Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1008/22.0PBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: ESCOLHA DA PENA
SUBSTITUIÇÃO DA PENA CONCRETA DE PRISÃO POR UMA PENA DE SUBSTITUIÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 45.º, N.º 1, DO CÓDIGO PENAL/C.P.
ARTIGO 379.º, N.º 1, ALÍNEA C), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
Sumário: I – A sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre as questões de conhecimento oficioso e sobre as que foram submetidas à sua apreciação pelos intervenientes processuais, desde que não esteja legalmente impedido de se pronunciar sobre elas.

II – A escolha e determinação da pena implica, ou pode implicar, três operações: a determinação da moldura penal abstracta aplicável; a determinação da medida concreta da pena; a escolha da pena, que pode ocorrer em dois momentos distintos, quais sejam a escolha da pena principal e a substituição da pena concreta fixada.

III – Quando o juiz aplica pena concreta de prisão não superior a um ano ou não superior a cinco anos tem que conhecer da possibilidade da sua substituição por uma pena de substituição e se não o fizer ocorre omissão de pronúncia.

IV – Também ocorre omissão de pronúncia quando o juiz aplica uma pena concreta de prisão com aquelas características de duração, analisa a sua substituição por uma pena de substituição, conclui pela não verificação dos respectivos pressupostos de aplicação e não analisa a possibilidade da sua eventual substituição por outra pena de substituição

V – Não ocorre omissão de pronúncia quando o juiz substitui a pena de prisão não superior a um ano pela suspensão da respectiva execução, sem que se tenha também pronunciado sobre a eventual aplicação das demais penas de substituição, porque ao substituir a pena de prisão pela pena de suspensão da sua execução conheceu da questão essencial, que era substituir [ou não] a pena privativa da liberdade, e ao considerar estarem verificados os pressupostos de aplicação desta pena de substituição e, portanto, ser a mesma capaz de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, implicitamente ponderou e considerou que este desiderato não seria alcançado pela aplicação de outra pena de substituição.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

            No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal da Figueira da Foz, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, do arguido AA, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal.

Por sentença de 7 de Março de 2023, foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de dois meses de prisão, substituída pela suspensão da respectiva execução, pelo período de um ano, acompanhada de regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três meses e quinze dias.


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Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

I – A douta decisão proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto no art. 205.º da CRP, os artigos 292.º n.º 1, e 70.º do Código Penal;

II – Uma vez que a douta sentença recorrida violou o princípio constitucional da justa medida da pena, previsto no art. 205.º da CRP quando aplicou uma pena desproporcional ao arguido que foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º n.º 1 do CP.


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            O recurso foi admitido.


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Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, …


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, afirmando padecer a sentença recorrida do vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, pois que, da leitura integrada dos pontos 3 e 4 dos factos provados resulta ter o arguido actuado com dolo eventual, enquanto na fundamentação da determinação da medida concreta da pena se escreveu que o arguido agiu com dolo directo e culpa grave, assim ocorrendo colisão de fundamentos, relevante para a posição do recorrente, e afirmando padecer a mesma sentença de nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que, em sede de substituição da pena de prisão, apenas se conheceu da possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão, optando pela sua aplicação, nada tendo dito, nem implicitamente se podendo considerar como equacionada, quanto a eventual possibilidade de aplicação do regime de permanência na habitação ou da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. 

 Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.


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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se foi correcta a escolha da pena de prisão decretada.



            Haverá ainda que conhecer da nulidade da sentença e da existência do vício decisório de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, questões de conhecimento oficioso e, aliás, suscitadas pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, no parecer emitido.


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            Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

“ (…).

1. No dia 17 de julho de 2022, pelas 05h17, o arguido conduziu o veículo automóvel de marca ..., modelo ..., de cor ..., com a matrícula ..-..-PV, na Avenida ..., ... com uma TAS de 1,27 g/l. (deduzido o erro máximo admissível da TAS de 1,38 g/l).

