Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8/06.2TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: PETIÇÃO DE HERANÇA
LEGITIMIDADE
CASO JULGADO
Data do Acordão: 05/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.285, 286, 287, 20175, 2078, 2091 CC, 26, 28 CPC.
Sumário: I - Sendo pedido o reconhecimento da qualidade da autora como herdeira (ainda que o pedido seja implícito) e a restituição, ao acervo hereditário, de determinado bem, a acção deve qualificar-se como acção de petição de herança (art. 2075º nº 1 do Código Civil).

II - À qualificação da acção como acção de petição de herança não obstam, nem a cumulação dos pedidos de declaração de invalidade ou ineficácia da procuração e subsequente compra e venda, que são pedidos instrumentais da pretensão de restituição, nem o pedido de cancelamento de registo, que é pedido acessório.

III - Basta que a acção de petição de herança seja intentada por um dos herdeiros, sem intervenção dos restantes, para que esteja assegurada a sua legitimidade, nos termos dos artigos 2075º, 2078º nº 1 e ressalva do art. 2091º nº 1, todos do CC.

IV - Intentada uma 2ª acção de petição de herança, em que se pede a restituição do mesmo bem à mesma herança, com base no mesmo vício (incapacidade acidental) dos negócios jurídicos pelos quais houve a transmissão desse bem da de cujus para a mesma ré, mas em que figura como autora uma herdeira que não foi parte nem foi chamada a intervir na 1ª acção, proposta por outros co-herdeiros e julgada improcedente, não se verifica a excepção de caso julgado que seja oponível à autora da 2ª acção.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

I - Relatório:

(A). F (…) celebrou em 1991 um testamento no qual, declarando não ter ascendentes nem descendentes, nomeou o seu sobrinho A (…), como legatário da quota de ½ do seu prédio ( ....) sito na Rua (…) em (...), bem como do respectivo recheio, bem como de 2/3 do edifício anexo, e instituiu como herdeiras do remanescente dos seus bens em partes iguais as suas sobrinhas (…), (…) e (…). A (…) já era comproprietário, juntamente com seus irmãos, desse prédio ( ....), quanto à outra quota de metade ([1]).

Em 26.4.2001, perante o notário,  a mesma F (…)passou procuração à sua sobrinha M (…) conferindo-lhe poderes, entre outros, para, em relação a seis doze avos de que é titular do dito prédio ( ....), em nome e representação daquela e nos termos que entender por convenientes, negociar consigo própria, vendendo, transmitindo ou alienando a si mesma, seja a que título for.  Em 4.7.2001, em escritura notarial, M (…)com recurso a essa procuração, declarou comprar a F (…) e esta, representada por aquela, declarou vender-lhe a metade indivisa do dito prédio ( ....), pelo preço de 3.000.000$00. M (…) registou em 25.7.2001 a aquisição de ½ desse prédio pela dita compra. Em 25.9.2002, a mesma F (…) faleceu.

(B). A anterior acção ordinária 398/03.9TBTMR (2º Juízo de Tomar) foi intentada em 2003 por A (…) (supra mencionado), (…)e (…) (supra mencionada), contra M (…), pedindo que:

-Que se declare a nula e de nenhum efeito a procuração subjacente ao contrato de compra e venda do prédio dos autos;

-Que, em consequência, se declare nula a compra e venda outorgada por escritura, pela Ré, de metade do prédio urbano sito (…) em Tomar, que pertencia à "de cujus" ((…), tia dos AA. e da ré);

-Que se ordene à ré a restituição do imóvel ao acervo da herança e ao 1° Autor e, em conformidade, se ordene o cancelamento da inscrição registal respectiva;

-Que, para o caso de assim não ser entendido, seja a Ré condenada a reconhecer aos AA o direito de preferência na quota alienada, na respectiva proporção da sua compropriedade.

Para tais efeitos, foram alegados, como vício do negócio jurídico, os factos relativos à incapacidade acidental da dadora da procuração.

A sentença de 6.4.2006 julgou improcedentes os pedidos principais e o subsidiário. Em recurso, esta Relação proferiu o acórdão de 18.11.2008 que confirmou tais decisões e transitou em julgado (certidão a fls. 722 do 4º vol.).

(C). Entretanto, aos 2.1.2006,  a herdeira testamentária (…) (supra mencionada) intentou isoladamente a presente acção ordinária 8/06 (1º Juízo de Tomar), contra a mesma ré (…) (beneficiária do testamento e compradora de ½ do prédio ( ....)), ambas residentes em Lisboa, formulando os seguintes pedidos:

a)- Que se condene a ré a reconhecer à A. a qualidade de herdeira e cabeça de casal da herança aberta por óbito de Fernanda Fernandez de Oliveira;

b)- Que se anule a procuração outorgada a favor da ré;

c)- Que se declare nulo e sem qualquer efeito o mencionado negócio de compra e venda do dito prédio ( ....);

d) e e)- Que, subsidiariamente, se declare tal negócio anulável, ou ineficaz perante a autora;

f)- Que, em qualquer caso, se declare a obrigação da ré de restituir tal prédio à referida herança de que a A. é cabeça de casal e co-herdeira;

g)- Que se declare a obrigação da ré de restituir à A, na mesma qualidade, todo o recheio da referida casa;

h) e i)- Que se declare a obrigação da ré de pagar à A. cabeça de casal as quantias indemnizatórias (que indica) até à entrega, e juros, bem como uma sanção pecuniária compulsória até à restituição dos bens.

