Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | ISABEL GAIO FERREIRA DE CASTRO | ||
| Descritores: | DECLARAÇÕES INCRIMINATÓRIAS DE UM COARGUIDO CORROBORAÇÃO DAS DECLARAÇÕES INCRIMINATÓRIAS DE UM COARGUIDO DIREITO AO SILÊNCIO DIREITO DO CONTRADITÓRIO PROVA INDIRECTA RECOLHA DE IMAGENS POR CÂMARAS DE VIDEOVIGILÂNCIA PARTICULARES SISTEMA DE VIDEOVIGILÂNCIA APROVADO PELA COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS | ||
| Data do Acordão: | 10/25/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA - JUIZ 3 | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 199.º DO CÓDIGO PENAL ARTIGOS 61.º, N.º 1, 125.º, 126.º, E 345.º, N.º 4, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
| Sumário: | I - Inexiste impedimento legal a que as declarações incriminatórias de coarguido em desfavor de outro sejam valoradas como meio de prova, com a credibilidade que o tribunal lhes atribuir, exigindo-se para tanto, porém, a corroboração de tais declarações incriminatórias por outros meios probatórios e o exercício pleno do direito de contraditório.
II - Consubstanciam o exercício do direito ao silêncio, consagrado no artigo 61.º, n.º 1, al. d), do C.P.P., a situação em que o arguido prestou declarações em sede de inquérito e se recusa a prestá-las em julgamento e aquela em que, tendo prestado declarações em julgamento, se recusa em julgamento a responder a perguntas sobre aquilo que disse. III - Perante o silêncio absoluto, as declarações que o arguido prestou incriminando-se a si próprio e ao coarguido não podem ser valoradas quanto a este. IV - A utilização de câmaras de vigilância por particulares, sejam pessoas singulares ou colectivas, destinadas à protecção de pessoas e bens, é lícita desde que não abranja espaços destinados à vida estritamente privada dos cidadãos, sendo lícita a utilização das imagens assim obtidas como meio de prova em matéria criminal, independentemente de terem sido captadas com o conhecimento do visado, com autorização do mesmo, ou de esses sistemas de vigilância terem sido aprovados pela CNDP, ou a utilização dos respetivos dados, não consubstanciando, por isso, nem proibição de produção de prova, nem da respectiva valoração. | ||
| Decisão Texto Integral: | *
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra: I. - RELATÓRIO 1. - No âmbito do processo comum n.º 29/23.0GAPNI, do Juízo Central Criminal de Leiria - Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, com intervenção de tribunal coletivo, foi proferido acórdão que culminou com o seguinte dispositivo [transcrição[1]]: «O Tribunal julga parcialmente procedente a acusação deduzida contra os arguidos … e AA … e, em consequência: 1 a)- Absolve o arguido …, da prática, em co-autoria material e concurso real, de um crime de furto qualificado na forma tentada, … b) Após alteração da qualificação jurídica, condena o arguido …, pela prática em co-autoria material e sob a forma consumada, de 5 (cinco) crimes de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1, al. f), do art. 204.º, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão por cada um deles … c) Após alteração da qualificação jurídica, condena o arguido …, pela prática em co-autoria material e sob a forma consumada, de 2 (dois) crimes de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 2, al. e), do art. 204.º, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um deles … d) Após alteração da qualificação jurídica, condena o arguido …, pela prática em co-autoria material e sob a forma consumada, de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 2, al. e), do art. 204.º, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão … e) Condena o arguido …, pela prática em autoria material e sob a forma consumada, de 1 (um) crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 2, do art. 292.º, e art. 69.º, ambos do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão e na sanção de proibição de conduzir por 9 (nove) meses. f) Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares supra elencadas, condena o arguido … na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período e sujeita a regime de prova, mediante plano a elaborar pela DGRSP. g)- Condena o arguido em custas, no montante de 4 UC. 2 a) Absolve a arguida …, da prática, em co-autoria material e concurso real, de um crime de furto qualificado na forma tentada, … e de catorze crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, alíneas b) e h) … b) Após alteração da qualificação jurídica, condena a arguida …, pela prática em co-autoria material e sob a forma consumada, de 5 (cinco) crimes de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1, al. f), do art. 204.º, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão por cada um deles … c) Após alteração da qualificação jurídica, condena a arguida …, pela prática em co-autoria material e sob a forma consumada, de 2 (dois) crimes de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 2, al. e), do art. 204.º, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão por cada um deles … d) Após alteração da qualificação jurídica, condena a arguida …, pela prática em co-autoria material e sob a forma consumada, de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 2, al. e), do art. 204.º, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão … e) Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares supra elencadas, condena a arguida … na pena única de 6 (seis) anos de prisão. f) Mantém-se a medida coactiva de obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância electrónica, sem prejuízo da revisão periódica e da observação dos prazos máximos respectivos. g) Condena a arguida em custas, no montante de 4 UC. (…)»
2. - Inconformada com tal decisão, dela veio a arguida … interpor recurso, apresentando a respetiva motivação, no termo da qual formulou as seguintes conclusões e petitório [transcrição]: «… 3. A prova produzida em julgamento é insuficiente para determinar a autoria, por banda da recorrente, dos factos relativos aos meses de Novembro de 2022 a Janeiro de 2023: não foi recolhida prova da autoria dos crimes por parte da Recorrente; 4. A Recorrente não foi identificada no local, hora e dia dos factos, nomeadamente pelas testemunhas/ofendidos; 5. A prova documental mostrou-se incapaz e insuficiente para fazer prova de que a recorrente tenha alguma vez cometido, naquelas datas e moradas qualquer crime de furto e, muito menos, furto qualificado … b. As declarações do co-arguido são vagas imprecisas relativamente à participação da recorrente nos factos em causa c. A prova documental é insuficiente para condenar a recorrente 7. Inexiste prova da posse por parte da arguida dos bens furtados 8. Não há indício seguro e razoável para a condenação, inexistindo qualquer outra circunstância capaz de oferecer segurança para a condenação; ….»
3. - A Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância respondeu ao recurso, …
4. - Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, …, este apôs o seu visto.
5. - Colhidos os vistos e realizada a conferência, em consonância com o estatuído no artigo 419º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir. *
II. – FUNDAMENTAÇÃO 1. - … …[2]. …[3]. Assim, tendo em conta as conclusões formuladas pela recorrente e nada se vislumbrando de conhecimento oficioso, a questão a decidir reside em saber se os pontos 2, 3, 4, 10 a 13 … da matéria de facto foram incorretamente julgados provados no que a si respeitam.
2. - O acórdão alvo de recurso tem o seguinte teor, no que concerne à matéria de facto, provada e não provada e motivação sobre a decisão de facto, que se transcreve de seguida: «II- Fundamentação: Da prova produzida e da discussão da causa resultou o seguinte: A- Factos Provados: Da acusação: 1- A arguida … e o arguido … mantêm uma relação de namoro desde Junho de 2022, tendo vivido juntos, como se fossem casados, entre os meses de Novembro de 2022 e Fevereiro de 2023, … 2- A arguida é consumidora diária de cocaína e heroína e não exerce qualquer actividade profissional. 3- Os arguidos decidiram apoderar-se de todos os bens que conseguissem encontrar em habitações e veículos, de modo a depois os vender ou os trocar por produtos estupefacientes. 4- Na senda desse plano, acordado entre ambos, os arguidos fizeram-se transportar em quase todas as ocasiões no veículo de marca …, propriedade do arguido. … 10- A hora não concretamente apurada, mas compreendida entre as 19 horas do dia 12 de Novembro de 2022 e as 14 horas do dia 4 de Dezembro de 2022, a arguida e o arguido … dirigiram-se à habitação sita na Rua … com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 11- Aí chegados, os arguidos partiram uma janela da cave da habitação e aí entraram. Após, e com a utilização de um martelo e um formão, os arguidos forçaram e rebentaram a fechadura da porta do andar de cima, tendo vasculhado o interior da residência. 12- Nesse circunstancialismo de tempo e lugar os arguidos apoderaram-se de vários bens que aí encontraram, designadamente: i. vários pedaços de coral seco; ii. dois pedaços de corais marinhos; iii. detergentes; iv. dois esquentadores; v. uma placa de forno; vi. dois fogões; vii. um micro-ondas; viii. cinco cortinados ainda embalados; ix. uma máquina de lavar e secar roupa; x. uma torradeira; xi. dois aspiradores verticais; xii. um jarro eléctrico; xiii. uma varinha mágica; xiv. um liquidificador; xv. um robot de cozinha; xvi. duas televisões de marca Samsung; xvii. uma tábua de engomar, uma capa para a tábua e um ferro de engomar; xviii. dois estendais de roupa eléctricos; xix. três aquecedores a óleo; xx. um desumidificador xxi. uma balança; xxii. seis tapetes; xxiii. treze colchas e mantas; xxiv. um bengaleiro; xxv. quatro conjuntos de tolhas; xxvi. um secador; xxvii. uma panela de pressão; xxviii. cinco candeeiros; xxix. um colchão; xxx. uma cama sommier; xxxi. um par de patins em ferro, com quatro rodas com o valor total atribuído de € 12.323,52 (doze mil trezentos e vinte e três euros e cinquenta e dois cêntimos). 13- Na posse dos referidos objectos, que fizeram seus, os arguidos abandonaram o local. … 14- No dia 5 de Dezembro de 2022, entre as 5 e as 6 horas da madrugada, a arguida e o arguido BB dirigiram-se à habitação sita na Travessa ..., em ... (propriedade de CC) com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 15-Verificando que o portão das traseiras da habitação se encontrava aberto, os arguidos por aí entraram. 16- No interior do pátio da habitação os arguidos pegaram em diversos objectos, designadamente os seguintes: i. cinco pranchas de surf; ii. seis fatos de surf; com o valor total atribuído de € 4.056,00 (quatro mil e cinquenta e seis euros). 