Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VIRGÍLIO MATEUS | ||
Descritores: | PETIÇÃO DE HERANÇA LEGITIMIDADE CASO JULGADO | ||
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Data do Acordão: | 05/18/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TOMAR | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.285, 286, 287, 20175, 2078, 2091 CC, 26, 28 CPC. | ||
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Sumário: | I - Sendo pedido o reconhecimento da qualidade da autora como herdeira (ainda que o pedido seja implícito) e a restituição, ao acervo hereditário, de determinado bem, a acção deve qualificar-se como acção de petição de herança (art. 2075º nº 1 do Código Civil).
II - À qualificação da acção como acção de petição de herança não obstam, nem a cumulação dos pedidos de declaração de invalidade ou ineficácia da procuração e subsequente compra e venda, que são pedidos instrumentais da pretensão de restituição, nem o pedido de cancelamento de registo, que é pedido acessório.
III - Basta que a acção de petição de herança seja intentada por um dos herdeiros, sem intervenção dos restantes, para que esteja assegurada a sua legitimidade, nos termos dos artigos 2075º, 2078º nº 1 e ressalva do art. 2091º nº 1, todos do CC.
IV - Intentada uma 2ª acção de petição de herança, em que se pede a restituição do mesmo bem à mesma herança, com base no mesmo vício (incapacidade acidental) dos negócios jurídicos pelos quais houve a transmissão desse bem da de cujus para a mesma ré, mas em que figura como autora uma herdeira que não foi parte nem foi chamada a intervir na 1ª acção, proposta por outros co-herdeiros e julgada improcedente, não se verifica a excepção de caso julgado que seja oponível à autora da 2ª acção. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM O SEGUINTE:
I - Relatório: (A). F (…) celebrou em 1991 um testamento no qual, declarando não ter ascendentes nem descendentes, nomeou o seu sobrinho A (…), como legatário da quota de ½ do seu prédio ( ....) sito na Rua (…) em (...), bem como do respectivo recheio, bem como de 2/3 do edifício anexo, e instituiu como herdeiras do remanescente dos seus bens em partes iguais as suas sobrinhas (…), (…) e (…). A (…) já era comproprietário, juntamente com seus irmãos, desse prédio ( ....), quanto à outra quota de metade ([1]). Em 26.4.2001, perante o notário, a mesma F (…)passou procuração à sua sobrinha M (…) conferindo-lhe poderes, entre outros, para, em relação a seis doze avos de que é titular do dito prédio ( ....), em nome e representação daquela e nos termos que entender por convenientes, negociar consigo própria, vendendo, transmitindo ou alienando a si mesma, seja a que título for. Em 4.7.2001, em escritura notarial, M (…)com recurso a essa procuração, declarou comprar a F (…) e esta, representada por aquela, declarou vender-lhe a metade indivisa do dito prédio ( ....), pelo preço de 3.000.000$00. M (…) registou em 25.7.2001 a aquisição de ½ desse prédio pela dita compra. Em 25.9.2002, a mesma F (…) faleceu.
(B). A anterior acção ordinária 398/03.9TBTMR (2º Juízo de Tomar) foi intentada em 2003 por A (…) (supra mencionado), (…)e (…) (supra mencionada), contra M (…), pedindo que: -Que se declare a nula e de nenhum efeito a procuração subjacente ao contrato de compra e venda do prédio dos autos; -Que, em consequência, se declare nula a compra e venda outorgada por escritura, pela Ré, de metade do prédio urbano sito (…) em Tomar, que pertencia à "de cujus" ((…), tia dos AA. e da ré); -Que se ordene à ré a restituição do imóvel ao acervo da herança e ao 1° Autor e, em conformidade, se ordene o cancelamento da inscrição registal respectiva; -Que, para o caso de assim não ser entendido, seja a Ré condenada a reconhecer aos AA o direito de preferência na quota alienada, na respectiva proporção da sua compropriedade. Para tais efeitos, foram alegados, como vício do negócio jurídico, os factos relativos à incapacidade acidental da dadora da procuração. A sentença de 6.4.2006 julgou improcedentes os pedidos principais e o subsidiário. Em recurso, esta Relação proferiu o acórdão de 18.11.2008 que confirmou tais decisões e transitou em julgado (certidão a fls. 722 do 4º vol.).