Para tais efeitos, alegou, em suma, a qualidade de herdeira testamentária e o facto de ser a mais velha de entre as herdeiras, bem como essencialmente os mesmos factos subsumíveis à incapacidade acidental da dadora da procuração, bem como outros factos (v.g. a ½ do prédio comprado valeria 63 000 contos e não 3000 contos), pelos quais a autora subsume a situação aos vícios de negócio jurídico consistentes em: usura, simulação, negócio indirecto (doação), enriquecimento sem causa, abuso de representação e abuso do direito.

Na contestação, a ré invocou a ilegitimidade processual da autora, admitiu os factos pelos quais esta se afirma co-herdeira e cabeça de casal e, no mais, defendeu-se por impugnação.

A A. replicou, invocando, em suma, que a sua legitimidade para arguir a invalidade do negócio jurídico resulta do regime da nulidade e da anulabilidade e da sua posição jurídica sucessória.

Em pré-saneador foi verificado o valor da causa (fls. 123 ss). No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade activa, foram seleccionados os factos assentes a) a D) e foi elaborada base instrutória com 32 quesitos, a que depois foram aditados mais sete.

Inconformada com a decisão sobre a legitimidade, a ré recorreu, de agravo, com subida diferida e efeito meramente devolutivo, concluindo a sua alegação:

A)Na apresentação da sua contestação, a ora agravante defendeu-se por excepção dilatória consubstanciada na ilegitimidade da Autora.

B)Na análise da excepção invocada, entendeu o douto Tribunal julgar a mesma improcedente e considerar que “em face da configuração fáctica e do pedido formulado pela Autora, é manifesto que ela é parte legítima na presente acção.”

C)Não pode retirar o Tribunal, dos articulados apresentados pelas partes, que a A. tem interesse em demandar a ora agravante (com base no artigo 26º do C.P.Cv.) em primeiro lugar, porque a A., enquanto cabeça-de-casal, não iria enriquecer a herança com a eventual entrega dos bens pedidos considerando que estes sempre seriam legados dispositivos, nos quais “o direito passa recta via do falecido para o legatário” e, em segundo lugar a A. também não teria interesse em demandar a agravante enquanto co-herdeira porque os bens in casu nunca iriam integrar o acervo patrimonial da herança, passando, automaticamente para a esfera jurídica do legatário.

D)A conclusão pela legitimidade da A. com recurso ao artigo 286º do Código Civil não poderá, nem deverá ser considerada por fundamentada em decisões de mérito, tomadas em violação directa do preceituado nos artigos 3º e 3º-A do C.P.Cv. e por atentar contra o direito de defesa da ora agravante.

E)É patente que o que se discute nos presentes autos configura-se como uma acção de reivindicação e, afastado que ficou o regime da petição da herança, vertido nos artigos 2075º a 2078º inclusive do Código Civil, não se poderá legitimar a posição da A. nos presentes autos como a de um herdeiro que não foi chamado à sucessão.

F)Quanto à acção de reivindicação, doutrina e jurisprudência são unânimes em declarar que é indiscutível, face ao disposto no artigo 2091º, n.º1 do Código Civil, que a reivindicação tem de ser levada a cabo com intervenção de todos os herdeiros no exercício do seu direito de acção em litisconsórcio necessário activo legal.

G)Torna-se forçoso, assim, concluir que a acção em prejuízo neste sede sempre teria que ser proposta por todos os herdeiros, ou seja, pela A. e pela Senhora (…), irmã da R. e da A. e herdeira instituída, em litisconsórcio activo necessário.

H)Igualmente não assiste razão ao douto Tribunal quando pretende englobar os legados numa categoria abrangente de herança, isto porque, considerando que a quota-parte da co-propriedade do imóvel em causa nestes autos consta no testamento da de cujus como um legado instituído a favor de um seu sobrinho, mesmo que tivesse de ser restituído por qualquer motivo, nunca iria integrar o acervo patrimonial da herança indivisa, sempre teria de ser entregue ao seu beneficiário, o legatário, como se disse supra.

I)Termos em que o cabeça-de-casal nunca teria poderes de ingerência sobre os bens objecto de legado, não só não podendo administrá-los, como não podendo substituir-se ao legatário em acção de reivindicação, pelo simples facto de que os bens legados permanecem autónomos em relação aos bens que compõem a herança.

J)Acresce que, nem com recurso à qualidade de co-herdeira poderia a A. accionar a R. com base no dever de cumprimento dos legados que impende sobre os herdeiros, devido ao facto da factualidade vertida nos presentes autos não se prender com o cumprimento de um legado, mas, ao invés, com a reivindicação de bens, sempre tendo o legatário a faculdade de demandar a R., mediante acção de reivindicação, nos termos e para os efeitos do artigo 2279º do C.C.