17- Na posse dos referidos objectos, que fizeram seus, os arguidos abandonaram o local. [NUIPC 433/22.1GAPNI – (D)] 18- A hora não concretamente apurada, mas compreendida entre as 21 horas e 30 minutos do dia 15 de Dezembro de 2022 e as 5 horas e 30 minutos do dia seguinte, a arguida e o arguido BB dirigiram-se à habitação sita na Rua ..., em ..., na ... (propriedade de DD) com o intuito de se introduzirem no seu interior, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 19- Nesse momento os proprietários da habitação estavam no interior dos seus quartos, a dormir. 20- Verificando que o portão da garagem estava aberto e ligeiramente levantado, os arguidos aí entraram e retiraram diversos objectos. 21- Após, e aproveitando o facto de a mencionada garagem ter ligação ao resto das divisões da habitação, os arguidos retiraram diversos objectos, designadamente os seguintes: i. dois telemóveis (um Iphone 6S e um Iphone 11); ii. uma caixa de tabaco de enrolar; iii. uma moto-serra; iv. uma serra circular com disco; v. duas lixadeiras; vi. dois berbequins; vii. dezasseis fatos de neoprene; viii. um carrinho de bebé; ix. uma mochila de marca “Dakine”; com o valor total atribuído de € 3.300,00 (três mil e trezentos euros). 22- Na posse dos referidos objectos, que fizeram seus, os arguidos abandonaram o local. [NUIPC 19/23.3GAPNI – (E)] 23- A hora não concretamente apurada mas compreendida entre as 19 horas e 30 minutos do dia 29 de Dezembro de 2022 e as 9 horas e 30 minutos do dia seguinte, indivíduos de identidade não apurada dirigiram-se à habitação sita na Rua ..., ..., ... (propriedade de EE) com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 24- Aí chegados, um dos indivíduos de identidade não apurada saltou o portão e entrou no pátio da residência, abrindo-o ao outro a partir do seu interior. 25- Após, retiraram desse local uma máquina de lavar roupa, com o valor de € 229,99 (duzentos e vinte e nove euros e noventa e nove cêntimos). 26- Na posse da mencionada máquina, que fizeram sua, abandonaram o local. [NUIPC 11/23.8GAPNI – (F)] 27- A hora não concretamente apurada mas compreendida entre as 10 horas do dia 30 de Dezembro de 2022 e as 10 horas do dia seguinte, a arguida e o arguido BB dirigiram-se à habitação sita na Rua ..., em ..., na ... (propriedade de FF) com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 28- Aí chegados, e verificando que uma porta das traseiras não estava trancada à chave, os arguidos aí entraram. 29- Uma vez no se interior, os arguidos vasculharam as várias divisões e retiraram diversos bens, designadamente os seguintes: i. Uma máquina de lavar roupa; ii. Um capacete de motociclo; iii. Um rádio leitor de CD; iv. Uma máquina de café; v. Duas televisões; vi. um aspirador de mão; vii. um ferro de engomar; viii. uma tostadeira; ix. um medidor de tensão; x. uma batedeira; xi. uma balança de wc; xii. um fervedor eléctrico; xiii. várias panelas e tachos; xiv. diverso talher; xv. diversas peças de vestuário e roupa de cama; xvi. Duas garrafas de whiskey; com o valor total atribuído de € 1.100,00 (mil e cem euros). 30- Na posse dos mencionados objectos, que fizeram seus, os arguidos abandonaram o local. [NUIPC 6/23.1GAPNI – (G)] 31- A hora não concretamente apurada mas compreendida entre as 15 horas do dia 3 de Janeiro de 2023 e as 8 horas e 30 minutos do dia seguinte, indivíduos de identidade não apurada circulavam na Avenida ..., em ..., quando avistaram estacionado junto ao “...” o veículo de marca Renault com a matrícula SF-..-.., e decidiram parar junto ao mesmo. 32-Verificando que o mencionado veículo (propriedade de GG) não tinha as portas trancadas, decidiram abri-lo e aceder ao seu interior a fim de daí retirarem todos os objectos de valor que encontrassem, o que fizeram. 33- Os indivíduos de identidade não apurada retiraram do veículo vários bens, designadamente os seguintes: i. uma coluna JBL que estava no porta-luvas; ii. uma mala de senhora; iii. várias peças de roupa; iv. detergente; v. pão; com o valor total atribuído de € 347,00 (trezentos e quarenta e sete euros). 34- Na posse dos mencionados objectos, que fizeram seus, abandonaram o local. [NUIPC 16/23.9GAPNI – (H)] 35- A hora não concretamente apurada mas localizada entre as 9 horas do dia 4 de Janeiro de 2023 e as 16 horas do dia 7 do mesmo mês, indivíduos de identidade não apurada dirigiram-se à habitação sita na Rua ..., nos ..., ... (propriedade de HH) com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 36- Verificando que o portão principal da habitação se encontrava entreaberto, aí entraram. Após entraram na cozinha da habitação através de uma porta que não estava trancada, vasculharam as várias divisões da habitação e apoderaram-se de vários bens que aí encontraram, designadamente: i. uma cafeteira eléctrica; ii. uma torradeira; iii. vários talheres; iv. um bule; v. uma travessa; vi. uma serra eléctrica; vii. uma travessa em prata com a inscrição “25.º Aniversário”; viii. um conjunto de chá composto por dois bules, uma travessa, um açucareiro e uma leiteira; ix. um castiçal banhado a prata; x. dois secadores de cabelo; xi. uma cigarreira em metal com um isqueiro; xii. uma extensão eléctrica; xiii. vários lençóis e toalhas de rosto; xiv. uma chave da porta da cozinha; xv. dois ferros modeladores de cabelo com o valor total atribuído de € 1.000,00 (mil euros). 37- Na posse dos referidos objectos, que fizeram seus, abandonaram o local. [NUIPC 9/23.6GAPNI – (I)] 38- No dia 5 de Janeiro de 2023, entre as 5 horas e 30 minutos e as 6 horas, os arguidos deslocaram-se até à habitação sita na Rua ..., na ... (propriedade de II e JJ) com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 39- Nesse momento os proprietários da habitação estavam no quarto, a ver televisão. 40- Verificando que o portão da garagem não estava totalmente fechado, os arguidos aí entraram, tendo depois acedido ao interior da habitação e apoderaram-se de vários bens que aí encontraram, designadamente: i. uma mala de senhora que continha no seu interior notas no montante de € 150,00 (cento e cinquenta euros); ii. vários fios e medalhas em prata; iii. uma botija de gás; iv. uma moto-serra; v. uma televisão; vi. um terço; vii. um pin/ medalha com a imagem de Nossa Senhora de Fátima; viii. um par de brincos prateados com uma pedra de cor branca; ix. uma prega em forma de anjo; x. uma medalha com a imagem de Nossa Senhora de Fátima; xi. um anel de cor cinza; xii. uma garrafa de licor de ginja; com o valor total não apurado, mas superior a € 1.000,00 (mil euros). 41- Na posse dos referidos objectos, que fizeram seus, os arguidos abandonaram o local. [NUIPC 15/23.0GAPNI – (J)] 42- A hora não concretamente apurada mas localizada entre as 21 horas do dia 6 de Janeiro de 2023 e as 9 horas do dia seguinte, indivíduos de identidade não apurada dirigiram-se à habitação sita na Rua ..., ..., na ..., ... (propriedade de KK) com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 43- Nesse momento os proprietários da habitação estavam no interior dos seus quartos, a dormir. 44- Verificando que o portão da garagem estava entreaberto, indivíduos de identidade não apurada aí entraram, tendo retirado uma máquina de lavar roupa, com o valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros). 45- Na posse do referido bem, que fizeram seu, abandonaram o local. [NUIPC 29/23.0GAPNI] 46- A hora não concretamente apurada do dia 11 de Janeiro de 2023, a arguida e o arguido BB dirigiram-se à habitação sita na Rua ..., ..., na ... (propriedade de LL) com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 47- Verificando que o portão principal da habitação se encontrava entreaberto, os arguidos aí entraram. Após a arguida empoleirou-se na janela da sala da habitação e aí se introduziu, tendo depois aberto a porta da cozinha a fim de permitir a entrada no local do arguido BB. 48- Uma vez no seu interior, os arguidos vasculharam gavetas e portadas das secretárias e armários e apoderaram-se de vários bens que aí encontraram, designadamente: i. um lava-loiça; ii. um esquentador da marca Vulcano; iii. um autoclismo; iv. um serviço de loiça de porcelana, marca Vista Alegre; v. um serviço de talheres de inox com cabo em plástico de cor creme; vi. um serviço de copos de cristal; vii. uma grelha da churrasqueira; viii. várias grelhas de escoamento das águas do quintal; ix. várias peças de vestuário; x. vários conjuntos de lençóis e cobertores; xi. vários cortinados; xii. oito candeeiros de teto; xiii. um conjunto de chaves; xiv. uma caixa com várias ferramentas, designadamente uma rebarbadora eléctrica e xv- um berbequim, com o valor total não apurado, mas superior a € 102,00 (cento e dois euros). 49- Na posse dos referidos objectos, que fizeram seus, os arguidos abandonaram o local. * 50- A hora não concretamente determinada do dia 13 de Janeiro de 2023, os arguidos deslocaram-se novamente à habitação supra mencionada, com o intuito de se introduzirem no seu interior, e de se apoderarem dos restantes bens de valor que aí encontrassem. 51- Verificando que o portão principal da habitação continuava aberto, os arguidos aí entraram, tendo estacionado desta forma o veículo nas traseiras da habitação de modo a facilitar o transporte dos bens que daí retirassem. Após, e de modo não concretamente apurado, aí se introduziram. 52- Nesse dia retiraram do interior da habitação os seguintes objectos: i. uma televisão de marca desconhecida; ii. um esquentador de marca Vulcano; iii. duas carpetes, cada uma com cerca de 3 metros; iv. um conjunto de três tapetes de quarto; v. uma passadeira de corredor; vi. várias torneiras e loiças de casa de banho; vii. um suporte para rolo de papel higiénico e esfregão em inox; viii. um carrinho de transporte de materiais; ix. uma máquina de engarrafar rolhas de cortiça com pega vermelha; x. um sino em metal que servia de campainha e que estava junto ao portão de entrada de casa; xi. diversos artigos em ferro utilizados para apoio à lareira; 60 e (336 xii. um conjunto de tachos em esmalte brancos com fundo preto ornamentados com motivos florais, com o valor total não determinado, mas superior a € 102,00 (cento e dois euros). 53- Na posse dos referidos objectos, que fizeram seus, os arguidos abandonaram o local. [NUIPC 51/23.7GAPNI – (K)] 54- A hora não concretamente apurada mas localizada entre as 9 horas do dia 23 de Janeiro de 2023 e as 12 horas do dia 1 de Fevereiro de 2023, indivíduos de identidade não apurada dirigiram-se à habitação sita na Rua ..., em ... (propriedade de MM) com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 55- Aí chegados, indivíduos de identidade não apurada saltaram o muro das traseiras e conseguiram aceder a uma pequena arrecadação que não tinha a porta trancada à chave. 