(C). Entretanto, aos 2.1.2006, a herdeira testamentária (…) (supra mencionada) intentou isoladamente a presente acção ordinária 8/06 (1º Juízo de Tomar), contra a mesma ré (…) (beneficiária do testamento e compradora de ½ do prédio ( ....)), ambas residentes em Lisboa, formulando os seguintes pedidos: a)- Que se condene a ré a reconhecer à A. a qualidade de herdeira e cabeça de casal da herança aberta por óbito de Fernanda Fernandez de Oliveira; b)- Que se anule a procuração outorgada a favor da ré; c)- Que se declare nulo e sem qualquer efeito o mencionado negócio de compra e venda do dito prédio ( ....); d) e e)- Que, subsidiariamente, se declare tal negócio anulável, ou ineficaz perante a autora; f)- Que, em qualquer caso, se declare a obrigação da ré de restituir tal prédio à referida herança de que a A. é cabeça de casal e co-herdeira; g)- Que se declare a obrigação da ré de restituir à A, na mesma qualidade, todo o recheio da referida casa; h) e i)- Que se declare a obrigação da ré de pagar à A. cabeça de casal as quantias indemnizatórias (que indica) até à entrega, e juros, bem como uma sanção pecuniária compulsória até à restituição dos bens. Para tais efeitos, alegou, em suma, a qualidade de herdeira testamentária e o facto de ser a mais velha de entre as herdeiras, bem como essencialmente os mesmos factos subsumíveis à incapacidade acidental da dadora da procuração, bem como outros factos (v.g. a ½ do prédio comprado valeria 63 000 contos e não 3000 contos), pelos quais a autora subsume a situação aos vícios de negócio jurídico consistentes em: usura, simulação, negócio indirecto (doação), enriquecimento sem causa, abuso de representação e abuso do direito. Na contestação, a ré invocou a ilegitimidade processual da autora, admitiu os factos pelos quais esta se afirma co-herdeira e cabeça de casal e, no mais, defendeu-se por impugnação. A A. replicou, invocando, em suma, que a sua legitimidade para arguir a invalidade do negócio jurídico resulta do regime da nulidade e da anulabilidade e da sua posição jurídica sucessória. Em pré-saneador foi verificado o valor da causa (fls. 123 ss). No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade activa, foram seleccionados os factos assentes a) a D) e foi elaborada base instrutória com 32 quesitos, a que depois foram aditados mais sete. Inconformada com a decisão sobre a legitimidade, a ré recorreu, de agravo, com subida diferida e efeito meramente devolutivo, concluindo a sua alegação: A)Na apresentação da sua contestação, a ora agravante defendeu-se por excepção dilatória consubstanciada na ilegitimidade da Autora. B)Na análise da excepção invocada, entendeu o douto Tribunal julgar a mesma improcedente e considerar que “em face da configuração fáctica e do pedido formulado pela Autora, é manifesto que ela é parte legítima na presente acção.” C)Não pode retirar o Tribunal, dos articulados apresentados pelas partes, que a A. tem interesse em demandar a ora agravante (com base no artigo 26º do C.P.Cv.) em primeiro lugar, porque a A., enquanto cabeça-de-casal, não iria enriquecer a herança com a eventual entrega dos bens pedidos considerando que estes sempre seriam legados dispositivos, nos quais “o direito passa recta via do falecido para o legatário” e, em segundo lugar a A. também não teria interesse em demandar a agravante enquanto co-herdeira porque os bens in casu nunca iriam integrar o acervo patrimonial da herança, passando, automaticamente para a esfera jurídica do legatário. D)A conclusão pela legitimidade da A. com recurso ao artigo 286º do Código Civil não poderá, nem deverá ser considerada por fundamentada em decisões de mérito, tomadas em violação directa do preceituado nos artigos 3º e 3º-A do C.P.Cv. e por atentar contra o direito de defesa da ora agravante. E)É patente que o que se discute nos presentes autos configura-se como uma acção de reivindicação e, afastado que ficou o regime da petição da herança, vertido nos artigos 2075º a 2078º inclusive do Código Civil, não se poderá legitimar a posição da A. nos presentes autos como a de um herdeiro que não foi chamado à sucessão. F)Quanto à acção de reivindicação, doutrina e jurisprudência são unânimes em declarar que é indiscutível, face ao disposto no artigo 2091º, n.