Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3919/19.1T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: DANO BIOLÓGICO
ESFORÇOS SUPLEMENTARES
VERTENTE PATRIMONIAL DO DANO
DANO NÃO PATRIMONIAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 496.º, N.º 3, 564.º, N.º 2, E 566.º, N.º 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – A afectação da pessoa do ponto de vista funcional, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado e, especificamente da sua actividade laboral, diminuindo as alternativas que lhe seriam possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.
II – Estes esforços suplementares constituem perdas patrimoniais futuras, ressarcíveis à luz do disposto no art. 564º, nº 2, do Cód. Civil.

III – Esta afectação existe ainda que não implique efectivas perdas de rendimentos laborais, por implicar apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais e, constituindo um dano que afecta a actividade geral do lesado, não cessa com a idade da reforma, antes se repercute pelo período previsível da vida do lesado.

IV – Para cálculo dos valores indemnizatórios deverá o tribunal ter em consideração, para além do grau de incapacidade, factores como a idade da vítima, o tempo provável em que se poderá manter activo, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, a progressão na carreira profissional, o facto de o capital ser ressarcido por uma vez só, eventuais desvalorizações da moeda, corrigidos estes por recurso a juízos de equidade.

V – Na fixação dos danos não patrimoniais deve-se procurar reparar o dano causado à pessoa em si, de acordo com regras de equidade e de forma digna, tendo em conta a afectação no seu projecto pessoal de vida, as dores e sequelas que suporta e continuará a suportar, as limitações que estas lhe causam na sua vida diária.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: ***

Proc. Nº 3919/19.1T8LRA-C1 - Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Leiria-Juízo Central Cível de Leiria – J....

Recorrente: AA.

Recorrida: M... - Companhia de Seguros, S.A.

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves.

Juízes Desembargadores Adjuntos:

António Domingos Pires de Robalo

António Fernando Marques da Silva


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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

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RELATÓRIO

AA, instaurou a presente acção de processo comum, emergente de acidente de viação, contra M... - Companhia de Seguros, S.A., peticionando a sua condenação a pagar-lhe uma indemnização no valor global de €100.000,00, sendo a quantia de €80.000,00 a título de danos patrimoniais, a quantia de €20.000,00 a título de danos não patrimoniais; e uma quantia a liquidar em execução de sentença referente a danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do agravamento da sua incapacidade no futuro; uma quantia a liquidar em execução de sentença referente a tratamentos de fisioterapia futuros, uma quantia a liquidar em execução de sentença referente a medicação futura que tenha que tomar, tudo acrescido de juros de mora contabilizados desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito alega, em síntese, que no dia 29.12.2016, em ..., ocorreu um acidente envolvendo os veículos com a matrícula ..-..-TT, ligeiro de passageiros, propriedade de BB, conduzido pelo próprio e cuja responsabilidade civil tinha sido transferida para a ora R. e o veículo de matrícula ..-..-ZJ, motociclo, propriedade do autor e conduzido pelo próprio, por culpa exclusiva do segurado da R. e que lhe causou danos no valor dos peticionados.


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Citada, a R., aceitando a forma de produção do sinistro, impugnou os danos causados ao A..

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Procedeu-se elaboração de despacho saneador com fixação do objecto do litígio e dos temas de prova.

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Após, realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. “a pagar ao autor AA a quantia global de €41.500,00 (quarenta e um mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a partir da data da presente sentença, sobre aquele montante, até integral pagamento”, absolvendo-a do demais peticionado.

 


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Não conformado com esta decisão, interpôs o A. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“CONCLUSÕES:

(…).


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A R. seguradora contra-alegou, sustentando a manutenção da decisão recorrida.

 


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


O tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão quanto à matéria de facto:

1. No dia 29.12.2016, pelas 12:40 horas, na Av. ..., junto ao número de polícia ...1..., em ..., área da Comarca de Leiria, ocorreu um embate envolvendo os seguintes veículos:

1.1. ..-..-TT, ligeiro de passageiros, propriedade de BB e conduzido por este;

1.2. ..-..-ZJ, motociclo, propriedade do autor e conduzido por este.

2. O proprietário do veículo TT havia, na data indicada em 1, transferido para a ré a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela circulação desse veículo, através de contrato de seguro válido e eficaz à data do sinistro, titulado pela apólice n.º ...27.

3. O autor seguia pela via referida em 1, no sentido ..., pela sua mão de trânsito e a uma velocidade não superior a 40 Km/hora.

4. O autor seguia atento e com cuidado quer em relação às condições da via, quer em relação ao trânsito que por ali circulava.