56- Daí retiraram uma máquina de lavar roupa, com o valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros). 57- Na posse do referido bem, que fizeram seu, abandonaram o local. [NUIPC 92/23.4GAPNI – (L)] 58- A hora não concretamente apurada mas compreendida entre as 21 horas do dia 26 de Janeiro de 2023 e as 10 horas do dia seguinte, a arguida e o arguido BB dirigiram-se à habitação sita no Beco ..., ..., na ... (propriedade de NN) com o intuito de se introduzirem no seu interior, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 59- Verificando que uma das janelas da habitação estava aberta, os arguidos empoleiraram-se na mesma e aí entraram. 60- Uma vez no seu interior, os arguidos vasculharam e apoderaram-se de vários bens que aí encontraram, designadamente: i. uma caixa de ferramentas; ii. uma tesoura de poda; iii. uma serra de cortar ferro; iv. um conjunto de chaves com várias inscrições; v. uma playstation; vi. uma televisão marca LG preta; vii. uma moto-serra; viii. uma rebarbadora; ix. um disco diamante; x. uma cana de pesca; xi. um carreto; xii. três panos do pó; xiii. várias latas de comida; xiv. um par de luvas; xv. várias panelas; xvi. diversas facas e peças de loiça; xvii. duas esculturas de madeira em forma de peixe; xviii. uma azeitoneira em forma de galo; xix. uma base de cozinha em cerâmica em forma de abóbora; xx. duas peças de decoração em porcelana em forma de galinha e de maçã; xxi. vários garfos, facas e colheres; xxii. um abafador de fogo marca “MHI extinguisher” vermelho; com o valor total atribuído de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros). 61- Na posse dos referidos objectos, que fizeram seus, os arguidos abandonaram o local. [NUIPC 183/23.1T9PNI – (M)] 62- Cerca das 22 horas do dia 27 de Janeiro de 2023, a arguida e o arguido BB dirigiram-se à habitação sita na Rua ..., no ..., ... com o intuito de se introduzirem no seu interior, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 63- Verificando que o portão da habitação se encontrava destrancado, os arguidos entraram no quintal e começaram a vasculhar no meio de uns plásticos que aí se encontravam, à procura de algum bem ou metal com valor. 64- Quando aí se encontravam, foram abordados por OO e PP, familiares do proprietário daquela casa, momento em que fugiram do local sem nada levarem. 65- Naquela habitação existiam objectos e valores susceptíveis de serem retirados pelos arguidos de valor superior a € 102,00 (cento e dois euros). [NUIPC 155/23.6GAPNI – (N)] 66- No dia 29 de Janeiro de 2023, pelas 04 horas e 20 minutos, na EN ...14, na ..., o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros com matrícula ..-ZZ-.., após ter consumido cocaína. 67- Apresentava no sangue a presença de <25 ng/ml de morfina, 76+-23 ng/ml de cocaína e 1321+-402 ng/ml de benzoilecgonina 68- O arguido, antes de conduzir, havia consumido cocaína, o que lhe provocou um estado de euforia, perda de sentido crítico, diminuição da sensação de fadiga e aumento da autoconfiança, tendo, mesmo assim, decidido conduzir o aludido veículo. 69- Os arguidos actuaram em todos os momentos em comunhão de esforços e no âmbito de um plano previamente traçado entre ambos, com o propósito concretizado de fazerem seus os objectos acima referidos, o que lograram, à excepção do descrito no ponto 64), em que a intervenção de terceiros impediu a concretização dos seus objectivos. 70- Agiram sempre os arguidos com o propósito concretizado de fazer seus os bens que conseguissem retirar das habitações, integrando-os na sua esfera patrimonial, bem sabendo que não tinham legitimidade ou autorização para entrar naqueles locais, nas condições em que o fizeram, e bem sabendo que agiam contra a vontade dos seus legítimos proprietários/detentores, causando-lhe os inerentes prejuízos patrimoniais. 71- O arguido tinha ainda conhecimento dos princípios activos, das características químicas, natureza e efeitos das substâncias que consumiu no dia 29 de Janeiro de 2023 e que o respectivo consumo colocava em causa a segurança no exercício da condução e, ainda assim, decidiu conduzir. 72- O arguido actuou de forma livre e voluntária, bem sabendo que se encontrava sob a influência de produtos estupefacientes e que, nessas condições, lhe estava vedada a condução de veículo a motor na via pública, não se coibindo de o fazer, o que representou. 73- Agiram os arguidos, em todos os momentos, de modo consciente e voluntário, bem sabendo serem as suas condutas proibidas por lei e tinham a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação. Factos pessoais do arguido BB: 74- O processo de desenvolvimento do arguido decorreu em meio rural, num contexto sociofamiliar aparentemente propício à transmissão de comportamentos e valores integrados; o seu núcleo familiar era composto pelos progenitores e por mais dois irmãos mais velhos e uma irmã mais nova, sendo o pai armador de ferro, a mãe doméstica. 75- Iniciou a escolaridade na idade normal, tendo completado um curso profissional com equivalência ao 12.º ano de escolaridades aos 19 anos de idade, após o que iniciou o seu percurso profissional. 76-Desenvolveu diversas actividades laborais (operário fabril, empregado de loja, trabalhador na hotelaria) até se fixar na de armador de ferro, há cerca de 20 anos; desenvolveu esta última actividade por conta própria e, durante cerca de 10 anos, por conta do seu irmão QQ, que o considera um bom profissional. 77- Entre agosto e novembro de 2022 encontrou-se a trabalhar na Holanda, após o que ficou desempregado. 78- Residiu sempre com os pais, tendo passado na idade adulta a ocupar o andar superior da moradia destes. 79- Casou aos 21 anos, mas o relacionamento cessou ao fim de cerca de um ano e manteve, desde então, outros relacionamentos afectivos, mas o único que considera significativo é o que estabeleceu com a co-arguida em meados de 2022. 80- Iniciou o consumo de canábis na adolescência, até há cerca de dois anos, altura em que começou a consumir cocaína e, após iniciar a relação com a co-arguida, também heroína. 81- Entre novembro de 2022 e janeiro de 2023, o arguido mantinha a relação afectiva iniciada há alguns meses com a co-arguida, coabitando o par na residência daquele, residindo o par também durante algumas semanas na habitação da co-arguida. 82- BB manteve-se desempregado até há cerca de 5 meses, tendo então iniciado catividade profissional como armador de ferro, por conta da empresa “A...”, cujo vinculo cessará por ter uma oferta de trabalho de outra empresa similar que considera mais vantajosa. 83- Iniciou processo terapêutico no Projeto “Acompanha” em 09.03.2023 e cessou o mesmo em 29.10.2023, por opção própria, tendo estado integrado no Programa de Metadona. 84- Não havia indicadores de retoma de consumos à data de abandono do Programa. 85- O seu relacionamento com a co-arguida interrompeu-se em maio do corrente ano, data a partir da qual esta se encontra sujeita a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica. 86- O par mantém os contactos, embora dificultados pelo facto de tanto a progenitora de BB quanto os progenitores da co-arguida se oporem ao relacionamento. 87-BB nutre sentimentos afectivos pela co-arguida, verbalizando ser seu desejo poder vir a retomar vida em comum com esta. 88- Aufere um salário líquido no valor de 750 euros mensais, tendo encargos fixos mensais, relativos ao pagamento de prestações de créditos pessoais, no valor de cerca de 165 euros, contribuindo junto da progenitora com cerca de 100 euros mensais para despesas relativas a alimentação. 89-Do CRC deste arguido não constam condenações. Factos pessoais da arguida AA: 90- A arguida processou o seu desenvolvimento em meio rural, num contexto socio-familiar aparentemente propício à transmissão de comportamentos e valores integrados. 91- O seu núcleo familiar era composto pelos progenitores e por mais dois irmãos; o pai é pescador e a mãe empregada doméstica e ambos se encontram aposentados, apesar de manterem actividade profissional. 92- Frequentou a escola até cerca dos 17 anos de idade, tendo concluído um curso profissional que confere equivalência ao 9.º ano de escolaridade. 93- Iniciou então a sua trajectória profissional, a qual se tem centrado na realização de trabalhos na área das limpezas, por sua conta ou em conjunto com a progenitora, e também na área da hotelaria e restauração, em estabelecimentos da área de residência, actividade esta com carácter mais sazonal. 94- Residiu com os progenitores até cerca dos 22 anos, idade em que iniciou a sua relação afectiva mais significativa e duradoura que viria a cessar cinco anos depois com o falecimento do companheiro, reintegrando o agregado dos progenitores. 95- Manteve posteriormente outros relacionamentos, sendo o mais significativo, de acordo com o que refere, aquele que iniciou com o co-arguido em meados de 2022. 96- Iniciou o consumo de canábis no final da adolescência, passando depois ao consumo de heroína e cocaína, do qual se tornou dependente. 97- Desde há cerca de três anos que se encontra a ter seguimento no Projecto “Acompanha”, embora com registo de consumos de heroína e cocaína. 98- Entre novembro de 2022 e janeiro de 2023, a arguida mantinha a relação afectiva com o co-arguido, coabitando o par na residência deste, residindo também durante algumas semanas na habitação da arguida. 99- AA mantinha actividade laboral não regular na área das limpezas e, aos fins de semana, na restauração. 100- Mantinha seguimento terapêutico no Projecto “Acompanha”, integrada no Programa de Metadona, o qual prossegue. 101- A coabitação com o co-arguido interrompeu-se em maio do corrente ano, data a partir da qual AA se encontra sujeita à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica aplicada no presente processo. 102- O par mantém os contactos, embora dificultados pelo facto de tanto os seus progenitores quanto a progenitora de BB se oporem ao relacionamento. 103- A arguida subsiste na dependência dos progenitores, que lhe proporcionam habitação, alimentação e dinheiro de bolso. 104- A arguida já foi condenada: a) No Proc. 550/11...., do ... Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão de 27/09/12, pela prática, em 21/11/11, de 1 crimes de furto qualificado, na pena de 33 meses de prisão, suspensa por 33 meses. b) No Proc. 464/11...., do Juízo de Competência Genérica do Tribunal Judicial ..., por decisão de 24/06/15, pela prática, em 10/11, de 2 crimes de furto qualificado, p. p. pelo art.º 203º nº 1 e 204º nº 1 al f) do C. Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por 3 anos e 6 meses. c) No Proc. 677/11...., do Tribunal Judicial ..., por decisão de 11/02/13, pela prática, em 11/11, de 1 crime de furto qualificado, p. p. pelo art.