Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | ALEXANDRA GUINÉ | ||
| Descritores: | DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO CRIME DE LENOCÍNIO AGRAVADO AMEAÇA GRAVE ESPECIAL VULNERABILIDADE DA VÍTIMA | ||
| Data do Acordão: | 10/08/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 3 | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 30.º, N.º 3, E 169.º, NºS 1 E 2, ALÍNEAS A) E D), DO CÓDIGO PENAL ARTIGO 127.º E 410.º, N.º 2, ALÍNEA C), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
| Sumário: | I - Sob pena de inversão da posição das personagens do processo, a crítica à convicção do tribunal assente na imediação e oralidade e sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção sobre a prova produzida.
II - Não tem de haver inteira coincidência entre as declarações e depoimentos prestados em audiência que suportam a convicção do tribunal, para que o julgador firme a certeza prática sobre a verificação dos factos provados. III - Sobretudo quando a prova seja, essencialmente, pessoal, ao tribunal de recurso cabe aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. IV - Na ausência de impugnação ampla da decisão da matéria de facto, a violação do princípio in dubio pro reo deve ser tratada em termos análogos ao erro notório na apreciação da prova, mas a sua existência só pode ser afirmada quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se concluir que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. V - Ao nível da conduta típica do crime de lenocínio, os n.ºs 1 e 2 do artigo 169.º do Código Penal têm os mesmos componentes, que são a facilitação, o fomento ou favorecimento da prática da prostituição de terceiros, de modo profissional ou com intenção lucrativa, acrescentando o n.º 2 as circunstâncias modificativas que agravam aquela conduta. VI - O bem jurídico tutelado pela incriminação do n.º 2 é a liberdade de autodeterminação sexual da pessoa constrangida por qualquer um dos meios elencados. VII - Ameaçar é anunciar um mal futuro que aparece ao ameaçado como dependente da vontade do agente, aferindo-se a gravidade da ameaça pela sua medida ou intensidade. VIII - Integra o conceito de ameaça grave, da alínea a) do n.º 2 do artigo 169.º do Código Penal, o arguido dizer às ofendidas, com frequência em tom sério, que se não pagassem as quantias provenientes da prostituição e se não atendessem clientes as venderia em Espanha, causando-lhes fundado receio de que tal viesse a acontecer, tanto mais que elas sabiam que o arguido fora condenado por crimes de tráfico de pessoas, sequestro e lenocínio por ter enganado, sequestrado, explorado e transportado várias mulheres portuguesas para Espanha. IX - O conceito de «situação de especial vulnerabilidade» deve ser interpretado «no sentido em que a vítima não tem “outra alternativa possível” … senão submeter-se ao exercício da prostituição». A falta de alternativa possível pode reportar-se, não apenas ao momento inicial da prostituição, como à manutenção de tal actividade, a qual, por sua vez, pode aprofundar a exclusão e o desamparo social, verificando-se a qualificativa quando, em qualquer destas fases (inicial ou de manutenção) o agente se aproveita da «especial vulnerabilidade da vítima». X - Integram o conceito de especial vulnerabilidade da vítima situações de desamparo social, como são os casos em que a pessoa, por exemplo em situação de pobreza extrema e sem possibilidade de prover ao seu sustento e da sua família que dela depende, consente dedicar-se à prostituição. XI - Atenta a natureza pessoalíssima do bem jurídico tutelado, ocorrem tantos crimes de lenocínio quantas as pessoas vitimizadas. | ||
| Decisão Texto Integral: | * Acordam, em conferência, na 5ª secção, do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. Nos autos de processo comum coletivo a correr os seus termos sob o n.º 246/15.7JACBR no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra Juízo Central Criminal de Coimbra - Juiz 3 por Acórdão datado de 20.10.2017, foi, designadamente, decidido condenar o arguido … pela prática de (2) dois crimes de lenocínio p. e p. pelos art.s 169º, nºs 1 e nº 2 als. a) e d) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão por cada um dos crimes, e em cúmulo jurídico de penas na pena única de 3 (três) anos e 10 (dez) meses prisão. 2. Inconformado recorreu o arguido, apresentando, após convite, as seguintes (novas) Conclusões: «1 – … 2 – O Tribunal formou a sua convicção no depoimento da testemunha AA …, cujo testemunho no início se pautou a uma parte limitada dos factos que consubstanciam a acusação. 3 – O Tribunal a quo justifica esse comportamento da testemunha, em concreto “(…) ao facto de uma semana antes do julgamento a BB a ter aconselhado a não falar”. 4 – Não resulta do Douto Acórdão, o teor do conselho, nem sequer, a natureza do mesmo! 5 – No entanto, o Tribunal a quo refere “(…) “que após ter sido seriamente advertida pelo tribunal das consequências de falta à verdade em Tribunal, a mesma reconsiderou a sua postura. (…)”. (Negrito Nosso). 6 – Apesar de Tribunal a quo referir que: “(…) não tem o tribunal qualquer dúvida que a postura inicial da testemunha em audiência de julgamento foi resultado de tal pressão (…)”. 7 – Pergunta-se, com o devido respeito, de que forma pode o Tribunal a quo concluir que a postura inicial da testemunha “foi resultado de tal pressão” - do telefonema da testemunha BB? 8 – E, em simultâneo dar como não provado o seguinte: “Quanto ao imputado telefonema ameaçador feito pelo arguido CC à testemunha BB, nenhuma prova foi feita sobre a mesma, pelo que tal factualidade terá que ser dada como não provada.” 9 – Certo é que o Tribunal a quo advertiu “seriamente” a testemunha, no decorrer do seu depoimento. 10 – No entanto, a dúvida quanto à origem da pressão sobre a testemunha, permanece. 11 – Sobre o veículo com a matrícula ..-..-CR, resultou provado que a sua titularidade é da Arguida AA. 12 – Arguida, que a testemunha AA …, não conseguiu identificar, apesar de ter dado duas bofetadas, ter entrado no carro de sua propriedade à força, de lhe ter roubado o telemóvel e a ter mantido “sequestrada” no interior do carro. 13 – Ainda assim, o Tribunal a quo alicerçou a sua convicção no depoimento desta testemunha. 14 – Testemunha única e, que depôs sob pressão. 15 – Resulta da Fundamentação de Direito do Douto Acórdão, que: “As ofendidas sabiam que o arguido fora condenado por crimes de tráfico de pessoas, sequestro e lenocínio por ter enganado, sequestrado explorado e transportado várias mulheres portuguesas para Espanha”. 