º1 do Código Civil, que a reivindicação tem de ser levada a cabo com intervenção de todos os herdeiros no exercício do seu direito de acção em litisconsórcio necessário activo legal. G)Torna-se forçoso, assim, concluir que a acção em prejuízo neste sede sempre teria que ser proposta por todos os herdeiros, ou seja, pela A. e pela Senhora (…), irmã da R. e da A. e herdeira instituída, em litisconsórcio activo necessário. H)Igualmente não assiste razão ao douto Tribunal quando pretende englobar os legados numa categoria abrangente de herança, isto porque, considerando que a quota-parte da co-propriedade do imóvel em causa nestes autos consta no testamento da de cujus como um legado instituído a favor de um seu sobrinho, mesmo que tivesse de ser restituído por qualquer motivo, nunca iria integrar o acervo patrimonial da herança indivisa, sempre teria de ser entregue ao seu beneficiário, o legatário, como se disse supra. I)Termos em que o cabeça-de-casal nunca teria poderes de ingerência sobre os bens objecto de legado, não só não podendo administrá-los, como não podendo substituir-se ao legatário em acção de reivindicação, pelo simples facto de que os bens legados permanecem autónomos em relação aos bens que compõem a herança. J)Acresce que, nem com recurso à qualidade de co-herdeira poderia a A. accionar a R. com base no dever de cumprimento dos legados que impende sobre os herdeiros, devido ao facto da factualidade vertida nos presentes autos não se prender com o cumprimento de um legado, mas, ao invés, com a reivindicação de bens, sempre tendo o legatário a faculdade de demandar a R., mediante acção de reivindicação, nos termos e para os efeitos do artigo 2279º do C.C. L)Do exposto, verifica-se que a A. não dispõe de legitimidade activa para accionar a Agravante na presente acção, nem na qualidade de cabeça-de-casal, nem na qualidade de co-herdeira. M)Nestes termos, deve o despacho em apreço ser revogado, na parte que julgou improcedente excepção dilatória da ilegitimidade activa da A., nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas da alínea e) do artigo 494º do Código de Processo Civil (C.P.C) e do n.º 2 do artigo 493º do mesmo Código, devendo, em consequência, a R. ser absolvida da instância. Termos em que, e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso de agravo, revogando-se o despacho recorrido na parte que decidiu pela improcedência da excepção da ilegitimidade activa invocada pela Agravante, ser declarada a A. parte ilegítima e, em consequência ser a ora Agravante absolvida da instância, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas da alínea e) do artigo 494º do Código de Processo Civil e do n.º 2 do artigo 493º do mesmo Código. A A. contra-alegou concluindo: A. A Agravante recorreu do douto despacho proferido a fls.150 e ss. que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa da A. suscitada pela Recorrente na contestação que deduziu nos autos. B. Andou bem o Tribunal ao decidir como decidiu. C. A Agravada é parte legítima na acção, quer como herdeira, quer como cabeça de casal, com o encargo (legal) de administrar a herança e de, portanto, na referida qualidade cumprir os encargos da herança onde se encontram previstos aqueles que foram alegados pela Agravada na petição inicial. (D). No prosseguimento do processo, em 21.11.2006, a fls. 342 (2º vol), a ré veio deduzir articulado superveniente, no qual alegou, em suma, que no dia 9 desse mês celebrara com o dito legatário um contrato de compra e venda dos móveis que integram o respectivo legado. Juntou a respectiva escritura particular a fls. 346 ss (ou fls. 465 ss). Ouvida a A, foi proferido o despacho de 13.3.2008 a fls. 538s que, com base nessa compra e venda, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos g), h) e i) da petição.