º 203º nº 1 e 204º nº 1 al f) do C. Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €. d) No Proc. 562/11...., do Juízo Central Criminal de Leiria, J-..., por decisão de 7/05/14, pela prática, em 28/11/11, de 2 crimes de furto qualificado, p. p. pelo art.º 203º nº 1 e 204º nº 1 al f) do C. Penal, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa por 3 anos e 9 meses. e) No Proc. 883/18...., do Juízo Local Criminal ..., J-..., por decisão de 2/05/19, pela prática, em 23/12/18, de 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €. f) No Proc. 61/19...., do Juízo Local Criminal ..., por decisão de 20/08/19, pela prática, em 19/07/19, de 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €. g) No Proc. 63/19...., do Juízo Local Criminal ..., por decisão de 20/11/19, pela prática, em 29/08/19, de 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal e de 1 crime de desobediência, na pena única de 250 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €. B- Factos não provados: Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente que: 1- Os arguidos consomem diariamente estupefacientes, com um custo que ascende à quantia média de € 50,00. [NUIPC 388/22.2GAPNI – (A)] 2- A hora não concretamente apurada mas compreendida entre as 12 horas do dia 11 de Novembro de 2022 e as 19 horas do dia 18 de Novembro de 2022, a arguida e o arguido BB dirigiram-se à habitação sita na Rua ..., em ..., ... (propriedade de RR) com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 3- Verificando que uma das janelas das traseiras da habitação estava aberta, os arguidos empoleiraram-se na mesma e aí entraram. 4- Uma vez no seu interior, os arguidos vasculharam e apoderaram-se de vários bens que aí encontraram, designadamente: i. uma televisão; ii. várias garrafas de bebidas alcoólicas; iii. vários cobertores; iv. várias peças e cristal; v. várias panelas e tachos; com o valor total não esclarecido, mas superior a € 102,00 (cento e dois euros) 9- Na posse dos referidos objectos, que fizeram seus, os arguidos abandonaram o local. [NUIPC 19/23.3GAPNI – (E)] 10- A hora não concretamente apurada mas compreendida entre as 19 horas e 30 minutos do dia 29 de Dezembro de 2022 e as 9 horas e 30 minutos do dia seguinte, a arguida e o arguido BB dirigiram-se à habitação sita na Rua ..., ..., ... (propriedade de EE) com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 11- Aí chegados, a arguida AA saltou o portão e entrou no pátio da residência, abrindo-o ao arguido a partir do seu interior. 12- Após ambos os arguidos retiraram desse local uma máquina de lavar roupa, com o valor de € 229,99 (duzentos e vinte e nove euros e noventa e nove cêntimos). 26- Na posse da mencionada máquina, que fizeram sua, os arguidos abandonaram o local. [NUIPC 16/23.9GAPNI – (H)] 27- A hora não concretamente apurada mas localizada entre as 9 horas do dia 4 de Janeiro de 2023 e as 16 horas do dia 7 do mesmo mês, a arguida e o arguido BB dirigiram-se à habitação sita na Rua ..., nos ..., ... (propriedade de HH) com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 28- Verificando que o portão principal da habitação se encontrava entreaberto, os arguidos aí entraram. Após entraram na cozinha da habitação através de uma porta que não estava trancada, vasculharam as várias divisões da habitação e apoderaram-se de vários bens que aí encontraram, designadamente: i. uma cafeteira eléctrica; ii. uma torradeira; iii. vários talheres; iv. um bule; v. uma travessa; vi. uma serra eléctrica; vii. uma travessa em prata com a inscrição “25.º Aniversário”; viii. um conjunto de chá composto por dois bules, uma travessa, um açucareiro e uma leiteira; ix. um castiçal banhado a prata; x. dois secadores de cabelo; xi. uma cigarreira em metal com um isqueiro; xii. uma extensão eléctrica; xiii. vários lençóis e toalhas de rosto; xiv. uma chave da porta da cozinha; xv. dois ferros modeladores de cabelo com o valor total atribuído de € 1.000,00 (mil euros). 29- Na posse dos referidos objectos, que fizeram seus, os arguidos abandonaram o local. [NUIPC 15/23.0GAPNI – (J)] 30- A hora não concretamente apurada mas localizada entre as 21 horas do dia 6 de Janeiro de 2023 e as 9 horas do dia seguinte, a arguida e o arguido BB dirigiram-se à habitação sita na Rua ..., ..., na ..., ... (propriedade de KK) com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 31- Nesse momento os proprietários da habitação estavam no interior dos seus quartos, a dormir. 32- Verificando que o portão da garagem estava entreaberto, os arguidos aí entraram, tendo retirado uma máquina de lavar roupa, com o valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros). 33- Na posse do referido bem, que fizeram seu, os arguidos abandonaram o local. [NUIPC 51/23.7GAPNI – (K)] 34- A hora não concretamente apurada mas localizada entre as 9 horas do dia 23 de Janeiro de 2023 e as 12 horas do dia 1 de Fevereiro de 2023, a arguida e o arguido BB dirigiram-se à habitação sita na Rua ..., em ... (propriedade de MM) com o intuito de aí se introduzirem, e de se apoderarem de todos os bens de valor que aí encontrassem. 35- Aí chegados, os arguidos saltaram o muro das traseiras e conseguiram aceder a uma pequena arrecadação que não tinha a porta trancada à chave. 36- Daí retiraram uma máquina de lavar roupa, com o valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros). 37- Na posse do referido bem, que fizeram seu, os arguidos abandonaram o local. C- Fundamentação da matéria de facto: Por força do art. 205.º, n.º 1, da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Por sua vez, o art. 374.º, n.º 2, do CPP, sobre os requisitos da sentença, determina que ao relatório se segue a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se, assim, com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como com o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas também os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou a que este valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (Ac. do STJ de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07- 5.ª).” “O exame crítico basta-se com o fornecimento das informações suficientes a permitir perceber o processo lógico que subjaz à formulação da convicção do julgador, deixando ver a razão do apreço que cada um desses meios de prova mereceu.” [4] É o que se passa a fazer de imediato. Assim, o Tribunal fundou a sua convicção sobre a matéria de facto constante da acusação, na conjugação dos seguintes meios de prova. Os arguidos não quiseram prestar declarações me audiência de julgamento. Não obstante, foram lidas as declarações prestadas pelo arguido em interrogatório perante magistrada do Ministério Público, no qual o arguido admite a prática dos factos, conjuntamente com a arguida. As testemunhas: SS, militar da GNR, que participou em todas as diligências efectuadas nos autos, relatando que havia notícia de furtos em residências, tendo apurado que eram os arguidos, através de uma moto-serra que o arguido vendeu. Descreveu as diligências que realizou, mencionando que forma recuperados objectos furtados, que forma devolvidos aos seus proprietários. A garagem onde os encontraram era pertença de uma avó da arguida, a que tinham acesso ambos os arguidos. LL, que relatou as circunstâncias em que a sua casa foi alvo de furto, mencionando os objectos levados, dos quais fez uma lista, esclarecendo que um portão e uma porta foram forçados. Recuperou uma pequena parte. TT, que relatou as circunstâncias em que a sua casa foi alvo de furto, mencionando os objectos levados, dos quais fez uma lista, esclarecendo que foram partidas janelas. Recuperou uma pequena parte. EE, que relatou as circunstâncias em que a sua casa foi alvo de furto, mencionando que foi levada uma máquina de lavar roupa, esclarecendo que saltaram um muro para a ir buscar. Não recuperou a máquina. KK, que relatou as circunstâncias em que a sua casa foi alvo de furto, mencionando que foi levada uma máquina de lavar roupa, esclarecendo que saltaram um muro para a ir buscar, mas a porta estava só no trinco. Não recuperou a máquina. UU, militar da GNR, que relatou ter abordado uma viatura, na rotunda do IP6, tendo então identificado o arguido. Encontraram diverso material, que apreenderam e levaram o arguido ao Hospital, para exame, pois apresentava indícios de consumo de estupefacientes. DD, que relatou as circunstâncias em que a sua casa foi alvo de furto, mencionando os objectos levados, dos quais fez uma lista, esclarecendo que foi forçada uma porta. Recuperou uma pequena parte, sem valor. FF, que relatou as circunstâncias em que a sua casa foi alvo de furto, mencionando os objectos levados, dos quais fez uma lista, esclarecendo que entraram por uma janela. Recuperou uma pequena parte. II, que relatou as circunstâncias em que a sua casa foi alvo de furto, mencionando os objectos levados, dos quais fez uma lista, esclarecendo que entraram por um portão que estava fechado à chave. Recuperou uma pequena parte. VV, que relatou as circunstâncias em que a sua casa foi alvo de furto, tendo-se deparado com as janelas abertas e forçadas, mencionando os objectos levados, dos quais fez uma lista. Recuperou uma pequena parte. WW, que relatou as circunstâncias em que a sua casa foi alvo de furto, mencionando que o seu genro e a filha surpreenderam os assaltantes a levar coisas de um barracão e galinhas, tendo acabado por deixar estas. Relativamente à factualidade supra referida, o tribunal teve também em conta a seguinte prova: Pericial: - Relatório de toxicologia de fls. 4 (N); Documental: - Auto de notícia de fls. 3, 3 (A); 14 (B); 3 (C); 3 (D); 3 (E); 3 (F); 3 (G); 3 (H); 3 (I); 3 (J); 3 (K); 3 (L); 8 e 10 (M) e 3 (N); - Registos fotográficos de fls. 4, 12, 71 a 74, 138 a 158, 172 a 176; 9 a 11 (A); 17 a 22 (B); 25 (B); 28 (B); 5 a 7 (C); 8 e 9 (D); 5 a 14 (F); 28 a 32 (F); 5 e 6 (G); 5 e 6 (H); 5 e 6 (I); 17 a 21 (I); 30 e 31 (I); 15 a 22 (L); 20 a 22 (M); - Auto de visionamento de imagens de fls. 36 a 47; - Auto de reconhecimento de objectos de fls. 10, 49 a 56, 311, 2 (B), 36 (C), 38 (D), 54 (F), 13 (L); - Auto de busca domiciliária e apreensão de fls. 131 a 136 e 168 a 170; - Auto de exame e avaliação de fls. 334 a 338, 24 (B); - Relatório de fls. 62 a 74; 24 a 27 (F); 12 a 16 (I); - Aditamentos de fls. 8 (A); 26 (B); 32 (B); - Auto de apreensão de fls. 23 (B); 27 (B); 14, 15, 16 e 18 (M); - Lista de fls. 37 (B); 10 (D); 20 (F); - Informação do INML de fls. 252. O tribunal não desconhece que ninguém viu os arguidos praticarem os factos em causa (com excepção da condução do veículo pelo arguido), mas foram encontrados na posse dos arguidos objectos alvo de furto. É claro que muitas outras explicações para estes factos seriam possíveis, mas as mesmas obrigariam a que os arguidos as explicassem- o que estes optaram por não fazer, com excepção do arguido, que até admitiu os factos em interrogatório; porém, o art. 357.