5. A via referida em 1, no local onde ocorreu o embate, apresenta-se em recta, com dois sentidos de trânsito, divididos por linha longitudinal descontínua e com uma largura total de 6,53 metros (3,26 metros cada hemi-faixa).

6. Quando estava próximo do número de polícia ...1... daquela via, inesperadamente, sem que nada o fizesse prever, surgiu à frente do autor o veículo seguro na ré proveniente de um terreno em terra batida contíguo ao lado direito da via, com a intenção de inverter o seu sentido de marcha, para seguir no sentido oposto ao que o autor seguia.

7. O veículo seguro na ré atravessou-se à frente do autor ocupando toda a sua hemifaixa de rodagem quando este se encontrava a não mais de cinco metros de distância.

8. Atenta a curta distância a que o veículo TT surgiu à frente do autor e bem assim a repentina e inusitada manobra que executou, ao autor apenas restou tempo para travar e para se tentar desviar para a sua direita no propósito de tentar passar por trás do TT, o que não logrou conseguir, acabando por ocorrer a colisão entre os dois veículos.

9. O embate ocorreu na hemifaixa de rodagem do autor e deu-se entre a lateral do autor e a lateral do lado condutor do TT.

10. Com este impacto, o autor foi projectado pelo ar acabando por cair desamparado no solo.

11. O condutor do TT, ao iniciar a marcha e aceder à via, fê-lo sem previamente se certificar que o podia fazer em segurança, circulando sem atenção ou cuidado quer em relação às condições da via quer em relação ao trânsito que por ali circulava.

12. O veículo seguro na ré não sinalizou a manobra que executava.

13. Do embate resultaram ferimentos para o autor.

14. O autor foi transportado para os Hospitais da Universidade de Coimbra - Covões onde deu entrada pelo Serviço de Urgência.

15. Aí foi submetido a observação e exames complementares de diagnóstico.

16. Do embate resultou para o autor:

a) Fractura da extremidade distal do rádio à esquerda;

b) Fractura do quinto dedo da mão esquerda;

c) Ferimento corto-contuso do bordo anterior da perna esquerda, longitudinal segundo o maior eixo da perna com cerca de 7 cm de comprimento e ferida no mento com cerca de 3 cm.

17. O autor foi submetido a intervenção cirúrgica de punho e dedo, redução de fractura e fixação interna com fios de Kirschner com posterior imobilização gessada do membro superior esquerdo.

18. Ficou internado naquele estabelecimento hospitalar do qual recebeu alta para o domicílio em 31.12.2016 e encaminhado para a consulta externa.

19. Em 26.01.2017 retirou a imobilização gessada tendo-lhe sido proposta a extração do material de osteossíntese.

20. Em 02.02.2017 foi submetido a nova intervenção cirúrgica para extração do material de osteossíntese.

21. Em 09.02.2017 iniciou tratamento de fisioterapia que manteve até 22/06/2017.

22. Em 09.05.2017 retomou a actividade profissional com incapacidade parcial.

23. O autor apresentava em 26.12.2022 as seguintes sequelas: na face, cicatriz branca, na linha média do mento, medindo 2x0,5crn; no membro superior esquerdo, discreta cicatriz branca, na região em correspondência com o 1º metacárpico, medindo 0,5cm; 4 cicatrizes brancas, pequenas e discretas, de características cirúrgicas, na mão esquerda, medindo cada uma aproximadamente 0,5cm; no 5º dedo, enrolamento completo do dedo, com ligeiro desvio radial no seu final; ligeira diminuição da força da pinça policidigital, grau 4/4+ em 5; no punho, flexão 80º e extensão 60º do punho; discreta limitação nos últimos graus da supinação da mão; pronação e desvios ulnar/radial mantidas; no membro inferior direito, 2 cicatrizes hipercrómicas, alinhas longitudinalmente entre si, no terço médio da face anterior da perna, a maior e mais inferior medindo 2x1-crn e a outra, mais superior, medindo 1,5x0,8cm; no membro inferior esquerdo: cicatriz hipercrómica, no terço médio da face anterior da perna, medindo 9,5x2cm; lateralmente a esta, outra cicatriz medindo 5x1cm; discreto edema na região maleolar lateral; ligeira limitação da dorsiflexão e da flexão plantares, relativamente ao membro contralateral; discreta diminuição da força resistida.

24. A data da consolidação das lesões ocorreu em 29.06.2017.

25. O período de défice funcional temporário total é de 4 dias.

26. O período de défice funcional temporário parcial é de 179 dias.

27. O período de repercussão temporária na atividade profissional total é de 183 dias.

28. O quantum doloris é de grau 3 numa escala de 7 (de gravidade crescente).

29. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 6 pontos.