16 – Não é consentâneo com a verdade, nem crível, que sendo do conhecimento das ofendidas o passado criminal e o modus vivendi do Arguido, que estas receassem pela sua integridade física. 17 – É do conhecimento comum, que o medo tolhe, paralisa, bloqueia o comportamento do ser humano. 18 – Fica por provar a veracidade do “fundado receio” da ofendida, uma vez que, continuou a prostituir-se, mesmo sendo do seu conhecimento pessoal o passado criminal do Arguido. 19 – O comportamento e o reiterado modus vivendi da ofendida não se pode subsumir ao disposto no artigo 169.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), do Código Penal. 20 – Pelas razões preditas, não pode o Tribunal condenar o Arguido pela prática de um crime de Lenocínio agravado, consubstanciado no depoimento de uma testemunha sob pressão, 21 – sem, violar os princípios da presunção da inocência e “in dúbio pro reo”. 22 – A prova produzida nos presentes autos impunha ao Tribunal a quo decisão diferente da que resulta do Douto Acórdão Recorrido. 23 – Sem prescindir, considera-se a medida concreta da pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão, desproporcional e excessiva. … 3. Em resposta, ao recurso do arguido, o Ministério Público conclui … negando-se provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmando-se o acórdão condenatório proferido, far-se-á Justiça». 6. Nesta Relação, o Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer … 7. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP. 8. Proferido despacho liminar de convite ao aperfeiçoamento foram apresentadas as conclusões supra transcritas, e, após, ser admitido o recurso, foram colhidos os vistos e remetidos e julgados os autos em conferência. II–FUNDAMENTAÇÃO 1. … São questões a resolver: - Da sindicância da matéria de facto; - Do enquadramento típico; - Do excesso da pena. 2. Acórdão recorrido (transcrito na parte ora relevante) «FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: Factos Provados da Acusação Pública: O arguido foi condenado em 20/04/98 no processo nº 1341/97.... na pena de 14 anos e 6 meses de prisão pela prática de crimes de lenocínio, sequestro e tráfico de pessoas. Entre o período compreendido entre 2014 e Junho de 2015, o arguido voltou a viver dos lucros auferidos por mulheres que à sua ordem se prostituíam, nomeadamente de AA … e BB …, desta feita, numa mata na localidade de … A ofendida AA conheceu o arguido por intermédio da ofendida BB. BB … e AA … dedicaram-se, naquele local, de segunda a sábado, desde as 9H00 e as 18H00, à prática remunerada de actos sexuais de relevo, desde, pelo menos, o ano de 2014 ate Junho de 2015, fazendo-o sob vigilância, controle e protecção do arguido. O arguido CC assegurava igualmente o transporte daquelas, desde a residência destas, sita na ... … até à localidade de … e, no final do dia, transportava-as de regresso a casa. Se as ofendidas se atrasassem a sair de casa, o arguido ia busca-las ao seu interior. Todos os dias, o arguido exigia a cada uma das ofendidas a quantia de 50 € do dinheiro que tinham recebido da prática de prostituição, sendo que, em dias que apenas uma delas ali de deslocasse, teria que pagar sozinha a quantia de 100€ ao arguido. Para além desta quantia, as ofendidas pagavam ainda ao arguido um montante diário variável entre 10 e 20 € que se destinava alegadamente ao pagamento do combustível e despesas de manutenção da viatura. O arguido, por forma a manter esta sua fonte de rendimento e a criar fundado pânico nas ofendidas, dizia-lhe com frequência, em tom sério, se não pagassem aquelas quantias e se não atendessem clientes as venderia em Espanha. As vítimas receando pela sua integridade física e vida efectuaram sempre os pagamentos que o arguido exigia e que resultavam exclusivamente dos actos de prostituição que praticavam e a mando deste. As ofendidas sabiam que o arguido fora condenado por crimes de tráfico de pessoas, sequestro e lenocínio por ter enganado, sequestrado explorado e transportado várias mulheres portuguesas para Espanha. * No dia 15 de Junho de 2015, o arguido transportou apenas a ofendida AA … uma vez que a ofendida BB estava doente. Após deixar ali a AA, o arguido ausentou-se do local. * Desde essa data, as ofendidas deixaram de contactar o arguido, abandonaram a actividade de prostituição e não mais voltaram a …. * O arguido agiu com o propósito conseguido de retirar benefícios directos da actividade de prostituição levada a cabo pelas vítimas, actividade esse que o arguido não só facilitou como impôs. Ao dizer com frequência às vítimas que caso não se prostituíssem e ou não pagassem as quantias por ele exigidas as venderia em Espanha, utilizou ainda o arguido violência psicológica criando nas ofendidas fundado receio que tal viesse efectivamente a suceder. Agiu sempre livre, consciente e voluntariamente e sabia que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. * A arguida não tem antecedentes criminais. * Arguido …: Por Acórdão datado de 20.4.1998 transitado em julgado em 5.5.1998, foi o arguido condenado na pena única de 14 anos e 6 meses de prisão pela prática no ano de 1993 de cinco crimes de sequestro em concurso real com quatro crimes de tráfico de pessoas e um crime de lenocínio (Processo Comum Coletivo n.º 1341/97....). Foi concedida a liberdade condicional por decisão de 28.7.2005. Por sentença datada de 19.6.2000, transitada em julgado em 5.7.2000, foi o arguido condenado na pena de 3 meses de prisão pela prática em 19.9.1996 de um crime de detenção de arma proibida (Processo Comum Singular n.º 23/00 do Tribunal Judicial de Montemor-O-Velho). Por Acórdão datado de 17.7.2007 transitado em julgado em 31.7.2007, foi o arguido condenado na pena única de 20 meses de prisão suspensa por 2 anos, pela prática em 15.12.2005 de um crime de coacção e resistência sobre funcionário em concurso real com um crime de desobediência e uma contra-ordenação rodoviária p. e p. pelo art.º 61.º, n.º 6, 146.º, al. d) e 147.º, n.ºs 1 e 2 do CE. (Processo Comum Coletivo n.º 1500/05....). Por Acórdão datado de 12.12.2014 transitado em julgado em 5.1.2016, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos e 9 meses de prisão pela prática em 20.3.2009 de um crime de lenocínio em concurso real com um crime de detenção de arma proibida (Processo Comum Coletivo n.