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, proíbe o uso de tais declarações como confissão. Acresce que, se é verdade que o silêncio dos arguidos é um direito que lhes assiste e que não os pode prejudicar, tal não significa que os beneficie, quando haja outros meios de prova que permitem a imputação dos factos a eles- como é o caso. Com efeito, estamos aqui, numa parte, perante «prova indireta ou indiciária que, sobretudo no direito de origem anglo-americano, costuma designar-se igualmente por prova circunstancial, interessa particularmente a noção de regra ou máxima de experiência em que assenta a inferência da verificação do facto probando (desconhecido à partida) a partir do facto indireto, indiciário (neste sentido) ou circunstancial. Máxima de experiência ou regra de experiência comum é um conceito utilizado sobretudo nos direitos continentais, nomeadamente entre nós, referindo-se-lhe algumas disposições do código de processo penal (no que aqui interessa mais diretamente), como é o caso do art. 410º nº2 do CPP, mas que tem o seu lugar privilegiado na atividade jurisprudencial, precisamente em sede de apreciação e valoração da prova[…], embora seja sobretudo a doutrina que procura descrever o seu modo de funcionamento e fixar-lhe o sentido e limites. O núcleo do raciocínio que está na base da prova indireta, de acordo com o qual o julgador relaciona uma circunstância (o factum probans ou facto probatório) com o facto que se pretende provar (o factum probandum ou facto a provar), encontra-se nas regras em função das quais o julgador pode fazer as inferências que ligam esses dois factos. Como diz, por todos, Michele Taruffo (La Prueba, Madrid – Marcial Pons, 2008 pp 104 a 108), as regras mais habituais são generalizações fornecidas pelo – e justificadas no – senso comum, na experiência ou na cultura média existente na época e no lugar onde é tomada a decisão. Estas são as regras conhecidas por máximas de experiência. Independentemente das críticas ao uso destas regras no âmbito da prova indireta e à falta de precisão sobre a respetiva noção e o modo como podem ser operativas e fiáveis, parece-nos ser de aceitar a conclusão de M. Taruffo segundo a qual, “… não há dúvida que o julgador tem que basear-se no seu background de conhecimentos e em noções do senso comum para poder estabelecer uma conexão significativa entre o factum probans e o factum probandum.”. Na maioria dos casos, as inferências lógicas com que o juiz trabalha baseiam-se, precisamente, em generalizações aproximadas, noções vagas e máximas extraídas do sentido comum e da cultura média. Daí que, mais do que conceitos rigorosamente predefinidos e limites bem marcados a priori, a força e rigor da prova indireta deriva sobretudo do juízo que possa fazer-se sobre as premissas do raciocínio e a fidedignidade da conclusão a que se chega, à luz dos critérios disponíveis. Continuando a seguir o mesmo autor, “…a força racional das inferências e o valor probatório das provas circunstanciais está em relação direta com o valor cognitivo e a fiabilidade racional das regras ou standards que o julgador emprega como critérios para fundar inferências. A verdade do enunciado acerca do factum probandum está mais ou menos corroborado, o enunciado resultará mais ou menos credível, razoável ou provável, dependendo da fiabilidade desses standards. “… A inferência pode ser duvidosa, o valor probatório das circunstâncias relevantes pode ser baixo, as diversas circunstâncias podem conduzir a conclusões inconsistentes ou contraditórias e por vezes o seu valor probatório é sobrestimado ou subestimado pelo julgador. – Cfr autor e ob. cit p. 107. »[5] Refira-se ainda que se verificou, como se indica supra, o consumo e estupefacientes pelo arguido, em momento prévio à condução. Há ainda que referir que, das declarações do arguido resulta a participação directa da arguida nos factos praticados- o que pode ser valorado pelo tribunal No caso dos autos, conjugando os supra referidos (e descritos) elementos de prova, não se exige um grande esforço ao aplicador do direito, bastando-lhe recorrer a simples máximas de experiência que se podem caracterizar como muito fiáveis, para concluir pela verificação dos factos provados, imputados aos arguidos. No que concerne aos Factos não Provados, importa referir que, atenta a limitação imposta pelo referido art. 357.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, deram-se como não provados os factos relativamente aos quais nada os ligue aos arguidos, senão as aludidas declarações; ou seja, nos casos em que não lhes foram apreendidos objectos furtados. Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, foram relevantes os CRC juntos. Relativamente às condições sócio-económicas dos arguidos, as mesmas fundaram-se nos relatórios sociais juntos. (…)».
3. - Apreciação do recurso. Mediante o presente recurso, a arguida …, insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto exarada como provada, que entende que devia ter sido dada como não provada no que lhe diz respeito, com a sua consequente absolvição. Na parte final da motivação, após síntese conclusiva da leitura que efetua da prova produzida, a recorrente, de forma lapidar, refere que «[h]á erro notório na apreciação da prova», «[v]ício que ora se argui para todos os efeitos legais». Todavia, a recorrente não transpõe esta alegação – que não densifica minimamente, por apelo ao texto da decisão recorrida – para as conclusões, antes estrutura o recurso na sua discordância quanto à valoração que foi feita dos meios de prova, apelando ao conteúdo destes, o que nos remete para a impugnação ampla da matéria de facto. Com efeito, como é consabido, existem duas formas distintas de impugnação da decisão factual: - Uma, de âmbito mais restrito, comummente designada de revista alargada, contemplando os vícios da decisão recorrida previstos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal; e - Outra, a denominada impugnação ampla da decisão da matéria de facto, em consonância com o disposto no artigo 412º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal. No primeiro caso, dispõe o artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal que, «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.» Porém, tais vícios têm – tal como assinalado, de forma expressa, no enunciado preceito legal –, que resultar da própria decisão recorrida na sua globalidade, mais concretamente do texto da decisão recorrida, sem recurso a quaisquer outros elementos que lhe sejam externos, para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes no processo, advindos do próprio julgamento[6]. Constituem defeitos estruturais e intrínsecos da decisão, razão pela qual a lei exige que a sua demonstração resulte do respetivo texto, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, estando, por isso, excluída a possibilidade de consideração de outros elementos extrínsecos ou exógenos, ainda que constem do processo. Neste âmbito da análise dos vícios decisórios, contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla da matéria de facto, o tribunal de recurso não aprecia a matéria de facto – no sentido da reapreciação da prova –, limitando a sua atuação, num exercício de exegese hermenêutica, à deteção dos vícios que a decisão recorrida evidencia e, não sendo possível saná-los, determina a remessa do processo para novo julgamento, em consonância com o preceituado no artigo 426º do Código de Processo Penal. Ainda que não sejam invocados, os assinalados vícios da decisão são de conhecimento oficioso – acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95[7]. … No segundo caso, da impugnação ampla da matéria de facto prevista no artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do Código de Processo Penal, os poderes de cognição do tribunal de recurso não se restringem ao texto da decisão recorrida – como acontece com o vício do erro notório da apreciação da prova –, alargando-se à apreciação do que se contém e do que se pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre delimitada pelo recorrente através do ónus da especificação a que aludem os n.ºs 3 e 4 do citado normativo legal. No domínio da impugnação ampla da matéria de facto visa-se, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente aos concretos «pontos de facto» que o recorrente considera incorretamente julgados, através da avaliação (ou reavaliação) das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida[8]. Contudo, cumpre sublinhar que, como vem assinalando a doutrina e a jurisprudência, «Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. E é exatamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412º, n.º 3, do CPP: 3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. A referida especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados»[9]. Por seu turno, «a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado ou como não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado[10]. Finalmente, «a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artº 410º, nº 2, do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artº 430º, do CPP). Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes»[11], em consonância com o estabelecido nos nºs 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal, que assim regem: … De acordo com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2012[12], «[v]isando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações». Significa isto, em termos práticos, que havendo declarações de arguidos, assistentes, partes civis, depoimentos de testemunhas e esclarecimentos de peritos ou consultores técnicos, o recorrente tem de individualizar, no conjunto das declarações e depoimentos prestados, quais as particulares passagens nas quais ficaram gravadas as frases que, por si só ou conjugadas com outros meios de prova, impunham decisão diversa quanto ao facto impugnado. E, no final, é necessário que dessa indicação resulte comprovada a insustentabilidade lógica ou a arbitrariedade da decisão recorrida e que a versão probatória e factual alternativa proposta no recurso é a [única] correta. Nesse caso, concluindo-se que o tribunal a quo não podia ter dado os concretos factos como provados ou como não provados, haverá erro de julgamento e, consequentemente, modificação da matéria de facto, em conformidade com o desacerto detetado, nos termos previstos no artigo 431º, al. b), do Código de Processo Penal. No entanto, se a convicção do julgador for objetivável face ao princípio da livre apreciação da prova e aos critérios de apreciação da validade e do valor probatórios dos meios de prova produzidos e se a versão apresentada pelo recorrente for meramente alternativa e igualmente possível deverá manter-se a opção do julgador em 1.