, a causa de punibilidade ou outro elemento essencial à punição do arguido em concreto (…).

            Já na al. d) preveem-se os casos de inviabilidade substantiva da acusação, em virtude de os factos da acusação, em relação aos quais não se verifica qualquer omissão na respetiva descrição, não integrarem a prática do crime indicado na acusação ou qualquer outro (…).

Como se salienta-se no acórdão do TRC  de 27.09.2023 [processo 229/21.8T9CBR.C1, disponível in www.dgsi.pt]: “O art. 311º, nº 3, do CPP prevê apenas os casos extremos pois a rejeição liminar só se justifica em casos limite insusceptíveis de correcção sem prejudicar o direito de defesa fundamental, que a falta dos elementos referidos naquelas alíneas acarretaria. Trata-se de um tipo de nulidade sui generis, extrema, insuperável ou insanável, a ponto de permitir ao juiz de julgamento a intromissão na acusação, de forma a evitar um julgamento sem objecto fáctico e probatório [al. b) e segunda parte da al. c) - provas], sem acusado [al. a)], sem incriminação [al c)], ou sem objecto legal [al. d)].

Daí que o regime de qualquer outro vício da acusação - previsto no art. 283º ou eventualmente em outras disposições legais - terá que ser procurado, fora da previsão do n.º 2, al. a) do art. 311º, por não coberto nem pela letra nem pelo espírito do referido preceito na perspectiva de inserção no direito de defesa e na estrutura acusatória do processo - Ac cit de 14-04-2010.

Assim, o nº 3 do artigo 311º do Código de Processo Penal, - ainda que o legislador não o diga de forma expressa, - veio consagrar um específico regime de nulidades da acusação que, face à gravidade e à intensidade da violação dos princípios processuais penais contidos na Constituição da República Portuguesa, são insuperáveis/insanáveis enquanto a acusação mantiver o mesmo conteúdo material.

Razão por que se entende que a rejeição liminar apenas possa ter lugar naquelas situações típicas extremas e não relativamente a outros vícios de menor densidade.”

Tendo presentes estes ensinamentos, para apreciação da questão trazida aos autos, importa ter presente o teor da acusação deduzida pelo Ministério Público :

 “A arguida … LDA, …

A sociedade arguida é sujeito passivo de IVA, estando inscrita para efeitos desse imposto no regime normal com periodicidade mensal.

Os arguidos AA … e BB… são sócios-gerentes da sociedade arguida, …

Em dezembro de 2021, no âmbito do exercício normal da sua atividade, a sociedade arguida, através da atuação dos arguidos AA … e BB …, prestou serviços pelos quais emitiu faturas em que liquidou €20 496,85 devidos a título de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), que recebeu dos seus clientes.

Do valor global do IVA retido, os arguidos …, na qualidade de legais representantes da sociedade arguida, estavam obrigados a entregar à administração tributária a quantia de €18 313,45 referente ao mês de dezembro de 2021, montante equivalente ao diferencial entre o imposto liquidado a terceiros e o imposto suportado e dedutível.

Não obstante, na qualidade de legais representantes da sociedade arguida terem remetido à Direcção de Serviços de Administração do Imposto sobre o Valor Acrescentado a declaração periódica de IVA referente àquele mês no prazo legal, declarando o valor retido a título de IVA acima referido, os arguidos … não entregaram a totalidade do valor do IVA retido, integrando no seu património e no património da sociedade a quantia de €18 313,45 que estavam obrigados a entregar ao Estado.

Notificados em 01/09/2023 e 08/09/2023, a título pessoal e na qualidade de legais representantes da sociedade arguida, para efetuar o pagamento da quantia acima referida e respetivos juros de mora no prazo de 30 dias a contar da notificação, os arguidos … não o fizeram, encontrando-se ainda em dívida aquele montante.

Os arguidos … agiram sempre consciente e livremente, em nome e no interesse da sociedade arguida, bem sabendo que estavam legalmente obrigados a entregar à administração tributária a importância acima referida que receberam dos clientes da sociedade a título de pagamento de IVA devido pelos serviços prestados pela sociedade arguida.

Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Pelo exposto, os arguidos … incorreram na prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal ….”

Vejamos, então.

Os recorrentes foram acusados da prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 105º, nºs. 1 e 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias

Dispõe o citado artigo 105º, na parte que aqui interessa, o seguinte:

            “1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

(…)

4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:

a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;

b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.”

Importa salientar que os prazos de pagamento são estabelecido pelo Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e decorrem da conjugação do disposto nos arts. 41º e 27º do citado diploma legal, estando legalmente definidos para os contribuintes sujeitos ao regime de tributação mensal e trimestral.

Analisando a acusação deduzida nos autos verificamos que expressamente dela não consta a expressão “o pagamento não foi efetuado nos 90 dias que se seguiram ao prazo legal”.

Porém, tal não significa que naquela peça processual não estejam descritos os factos dos quais se retira que decorreram mais de 90 dias sobre o termo do prazo de pagamento, e que este não foi feito pelos arguidos.

Na verdade no § 2º da acusação deduzida nos autos refere-se expressamente que “A sociedade arguida é sujeito passivo de IVA, estando inscrita para efeitos desse imposto no regime normal com periodicidade mensal” (negrito e sublinhado nosso).

No §  5º escreve-se “ Do valor global de IVA retido os arguidos …, na qualidade de legais representantes  da sociedade arguida, estavam obrigados a entregar à administração tributária a quantia de €18 313,45 referente ao mês de dezembro de 2021, montante equivalente ao diferencial entre o imposto liquidado a terceiros e o imposto suportado e dedutível”.(negrito e sublinhado nossos).

§6º “Não obstante, na qualidade de legais representantes da sociedade arguida terem remetido à Direcção de Serviços de Administração do Imposto sobre o Valor Acrescentado a declaração periódica de IVA referente àquele mês no prazo legal, declarando o valor retido a título de IVA acima referido, os arguidos … não entregaram a totalidade do valor do IVA retido, integrando no seu património e no património da sociedade a quantia de €18 313,45 que estavam obrigados a entregar ao Estado. (negrito e sublinhado nossos).

§ 7º Notificados em 01/09/2023 e 08/09/2023, a título pessoal e na qualidade de legais representantes da sociedade arguida, para efetuar o pagamento da quantia acima referida e respetivos juros de mora no prazo de 30 dias a contar da notificação, os arguidos … não o fizeram, encontrando-se ainda em dívida aquele montante. (negrito e sublinhado nossos)

Ora, se da acusação consta que o imposto retido de IVA diz respeito a dezembro de 2021, que tinha o valor de €18.313,45, que tal valor não foi pago no prazo legal, e que efetuada a notificação em setembro de 2023 para que fosse paga a quantia acima referida – os mencionados €18.313,45 - e respetivos juros no prazo de 30 dias a contar da notificação, parece-nos linear a conclusão de que na acusação se descreve que o montante não só não foi pago no prazo estabelecido no art. 27º, nº 1 do CIVA nem nos 90 dias que se lhe seguiram (art. 105º, nº 4 al. a) do RGIT), pois que em setembro de 2023 continuava em dívida.

Deste modo, ainda que a acusação pudesse ser mais explicita, mas constando dela todos os factos, que descrevem os elementos objetivos e subjetivos e as condições de punibilidade, não se verifica uma situação “típica extrema” e muito concretamente a prevista na al. b) ou d) do art. 311º do Código de Processo Penal, que permitisse a rejeição da acusação por manifestamente infundada.

Procede, pois, o recurso interposto pelo Ministério Público.


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IV. Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam as Juízas da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o despacho recorrido e determinar que seja substituído por outro que, recebendo a acusação, dê seguimento ao processo.

Sem custas.

Notifique.


*

Coimbra, 6 de novembro de 2024

(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
(Juíza Desembargadora Relatora)

Sandra Ferreira

(Juíza Desembargadora Adjunta)

Alexandra Guiné

(Juíza Desembargadora Adjunta)

Ana Carolina Cardoso