º 339/09....). * Factos Não Provados: … * A prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do C. Processo Penal), liberdade que não pode nem deve significar o arbítrio ou a decisão irracional “puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação” (Prof. Castanheira Neves, citado por Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 43). CONVICÇÃO DO TRIBUNAL: Pelo contrário, a livre apreciação da prova exige uma apreciação crítica e racional, fundada, é certo, nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objectivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros. Quanto à intenção criminosa do arguido, voluntariedade da respectiva conduta e sua consciência da ilicitude, uma vez que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, socorrendo-nos de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência. Neste caso é legítimo o recurso à prova por presunção judicial1, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.° do Código de Processo Penal) (neste sentido, entre outros, o Ac. da RE, de 27.09.2011 in www.dgsi.pt). As presunções judiciais são, no fundo, o produto das regras de experiência. O juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente certos factos são a consequência de outros. Em resumo, conforme refere o Acórdão da Relação do Porto de 14.1.2015, «II -Na avaliação da prova indiciária há que ter presente três princípios: a) o princípio da causalidade, segundo o qual a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal;b) o princípio da oportunidade, segundo o qual a análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito; c) o princípio da normalidade, de acordo com o qual só quando a presunção abstrata se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respetiva valoração judicial, se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno. III- Se não for possível formular um juízo de certeza, mas de mera probabilidade, por subsistir mais do que uma causa provável, sem que os indícios existentes permitam excluir todas as restantes, depois de analisados à luz dos referidos princípios, então valerá o princípio da presunção de inocência, já que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade.» (in www.dgsi.pt). No caso em apreço, o tribunal atendeu, desde logo, ao depoimento da testemunha AA … quer em audiência de julgamento (após ser confrontada com as suas declarações prestadas em sede de inquérito), quer as prestadas perante o Ministério Público (que confirmou ainda as declarações prestadas perante a policia judiciária), nas quais a mesma confirma os factos constantes da acusação relativamente ao arguido CC referente aos imputados crimes de lenocínio. Nesta matéria, se é certo que no início das suas declarações em audiência de julgamento ter referido apenas uma parte limitada dos factos, confrontada com as declarações anteriormente prestadas em inquérito a mesma acabou por confirmar que tudo o que disse anteriormente correspondia ao que efectivamente ocorreu, sendo que referiu a sua postura inicial em audiência de julgamento se devia ao facto de uma semana antes do julgamento a BB a ter aconselhado a não falar. Sendo manifesto estarmos perante uma pessoa frágil com baixa auto-estima, facilmente pressionada, não tem o tribunal qualquer dúvida que a postura inicial da testemunha em audiência de julgamento foi resultado de tal pressão e que após ter sido seriamente advertida pelo tribunal das consequências de falta à verdade em tribunal, a mesma reconsiderou a sua postura, passando, a partir desse momento, a falar com verdade relatando tudo o que efectivamente ocorreu. Com efeito, os pormenores dados pela testemunha em ambas as suas declarações apenas podem resultar de as ter vivido, sendo, aliás, consentâneas com o que em regra ocorre em situações similares. Nestes termos, o tribunal fico plenamente convencido da veracidade das declarações prestadas pela testemunha em inquérito. Quanto à identidade da arguida AA, a testemunha teve sérias dificuldades em identificar a autora dos factos por si mencionados, apenas sabendo tratar-se de uma pessoa que julga chamar-se de AA, nada mais sabendo que permita o tribunal concluir com a segurança exigida que a mesma não tem quaisquer dúvidas que foi a arguida a autora de tais facto. Foi notório que nesta parte a ofendida não conseguia identificar a arguida como a autora dos factos por si declarados, só o tendo feito após ser mostrada uma fotografia. Ficou o tribunal sem saber se a mesma identificou a AA apenas pelo simples facto de lhe ser mostrada uma fotografia de uma pessoa que se chamava AA, ou se era efectivamente esta a autora dos factos por si declarados. Por fim, ficou o tribunal com sérias dúvidas que a referida testemunha tivesse ficado impedida de sair da viatura uma vez que todas as viaturas automóveis permitem a sua abertura por dentro. Estas dúvidas, que não foram ultrapassadas por qualquer outro elemento de prova, nem sequer eram susceptíveis de ser ultrapassadas por qualquer esforço adicional de prova, não podem deixar de levar o tribunal a ficar naquela dúvida insanável sobre a autoria dos factos, o que, por respeito ao princípio in dúbio pro reo, terá que levar o tribunal a dar como não provados todos os factos imputados à arguida AA (sendo certo que nem sequer se provou a relação desta com o arguido CC). Quanto ao imputado telefonema ameaçador feito pelo arguido … à testemunha BB, nenhuma prova foi feita sobre a mesma, pelo que tal factualidade terá que ser dada como não provada. O tribunal atendeu ainda ao teor dos seguintes documentos: … *** …* *** FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: * …(…) * *** ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA: Desta forma, a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em 1º lugar, o da culpa do agente que fixa o limite máximo inultrapassável da pena, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção, especial e geral (a chamada margem de liberdade) (Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210 e Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40). O limite mínimo da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo (cf. Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210). … Definidos todos estes parâmetros, a necessidade da pena respeitar a referida proporcionalidade constitui exigência que resulta, além do mais, do princípio que decorre desse art. 18.º, n.