ª instância, por força da plenitude dos princípios da oralidade e da imediação da prova de que este beneficia. Com efeito, importa ter presente que a decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tem de respeitar, o princípio norteador da formação da convicção do tribunal da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º Código de Processo Penal, segundo o qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, assim como a sua íntima conexão com os princípios da imediação e da oralidade, sobretudo quando tem de se analisar a valoração efetuada na 1ª instância da prova testemunhal ou declarativa [do arguido, do assistente, das partes civis]. Como decorrência de tal princípio, ressalvado o valor probatório específico de alguns meios de prova, no processo de formação da convicção do julgador, as primeiras regras a observar são, naturalmente, as da lógica – que resultam da estrutura nomológica da realidade física e emergem, fundamentalmente, da intervenção do princípio da causalidade –, seguidas pelas regras da experiência – resultantes da acumulação de experiência do homem comum ao longo dos séculos sobre o normal acontecer das coisas. Ainda que norteada pela lógica e pelas regras da experiência comum, a apreciação que o juiz do julgamento faz da prova não pode deixar de ser «... uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais –, mas em todo o caso, também ela (deve ser) uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.»[13] Aqui chegados, em jeito de síntese, importa sinalizar que, como realçou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 12-06-2008[14], a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações: - A que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; - A que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações; - A que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso; - A que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b), do nº 3, do citado artigo 412º]. Como decorrência, é manifestamente errado pensar que basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova. Com efeito, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros»[15]. No mesmo sentido se pronuncia Damião Cunha[16], ao afirmar que os recursos são entendidos como juízos de censura crítica e não como «novos julgamentos». Precisamente porque não se trata de um novo julgamento, não cabe à Relação reapreciar toda a matéria factual dada como provada ou não provada na primeira instância, nem analisar toda a prova ali produzida e documentada nos autos, sendo a reapreciação segmentada e parcelar[17]. Circunscreve-se, apenas e tão só, aos pontos de facto que o recorrente individualiza obrigatoriamente no recurso como estando, em seu entender, incorretamente julgados, cabendo-lhe, também, indicar as concretas provas de onde resultem os alegados erros de julgamento e que impõem decisão diversa. Daí que não lhe baste formular genericamente a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto e apontar o sentido que deve ser dado à prova[18]. Como escreve Paulo Saragoça da Matta[19], ao tribunal de recurso cabe apenas aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração. Ou seja, como é frequentemente afirmado, não compete ao tribunal de recurso fazer um novo julgamento para formar uma nova convicção, fazendo tábua rasa do julgamento da 1ª Instância, mas antes apurar se a convicção formada por esse tribunal tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os demais elementos existentes nos autos podem fornecer.
Do cotejo da caraterização das duas formas de impugnação da matéria de facto supra efetuada, resulta patente que a recorrente lançou mão da via da impugnação ampla, ainda que de forma imperfeita, como analisaremos de seguida. … Como é bom de ver, ao invés de indicar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida quanto a cada facto ou grupo de factos, em consonância com o prescrito nas als. a) e b), do n.º 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, a recorrente limitou-se a efetuar uma análise crítica da prova testemunhal – ainda que indicando concretos excertos desta –, da prova por declarações do coarguido e da prova documental, concluindo, segundo a sua perspetiva analítica, que «é insuficiente para determinar a autoria, por banda da recorrente, dos factos relativos aos meses de Novembro de 2022 a Janeiro de 2023» e que a «convicção do tribunal relativamente aos factos dados como provados 2-, 3-, 4-, 10- a 13 … mostra-se completamente desapoiada, pelo que tais factos deveriam ser dados como “Não Provados” relativamente à recorrente». Ou seja, a recorrente coloca em causa a convicção adquirida pelo tribunal a quo, opondo-lhe a sua própria convicção. Para o efeito, a recorrente indica excertos de depoimentos testemunhais e das suas próprias declarações e convoca a prova documental e por declarações do coarguido, estas em bloco, para afirmar que, pelas razões que aduz, o tribunal a quo não podia concluir como concluiu. Ora, o que se exigia à recorrente é que, de forma clara e inequívoca, indicasse os meios de prova que, per se ou conjugadas entre si, impunham conclusão distinta da alcançada pelo tribunal a quo quanto a cada facto ou grupos de factos impugnados. … Como escreve Paulo Pinto de Albuquerque[20], «a Lei n.º 48/2007, de 29.08, mudou profundamente o regime de impugnação da matéria de facto. (…) A especificação das concretas provas só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29.8, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado». Na verdade, a exigência contida no artigo 412º, n.º 3, al. b) – que o recorrente que impugne a decisão proferida sobre matéria de facto especifique as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida –, implica que o tribunal de recurso só pode (e deve) alterar aquela decisão se da análise que faz das provas documentadas especificadas pelo recorrente, em concatenação com as regras da experiência comum e da lógica, concluir que o juízo probatório levado a cabo pelo tribunal a quo é, à luz daqueles elementos, insustentável, indefensável (porque decidiu claramente sem prova ou em indiscutível contradição com as preditas regras), revelando-se, por isso, imperioso decidir de forma distinta.
Estamos, assim, perante uma omissão das especificações legalmente exigidas nos termos supra explicitados, maxime, das previstas no artigo 412.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, insuscetível de correção ou aperfeiçoamento, razão pela qual não se convidou a recorrente para o efeito. Efetivamente, como vem sendo entendimento pacífico da jurisprudência, apenas nas situações em que as sobreditas especificações não são vertidas nas conclusões, mas constam da motivação do recurso, pode haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento. Não contendo também o corpo das motivações as preditas especificações legalmente exigidas, não estamos apenas perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas antes de deficiência substancial da motivação ou de insuficiência do próprio recurso, insuscetível de aperfeiçoamento, com a consequência de o mesmo, nessa parte assim afetada, não poder ser conhecido. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido no sentido de que o convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois se o recorrente, no corpo da motivação do recurso, se absteve do cumprimento do ónus de especificação, que não é meramente formal, antes tendo implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciando as especificações, então o convite à correção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a perentoriedade do prazo de apresentação do recurso[21]. No mesmo sentido se vem pronunciado também o Tribunal Constitucional, ao entender não haver lugar a convite ao aperfeiçoamento quando estejam em causa omissões que afetem a motivação do recurso e não apenas as conclusões[22]. Também os Tribunais da Relação vêm entendendo em sentido idêntico[23]. Os recorrentes não cumpriram, pois, de forma incontornável e definitiva, o ónus de impugnação especificada, como impõe o artigo 412º, n.ºs 3, al. b), e n.º 4, do Código de Processo Penal.
Não obstante essa imperfeição – que, como é óbvio, compromete, inexoravelmente, a eficácia do exercício de impugnação –, considerando os específicos contornos dos fundamentos desta, que se baseia na alegação da ausência de referência à recorrente de alguns meios de prova – nomeadamente, documental e testemunhal – e na insuficiência da prova por declarações do coarguido – por estas estarem eivadas de imprecisões, contradições e incongruências –, afigura-se-nos que ainda é possível sindicar a decisão sobre a matéria de facto. Vejamos. Em apertada síntese, com exceção da prova por declarações de coarguido – relativamente à qual questiona a sua valia probatória –, quanto aos demais meios de prova, a argumentação da recorrente é desenvolvida pela negativa – tenta demonstrar que dos depoimentos testemunhais e dos documentos nada resulta quanto à sua intervenção ou participação nos factos que impugna. A arquitetura da impugnação promovida pela recorrente falha, porém, porque, além do assinalado incumprimento do ónus de especificação e relacionação das provas que impunham decisão diversa quanto a cada facto ou grupo de factos, assenta em premissas que não têm correspondência com a prova constituída e produzida em audiência de julgamento e a sua análise à luz dos princípios que presidem à apreciação da prova indireta, indiciária, por presunção ou circunstancial, de que se socorreu o tribunal a quo e, por isso, não desconstruiu o raciocínio lógico dedutivo por este desenvolvido. Explicando. É inquestionável que nenhuma das testemunhas inquiridas assistiu aos factos em discussão nos autos e, como tal, revelou ter conhecimento direto sobre a autoria dos mesmos, como o tribunal a quo reconheceu ab initio. Todavia, já não corresponde à verdade que algumas das testemunhas não tivessem conhecimento de factos com valor indiciário, a correlacionar com outros, nomeadamente, resultantes da prova documental, como veremos mais à frente. Outrossim, não é verdade que da vasta prova documental nada resulte relativamente à recorrente, conforme também melhor infra detalharemos. Já no que concerne às declarações [incriminatórias] prestadas pelo coarguido …, estas não podem ser valoradas no que respeita à recorrente, mas por razões diversas das por esta invocadas e que escalpelizaremos de seguida.