2. O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas.

3. O arguido agiu de forma consciente e voluntária, com intenção de conduzir aquele veículo automóvel na via pública, não obstante saber que poderia ter uma taxa de álcool no sangue, igual ou superior a 1,2 g/l, conformando-se com esse facto.

4. Sabia que a sua conduta era proibida e legalmente punida e tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.

”.

B) Inexistem factos não provados e dela consta a seguinte fundamentação quanto à escolha, determinação da medida concreta da pena principal e sua substituição:

“ (…).

O artigo 70.º fornece, pois, um critério orientador para a escolha das penas, dando o legislador preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realizar a recuperação social do delinquente e as particulares exigências de prevenção não imponham a aplicação de pena privativa da liberdade.

Ora, é precisamente atendendo a tais considerações que no presente caso, tendo o arguido averbadas condenações anteriores em pena de prisão, se considera forçoso aplicar também agora pena de prisão, não havendo margem - atentas as exigências de prevenção geral e especial – para aplicação de pena de multa. Além disso, os factos foram praticados em pleno período de liberdade condicional.

Importa, assim, determinar a medida concreta da pena a aplicar.


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Agiu com dolo direto e culpa grave já que, tendo ingerido bebidas alcoólicas, quis na mesma conduzir o veículo automóvel, sem nenhuma razão atendível. Outra era, com efeito, a conduta que podia e devia ter adotado.

Assim sendo, tudo visto e ponderado, considerando a moldura penal aplicável, julga-se adequado fixar a pena concreta aplicada ao arguido em dois meses de prisão.


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C) Da suspensão da execução da pena

Nos termos do artigo 50.º n.º 1 do CP, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura de facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, …

No n.º 2 da mencionada norma prevê-se que o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão (...) ao cumprimento de deveres e à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos [art. 50.º n.º 5 do CP].

No presente caso, após um período de vida instável, sobretudo ligado ao consumo e tráfico de estupefacientes, que deu origem a condenações em pena de prisão, com cumprimento efetivo em estabelecimento prisional, o arguido parece agora motivado para alterar o estilo de vida passado. Apesar dos antecedentes criminais, considerando a sua atual situação e a adesão ao acompanhamento pelos serviços de reinserção social, cremos haver margem para a suspensão da execução da pena de prisão, desde que esta seja subordinada a regime de prova, nos termos dos arts. 50.º n.º 2 e 53.º do Código Penal, devendo o plano de reinserção social que vier a ser elaborado, incidir sobre a consciencialização da ilicitude e perigosidade da conduta praticada, por forma a evitar a sua reiteração no futuro.

E assim se decide suspender a execução da pena de prisão aplicada pelo período de um ano, ficando o arguido advertido que o incumprimento do regime imposto, poderá determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

 (…)”.


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            Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

            1. Suscitou o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu, a questão de ser a sentença recorrida nula, por omissão de pronúncia, ao ter decidido substituir a decretada pena de dois meses de prisão, pela pena de suspensão da respectiva execução, sem que se tenha também pronunciado sobre a eventual aplicação das demais penas de substituição a saber, a pena de multa, o regime de permanência na habitação e a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

            Vejamos.

           

Como é sabido, o regime da nulidade da sentença encontra-se previsto no art. 379º do C. Processo Penal, onde, brevitatis causa, são contempladas três causas de nulidade, a saber: a) a falta de fundamentação, b) a condenação por factos diversos dos imputados na acusação ou na pronúncia, se a houver e, c) a omissão e o excesso de pronúncia.

Está em causa, como dissemos, esta última.

Dispõe o art. 379º do C. Processo Penal, na parte em que agora releva:

1 – É nula a sentença:

(…);

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Nas questões a apreciar incluem-se as de conhecimento oficioso e as que foram submetidas à apreciação do tribunal pelos intervenientes processuais, desde que sobre elas não esteja legalmente impedido de se pronunciar.