º 2, da CRP, só assim se harmonizando com o Estado de direito democrático. Esse princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três subprincípios: a) princípio da adequação; b) princípio da exigibilidade; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito (Gomes Canotilho/Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra, 2007, págs. 392 e seg.) impõe a proibição do excesso, no sentido de dever prevalecer a intervenção menos gravosa, mas ainda assim idónea e estritamente necessária para as finalidades em vista. Tais critérios devem ser aplicados num acto uno, em que interagem de forma dialéctica. Nesta sede há que atender que a ilicitude e a culpa são conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto a perturbação da paz jurídica contribuem para dar forma ao grau de ilicitude enquanto que a desconsideração; a situação de necessidade; a tentação as paixões que diminuem as faculdades de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa. A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pela magnitude e qualidade do dano causado, devendo atender-se, em sentido atenuativo ou agravativo, tanto as consequências materiais do crime como as psíquicas. Importa, ainda, considerar o grau de colocação em perigo do bem jurídico protegido quer na tentativa quer nos crimes de perigo. A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspecto subjectivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial. (cf. Jeschek, Tratado de Direito Penal, ed espanhola, pág. 780). … No juízo de culpa parte-se de uma concepção de culpa, referida ao facto, em que a personalidade do agente só releva para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico e o fundamenta (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40). A culpa jurídico-penalmente relevante não é uma «culpa em si», mas «uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, ll, 2005, pág. 239). Tal entendimento não afasta a possibilidade de o julgador se socorrer também, de factores estranhos ao facto (strictu sensu), os quais são indubitavelmente necessários à correta determinação da medida da pena, quais sejam, entre outros, os atinentes à personalidade do agente e todos os demais que do n.º2 do art.º 71º do C. Penal constam. Porém, o juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40). No que diz respeito à prevenção geral positiva, entendida, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida (Ac. STJ, 11/1/96, CJSTJ, T.I, p.176. Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia de protecção dos bens jurídicos (Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.214). Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir. Tendo presente tais consideração há que atender no caso em apreço às seguintes circunstâncias: São relevantes as necessidades de prevenção geral positiva nas situações de favorecimento do exercício de prostituição, desde logo, por referência à criminalidade associada a este tipo de actividade, sendo os proventos económicos derivados da mesma camuflados em esquemas de economia paralela, com os efeitos nefastos daí decorrentes para as relações económicas e sociais comunitárias. Este tipo de criminalidade prejudica os pilares de uma sociedade democrática e destrutura os equilíbrios necessários a cada sociedade, prejudicando o tecido saudável da economia e das relações sociais que a mesma pressupõe e exige. Esta realidade exige que as condenações deste tipo de crimes demonstrem que as mesmas são inadmissíveis e que não passam impunes. O modo de execução do crime de lenocínio, evidencia pouca sofisticação de meios, tendo a mesma ocorrido durante um período considerável de tempo. No que toca ao grau de ilicitude e culpa do arguido é de salientar que agiu com dolo directo e intenso com uma clara intenção lucrativa. Acresce que o arguido CC foi totalmente indiferente a este processo judicial, o que demonstra uma personalidade desconforme com os mais elementares princípios que nos regem enquanto comunidade. Por fim, há que atender ao facto de o arguido já ter antecedentes criminais pela prática de crimes de idêntica natureza, estando presentemente condenado numa pena de prisão de 5 anos e 9 meses. A intensidade da prática criminosa e o engenho empregue são também circunstâncias especialmente relevantes, no plano negativo, em relação a este arguido. Em conclusão a ilicitude é incontestavelmente relevante no que concerne ao arguido, sendo prementes quer as exigências de prevenção geral, quer as exigências de prevenção especialNestes termos, tudo ponderado entende o tribunal justo e proporcional fixar por cada um dos crimes a pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão. Nos termos do artigo 78º nº 1 do Código Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena” sendo que, por força do nº 2 do artigo 77º do mesmo Código, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretas aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. A pena aplicável à punição do concurso será encontrada dentro de uma moldura abstracta fixada entre um mínimo igual à pena parcelar mais elevada e o máximo igual ao somatório das penas parcelares. Por força do nº 1 do artigo 77º do Código Penal, na medida da pena são considerados, em conjunto os factos e a personalidade do agente. Assim, atendendo ao conjunto das circunstâncias já anteriormente consideradas na determinação da medida da pena e ainda ao facto de ambos os crimes decorrerem do mesmo circunstancialismo de facto entende-se adequada a pena única de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão. * …A suspensão da execução da pena de prisão assenta num prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente, efectivado no momento da decisão. Parte-se, em resumo, de um juízo de prognose social favorável ao arguido, pela fundada expectativa de que ele, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada e conforme à lei. O art.º 50.º do Código Penal representa um poder-dever, estando o juiz obrigado a suspender a execução da pena de prisão, sempre que os respectivos pressupostos se verifiquem (Ac STJ 4/7/96, in CJSTJ, tomo II, p. 225) (no mesmo sentido cfr. Figueiredo Dias, “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena”, Rev. de Leg. e Jur. ano 124º, pág. 68). Sempre que tal juízo de prognose seja favorável ao delinquente não deverá, em princípio, decretar-se a execução da pena. Mas devem ter-se ainda em conta as necessidades de prevenção geral, não tanto na dependência do seu efeito negativo, de pura intimidação, mas mais no seu efeito positivo, de integração, de reforço da norma e da orientação sócio-cultural que nela se contém. Devem assim ter-se em conta as necessidades de prevenção manifestadas no sentimento jurídico da comunidade. Como refere Figueiredo Dias, uma pena alternativa ou de substituição “não poderá ser aplicada, se com ela sofrer inapelavelmente…«o sentimento de reprovação social do crime». (cf. Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pag. 334). No caso concreto, considerando que o arguido tem antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza, estando por cumprir uma pena de prisão de 5 anos e 9 meses, não é possível formular qualquer juízo de prognose favorável que leve à suspensão da execução da pena de prisão. Nestes termos, tem o mesmo de cumprir em reclusão a pena de prisão supra aplicada». *** 3. Apreciando o recurso Insurgindo-se contra o Acórdão condenatório, o arguido recorrente, sindica a matéria de facto provada, questiona o seu enquadramento típico, e alega ser excessiva a pena fixada. Apreciemos as questões a resolver. I. Da sindicância da matéria de facto. Insurge-se o recorrente contra a decisão da matéria de facto. Como é sabido, a sindicância à matéria de facto pode ser deduzida ao abrigo do disposto no art.º 410.º n.º 2 do CPP, isto é, enquanto erro vício, designadamente, erro notório de apreciação da prova (al. c), ou nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do mesmo diploma legal, ou seja, fazendo uso da denominada impugnação ampla da matéria de facto. Ora, se o erro notório na apreciação da prova (como os demais erros vício previstos no referido n.º 2 do art.º 410.º do CPP) se examina através da análise do texto, já o erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto[1]. Perscrutado o recurso verificamos que, embora sem invocação expressa, a defesa recursiva remete para o regime do erro notório na apreciação da prova, sendo certo que, ainda que outro fosse o entendimento, sempre seria de rejeitar, sem convite ao aperfeiçoamento, a impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do n.º 3 do art.º 412.º do CPP, dado o manifesto incumprimento, seja nas conclusões, seja na motivação, do ónus da impugnação especificada em conformidade com os n.º 3 e 4 deste artigo (v. ainda, art.º 417.º n.ºs 3, a contrario e 4 do CPP). Existe erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, quando o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser tão grosseiro, ostensivo, evidente[2]. Encontramo-nos perante um defeito estrutural da decisão penal, de conhecimento oficioso e cuja evidenciação só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum. É dizer, constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, revelando uma apreciação da prova manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorreta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido[3] . Como se vê, não pode incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que o recorrente possa pretender efetuar à forma como o Tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência de julgamento – valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, ao abrigo do disposto no artigo 127.º do CPP. Preceitua este artigo: «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e quem se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados. E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade. «Com a invocação do vício de erro notório questiona-se, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, na medida em que o tribunal valorizou a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou então quando da decisão se extrai de modo óbvio que optou por decidir, na dúvida, contra o arguido»[4]. «Não raras vezes, erroneamente é certo, o recorrente alega a existência de erro notório na apreciação da prova, referindo expressamente a norma do artigo 410.º, n.º 2, al. c), quando verdadeiramente, como resulta do corpo da motivação e das conclusões, não é isso que pretende invocar. De facto, não é o vício do 410.º que entende que se verifica; o que o recorrente alega, mergulhando na análise dos depoimentos e de outras provas, é que a apreciação da prova é manifestamente errada. Mas isto é uma realidade que se não confunde com o erro notório na apreciação da prova. Dito com palavras claras: a apreciação errada da prova não é logo caso de erro notório na apreciação da prova de que cuida a lei — aquela errada apreciação pode-se não evidenciar, e normalmente não se evidencia, no texto da decisão. Claro que se o recorrente invoca o vício do erro notório do artigo 410.º, e este se não verifica, o tribunal deve declará-lo. O erro notório é o erro que se vê logo, que ressalta evidente da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência»[5]. Lê-se no Acórdão recorrido: «No caso em apreço, o tribunal atendeu, desde logo, ao depoimento da testemunha AA quer em audiência de julgamento (após ser confrontada com as suas declarações prestadas em sede de inquérito), quer as prestadas perante o Ministério Público (que confirmou ainda as declarações prestadas perante a policia judiciária), nas quais a mesma confirma os factos constantes da acusação relativamente ao arguido CC referente aos imputados crimes de lenocínio. Nesta matéria, se é certo que no início das suas declarações em audiência de julgamento ter referido apenas uma parte limitada dos factos, confrontada com as declarações anteriormente prestadas em inquérito a mesma acabou por confirmar que tudo o que disse anteriormente correspondia ao que efectivamente ocorreu, sendo que referiu a sua postura inicial em audiência de julgamento se devia ao facto de uma semana antes do julgamento a BB a ter aconselhado a não falar. Sendo manifesto estarmos perante uma pessoa frágil com baixa auto-estima, facilmente pressionada, não tem o tribunal qualquer dúvida que a postura inicial da testemunha em audiência de julgamento foi resultado de tal pressão e que após ter sido seriamente advertida pelo tribunal das consequências de falta à verdade em tribunal, a mesma reconsiderou a sua postura, passando, a partir desse momento, a falar com verdade relatando tudo o que efectivamente ocorreu. Com efeito, os pormenores dados pela testemunha em ambas as suas declarações apenas podem resultar de as ter vivido, sendo, aliás, consentâneas com o que em regra ocorre em situações similares. Nestes termos, o tribunal fico plenamente convencido da veracidade das declarações prestadas pela testemunha em inquérito. Quanto à identidade da arguida AA, a testemunha teve sérias dificuldades em identificar a autora dos factos por si mencionados, apenas sabendo tratar-se de uma pessoa que julga chamar-se de AA, nada mais sabendo que permita o tribunal concluir com a segurança exigida que a mesma não tem quaisquer dúvidas que foi a arguida a autora de tais facto. Foi notório que nesta parte a ofendida não conseguia identificar a arguida como a autora dos factos por si declarados, só o tendo feito após ser mostrada uma fotografia. Ficou o tribunal sem saber se a mesma identificou a AA apenas pelo simples facto