A questão da valoração, como meio de prova, das declarações de coarguidos, tem sido amplamente discutida na doutrina e na jurisprudência. É certo que o artigo 125º do Código de Processo Penal consagra o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, com exceção das mencionadas no artigo seguinte (126º), consideradas proibidas, não constando nesse elenco as declarações dos coarguidos. Todavia, o n.º 4 do artigo 345º do Código de Processo Penal (aditado pela Lei n.º 48/2007, de 29.08), estabelece que “[n]ão podem valer como meio de prova as declarações de um coarguido em prejuízo de outro coarguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2”. Teresa Beleza[24] defende que «o depoimento de coarguido, não sendo, em abstrato, uma prova proibida no direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma condenação. Não tendo esse depoimento sido controlado pela defesa do coarguido atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula. Na medida em que esteja totalmente subtraído ao contraditório, o depoimento de coarguido não deve constituir prova atendível contra o(s) coarguido(s) por ele afetado(s). A sua valoração seria ilegal e inconstitucional». Também Germano Marques da Silva[25] considera que o valor das declarações do coarguido «exige uma especial ponderação pelo julgador». Medina de Seiça[26] sustenta que «(…) o aplicador, dentro da sua margem de apreciação livre, pode condenar um coarguido baseado exclusivamente nas declarações de outro arguido. Julgamos, no entanto, que se torna possível, descortinar para além do geral bom senso (que não sendo critério legal é fator não despiciendo na aplicação do direito), elementos normativos que justificam o apelo à regra da corroboração das declarações do coarguido na parte respeitante à responsabilidade de outro arguido, corroboração que surge, repetimos, como momento integrador do juízo valorativo dessa informação probatória». Oliveira Mendes[27] afirma o seguinte: «[c]omo o Supremo Tribunal de Justiça tem maioritariamente defendido, as declarações do arguido, sendo um meio de prova legal, podem e devem ser valoradas no processo, podendo, por si só, fundamentar a condenação do coarguido, ou seja, mesmo que desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, consabido que as declarações incriminatórias do coarguido estão sujeitas às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo. O Tribunal deve, no entanto, ter um especial cuidado na valoração e apreciação das declarações incriminatórias». Com efeito, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.11.2007 sustentou-se que «[n]ada impede que um arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento e que constituam objeto de prova, quer de factos que só a ele digam diretamente respeito, como sobre factos que também respeitem a outros arguidos. O n.º 3 do art. 344.º do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova resultante das declarações do arguido, mas apenas que, nesses casos, as declarações do arguido não têm o valor de força probatória pleníssima que deve ser atribuída aos casos do n.º 2». No acórdão de 07.05.2009 escreveu-se o seguinte, citando um parecer do Prof. Figueiredo Dias: “(…) entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do coarguido, avulta a doutrina da corroboração, com o que se quer significar «a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem diretamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura duma fundamentação insuficiente. Significa que as declarações do coarguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do coarguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações»”. Além da exigência de corroboração, por outros meios probatórios, das declarações incriminatórias de coarguido defendida pela doutrina e jurisprudência maioritárias, exige-se o exercício pleno do direito de contraditório, consagrado no artigo 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e verdadeiramente estruturante do processo penal. No acórdão de 16.12.2020 do Supremo Tribunal de Justiça explicita-se o seguinte: «Condição incontornável – sine qua non – é (…) que o coarguido visado possa – naturalmente através da respetiva defesa – exercer, efetiva e plenamente, o contraditório. Cada coarguido no processo organiza e leva à prática a defesa que entender mais conveniente aos seus interesses, mas não tem o direito de exigir aos restantes coarguidos que adiram e respeitem essa estratégia, nem o direito de obstar a que, no exercício do respetivo direito de defesa, decidam prestar declarações, designadamente confessando os factos próprios e incriminando outros comparticipantes na mesma atividade criminosa. Tem, isso sim, o direito de os interrogar, não podendo os declarantes acolher-se então ao direito ao silêncio. Recusando-se a responder ao contraditório do incriminado, as declarações prestadas não podem valorar-se – art. 345º n.º 4 do CPP.» O silêncio que releva neste âmbito é o do arguido que, tendo prestado declarações em sede de inquérito, se recusa a prestá-las em sede de julgamento ou, tendo prestado declarações em sede de julgamento, se recusa a responder a perguntas que visem obter esclarecimentos sobre aquilo que disse[28]. Ou seja, para efeito do disposto no n.º 4 do artigo 345º, do Código de Processo Penal, ambas as situações se equivalem e consubstanciam o exercício do direito ao silêncio, consagrado no artigo 61º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma. Decisivo é, pois, que o arguido contra quem tais declarações sejam feitas não seja impedido de submetê-las ao contraditório, o qual é exercido pelo seu defensor em sua representação (cfr. artigos 63º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Assim, nos casos em que um arguido preste declarações quanto aos factos em discussão nos autos em prejuízo de outro coarguido (incriminando-o) – na fase de inquérito [sendo tais declarações reproduzidas em audiência, nos termos previstos no artigo 357º do Código de Processo Penal] ou em qualquer momento da audiência – e, posteriormente, aquele se recuse – no exercício do direito ao silêncio – a responder a todas ou a alguma das perguntas formuladas a instâncias do outro coarguido (por ele incriminado), tais declarações não podem valer como meio de prova contra o coarguido incriminado por não ter havido o exercício do contraditório pleno, só podendo valer contra o próprio coarguido incriminador ao abrigo do direito deste à sua própria auto incriminação. O Tribunal Constitucional[29] e o Supremo Tribunal de Justiça[30] convergem no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um coarguido, em prejuízo de outro ou outros, quando, a instâncias destes, visando exercer o seu direito de contraditório, o primeiro se recusa a responder no exercício do seu direito ao silêncio. Por conseguinte, as declarações de coarguido constituem um meio de prova válido a apreciar livremente pelo tribunal, revelando-se, porém, indispensável o pleno exercício do direito de contraditório e que as declarações incriminatórias sejam corroboradas por outros meios de prova. Por conter uma impressiva síntese desta problemática, transcreve-se aqui o sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.2008: «(…) II - As declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo. III - Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser realizada. IV - Por isso, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei. V - A admissibilidade como meio de prova do depoimento de co-arguido, em relação aos demais co-arguidos, não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação, mostrando-se adequada à prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal, nomeadamente no que toca à luta contra a criminalidade organizada. VI - O direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Porém, a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia. VII - Inexiste no nosso ordenamento jurídico um direito a mentir; a lei admite, simplesmente, ser inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade. Contudo, uma coisa é a inexigibilidade do cumprimento do dever de verdade e outra é a inscrição de um direito do arguido a mentir, inadmissível num Estado de Direito. VIII - É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseada somente nas declarações do co-arguido, porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas, tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o ânimo de vingança, o ódio ou ressentimento, ou o interesse em auto-exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados. IX - Por isso, para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas, é razoável que o co-arguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória, com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal para se converter numa declaração objectivada e superadora de um eventual défice de credibilidade inicial. Não se trata de criar, à partida e em termos abstractos, uma exigência adicional ao depoimento do co-arguido quando este incrimine os restantes, antes de uma questão de fiabilidade. X - A credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação. XI - O TC e o STJ já se pronunciaram no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro, quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (cf. Acs. do TC n.º 524/97, de 14-07-1997, DR II, de 27-11-1997, e do STJ de 25-02-1999, CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229). XII - E é exactamente esse o sentido da alteração introduzida pelo n.º 4 do art. 345.º do CPP quando proíbe a utilização, como meio de prova, das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro nos casos em que aquele se recusar a responder às perguntas que lhe forem feitas pelo juiz ou jurados ou pelo presidente do tribunal a instâncias do Ministério Público, do advogado do assistente ou do defensor oficioso. XIII - Tal como quando é exercido o direito ao silêncio, as declarações incriminadoras de co-arguido continuam a valer como prova quando o incriminado está ausente. XIV - Na verdade, tal ausência não afecta o direito ao contraditório – que, na fase de julgamento, onde pontifica a oralidade e imediação, pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso se mostre adequado –, pois estando presente o defensor do arguido o mesmo pode e deve exercer o contraditório sobre os meios de prova produzidos (arts. 63.º e 345.º do CPP). XV - Questão distinta seria a da recusa do mesmo co-arguido a depor sobre perguntas formuladas pelo tribunal e sugeridas pelo defensor ou pelo MP.». Em face do cenário doutrinário e jurisprudencial descrito, impõe-se a conclusão de que inexiste impedimento legal a que as declarações dos coarguidos sejam valoradas como meio de prova, com a credibilidade que o tribunal lhes atribuir nos termos supra mencionados, com a exceção prevista no n.º 4 do artigo 345º do Código de Processo Penal. Ora, no caso vertente, estamos, precisamente, perante a assinalada exceção. Com efeito, o arguido … prestou declarações em fase de inquérito, perante Magistrada do Ministério Público e com a assistência do seu defensor, nos termos previstos no artigo 144º, n.º 1, do Código de Processo Penal, tendo sido informado nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 141º, n.º 4, al. b), do mesmo diploma. Nessas declarações, o arguido BB assumiu, explicativamente, a prática dos factos conjuntamente com a ora recorrente, nos termos que constam do auto datado de 20.04.2023. Tais declarações foram lidas na sessão de 15.05.2024 da audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no artigo 357º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal. Todavia, desde o início da audiência de julgamento e até ao final desta, o arguido …, no exercício do direito ao silêncio, não prestou quaisquer declarações, inviabilizando, assim, o contraditório pela defensora da ora recorrente, bem como pelos demais intervenientes. É certo que não podemos deixar de assinalar que, após a leitura das declarações, os ex.mos defensores de ambos os arguidos solicitaram algum tempo a fim de conferenciarem com aqueles, o que lhes foi concedido, conforme resulta da ata da predita sessão da audiência, sem que desta resulte que foi questionado ao arguido se estava disposto a prestar esclarecimentos sobre aquelas declarações. Não obstante, é inquestionável que, perante o silêncio absoluto do arguido …, as declarações que prestou incriminando-se a si próprio e à coarguida, ora recorrente, não podem ser valoradas quanto a esta última, ao contrário do entendido pelo tribunal a quo, sem qualquer justificação a este respeito.