L)Do exposto, verifica-se que a A. não dispõe de legitimidade activa para accionar a Agravante na presente acção, nem na qualidade de cabeça-de-casal, nem na qualidade de co-herdeira.

M)Nestes termos, deve o despacho em apreço ser revogado, na parte que julgou improcedente excepção dilatória da ilegitimidade activa da A., nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas da alínea e) do artigo 494º do Código de Processo Civil (C.P.C) e do n.º 2 do artigo 493º do mesmo Código, devendo, em consequência, a R. ser absolvida da instância. Termos em que, e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso de agravo, revogando-se o despacho recorrido na parte que decidiu pela improcedência da excepção da ilegitimidade activa invocada pela Agravante, ser declarada a A. parte ilegítima e, em consequência ser a ora Agravante absolvida da instância, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas da alínea e) do artigo 494º do Código de Processo Civil e do n.º 2 do artigo 493º do mesmo Código.

A A. contra-alegou concluindo:

A. A Agravante recorreu do douto despacho proferido a fls.150 e ss. que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa da A. suscitada pela Recorrente na contestação que deduziu nos autos.

B. Andou bem o Tribunal ao decidir como decidiu.

C. A Agravada é parte legítima na acção, quer como herdeira, quer como cabeça de casal, com o encargo (legal) de administrar a herança e de, portanto, na referida qualidade cumprir os encargos da herança onde se encontram previstos aqueles que foram alegados pela Agravada na petição inicial.
D. O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar, exprimindo-se esse interesse pela utilidade que decorra da procedência da acção, nos termos do art. 26º, nºs 1 e 2 do CPC, sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeito de legitimidade, os sujeitos da relação material controvertida, tal como o autor a configura.
E. A Agravada pediu ao Tribunal que declarasse a invalidade do negócio dos autos, com fundamento de a de cuius se encontrar diminuída na sua capacidade mental.
F. A A. é parte legítima na qualidade de interessada na invalidade do negócio em causa nos termos do art. 286º do Código Civil.
G. O Tribunal não se pronuncia quanto ao caso concreto, mas sim em abstracto, considerando que em face do quadro factual alegado pela A., a consequência poderá ser a invalidade do negócio, e, portanto, na qualidade de interessada, era-lhe (como é) legítimo intentar a acção dos autos nos termos em que o fez contra a Agravante.
H. Por outro lado, a A. pode (e deve) lançar mão da acção na sua qualidade de cabeça de casal, ao contrário do alegado, sendo que o invocado regime do artigo 2088º do CC não lhe veda essa possibilidade, antes concede.
I. Não houve igualmente preterição de litisconsórcio activo, pois que os direitos invocados na acção não estão abrangidos pelo disposto no artigo 2091º do CC, sendo certo que esta norma ressalva expressamente “fora dos casos previstos nos artigos anteriores” as hipóteses em que o cabeça-de-casal (sozinho, sem necessidade de concurso dos demais co-herdeiros), pode pedir de qualquer pessoa a entrega de bens que possa administrar.
J. A Recorrida não tinha que propor a acção dos autos em coligação com os demais co-herdeiros.
K. Se todos os direitos exercidos na acção pela A. Agravada estivessem na dependência da intervenção conjunta de todos os herdeiros, tais direitos não existiriam quando o Réu fosse um dos co-herdeiros (como é o caso), porque esse, por definição, se oporia.
L. A acção dos autos não tinha que ser intentada pelo legatário, já que o facto dos legatários poderem também deitar mão de acções para defesa dos seus direitos, não preclude que os herdeiros também o possam fazer.
A decisão agravada foi tabelarmente sustentada.

(D). No prosseguimento do processo, em 21.11.2006, a fls. 342 (2º vol), a ré veio deduzir articulado superveniente, no qual alegou, em suma, que no dia 9 desse mês celebrara com o dito legatário um contrato de compra e venda dos móveis que integram o respectivo legado. Juntou a respectiva escritura particular a fls. 346 ss (ou fls. 465 ss).

Ouvida a A, foi proferido o despacho de 13.3.2008 a fls. 538s que, com base nessa compra e venda, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos g), h) e i) da petição.

(E). Após instrução, foi junta certidão contendo o dito acórdão desta Relação, tendo a 1ª instância entendido ser inútil prosseguir com a audiência de julgamento, por verificação do caso julgado. Ouvidas as partes sobre esta questão, foi proferida a sentença de 3.11.2009 a fls. 775 que, quanto aos pedidos «b) e c) e subsequente entrega», julgou verificado o caso julgado absolvendo a ré da instância e, quanto ao restante peticionado, julgou a acção improcedente, por não se verificarem usura, simulação, negócio indirecto (doação), enriquecimento sem causa, abuso de representação ou abuso do direito.