de lhe ser mostrada uma fotografia de uma pessoa que se chamava AA, ou se era efectivamente esta a autora dos factos por si declarados. Por fim, ficou o tribunal com sérias dúvidas que a referida testemunha tivesse ficado impedida de sair da viatura uma vez que todas as viaturas automóveis permitem a sua abertura por dentro. Estas dúvidas, que não foram ultrapassadas por qualquer outro elemento de prova, nem sequer eram susceptíveis de ser ultrapassadas por qualquer esforço adicional de prova, não podem deixar de levar o tribunal a ficar naquela dúvida insanável sobre a autoria dos factos, o que, por respeito ao princípio in dúbio pro reo, terá que levar o tribunal a dar como não provados todos os factos imputados à arguida AA (sendo certo que nem sequer se provou a relação desta com o arguido CC). Quanto ao imputado telefonema ameaçador feito pelo arguido CC à testemunha BB, nenhuma prova foi feita sobre a mesma, pelo que tal factualidade terá que ser dada como não provada». Perscrutado o Acórdão recorrido não se deteta vício na apreciação da prova de que um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dê conta, por o tribunal ter violado as regras da experiência ou ter efetuado uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. Ou seja, no nosso caso, não se verifica erro notório na apreciação da prova (al. c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP), nem tão pouco, acrescenta-se, qualquer dos outros vícios previstos no n.º 2 do referido art.º 410.º do CPP, uma vez que a factualidade provada serve de suporte a uma decisão de direito conscienciosa, e inexiste contradição (insanável ou não) na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão. Portanto, compulsado a sentença recorrida não verificamos nem qualquer erro notório na apreciação da prova, nem qualquer outro erro-vício dos previstos no art.º 410.º n.º 2 do CPP, os quais embora não invocados, são de conhecimento oficioso. A convicção do Tribunal a quo mostra-se consentânea com as regras da experiência comum e não viola qualquer critério legalmente fixado, nem se deu como provado o que não podia ter acontecido. E, o Tribunal é a entidade competente para apreciar a prova segundo as regras da experiência e a livre convicção (art.º 127.º do CPP). «Na tarefa de valoração da prova e de reconstituição dos factos, tendo em vista alcançar a verdade – não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática e processualmente válida –, o julgador não está sujeito a uma “contabilidade das provas”. E não será a circunstância, normal nas lides judiciais, de se contraporem, pela prova pessoal (declarações e testemunhos), versões distintas, a impor que o julgador seja conduzido, irremediavelmente, a uma situação de dúvida insuperável. A função do julgador não é a de encontrar o máximo denominador comum entre os depoimentos prestados, não lhe é imposto ter de aceitar ou recusar cada um deles na globalidade, cumprindo-lhe antes a missão, certamente difícil, de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece ou não crédito e em que termos»[6] . Sob pena de inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que acusam ou dos que esperam a decisão, a crítica à convicção do Tribunal a quo, assente na imediação e oralidade e sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência (art.º 127.º do CPP) não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida. Certo é ainda que não tem de haver inteira coincidência entre as declarações e depoimentos prestados em audiência – mesmo aqueles que suportaram a convicção do Tribunal - para que o julgador firme a certeza prática sobre a verificação dos factos provados. De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.º 127.º do CPP, o juiz é «livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração: pode dar crédito às declarações do arguido ou do ofendido/lesado em detrimento dos depoimentos (mesmo que em sentido contrário) de uma ou várias testemunhas; pode mesmo absolver um arguido que confessa, integralmente, os factos que consubstanciam o crime de que é acusado (v.g. por suspeitar da veracidade ou do carácter livre da confissão); pode desvalorizar os depoimentos de várias testemunhas e considerar decisivo na formação da sua convicção o depoimento de uma só; não está obrigado a aceitar ou a rejeitar, acriticamente e em bloco, as declarações do arguido, do assistente ou do demandante civil ou os depoimentos de testemunhas, podendo respigar desses meios de prova aquilo que lhe pareça credível. O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada». No nosso caso, os factos estão descritos de forma clara e percetível, mostrando-se fundamentados de forma racional e lógica, tendo sido explicado o modo como se firmou à convicção do Tribunal, relativamente aos factos provados e aos factos não provados, com base na prova produzida, e os motivos pelos quais o Tribunal julgou suficientes ou prevalecentes os meios de prova que sustentam a decisão positiva ou negativa da matéria de facto em causa (art.º 374.º n.º 2 do CPP). Na situação dos autos, nada obstava a que o Tribunal recorrido formasse a sua convicção em parte do depoimento prestado por uma das testemunhas, tendo ademais sido claro na justificação apresentada. Sobretudo quando a prova seja essencialmente, pessoal, ao tribunal de recurso cabe aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Invoca o recorrente a violação do princípio in dúbio pro reo. Na ausência de impugnação ampla da matéria de facto, a violação deste princípio pode e deve ser tratada, em termos análogos ao erro notório na apreciação da prova, mas a sua existência só pode ser afirmada quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Ora, a decisão proferida, tendo em conta o seu teor, mostra-se coerente, harmónica, sem antagonismos factuais, não contém factos contrários às regras da experiência comum, nem a existência de erro, que seja patente para qualquer cidadão. É consonante, logicamente interligada e inteligível para qualquer cidadão comum a factualidade provada e não provada e nestes termos não deixa margem para qualquer dúvida na sua apreciação da prova. Não tendo o Tribunal a quo baseado a sua convicção em raciocínios ou juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios ou com desrespeito das regras sobre o valor da prova vinculada e dos princípios da prova, nem manifestado qualquer dúvida insanável, não é possível concluir pela violação do princípio in dubio pro reo. Da conjugação e ponderação de toda a prova produzida, resultou a certeza da prática pelo arguido dos factos dados como assentes, pelo que não cabe falar em violação do princípio in dubio pro reo, que apenas é suscitado quando ocorram dúvidas insuperáveis de prova de determinados factos. Não ocorreu, pois, no caso vertente, qualquer violação ou desconsideração do princípio do in dubio pro reo, reafirmando-se que o Acórdão recorrido não evidencia qualquer dúvida em relação a qualquer facto provado, que o Tribunal recorrido haja resolvido em desfavor do arguido. Tudo considerado, não merece censura a decisão da matéria de facto, que se mostra consolidada nos termos definidos em primeira instância, improcedendo consequentemente, nesta parte, o recurso. 