(E). Após instrução, foi junta certidão contendo o dito acórdão desta Relação, tendo a 1ª instância entendido ser inútil prosseguir com a audiência de julgamento, por verificação do caso julgado. Ouvidas as partes sobre esta questão, foi proferida a sentença de 3.11.2009 a fls. 775 que, quanto aos pedidos «b) e c) e subsequente entrega», julgou verificado o caso julgado absolvendo a ré da instância e, quanto ao restante peticionado, julgou a acção improcedente, por não se verificarem usura, simulação, negócio indirecto (doação), enriquecimento sem causa, abuso de representação ou abuso do direito.
Inconformada com a sentença, recorre a A, de apelação, concluindo a sua alegação: A. Entendeu o Tribunal recorrido verificar-se in casu a excepção de caso julgado. B. É através de uma tríplice identidade – de sujeitos, do pedido e da causa de pedir – que se definem os limites e extensão do caso julgado. C. Nos autos referidos supra foram Autores os (…), e Ré a (…), também aqui Ré. D. Nestes nossos autos é Autora (…). E. No âmbito das duas acções apenas coincide a pessoa da Ré, uma vez que os Autores não são os mesmos. F. Não se verifica identidade física dos AA., nem jurídica, isto é, actuarem os AA. de ambas as acções como titulares duma mesma relação substancial. G. Os AA. da acção já decidida não agiram na mesma posição da A. destoutra acção, nem aqueles AA. são titulares da mesma relação substancial da aqui A.. H. Num caso, os AA. eram e agiram na qualidade de comproprietários (com a Ré) do prédio urbano dos autos, e no caso do A. (…), ainda como legatário de metade indivisa do mesmo. I. No outro, a A. destes autos é e age na qualidade de co-herdeira e de cabeça de casal da herança aberta por óbito de Fernanda Fernandez Oliveira com o encargo (legal) de administrar a herança e de, portanto, na referida qualidade cumprir os encargos da herança. J. A posição da aqui A. era concorrente (mas não a mesma) com as dos AA. na acção decidida. K. O resultado da outra demanda, embora a pudesse aproveitar (caso tivesse procedido), não lhe é oponível. L. Nem os pedidos de ambas as acções são (pelo menos inteiramente) coincidentes, pois que, enquanto que na acção já decidida os pedidos eram de a) ser declarada a nulidade da procuração subjacente ao contrato de compra e venda do prédio dos autos; b) ser declarado nula a compra e venda outorgada; c) ser ordenada a restituição do imóvel ao acervo da herança e ao 1º A. na qualidade de legatário; d) ser reconhecido o direito de preferência dos AA. na quota alienada na respectiva proporção da sua compropriedade, M. Nos presentes autos os pedidos formulados (para além dos que já foram julgados extintos) são que seja declarada a) a anulabilidade da procuração e a escritura de compra e venda (por usura), b) a nulidade do negócio (por ser celebrado contra a lei, por se tratar de um negócio indirecto, simulado e com abuso de direito); c) a ineficácia perante a A. do negócio (por abuso de representação e enriquecimento sem causa); d) ser ordenada a restituição do imóvel à herança. N. Embora tenham na génese alguns dos factos dessoutra acção, a verdade é que são substancialmente distintos visando apurar diferentes realidades. O. O facto de a presente acção ter por base alguns factos idênticos e, como refere o Tribunal, porventura haver identidade em parte da causa de pedir, não significa que tal baste para julgar verificada a excepção de caso julgado. P. No caso em apreço, não apenas não há identidade dos sujeitos, como também não há identidade do pedido, pois, enquanto numa acção se pretende obter um efeito jurídico, na presente acção pretende-se obter outro, diferente, inexistindo, assim, caso julgado. Q. Violou, por isso, o disposto nos arts. 495º, 497º, 493º, nº 2 e 494º, i) do CPC ao decidir como decidiu. Nestes termos (…), deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, designadamente a revogação da douta sentença recorrida e prosseguindo os presentes autos os competentes trâmites legais. Valor: o da acção. Na contra-alegação, a apelada concluiu que deve improceder por completo o recurso de apelação.