Inconformada com a sentença, recorre a A, de apelação, concluindo a sua alegação:

A. Entendeu o Tribunal recorrido verificar-se in casu a excepção de caso julgado.

B. É através de uma tríplice identidade – de sujeitos, do pedido e da causa de pedir – que se definem os limites e extensão do caso julgado.

C. Nos autos referidos supra foram Autores os (…), e Ré a (…), também aqui Ré.

D. Nestes nossos autos é Autora (…).

E. No âmbito das duas acções apenas coincide a pessoa da Ré, uma vez que os Autores não são os mesmos.

F. Não se verifica identidade física dos AA., nem jurídica, isto é, actuarem os AA. de ambas as acções como titulares duma mesma relação substancial.

G. Os AA. da acção já decidida não agiram na mesma posição da A. destoutra acção, nem aqueles AA. são titulares da mesma relação substancial da aqui A..

H. Num caso, os AA. eram e agiram na qualidade de comproprietários (com a Ré) do prédio urbano dos autos, e no caso do A. (…), ainda como legatário de metade indivisa do mesmo.

I. No outro, a A. destes autos é e age na qualidade de co-herdeira e de cabeça de casal da herança aberta por óbito de Fernanda Fernandez Oliveira com o encargo (legal) de administrar a herança e de, portanto, na referida qualidade cumprir os encargos da herança.

J. A posição da aqui A. era concorrente (mas não a mesma) com as dos AA. na acção decidida.

K. O resultado da outra demanda, embora a pudesse aproveitar (caso tivesse procedido), não lhe é oponível.

L. Nem os pedidos de ambas as acções são (pelo menos inteiramente) coincidentes, pois que, enquanto que na acção já decidida os pedidos eram de a) ser declarada a nulidade da procuração subjacente ao contrato de compra e venda do prédio dos autos; b) ser declarado nula a compra e venda outorgada; c) ser ordenada a restituição do imóvel ao acervo da herança e ao 1º A. na qualidade de legatário; d) ser reconhecido o direito de preferência dos AA. na quota alienada na respectiva proporção da sua compropriedade,

M. Nos presentes autos os pedidos formulados (para além dos que já foram julgados extintos) são que seja declarada a) a anulabilidade da procuração e a escritura de compra e venda (por usura), b) a nulidade do negócio (por ser celebrado contra a lei, por se tratar de um negócio indirecto, simulado e com abuso de direito); c) a ineficácia perante a A. do negócio (por abuso de representação e enriquecimento sem causa); d) ser ordenada a restituição do imóvel à herança.

N. Embora tenham na génese alguns dos factos dessoutra acção, a verdade é que são substancialmente distintos visando apurar diferentes realidades.

O. O facto de a presente acção ter por base alguns factos idênticos e, como refere o Tribunal, porventura haver identidade em parte da causa de pedir, não significa que tal baste para julgar verificada a excepção de caso julgado.

P. No caso em apreço, não apenas não há identidade dos sujeitos, como também não há identidade do pedido, pois, enquanto numa acção se pretende obter um efeito jurídico, na presente acção pretende-se obter outro, diferente, inexistindo, assim, caso julgado.

Q. Violou, por isso, o disposto nos arts. 495º, 497º, 493º, nº 2 e 494º, i) do CPC ao decidir como decidiu. Nestes termos (…), deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, designadamente a revogação da douta sentença recorrida e prosseguindo os presentes autos os competentes trâmites legais. Valor: o da acção.

Na contra-alegação, a apelada concluiu que deve improceder por completo o recurso de apelação.

II - Questões a solucionar:

Atendendo a que as conclusões da alegação demarcam o âmbito do recurso (art. 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC), as questões a apreciar cingem-se às seguintes:

Do agravo: A ilegitimidade processual;

Da apelação: O caso julgado.

Exorbitam do âmbito do recurso de apelação as questões resolvidas na sentença, relativas à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e usura, simulação, negócio indirecto (doação), enriquecimento sem causa, abuso de representação e abuso do direito, devendo considerar-se, nesta parte, transitada em julgado a respectiva decisão.

III - Fundamentos:

Os factos e vicissitudes que interessam à solução das questões são essencialmente os que vêm descritos em (A) a (D) do relatório, embora com restrição da alínea (C) apenas ao conteúdo da petição inicial.

Tanto a agravo como à apelação interessa a prévia qualificação jurídica da presente acção, começando-se por aí a nossa análise, estendida à qualificação jurídica também da anterior acção acima aludida.