2. - Do enquadramento típico Insurge-se o recorrente contra a sua condenação pela prática de (2) dois crimes de lenocínio agravado p. e p. pelos art.s 169º, nºs 1 e nº 2 als. a) e d) do Código Penal (doravante CP). Alega o recorrente que o «comportamento e o reiterado modus vivendi da ofendida não se pode subsumir ao disposto no artigo 169.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), do Código Penal». Vejamos. Em conformidade com o disposto no artigo 169º do CP: «1 — Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos. 2 — Se o agente cometer o crime previsto no número anterior: a) Por meio de violência ou ameaça grave; b) Através de ardil ou manobra fraudulenta; c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho; ou d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima; é punido com pena de prisão de um a oito anos». Lê-se no Acórdão recorrido: « No caso dos autos, provou-se que, entre o período compreendido entre 2014 e Junho de 2015, o arguido voltou a viver dos lucros auferidos por mulheres que à sua ordem se prostituíam, nomeadamente de AA … e BB …, desta feita, numa mata na localidade de …. A ofendida AA conheceu o arguido por intermédio da ofendida BB. O arguido, por forma a manter esta sua fonte de rendimento e a criar fundado pânico nas ofendidas, dizia-lhe com frequência, em tom sério, se não pagassem aquelas quantias e se não atendessem clientes as venderia em Espanha. As vítimas receando pela sua integridade física e vida efectuaram sempre os pagamentos que o arguido exigia e que resultavam exclusivamente dos actos de prostituição que praticavam e a mando deste. As ofendidas sabiam que o arguido fora condenado por crimes de tráfico de pessoas, sequestro e lenocínio por ter enganado, sequestrado explorado e transportado várias mulheres portuguesas para Espanha. O arguido agiu com o propósito conseguido de retirar benefícios directos da actividade de prostituição levada a cabo pelas vítimas, actividade esse que o arguido não só facilitou como impôs. Ao dizer com frequência às vítimas que caso não se prostituíssem e ou não pagassem as quantias por ele exigidas as venderia em Espanha, utilizou ainda o arguido violência psicológica criando nas ofendidas fundado receio que tal viesse efectivamente a suceder. Agiu sempre livre, consciente e voluntariamente e sabia que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Estamos assim perante uma situação em que não só o arguido usou da ameaça grave, como aproveitou-se da especial vulnerabilidade das ofendidas (estamos perante duas mulheres de débil condição económica), estando, nessa medida, preenchidas as agravantes previstas nas alíneas a) e d) do n.º 2 do art.º 169.º do C.Penal». Nada a censurar às antecedentes considerações, nas quais nos revemos. Apenas reforçando. O crime em causa encontra-se inserido no Código Penal, no CAPÍTULO V «Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual», SECÇÃO I «Crimes contra a liberdade sexual». «Refira-se ainda que, como é bem sabido, o proxenetismo se associa regularmente a uma limitação da liberdade de movimentos, e, portanto, da autonomia, das prostitutas, em troca da sua protecção. O que, assumindo uma dimensão especialmente grave, faz o agente a incorrer no crime qualificado do n.º 2 do art.º 169.º. Serve para dizer que, de um ponto de vista literal e sistemático, o crime do art.º 169.º do CP não pode deixar de ser considerado um crime contra a liberdade»[7]. Ao nível da conduta típica encontramos no n.º 2 os mesmos componentes, que no n.º 1 do art.º 169.º do CP, ou seja, o agente facilita, fomenta ou favorece a prática da prostituição de terceiros, de modo profissional ou com intenção lucrativa, acrescentando-se de que para tal faz uso das circunstâncias modificativas agravantes, nomeadamente, a violência, ameaça grave (al. a)), ardil e manobra fraudulenta (al. b)), abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho (al. c)), aproveitamento da incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima. «A diferença específica entre o lenocínio simples (artigo 169.º, n.º 1) e o lenocínio agravado (artigo 169.º, n.º 2) radica na natureza do relacionamento entre quem explora e quem se prostituiu, isto é, na existência ou não da corrupção da livre determinação sexual: havendo livre determinação sexual de quem se prostitui, o lenocínio é simples; não havendo essa liberdade, o lenocínio é agravado»[8]. Temos por assente que o bem jurídico tutelado pela incriminação do n.º 2 do art.º 169.º do CP é a liberdade de autodeterminação sexual da pessoa, dado que a sua decisão é constrangida por qualquer um dos meios elencando no tipo legal. Prevê o a alínea a) do n.º 2 do art.º 169.º a agravação resultante de o lenocínio ser cometido por meio de violência ou ameaça grave. Ameaçar é anunciar um mal futuro que aparece ao ameaçado como dependente da vontade do agente. A gravidade afere-se pela medida ou pela intensidade da ameaça. Como se lê no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 178/2018: « (…) fenómeno da prostituição, nas últimas décadas, passou a estar ligado ao tráfico de mulheres e de meninas para exploração sexual, um dos negócios mais rentáveis do mundo e que criou a chamada “escravatura” dos tempos modernos, sendo a linha de fronteira entre serviços sexuais prestados com consentimento e prostituição forçada ténue e muito difícil de provar. A prostituição é hoje considerada uma forma de violência contra as mulheres integrada no conceito de violência de género, que atinge de forma desproporcionada as mulheres só pelo facto de o serem (Lobby Europeu de Mulheres, Resolução do Parlamento Europeu, de 5 de abril de 2011). Para além destas considerações, a prostituição é uma instituição patriarcal que promove na sociedade a ideia de que o dinheiro permite aos homens o uso do corpo das mulheres como objeto sexual, propriedade dos homens, constituindo uma violação da dignidade humana de todas as mulheres e um obstáculo à construção de uma sociedade baseada na igualdade de género, tarefa fundamental do Estado imposta constitucionalmente no artigo 9.