II - Questões a solucionar: Atendendo a que as conclusões da alegação demarcam o âmbito do recurso (art. 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC), as questões a apreciar cingem-se às seguintes: Do agravo: A ilegitimidade processual; Da apelação: O caso julgado. Exorbitam do âmbito do recurso de apelação as questões resolvidas na sentença, relativas à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e usura, simulação, negócio indirecto (doação), enriquecimento sem causa, abuso de representação e abuso do direito, devendo considerar-se, nesta parte, transitada em julgado a respectiva decisão.
III - Fundamentos: Os factos e vicissitudes que interessam à solução das questões são essencialmente os que vêm descritos em (A) a (D) do relatório, embora com restrição da alínea (C) apenas ao conteúdo da petição inicial. Tanto a agravo como à apelação interessa a prévia qualificação jurídica da presente acção, começando-se por aí a nossa análise, estendida à qualificação jurídica também da anterior acção acima aludida. Para a qualificação das acções importa considerar fundamentalmente os pedidos formulados, ou seja, os efeitos jurídicos pretendidos consubstanciados na formulação dos pedidos.
Sobre o agravo: A questão da ilegitimidade suscitada pela ré agravante: Sabido que à face do testamento acima aludido e invocado pela autora são pelo menos quatro os beneficiários post mortem da falecida tia dos mesmos (F (…)), ou seja, três herdeiras e um legatário, -- trata-se de reponderar neste recurso se a autora tem legitimidade para agir desacompanhada dos restantes beneficiários além dela e da ré ou se foi preterido o litisconsórcio necessário. A questão não se resolve apenas com base no disposto no artigo 26º do CPC sobre legitimidade singular, como foi entendido na recorrida decisão do saneador. E não resolve porque a relação jurídica sucessória em causa tem uma pluralidade de partes como sujeitos beneficiários e a questão colocada visa apreciar se há litisconsórcio necessário ou se basta figurar na acção uma parte dos interessados para assegurar a legitimidade. Prescreve o artigo 28º do CPC, no nº 1, que se a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade. E acrescenta o nº 2 que é igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal; a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado. Perante o disposto nesse artigo, a intervenção dos vários interessados na relação controvertida pode resultar necessária (litisconsórcio necessário) por três vias a que correspondem as suas modalidades de: -- Litisconsórcio necessário convencional; -- Litisconsórcio necessário legal; -- Litisconsórcio necessário natural. As duas primeiras modalidades estão previstas no nº 1 daquele artigo e a terceira está prevista no seu nº 2. A primeira não interessa ao caso. O litisconsórcio necessário legal é o que tem lugar por imposição de norma legal. Dissemos que o litisconsórcio necessário legal é o que tem lugar por imposição de norma legal. Pode tratar-se de norma substantiva, que conste do Código Civil. Mas no Código Civil encontram-se normas que, visando regular a legitimidade ad causam, umas vezes impõem a intervenção de uma pluralidade de sujeitos em juízo, bem como normas que outras vezes permitem que um só dos interessados intervenha em juízo sem necessidade de se litisconsorciarem todos. Como o caso é de acção de petição de herança, regulada nos artigos 2075º e segs do Código Civil, há que ter-se em atenção o que o artigo 2078º (Exercício da acção por um só herdeiro) do CC prescreve no nº 1: «Sendo vários os herdeiros, qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro». «Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros». «1. O cabeça-de-casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído. «2. O exercício das acções possessórias cabe igualmente aos herdeiros ou a terceiro contra o cabeça-de-casal». E já justificámos acima a qualificação da acção como sendo de petição de herança. Preceitua esse artigo 2078.