Posto isto, importa analisar se, expurgado esse meio de prova, os restantes elementos probatórios são suficientes para alicerçar a convicção do tribunal quanto à atuação da ora recorrente conjuntamente com o arguido …. Como se assinalou anteriormente, o tribunal a quo revela, na motivação, estar ciente de que ninguém viu os arguidos a praticar os factos que lhes eram imputados e, apesar de ter valorado as declarações prestadas pelo arguido …, mesmo quanto a este não as teve como confissão dos factos, atento o disposto no artigo 357º, n.º 2, do Código de Processo Penal, socorrendo-se, por isso, de outros elementos de prova indiciária, emergentes da prova documental e testemunhal. É inquestionável que, mesmo que não haja prova direta de determinados factos, o tribunal não está impedido de formular a sua convicção acerca dos factos em discussão, de acordo com um critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum ou de extrair conclusões de um facto conhecido para determinar um ou mais factos desconhecidos, o que nos remete para o âmbito da prova indireta, indiciária, circunstancial ou por presunção, ou seja, a que se refere a factos diversos do tema da prova (prova direta), mas que permite, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto a esse tema. José Santos Cabral[31] sustenta que a “prova indiciária pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova direta, ao qual se associa uma regra da ciência, uma máxima da experiência ou uma regra de sentido comum. Este facto indiciante permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma ligação racional e lógica”. Por seu turno, Luís Filipe de Sousa[32] salienta que “[t]oda a prova assenta numa inferência e sempre que julgamos presumimos” e, ainda, que “a prova por presunção desempenha, a par dos clássicos meios de prova, duas funções no processo, quais sejam: a de proporcionar ao juiz a convicção suficiente sobre a (in)existência dos factos em apreciação, bem como a de contribuir para esse resultado em concordância com outras provas”. Também a jurisprudência[33] tem decidido no sentido de que a prova indireta ou indiciária pode e deve assumir o mesmo valor, senão superior, que a prova direta, desde que verificados determinados requisitos, nomeadamente os indícios devem estar devidamente comprovados, por prova direta, devem revestir um elevado grau de gravidade, devem ser precisos, independentes e variados, concordantes entre si e conduzirem a inferências convergentes, não podendo ocorrer contra indícios que neutralizem ou fragilizem aqueles. Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010, «[e]ncontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser direta e imediatamente percecionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, "... as provas que não forem proibidas pela lei" (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC). As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indireta, mediante o qual o julgador adquire a perceção de um facto diverso daquele que é objeto direto imediato de prova, sendo exatamente através deste que, uma vez determinado, usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objeto de prova)»[34]. O recurso a este tipo de prova é muito vulgar quando estão em causa factos idênticos aos que são objeto dos presentes autos – subtração de bens de residências e/ou anexos durante a ausência dos seus habitantes –, a que ninguém assistiu, limitando-se os proprietários a descrever o circunstancialismo em que se aperceberam dessa ocorrência, os bens que desapareceram e o cenário com que se depararam, nomeadamente, quanto à forma de entrada, não havendo vestígios, designadamente, biológicos ou lofoscópicos, dos intrusos.
Atentando no caso vertente, ao invés do propugnado pela recorrente, resulta da conjugação da prova documental e testemunhal, como assinalado pelo tribunal a quo, que bens comprovadamente subtraídos aos ofendidos foram vistos e encontrados na posse de ambos os arguidos, tendo sido apreendidos muitos deles. A título meramente exemplificativo – atento o vasto acervo documental –, atente-se no auto de visionamento de imagens de fls. 36 a 47, no RDE 01/NIC/23, nos autos de busca domiciliária e apreensão de fls. 131 a 136 e 168 a 170, e no auto de notícia e de apreensão datado de 29.01.2023. A testemunha …, militar da GNR que participou em praticamente todas as diligências efetuadas nos autos, explicou, além do mais, que foi a venda, pelo …, de uma motosserra que conduziu a investigação na direção deste, tendo sido efetuada vigilância e avistados ambos os arguidos a retirarem objetos de garagem/armazém pertença da avó da ora recorrente, a que apenas os dois arguidos acediam, que colocaram na viatura do arguido …, bem como seguimento dos mesmos até uma sucateira, tendo sido lavrados os autos de seguimento e de visionamento das imagens aí captadas, em que surgem ambos os arguidos a vender alguns dos bens subtraídos. Refira-se que constitui atualmente jurisprudência pacífica[35] que a utilização de câmaras de vigilância por particulares – sejam pessoas singulares, sejam pessoas coletivas –, no sentido da proteção de pessoas e bens é lícita desde que não abranja espaços destinados à vida estritamente privada dos cidadãos (caso em que poderia estar em causa o cometimento do crime de devassa da vida privada do artigo 192º do Código Penal e que constitui o limite da licitude de captação de imagens por particulares), sendo lícita a utilização das imagens assim obtidas como meio de prova em matéria criminal, independentemente de terem sido captadas com o conhecimento do visado, de autorização do mesmo, ou de esses sistemas de vigilância terem sido aprovados pela CNDP, ou a utilização dos respetivos dados. Significa isto que, quer a recolha de imagens, através de videovigilância, nos aludidos moldes, quer a sua posterior utilização, são lícitas porque não se traduzem na prática de qualquer ilícito penal e, por isso, são válidas e não consubstanciam nenhuma proibição de produção de prova, nem da respetiva valoração. Por seu turno, a testemunha …, também militar da GNR, explicou, além do mais, o circunstancialismo em que, em 29.01.2023, durante a madrugada, efetuou a abordagem da viatura conduzida pelo arguido …, onde seguia a ora recorrente, tendo encontrado dentro do veículo vários objetos que suspeitou serem provenientes de furtos, cuja posse os arguidos não conseguiram justificar, razão pela qual foram apreendidos. Como se vê, os depoimentos das duas identificadas testemunhas – que reproduzimos na íntegra, nos termos permitidos pelo disposto no n.º 6 do artigo 412º – vão além do transcrito, apenas no tocante à primeira, pela recorrente. Da concatenação correlacionada dos múltiplos meios de prova resulta, assim, além do mais, o seguinte: os arguidos, que viviam juntos, não tinham atividade laboral regular e consumiam produtos estupefacientes; os factos ocorreram numa área geográfica próxima da residência dos arguidos; os objetos foram apreendidos na posse dos arguidos – nomeadamente, na casa onde estes viviam, na garagem pertença da avó da recorrente a que apenas eles acediam, e na viatura que utilizavam – ou de quem estes os venderam em datas muito próximas da sua subtração; muitos desses objetos, pela sua dimensão, não podiam ser retirados das residências apenas por uma pessoa. Os arguidos, no exercício de direito que lhes assiste, não apresentaram, em audiência de julgamento, qualquer justificação para tal posse. São, pois, vários, diversificados, persistentes, precisos e concordantes os factos indiciários que, analisados segundo os imperativos da lógica e os ditames da experiência comum, apontam no sentido da intervenção conjunta dos arguidos, não tendo resultado apurado qualquer contra indício que neutralize ou enfraqueça aqueles. Pese embora a lapidar explicitação do raciocínio desenvolvido pelo tribunal a quo, é evidente que a posse, por parte de ambos os arguidos, de objetos subtraídos assumiu particular relevo indiciário e contribuiu sobremaneira para a sua convicção, sobrelevando, até, as declarações do arguido …, ao ponto de considerar como não provados os factos relativamente aos quais não lhes foram apreendidos bens. Daí que a desconsideração das declarações incriminatórias do arguido … no que concerne à coarguida, ora recorrente, não tenha grande impacto na na economia probatória do presente recurso. Aqui chegados, conclui-se que a convicção expressa pelo tribunal a quo, ainda que expurgando aquele meio de prova quanto à ora recorrente, não viola as regas da lógica e da experiência comum, não se detetando qualquer implausibilidade ou insustentabilidade racional. Outrossim se constata que a recorrente não logrou demonstrar que se impunha decisão distinta quanto aos pontos de facto por si impugnados. Ante o exposto, conclui-se pela improcedência da impugnação da matéria de facto. Mantendo-se inalterada a factualidade provada, mostra-se prejudicada a pretendida absolvição da recorrente. Termos em que improcede totalmente o recurso interposto pela arguida.
* III. – DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça na quantia correspondente a 4 (quatro) unidades de conta [artigos 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma]. * * (Elaborado e revisto pela relatora, sendo assinado eletronicamente pelos signatários – artigo 94º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal)
Isabel Gaio Ferreira de Castro [Relatora] João Abrunhosa [1.ª Adjunto] Cândida Martinho [2.ª Adjunta]
[1] Todas as transcrições a seguir efetuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se alterações da formatação do texto, da responsabilidade da relatora. [2] Publicados no Diário da República, I.ª Série - A, de 19.10.1995 e 28.12.1995, respetivamente. [3] Vide Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335 e 336; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág. 113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061 [4] Ac. do Tribunal Constitucional 27/2007, de 23/02/2007, D. R.- II Serie, 39, de 23/02/2007, Pág. 4791; [5] Ac. da Relação de Évora, de 19/02/13, Proc. 425/09.6GEPTM.E1, www.dgsi.pt; [21] Cfr. acórdãos do STJ de 31-10-2007 (processo n.º 07P3218), de 03-12-2009 (processo n.º 760/04.0TAEVR.E1.S1), de 28-10-2009 (processo n.º 121/07.9PBPTM.E1.S1), de 10-01-2007 (processo n.º 3518/06), de 04-01-2007 (processo n.º 4093/06) e de 04-10-2006 (processo n.º 812/06), disponíveis em http://www.dgsi.pt. [28] Cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.03.2022, relatado por Florbela Sebastião e Silva, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt. |