30. As sequelas do autor, acima indicadas, apesar de permitirem o exercício da actividade profissional habitual do autor, implicam esforços suplementares.

31. No plano estético, as sequelas acima indicadas são de grau 1 numa escala de 7.

32. No plano da repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, as sequelas acima indicadas são de grau 2 numa escala de 7.

33. A fractura/luxação radiocárpica volar tipo Barton no punho esquerdo do autor implica agravamento das sequelas por corresponder em termos fisiopatológicos à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico.

34. Na sequência do acidente dos autos o autor passou a ter dificuldade na subida e descida de escadas, limitação na condução de motociclo e automóvel, tenha dor e dificuldade na marcha carregando pesos; tenha dificuldade na manipulação e manuseamento de objetos pesados, dor e dificuldade na marcha prolongada, dor e dificuldade na corrida.

35. O autor exercia à data do embate, e ainda exerce, a actividade profissional de enfermeiro, tendo auferido, no ano de 2016, um rendimento anual global de €24.474,49.

36. Aquando do acidente e durante os tratamentos, o autor sofreu dores intensas.

37. Após o acidente o autor precisa de fazer esforços acrescidos na realização das suas tarefas.

38. O autor é beneficiário da Segurança Social com o n.º ...07.

39. O autor nasceu em ../../1988.


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Factos não provados:

Não se provou:

a. que o autor apresente, como sequelas do acidente dos autos, uma limitação da dorsiflexão do tornozelo esquerdo em cerca de 10º; uma limitação da flexão do punho esquerdo em 15º; uma limitação da extensão do punho esquerdo em 10º; uma dor da articulação do tornozelo à esquerda após períodos de maior ortostatismo ou esforço; uma cicatriz com cerca de 7 cm da face anterior da perna com alteração da coloração cutânea (escurecimento).

b. que o autor tenha dificuldade na marcha em planos irregulares ou inclinados; tenha limitação na condução automóvel; não consiga andar de bicicleta; tenha dores com os esforços e alterações climatéricas; tenha instabilidade no tornozelo e joelho esquerdos.

c. que o autor tenha ficado afetado de uma incapacidade permanente geral de, pelo menos, 9 pontos.

d. que o autor tenha de ser submetido a tratamentos regulares de fisioterapia para o resto da sua vida.

e. que o autor necessite de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória com regularidade e protector gástrico para o resto da sua vida.

f. que o autor sente e sentirá dores intensas para o resto da sua vida.

g. que o autor padeça de um quantum doloris de grau 4 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7.

h. que o autor sinta dificuldades e dores todos os dias;

i. que depois do acidente o carácter do autor se tenha alterado e que era uma pessoa sempre bem disposta, alegre e extrovertido e tenha passado a ser uma pessoa triste, taciturna, evidenciando permanente sofrimento físico.

j. que o autor se sinta diminuído nas suas capacidades e habilidades, o que se reflecte de forma acentuada na execução das suas tarefas profissionais;

l. que o autor não mais tenha conseguido conduzir motociclos e andar de bicicleta, nem carregar pesos ou estar muito tempo em pé, fazer BTT.

m. que o estado do autor não melhorará e que terá de fazer tratamentos para o resto da vida, o que o desgosta e lhe traz angústia.

n. que o autor veja e sinta o seu corpo deformado o que lhe traz desgosto e vergonha.

o. que o autor tenha ficado a padecer de um dano estético de grau 2 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7.

p. que o autor quando sente mais dores e ou limitações na execução de tarefas, irrita-se.

q. que o autor se tenha tornado uma pessoa ansiosa e intolerante, muitas vezes afastado de tudo e todos, deixado de sair e de conviver com amigos e familiares.

r. que o autor não tenha estado internado após o acidente.

s. que o autor não precise de realizar esforços acrescidos na realização das suas tarefas.”


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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

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QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar o acerto ou desacerto dos montantes indemnizatórios fixados pelo tribunal recorrido, de acordo com os factos que a primeira instância fixou e que foram aceites, por não impugnados, pelo recorrente, a saber:
a) Se devem ser alterados os montantes fixados pelos danos patrimoniais emergentes da incapacidade e os danos não patrimoniais, respectivamente, para os valores de € 60.000,00 e € 20.000,00.