º, no nº 1: Sendo vários os herdeiros, qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro. - Art. 286.º: A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. - Art. 287.º nº 1: Só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento. Dado que o caso não é nenhum dos declarados nos artigos anteriores a esse artigo do mesmo Capítulo, como acima explicámos, mas é de petição de herança, a legitimidade activa fica assegurada com a demanda por um só dos herdeiros, sem necessidade de intervenção inicial dos restantes, conforme artigo 2078º, nº 1, acima citado. Claro que o demandado, querendo fazer estender o caso julgado também aos herdeiros não demandados inicialmente, haveria de ter provocado a intervenção litisconsorcial sucessiva dos mesmos na posição de autores. Donde, em suma, não foi preterido o litisconsórcio necessário e a autora tem legitimidade para só por si demandar a ré nesta acção, nos termos dos artigos 2075º, 2078º nº 1 e ressalva do art. 2091º nº 1, todos do CC.
Da apelação: A questão do caso julgado: A anterior acção, em que se pedia implicitamente o reconhecimento da qualidade de herdeiros das autoras e expressamente a restituição de determinado bem à herança deixada pela de cujus (…), foi julgada improcedente por não se verificar a invocada incapacidade acidental de (…) ao passar a procuração a favor da mesma ré, ao abrigo da qual esta celebrou a compra daquele bem “consigo mesma”. E a decisão transitou em julgado. Trata-se de apreciar se a presente acção de petição de herança é repetição da anterior acção, por haver identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, ou seja, apreciar se se verifica a excepção de caso julgado, oponível à presente autora Mariana, co-herdeira, que não interveio nem foi chamada a intervir na anterior acção. Já deixámos claro que ambas as acções são de qualificar de petição de herança. O efeito jurídico-prático visado por qualquer delas é idêntico: a restituição do mesmo bem à mesma herança ([3]). Mas a repetição de uma causa, que está na base da excepção do caso julgado, não se basta com a identidade do pedido (efeito jurídico-prático visado). O artigo 498º do CPC exige uma tríplice identidade, que inclui também a identidade dos sujeitos sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica e a identidade de causa de pedir. A causa de pedir nas duas acções é essencialmente idêntica na medida em que em ambas a pretensão se baseia na mesma incapacidade acidental da de cujus (…) ao passar a mesma procuração, o que seria causa de invalidade desse negócio jurídico unilateral e da subsequente compra e venda celebrada pela ré “consigo mesma” ao abrigo da procuração. A diferença em termos de causa de pedir reside na invocação, na presente acção e diversamente da anterior, dos vícios de usura, simulação, negócio indirecto (doação), enriquecimento sem causa, abuso de representação e abuso do direito ([4]). Mas esta diferença não releva agora para a verificação da excepção do caso julgado, releva sim o âmbito comum que é o da viciação do negócio jurídico por incapacidade acidental, porquanto aqueles vícios invocados apenas na presente acção já foram resolvidos e a sua decisão está coberta pela autoridade do caso julgado, por exorbitarem deste recurso. Quanto ao requisito da identidade subjectiva, sob o ponto de vista da qualidade jurídica dos sujeitos nas duas acções, ocorre que, pretendendo-se opor o caso julgado a (…), co-herdeira, que não interveio nem foi chamada a intervir na anterior acção, tal identidade não se verifica. Com efeito, (…) é terceiro na anterior acção. Esta herdeira, agora autora, é, perante a anterior acção, processualmente um terceiro, porque não interveio inicialmente