º, alínea h), da CRP». Prevê a alínea d) do n.º 2 do art.º 169.º a agravação resultante de o lenocínio ser cometido aproveitando-se o agente de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima. O conceito de «situação de especial vulnerabilidade» deve ser interpretado «no sentido em que a vítima não tem “outra alternativa possível” – ideia evocada nos trabalhos preparatórios da Convenção de Palermo e retomada na Decisão-Quadro, de 19 de Julho de 2002 (relativa ao tráfico de seres humanos) – senão submeter-se ao exercício da prostituição. Podem assim configurar-se como crime de lenocínio qualificado situações de desamparo social, como os casos em que a pessoa, por exemplo em situação de pobreza extrema e sem possibilidade de prover ao seu sustento e da sua família que dela depende, consente dedicar-se à prostituição».[9] Consideramos, ainda que esta «falta de alternativa possível» pode reportar-se, não apenas, ao momento inicial da prostituição, como à manutenção de tal atividade, a qual, por sua vez, pode aprofundar a exclusão e o desamparo social, verificando-se a qualificativa quando, em qualquer destas fases (inicial ou de manutenção) o agente se aproveita da «especial vulnerabilidade da vítima». No caso, o arguido dizia com frequência em tom sério às ofendidas que se não pagassem as quantias provenientes da prostituição e se não atendessem clientes as venderia em Espanha, causando-lhes fundado receio de que tal viesse a acontecer. Trata-se de uma ameaça que pela sua gravidade é idónea a corromper a livre determinação sexual das ofendidas, tanto mais que estas sabiam que o arguido fora condenado por crimes de tráfico de pessoas, sequestro e lenocínio por ter enganado, sequestrado explorado e transportado várias mulheres portuguesas para Espanha. A prostituição era exercida pelas vítimas, numa mata, de segunda a sábado, das 9horas às 18 horas, sob a vigilância, controlo e proteção do arguido. Era o arguido quem assegurava o transporte de ida e de regresso, e e caso se atrasassem a sair de casa ia busca-las ao interior da sua residência. Todos os dias, o arguido exigia a cada uma das ofendidas a quantia de 50 € do dinheiro que tinham recebido da prática de prostituição, sendo que, em dias que apenas uma delas ali de deslocasse, teria que pagar sozinha a quantia de 100€ ao arguido. Para além desta quantia, as ofendidas pagavam ainda ao arguido um montante diário variável entre 10 e 20 € que se destinava alegadamente ao pagamento do combustível e despesas de manutenção da viatura. Numa avaliação global e à luz das circunstâncias concretas do caso, revela-se evidente que o arguido por forma a manter a sua fonte de rendimentos se aproveitou (e aprofundou) a situação de exclusão social das vítimas, circunstancialismo, este, que limitava em modo muito significativo a liberdade para abandonarem a atividade de prostituição por parte destas, por não terem, na prática, «outra alternativa possível». Atenta a natureza pessoalíssima do bem jurídico tutelado, o agente cometeu tantos crimes de lenocínio quanto as duas pessoas vitimizadas (art.º 30.º do CP). Tudo considerado, o arguido preencheu com a sua conduta (2) dois crimes de lenocínio agravado p. e p. pelos art.s 169º, nºs 1 e nº 2 als. a) e d) do Código Penal (doravante CP), improcedendo, nesta parte a defesa. 3- Do excesso da pena. No entender do recorrente, o Tribunal a quo, «valorou em excesso as necessidades de prevenção geral», em «detrimento da prevenção especial, não privilegiando, «salvo o devido respeito por melhor opinião, o princípio da congruência», e ao decidir por pena de prisão efetiva, não atendeu princípio da preferência pelas reações criminais não detentivas. Sem qualquer razão, no entanto. Revemo-nos no que a respeito se decidiu no Acórdão recorrido, que por evidente desnecessidade nos abstemos, aqui, de (novamente) transcrever. Apenas em reforço. Evidentes são as necessidades de prevenção geral, exigindo o reforço da consciência jurídica comunitária e do sentimento de segurança face à violação da norma, atenta a reprovação ética e social da obtenção de lucros à custa da prática de atos de prostituição de outrem, ferindo a dignidade da pessoa humana. Elevadas são ainda as necessidades de prevenção especial: o arguido foi anteriormente condenado em diversas penas de prisão efetiva que cumpriu, incluindo por crimes de lenocínio, sem que tal tenha sido suficiente para o demover de praticar os crimes a que se referem os autos. A dosimetria das penas parcelares observa o princípio da culpa, satisfaz a finalidade jurídico-criminal de restauração da validade das normas jurídicas violadas, e preserva o valor da reinserção do arguido na comunidade. Refletindo, novamente, sobre a gravidade dos factos e o quanto revelam sobre a personalidade do arguido, afigura-se-nos equilibrada e equitativa a pena única aplicada. O passado criminal do arguido revela que as penas que foram aplicadas ao longo do tempo não surtiram efeito no sentido de o sensibilizar para um caminho longe da ilicitude. Do princípio da preferência pelas reações criminais não privativas da liberdade, corolário do princípio constitucional da necessidade e subsidiariedade da intervenção penal, resulta que a pena de prisão é uma sanção que só deve ser aplicada como ultima ratio, e não que nunca deva ser aplicada. Nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Perante os antecedentes criminais do arguido, qual é a expectativa de sucesso dissuasor de uma pena de substituição? Como pode ser favorável o juízo de prognose de que tal pena viesse a conformar, positivamente, o seu comportamento em respeito pelo direito? A resposta só pode ser, como no Acórdão recorrido, negativa. Tudo visto, improcede por inteiro o recurso. * Em face do exposto, acordam as Juízas que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo o Acórdão recorrido.III. DISPOSITIVO * Custas pelo arguido fixando em 3 UC.s a taxa de justiça (art.º 513º do CPP e Tabela Anexa III ao RCP). * (Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária, sendo ainda revisto pela segunda e pela terceira signatárias – art.º 94º, nº2, do CPP -, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19º da Portaria nº 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20/09).Coimbra, 8 de outubro de 2025 Alexandra Guiné (Juíza Desembargadora relatora) Sandra Ferreira (Juíza Desembargadora 1.ª adjunta) Sara Reis Marques (Juíza Desembargadora 2.º adjunta)
|