Para a qualificação das acções importa considerar fundamentalmente os pedidos formulados, ou seja, os efeitos jurídicos pretendidos consubstanciados na formulação dos pedidos.
Como os efeitos jurídicos fundamentalmente visados consistem no reconhecimento da qualidade da autora como herdeira e na restituição, ao acervo hereditário, do bem imóvel (1/2 do prédio ( ....) de que a de cujus era dona), a presente acção deve qualificar-se como acção de petição de herança (art. 2075º nº 1 do Código Civil).
Com efeito, através dos pedidos a) -- de reconhecimento da qualidade da autora como herdeira de F (…), e f) -- de restituição de ½ do prédio à herança pela ré, a acção enquadra-se na previsão desse preceito legal, epigrafado acção de petição (da herança) e que reza assim, nesse nº 1:
«O herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título».
Claramente, a ré agravante não tem razão ao defender que se trata de acção de reivindicação. Os pedidos não se enquadram no disposto no artigo 1311º do CC, desde logo porque os autores não pretendem o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel.
À qualificação da acção como acção de petição de herança não obsta a cumulação dos pedidos de declaração de invalidade ou ineficácia da procuração e subsequente compra e venda ([2]). Na verdade, esses pedidos funcionam apenas instrumentalmente em relação ao essencial efeito jurídico-prático visado, que consiste na restituição de ½ do prédio à herança.
 Na medida em que na anterior acção também se pretendia o reconhecimento da qualidade das autoras como herdeiras (pedido implícito) e a consequente restituição de determinado bem à herança (aliás, o mesmo bem), o efeito jurídico-prático é idêntico: também essa anterior acção é de qualificar como acção de petição de herança.
Posto isto, analisemos o objecto de cada um dos recursos.

Sobre o agravo:

A questão da ilegitimidade suscitada pela ré agravante:

Sabido que à face do testamento acima aludido e invocado pela autora são pelo menos quatro os beneficiários post mortem da falecida tia dos mesmos (F (…)), ou seja, três herdeiras e um legatário, -- trata-se de reponderar neste recurso se a autora tem legitimidade para agir desacompanhada dos restantes beneficiários além dela e da ré ou se foi preterido o litisconsórcio necessário.

A questão não se resolve apenas com base no disposto no artigo 26º do CPC sobre legitimidade singular, como foi entendido na recorrida decisão do saneador. E não resolve porque a relação jurídica sucessória em causa tem uma pluralidade de partes como sujeitos beneficiários e a questão colocada visa apreciar se há litisconsórcio necessário ou se basta figurar na acção uma parte dos interessados para assegurar a legitimidade.

Prescreve o artigo 28º do CPC, no nº 1, que se a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade. E acrescenta o nº 2 que é igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal; a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.

Perante o disposto nesse artigo, a intervenção dos vários interessados na relação controvertida pode resultar necessária (litisconsórcio necessário) por três vias a que correspondem as suas modalidades de:

-- Litisconsórcio necessário convencional;

-- Litisconsórcio necessário legal;

-- Litisconsórcio necessário natural.

As duas primeiras modalidades estão previstas no nº 1 daquele artigo e a terceira está prevista no seu nº 2. A primeira não interessa ao caso.

O litisconsórcio necessário legal é o que tem lugar por imposição de norma legal.
É natural o litisconsórcio que resulta de, pela própria natureza da relação jurídica, a intervenção de todos os interessados ser necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. E a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
Vejamos agora a hipótese de litisconsórcio necessário, tendo por fonte a lei.
Em causa, face à petição inicial, estão apenas direitos relativos à herança, ou seja, relativos ao património hereditário, que a de cujus (…) deixou a favor da autora e de outros interessados na aquisição dos respectivos bens. São direitos relativos à herança, feitos valer pela autora através dos pedidos, em síntese:
1º: o de reconhecimento da qualidade da autora como herdeira;
2º: o de declaração de invalidade ou ineficácia da procuração e da compra e venda do bem adquirido pela ré à de cujus (1/2 do prédio ( ....)), com a consequente restituição desse bem à herança pela ré;
3º: os de reconhecimento da autora como cabeça de casal e restituição, pela ré à autora, do recheio legado a (…), a fim de a cabeça de casal cumprir o legado;
4º: o direito de indemnização e à sanção pecuniária compulsória, com base na detenção desse recheio pela ré.  
Deixou de relevar a apreciação da legitimidade a respeito dos direitos 3º e 4º (pedidos g) a i) e 2ª parte de a), a partir do momento em que, tendo o legatário e a ré já resolvido a questão do recheio, foi nesse âmbito a instância julgada extinta por inutilidade superveniente da lide, mediante decisão que já transitou em julgado. Apreciamos pois agora a questão apenas quanto aos restantes pedidos relativos à herança.

Dissemos que o litisconsórcio necessário legal é o que tem lugar por imposição de norma legal. Pode tratar-se de norma substantiva, que conste do Código Civil. Mas no Código Civil encontram-se normas que, visando regular a legitimidade ad causam, umas vezes impõem a intervenção de uma pluralidade de sujeitos em juízo, bem como normas que outras vezes permitem que um só dos interessados intervenha em juízo sem necessidade de se litisconsorciarem todos.