nessa acção como demandante ou demandada, nem foi chamada a intervir sucessivamente como (com)parte principal, bem como porque não sucedeu na posição jurídica de algum dos anteriores autores (v.g. não sucedeu a algum deles). E a regra é a da eficácia relativa do caso julgado (art. 498º) com vista a evitar que 3ºs sejam prejudicados nos seus direitos sem terem tido possibilidade de se defender no processo ([5]). (…) é terceiro na anterior acção e as posições jurídicas entre herdeiros demandantes numa e noutra causa são concorrentes, são contitulares do direito de petição de herança: são todos três herdeiros testamentários da mesma de cujus a cujo acervo hereditário se pretende a reversão do bem. No caso de contitularidade do direito, ou de posições concorrentes, não exigindo a lei a participação de todos na acção (como não exige, já o vimos), o caso julgado formado na acção proposta por um deles ou por alguns deles aproveita aos restantes, mas não lhes é oponível, ou seja, a sentença desfavorável a quem propôs a acção não é oponível, como caso julgado, a quem sendo contitular do direito não interveio na acção (assim, A. Varela et alii, Manual de Processo Civil, 1984, Coi. Ed, p. 711 e 133, onde é exemplificada a hipótese do artigo 2078º nº 1 do CC). Ora, no caso dos autos, a anterior acção, porque improcedente, foi desfavorável aos autores, e daí que a presente autora, co-herdeira, se tenha oposto, com procedência que se deve reconhecer, à eficácia do caso julgado no presente processo. O que a ré podia ter feito no anterior processo, para poder opor à restante co-herdeira o caso julgado a formar pela decisão que nele viesse a ser proferida, era ter provocado a sua intervenção nos termos do artigo 328º do CPC. Mas não provocou, e daí resultam consequências. Consequências que se resumem a isto: a mesma ré está sujeita a ser confrontada em novo processo (o presente) com a discussão da mesma questão fundamental e com pedidos idênticos, sem que a tal possa obstar, dado que não se verifica a excepção do caso julgado oponível à ora autora, por falta de identidade subjectiva nas duas acções. Daí que, não formando a decisão da anterior acção caso julgado oponível à ora autora, o processo deva prosseguir seus termos com realização da audiência do julgamento e ulteriores termos (para conhecimento, a final, da questão ou questões objecto do presente processo, com excepção das já abrangidas pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e das relativas a usura, simulação, negócio indirecto (doação), enriquecimento sem causa, abuso de representação e abuso do direito, já definitivamente decididas).
Em resumo e conclusão: 2- À qualificação da acção como acção de petição de herança não obstam, nem a cumulação dos pedidos de declaração de invalidade ou ineficácia da procuração e subsequente compra e venda, que são pedidos instrumentais da pretensão de restituição, nem o pedido de cancelamento de registo, que é pedido acessório. 3- Basta que a acção de petição de herança seja intentada por um dos herdeiros, sem intervenção dos restantes, para que esteja assegurada a sua legitimidade, nos termos dos artigos 2075º, 2078º nº 1 e ressalva do art. 2091º nº 1, todos do CC. 6-Por não se verificar a excepção do caso julgado, como se refere na 4ª conclusão, o processo deve prosseguir para realização da audiência do julgamento e ulteriores termos.
IV - Decisão: Pelo exposto, acordam em: a)- Negar o provimento ao agravo, confirmando a decisão de legitimidade activa; b)- Julgar a apelação procedente, revogando a decisão na parte impugnada e ordenando o prosseguimento do processo para realização da audiência do julgamento e ulteriores termos, conforme acima se explicitou. c)- Condenar a ré nas custas do agravo e da apelação.
[5] A inoponibilidade do caso julgado a 3ºs é corolário do princípio do contraditório. |