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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Insurge-se o recorrente contra a decisão sob recurso, considerando que:

-a indemnização atribuída por danos patrimoniais emergentes da incapacidade de que ficou a padecer, não teve em conta a diminuição de rendimentos que ocorrerá pela não progressão na carreira e pelos esforços suplementares para desempenhar a sua actividade, com reflexo na reforma que lhe virá a ser atribuída;

-esta repercussão negativa não finda aos 70 anos, mas deve considerar ainda a esperança média de vida;

-não existe qualquer fundamentação para abatimento de 25% na indemnização, a título de antecipação do capital;

-os danos não patrimoniais fixados não acompanham a jurisprudência mais recente, sendo insuficientes para ressarcir o dano.

Do dano biológico.

A primeira instância considerou como critérios para compensação das repercussões do défice funcional e permanente da capacidade físico-psíquica do autor (dano biológico), os seguintes: o salário auferido pelo A., a taxa de inflacção que fixou em 3%, a esperança média de vida dos homens nascidos em 1988 (70 anos), e o facto de o capital obtido ir ser disponibilizado de imediato e de parte (cerca de ¼) se destinar a gastos pessoais, calculando assim o valor obtido de acordo com o “factor-índice correspondente, deve ser ele multiplicado pelo rendimento anualmente auferido à data do acidente e novamente multiplicado pela percentagem de IPP/défice funcional, e, assim, se obter o capital necessário que, diluído com os rendimentos que o lesado for gerando, lhe proporcione, até à sua idade de reforma, o valor correspondente ao valor perdido.

Está em causa, conforme bem equacionado pela primeira instância, a atribuição de indemnização pelo dano biológico que, como se sabe, se destina a compensar o lesado pela incapacidade permanente, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços. Dano este que deve ser reparado porque constitui um dano indemnizável, quer acarrete para o lesado uma efectiva diminuição do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais e deve ser atribuído ainda que este não desempenhe efectivamente qualquer actividade laboral remunerada (quer porque ainda não a iniciou, quer por se encontrar já reformado, quer por desempenhar trabalhos não remunerados, mas que contribuem para a economia do lar).

 Esta afectação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho efectiva, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado e, especificamente da sua actividade laboral, quer diminuindo as alternativas de trabalho que lhe seriam possíveis, quer por diminuírem as possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.

Acresce que, como se se refere no Ac. da R. de Coimbra de 12/04/2011[3]a pontuação não equivale à percentagem de incapacidade, havendo quem (bem) defenda que, enquanto “unidades de apreciação”, o juiz é livre de apreciá-los [os pontos em causa], tão livre como o perito médico, podendo saltar para fora dos limites estabelecidos nas tabelas.

Com efeito, a circunstância de nem sempre ocorrer a perda de rendimento decorrente das limitações físicas permanentes do lesado, bem como a necessidade de ressarcir os danos em casos em que o lesado não apresente efectivos rendimentos tem contribuído para consolidar a figura do dano biológico, como dano reparável independentemente da perda efectiva e actual de rendimento[4], considerado na sua vertente patrimonial ou não patrimonial, consoante a repercussão que a lesão sofrida tenha na sua actividade profissional (ou possa vir a ter em futura actividade a desenvolver).

Como se refere no Ac. do STJ de 21/03/13 (cit.), “saber se está em causa apenas uma perda de capacidades para o exercício de futuras e diversas actividades susceptíveis de serem exercidas pelo lesado ou se, independentemente da existência de um qualquer grau de incapacidade, da lesão resulta previsivelmente perda de oportunidades profissionais; ou saber se a perda de capacidades implica penosidade para o desempenho de qualquer actividade ou apenas de algumas: estamos sempre, em todas essas situações, a ponderar perdas patrimoniais futuras, relevando a diferença concreta de tais situações para a fixação equitativa do montante de indemnização que, por conseguinte, não deixa de ressarcir um dano futuro previsível à luz do art. 564º, nº2, do Cód. Civil (...). Se a perda implica apenas penosidade para certas actividades, mais uma vez se nos depara a questão de saber se a indemnização deve ser fixada - considerada a perda de possibilidade ou oportunidade profissional – ou se, pelo contrário, não deve ser atribuída. Cremos que em tal caso, uma não atribuição, a título de dano patrimonial, só se justifica em circunstâncias muito particulares, designadamente, quando a actividade inviabilizada ou dificultada seja uma actividade que o lesado à luz do critério legal da previsibilidade (art. 564º, nº2, do Cód. Civil), não iria exercer. Nestes casos, a indemnização seria devida a título de dano moral”. (…) Não havendo uma redução retributiva, o trabalhador tem, no entanto, uma redução real porque a penosidade do trabalho é maior e, por conseguinte, o trabalhador tem de trabalhar mais – e trabalhar com mais esforço é trabalhar mais – para receber o mesmo.”.