Por questão deve entender-se o problema concreto, de facto ou de direito, a decidir, e não também, os motivos, argumentos, doutrinas e pontos de vista expostos pelos sujeitos processuais, em abono das respectivas pretensões. Significa isto que, só em relação àquela [questão] e não a estes [motivos, argumentos, …], se coloca a possibilidade de o tribunal ter omitido pronúncia (cfr. Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 1182 e Acs. do STJ de 24 de Outubro de 2012, processo nº 2965/06.0TBLLF.E1 e de 16 de Setembro de 2009, processo nº 08P2491, ambos in www.dgsi.pt).

2. A 1ª instância aplicou ao arguido, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a pena de dois meses de prisão, substituída pela suspensão da respectiva execução pelo período de um ano, com sujeição a regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três meses e quinze dias.

A escolha da pena e a determinação da sua medida concreta é, evidentemente, uma tarefa imposta ao juiz penal pelo que, quando este não a leva a cabo na sentença, é a mesma nula por omissão de pronúncia.

É sabido que a escolha e determinação da pena implica, ou pode implicar, três distintas operações, a determinação da moldura penal abstracta aplicável ao caso, a determinação da medida concreta da pena e, eventualmente, a escolha da pena, podendo esta última, ocorrer em dois momentos distintos, a saber, na escolha da pena principal, e na substituição da pena concreta fixada.

In casu, o Mmo. Juiz a quo, colocado perante uma moldura da pena aplicável que contempla, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, optou pela aplicação da primeira [opção esta sindicada pelo arguido no recurso interposto], opção que fundamentou. Depois, o Mmo. Juiz a quo procedeu à determinação da medida concreta da pena, que fixou em dois meses de prisão, tendo, portanto, conhecido, até aqui, de tudo o que tinha que conhecer.

Atentemos agora no terceiro e derradeiro passo, o da substituição da pena concreta fixada, por uma pena de substituição.

O critério de preferência encontra-se previsto no art. 45º, nº 1 do C. Penal, ao estabelecer que, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. (…).

Quando o juiz aplica uma pena concreta de prisão, seja não superior a um ano, seja, no limite, não superior a cinco anos, terá que conhecer da possibilidade da sua substituição por uma pena de substituição, de tal forma que, se em absoluto, o não fizer, ocorre omissão de pronúncia.

Também ocorre omissão de pronúncia quando o juiz aplica uma pena concreta de prisão, com aquelas características de duração, analisa a sua substituição por uma pena de substituição, v.g., pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, conclui pela não verificação dos respectivos pressupostos de aplicação e, sem cuidar da sua eventual substituição por outra pena de substituição, mantém, sem mais, a efectividade da pena de prisão. 

Já não assim, quando, como nos autos, a pena de prisão não superior a um ano, foi substituída, designadamente, pela suspensão da respectiva execução.

Desde logo porque o Mmo. Juiz a quo, ao substituir a pena de prisão que decretou pela pena de suspensão da respectiva execução, conheceu da questão essencial, que era da substituição [ou não] da pena privativa da liberdade. E ao considerar estarem, in casu, verificados os pressupostos de aplicação desta pena de substituição e, portanto, ser a mesma capaz de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, implicitamente ponderou e considerou que este desiderato não seria alcançado pela aplicação de outra pena de substituição.

Com efeito, atentas as razões determinantes da não opção, na escolha da pena principal, por pena de multa – as exigências de prevenção geral e especial e consequente inadequação da pena não privativa da liberdade –, a subsistência, das exigências de prevenção especial, na reflexão quanto à aplicação da multa de substituição, face à premente necessidade da pena privativa da liberdade, não daria resposta suficiente às exigências de prevenção especial. Por outro lado, agora no que concerne ao regime de permanência na habitação, sendo o mesmo, essencialmente, uma forma de execução da pena de prisão [e não, uma pena de substituição da prisão], traduzindo-se, portanto, num regime mais severo para o condenado e mesmo [a sua aplicação sempre seria], no caso, violador do critério previsto no nº 1 do art. 45º do C. Penal e, portanto, inadequado, por excessivo. Por fim, e no que respeita à pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, porque, no caso concreto, significa para o arguido um maior sacrifício do que o decorrente da aplicação da pena de suspensão da execução da prisão, pela razão acabada de expor [se bem que, num grau de menor intensidade], também não daria adequada satisfação às finalidades da punição. 