Como o caso é de acção de petição de herança, regulada nos artigos 2075º e segs do Código Civil, há que ter-se em atenção o que o artigo 2078º (Exercício da acção por um só herdeiro) do CC prescreve no nº 1:

«Sendo vários os herdeiros, qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro».
E o artigo 2091º, nº 1, do Código Civil reza assim:

«Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros».
Este último preceito contém uma regra e contém ressalvas.
Segundo a regra, quando se trate de direitos relativos à herança, ou todos herdeiros demandam (caso sejam eles a pretender fazer valer tais direitos), ou todos herdeiros são demandados (caso os direitos relacionados com a herança ou com bens hereditários sejam feitos valer por quem não seja herdeiro). Isto é: havendo pluralidade de herdeiros, ou há litisconsórcio necessário activo, ou há litisconsórcio necessário passivo, conforme os casos. Todos eles, em conjunto, representam a herança.
Dessa regra são ressalvados os casos dos artigos anteriores, do mesmo Capítulo VIII, relativos à administração da herança – artigos 2079º e segs., bem como o caso da acção de petição de herança em cujo Capítulo VII a ela respeitante se integra o artigo 2078º conferindo legitimidade a qualquer dos herdeiros para intentar só por si tal acção.
Os primeiros casos ressalvados, respeitantes à administração da herança e constantes desse Capítulo VIII, são aqueles em que a lei confere legitimidade singular ao cabeça-de-casal para, desacompanhado dos outros herdeiros (ou dos outros legatários na hipótese de todo o património hereditário ter sido distribuído em legados), praticar os actos próprios das suas atribuições. São os casos previstos nos artigos 2088º (entrega de bens para a sua administração), 2089º (cobrança de dívidas) e 2090º (venda de bens para satisfação de encargos).
Ao caso dos autos não importa o preceituado nesse artigo 2088º, sobre cuja aplicação as partes divergem. Nele se preceitua:

«1. O cabeça-de-casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído.

«2. O exercício das acções possessórias cabe igualmente aos herdeiros ou a terceiro contra o cabeça-de-casal».
A 2ª parte do nº 1 e o nº 2 não têm aplicação no caso sub judice, dado que, com toda a evidência, esta não é uma acção possessória: em lado algum da petição se encontra invocada a posse pela autora (não consta que alguma vez a autora, cabeça de casal, tenha tido na sua posse, o prédio cuja quota de ½ foi vendida pela de cujus à ré) e em lado algum consta a pretensão da autora de nessa posse ser mantida ou a ela ser restituída. Aliás, a autora pretende que o prédio seja restituído à herança, não à posse da cabeça-de-casal (salvo quanto ao recheio mas já vimos que este aspecto não mais releva).
O preceito deve ser interpretado no sentido de que, para a sua aplicação, «essencial é que a entrega material dos bens seja realmente necessária ao exercício da gestão pelo cabeça-de-casal» (P. Lima e A. Varela, CC Anotado, em nota ao artigo 2088º; no mesmo sentido, cf. acórdão do STJ de 28.5.2002 em www.dgsi.pt).
Ora, a autora não alegou a necessidade de entrega do prédio (aliás, da quota de ½) para ele ser administrado por si como cabeça-de-casal, nem se vislumbra tal necessidade, nem sequer a sua viabilidade prática pois que só uma quota era da de cujus (antes de vender e falecer).
Por essa falta de alegação se conclui que não está preenchido o condicionalismo legal daquela ressalva constante do proémio do nº 1 do artigo 2091º. Cabe agora apreciar se se verifica a ressalva atinente ao artigo 2078º.
Este artigo vem epigrafado de «exercício da acção por um só herdeiro».
Porque incluído no Capítulo epigrafado «petição de herança», logo resulta claro que esse art. 2078º se refere ao exercício da acção de petição de herança por um só herdeiro.

E já justificámos acima a qualificação da acção como sendo de petição de herança.

Preceitua esse artigo 2078.º, no nº 1: Sendo vários os herdeiros, qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro.
Consequentemente, a autora tem legitimidade para, desacompanhada de outra herdeira, demandar a ré enquanto detentora desse bem que, alegadamente, deveria integrar o acervo hereditário. É certo que a ré também é uma das várias herdeiras de (…), mas não é demandada nessa qualidade e sim na de adquirente por compra daquele bem. E a qualidade de cabeça-de-casal da autora também é irrelevante para a caracterização da acção, bastando a invocação da qualidade de herdeira.
Com isso não ficam integralmente resolvidas as questões colocadas no agravo, dado que a autora invoca a sua legitimidade com base no disposto no artigo 286º do Código Civil: porque é interessada, tanto bastaria para ser parte legítima.
Preceituam os art. 285º a 287º:
- Art. 285º: Na falta de regime especial, são aplicáveis à nulidade e à anulabilidade do negócio jurídico as disposições dos artigos subsequentes.