Em suma, o tribunal a quo fundamentou a aplicação da pena de substituição que selecionou, in casu, a suspensão da execução de pena de prisão, e dessa fundamentação resulta, de forma implícita, a razão da não escolha de qualquer outra pena, inexistindo, pois, sempre com ressalva do respeito devido por distinta opinião, a apontada omissão de pronúncia.


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            Da existência de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão

            3. Suscitou também o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, no parecer emitido, a questão de padecer a sentença recorrida do vício previsto na alínea b) do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, uma vez que, da leitura integrada dos pontos 3 e 4 dos factos provados decorre ter o arguido agido com dolo eventual, quando na fundamentação relativa à determinação da medida concreta da pena principal, o Mmo. Juiz a quo considerou ter o arguido agido com dolo directo, ocorrendo, assim, uma colisão de fundamentos que afecta a sua [do arguido] posição e demanda ser esclarecida.

            Vejamos.

            Os vícios da decisão são defeitos lógicos da sentença [e não do julgamento], razão pela qual, e tal como impõe a lei (corpo do nº 2 do referido art. 410º), a sua evidenciação só possa ser feita pela análise do respectivo texto, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.

O seu regime legal – um dos instrumentos colocados à disposição dos sujeitos processuais para sindicarem a decisão sobre a matéria de facto – não contempla a reapreciação da prova, estando a actuação do tribunal ad quem, limitada à detecção do vício e, não sendo possível saná-lo, a ordenar o reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento (art. 426º, nº 1 do C. Processo Penal).

            Ocorre contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, designadamente, quando existe oposição entre factos provados, quando existe oposição entre factos provados e factos não provados, quando existe oposição entre a matéria de facto e a respectiva motivação de facto, quando existe como oposição entre argumentos da própria motivação de facto, ou quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão.

            4. No caso, a contradição insanável foi apontada entre o teor do ponto 3 dos factos provados [O arguido agiu de forma consciente e voluntária, com intenção de conduzir aquele veículo automóvel na via pública, não obstante saber que poderia ter uma taxa de álcool no sangue, igual ou superior a 1,2 g/l, conformando-se com esse facto.] e o seguinte segmento da fundamentação de direito, relativo à determinação da medida concreta da pena, «Agiu com dolo directo e culpa grave já que, tendo ingerido bebidas alcoólicas, quis na mesma conduzir o veículo automóvel, sem nenhuma razão atendível.», com o entendimento de que a factualidade que consta daquele ponto 3 consubstancia uma actuação do arguido com dolo eventual. Pois bem.

            Mesmo que se admita que esta factualidade representa uma actuação com dolo eventual, o que aconteceu então, é que o Mmo. Juiz a quo efectuou uma errada qualificação jurídica de tal conduta quando, mais adiante, a ela de refere como tendo sido praticada com dolo directo.

            Ocorreu, portanto, uma eventual errada qualificação jurídica de um facto, logo, um eventual erro de direito, e não uma contradição insanável.

            Em suma, mais uma vez, e com ressalva do respeito devido por diversa opinião, não padece a sentença recorrida de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

            Por outro lado, sendo oficioso, conforme já dito, o conhecimento dos vícios da decisão – Acórdão nº 7/95, de 19 de Outubro (DR, I-A, de 28 de Dezembro de 1995) – também não detectámos na sentença recorrida a presença dos vícios previstos nas alíneas a) e c) do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal.


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            Da incorrecta escolha da pena


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III. DECISÃO



Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.


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Custas do recurso pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal, art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).


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            Após baixa dos autos, a 1ª instância diligenciará, oportunamente e sendo disso caso, pela notificação do recorrente para proceder à entrega do título de condução, no prazo e sob a cominação legal.


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Coimbra, 12 de Julho de 2023

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Acórdão integralmente revisto por Vasques Osório – relator – Rosa Pinto – adjunta – e Luís Teixeira – adjunto