- Art. 286.º: A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

- Art. 287.º nº 1: Só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.
Interessado, para o art.286º, é o sujeito de qualquer relação jurídica que de algum modo possa ser afectado pelos efeitos que o negócio tendia a produzir. Afectado na sua consistência jurídica ou mesmo só na sua consistência prática (cf. P. Lima e A. Varela, CC Anotado, I, 185).
A relação jurídica ou situação jurídica que pode considerar-se afectada pela invalidade da procuração e venda subsequente é a relação sucessória, com pluralidade de sujeitos, entre os quais a autora. O direito feito valer (direito à anulação, declaração de nulidade ou ineficácia) é de qualificar como um direito relativo à herança.
Mas nenhum desses três artigos resolve o problema de saber se, havendo uma pluralidade de interessados, basta um agir em juízo desacompanhado dos restantes ou se é necessária a intervenção de todos, para fazer valer esse direito relativo à herança. Tal como o artigo 2078º também não resolve, pois visa apenas caracterizar a acção de petição de herança, nem os artigos sobre a administração da herança resolvem o problema.
O interesse da autora tem como base a sua posição jus-sucessória, pelo que temos de recorrer ao regime das sucessões. Aliás, este regime, porque especial, prevalece sobre o regime da parte geral.
Vale então aqui a segunda ressalva contida no disposto no artigo 2091º nº 1 do CC: Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.

Dado que o caso não é nenhum dos declarados nos artigos anteriores a esse artigo do mesmo Capítulo, como acima explicámos, mas é de petição de herança, a legitimidade activa fica assegurada com a demanda por um só dos herdeiros, sem necessidade de intervenção inicial dos restantes, conforme artigo 2078º, nº 1, acima citado.

Claro que o demandado, querendo fazer estender o caso julgado também aos herdeiros não demandados inicialmente, haveria de ter provocado a intervenção litisconsorcial sucessiva dos mesmos na posição de autores.

Donde, em suma, não foi preterido o litisconsórcio necessário e a autora tem legitimidade para só por si demandar a ré nesta acção, nos termos dos artigos 2075º, 2078º nº 1 e ressalva do art. 2091º nº 1, todos do CC.

Da apelação:

A questão do caso julgado:

A anterior acção, em que se pedia implicitamente o reconhecimento da qualidade de herdeiros das autoras e expressamente a restituição de determinado bem à herança deixada pela de cujus (…), foi julgada improcedente por não se verificar a invocada incapacidade acidental de (…) ao passar a procuração a favor da mesma ré, ao abrigo da qual esta celebrou a compra daquele bem “consigo mesma”. E a decisão transitou em julgado.

Trata-se de apreciar se a presente acção de petição de herança é repetição da anterior acção, por haver identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, ou seja, apreciar se se verifica a excepção de caso julgado, oponível à presente autora Mariana, co-herdeira, que não interveio nem foi chamada a intervir na anterior acção.

Já deixámos claro que ambas as acções são de qualificar de petição de herança. O efeito jurídico-prático visado por qualquer delas é idêntico: a restituição do mesmo bem à mesma herança ([3]).

Mas a repetição de uma causa, que está na base da excepção do caso julgado, não se basta com a identidade do pedido (efeito jurídico-prático visado).

O artigo 498º do CPC exige uma tríplice identidade, que inclui também a identidade dos sujeitos sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica e a identidade de causa de pedir.

A causa de pedir nas duas acções é essencialmente idêntica na medida em que em ambas a pretensão se baseia na mesma incapacidade acidental da de cujus (…) ao passar a mesma procuração, o que seria causa de invalidade desse negócio jurídico unilateral e da subsequente compra e venda celebrada pela ré “consigo mesma” ao abrigo da procuração.

A diferença em termos de causa de pedir reside na invocação, na presente acção e diversamente da anterior, dos vícios de usura, simulação, negócio indirecto (doação), enriquecimento sem causa, abuso de representação e abuso do direito ([4]). Mas esta diferença não releva agora para a verificação da excepção do caso julgado, releva sim o âmbito comum que é o da viciação do negócio jurídico por incapacidade acidental, porquanto aqueles vícios invocados apenas na presente acção já foram resolvidos e a sua decisão está coberta pela autoridade do caso julgado, por exorbitarem deste recurso.

Quanto ao requisito da identidade subjectiva, sob o ponto de vista da qualidade jurídica dos sujeitos nas duas acções, ocorre que, pretendendo-se opor o caso julgado a (…), co-herdeira, que não interveio nem foi chamada a intervir na anterior acção, tal identidade não se verifica.

Com efeito, (…) é terceiro na anterior acção. Esta herdeira, agora autora, é, perante a anterior acção, processualmente um terceiro, porque não interveio inicialmente nessa acção como demandante ou demandada, nem foi chamada a intervir sucessivamente como (com)parte principal, bem como porque não sucedeu na posição jurídica de algum dos anteriores autores (v.g. não sucedeu a algum deles). E a regra é a da eficácia relativa do caso julgado (art. 498º) com vista a evitar que 3ºs sejam prejudicados nos seus direitos sem terem tido possibilidade de se defender no processo ([5]).

(…) é terceiro na anterior acção e as posições jurídicas entre herdeiros demandantes numa e noutra causa são concorrentes, são contitulares do direito de petição de herança: são todos três herdeiros testamentários da mesma de cujus a cujo acervo hereditário se pretende a reversão do bem.

 No caso de contitularidade do direito, ou de posições concorrentes, não exigindo a lei a participação de todos na acção (como não exige, já o vimos), o caso julgado formado na acção proposta por um deles ou por alguns deles aproveita aos restantes, mas não lhes é oponível, ou seja, a sentença desfavorável a quem propôs a acção não é oponível, como caso julgado, a quem sendo contitular do direito não interveio na acção (assim, A. Varela et alii, Manual de Processo Civil, 1984, Coi. Ed, p. 711 e 133, onde é exemplificada a hipótese do artigo 2078º nº 1 do CC).

Ora, no caso dos autos, a anterior acção, porque improcedente, foi desfavorável aos autores, e daí que a presente autora, co-herdeira, se tenha oposto, com procedência que se deve reconhecer, à eficácia do caso julgado no presente processo. O que a ré podia ter feito no anterior processo, para poder opor à restante co-herdeira o caso julgado a formar pela decisão que nele viesse a ser proferida, era ter provocado a sua intervenção nos termos do artigo 328º do CPC. Mas não provocou, e daí resultam consequências.

Consequências que se resumem a isto: a mesma ré está sujeita a ser confrontada em novo processo (o presente) com a discussão da mesma questão fundamental e com pedidos idênticos, sem que a tal possa obstar, dado que não se verifica a excepção do caso julgado oponível à ora autora, por falta de identidade subjectiva nas duas acções.

Daí que, não formando a decisão da anterior acção caso julgado oponível à ora autora, o processo deva prosseguir seus termos com realização da audiência do julgamento e ulteriores termos (para conhecimento, a final, da questão ou questões objecto do presente processo, com excepção das já abrangidas pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e das relativas a usura, simulação, negócio indirecto (doação), enriquecimento sem causa, abuso de representação e abuso do direito, já definitivamente decididas).

Em resumo e conclusão:
1- Sendo pedido o reconhecimento da qualidade da autora como herdeira (ainda que o pedido seja implícito) e a restituição, ao acervo hereditário, de determinado bem, a acção deve qualificar-se como acção de petição de herança (art. 2075º nº 1 do Código Civil).

2- À qualificação da acção como acção de petição de herança não obstam, nem a cumulação dos pedidos de declaração de invalidade ou ineficácia da procuração e subsequente compra e venda, que são pedidos instrumentais da pretensão de restituição, nem o pedido de cancelamento de registo, que é pedido acessório.

3- Basta que a acção de petição de herança seja intentada por um dos herdeiros, sem intervenção dos restantes, para que esteja assegurada a sua legitimidade, nos termos dos artigos 2075º, 2078º nº 1 e ressalva do art. 2091º nº 1, todos do CC.
4- Intentada uma 2ª acção de petição de herança, em que se pede a restituição do mesmo bem à mesma herança, com base no mesmo vício (incapacidade acidental) dos negócios jurídicos pelos quais houve a transmissão desse bem da de cujus para a mesma ré, mas em que figura como autora uma herdeira que não foi parte nem foi chamada a intervir na 1ª acção, proposta por outros co-herdeiros e julgada improcedente, não se verifica a excepção de caso julgado que seja oponível à autora da 2ª acção.
5-As questões relativas à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e a usura, simulação, negócio indirecto (doação), enriquecimento sem causa, abuso de representação e abuso do direito, estão definitivamente decididas na sentença proferida no presente processo e abrangidas pela autoridade do caso julgado, porque não foram objecto do recurso.

6-Por não se verificar a excepção do caso julgado, como se refere na 4ª conclusão, o processo deve prosseguir para realização da audiência do julgamento e ulteriores termos.

IV - Decisão:

Pelo exposto, acordam em:

a)- Negar o provimento ao agravo, confirmando a decisão de legitimidade activa;

b)- Julgar a apelação procedente, revogando a decisão na parte impugnada e ordenando o prosseguimento do processo para realização da audiência do julgamento e ulteriores termos, conforme acima se explicitou.

c)- Condenar a ré nas custas do agravo e da apelação.


[1] Este preciso facto foi alegado pela autora e não foi impugnado. Os restantes factos descritos em (A) resultam literalmente de documentos autênticos juntos aos autos e a sua descrição serve também ao enquadramento geral das questões objecto dos recursos.
[2] Cf. o caso versado no acórdão do STJ de 28.4.1983 na R.L.J. ano 120º, p. 118 e segs, e respectiva anotação a p. 128 e 149 e segs, em que os pedidos de declaração de nulidade da escritura de partilha e de cancelamento dos registos não obstaram à qualificação da acção como de petição de herança, tanto pelo Supremo, como pelo anotador, Prof. A. Varela.
[3] No sentido de que à identidade dos pedidos não interessa o efeito jurídico tal como ele é formulado, mas sim o efeito prático que se visa obter, vide A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil declaratório, I, 1981, p. 203.
[4] Note-se que a 1ª instância julgou improcedente a acção quanto a estes fundamentos (parte sobre a qual não incide o recurso) e, quanto ao fundamento da incapacidade acidental, é que a 1ª instância julgou verificado o caso julgado agora em reapreciação.

[5] A inoponibilidade do caso julgado a 3ºs é corolário do princípio do contraditório.