No mesmo sentido, defendeu-se no Ac. da Relação de Guimarães de 09/10/13[5] que “Sendo a incapacidade permanente, “de per si”, um dano patrimonial indemnizável, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, deve ser reparado, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais. (…) Esta afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado.(…)”.

Ainda em recente Acórdão do STJ de 06/02/24[6], se defendeu que “O dano biológico integrado por défice funcional permanente da integridade fisico-psíquica de 6 pontos, compatível com o exercício de atividade profissional mas que implica esforços suplementares para o exercício da mesma, é indemnizável sob uma vertente patrimonial, como dano patrimonial futuro que tem em conta a expressão daquele défice”.

Refira-se que já na Portaria nº 377/2008 de 26/05, se consagra a indemnização deste dano de acordo com o seu artº 3 b), considerando que este dano existe quer da lesão sofrida “resulte ou não perda da capacidade de ganho”, mais esclarecendo o artº 4, deste diploma que “Além dos direitos indemnizatórios previstos no artigo anterior, o lesado tem ainda direito a ser indemnizado por danos morais complementares, (…) e) Quando resulte para o lesado uma incapacidade permanente que lhe exija esforços acrescidos no desempenho da sua actividade profissional habitual;”

Daqui decorre que mesmo no âmbito desta Portaria n.º 377/2008, de 26/05 (alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho), que veio estabelecer, um conjunto de regras destinadas a agilizar a apresentação, por parte das seguradoras, de propostas razoáveis aos sinistrados, com vista à regularização extra-judicial de indemnizações devidas por danos causados em acidentes, se considera como indemnizável a lesão sofrida no «bem» saúde, tratando-se de um dano que afecta a integridade físico-psíquica de forma permanente.

No entanto, as regras da aludida Portaria, aplicam-se apenas no âmbito da regularização extra-judicial dos sinistros e, podendo constituir ume elemento a considerar na indemnização a fixar deste “dano”, pela seguradora, não derrogam as regras contidas nos artºs 562 e segs. do C.C., aplicáveis na fase judicial do litígio e que regem e asseguram ao lesado a reparabilidade integral do dano sofrido.

Existindo relação entre a incapacidade – dano biológico – e a perda de capacidade de ganho ou perda de proventos, menos dúvidas persistirão no cálculo dos danos patrimoniais futuros, porque perfeitamente quantificáveis. Mas quando essa relação não é evidenciada pela efectiva perda de rendimento salarial, há ainda assim que calcular a perda decorrente dos maiores esforços e do impacto na progressão da carreira por quem tem que se esforçar mais para trabalhar o mesmo que trabalhava antes do sinistro, por quem verá a sua progressão na carreira e a sua capacidade de aumentar os seus rendimentos afectada pelas lesões de que ficou a padecer, de acordo com regras de equidade.

Na ausência de tabelas que regulem estas indemnizações, o critério de indemnização do dano, podendo socorrer-se dos cálculos que a primeira instância realizou, terá sempre de ser aferido, corrigido de acordo com a equidade.

Posto isto, para cômputo da indemnização terá de se ter em linha de conta factores como a idade do lesado, o seu estado de saúde prévio ao acidente, o serviço que desempenha e as suas capacidades laborais, bem como outros factores relacionados com a circunstância de a indemnização arbitrada consistir na imediata entrega de capital (com rendimentos que de imediato serão usufruíveis), a taxa de inflacção, etc.

Na nossa jurisprudência, como critério para a fixação da indemnização decorrente de desvalorização, e face à ausência de uma fórmula legal, tem-se vindo a fazer apelo a fórmulas e cálculos matemáticos, com base no salário auferido, no tempo provável de vida activa, na taxa de inflação e nos ganhos anuais de produtividade. Pretende-se com estas fórmulas retirar um pouco do carácter aleatório que têm presidido a estas indemnizações, fazendo-se uso de equações matemáticas.[7] Mas estas fórmulas, não acolhidas no nosso ordenamento jurídico não respondem afinal às diferentes realidades, sendo certo que a repercussão do défice permanente físico-psíquico, não é igual em todas as pessoas e não se repercute da mesma forma em todas as actividades.

A este respeito, refere-se no Ac. da R.L. de 18/05/06[8] que “Como vem sendo entendimento de há muito firmado na jurisprudência, a indemnização a pagar pela diminuição da capacidade para o trabalho do lesado (IPP) deve representar um capital que se extinga no fim da vida activa da vítima e que seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas, correspondentes à sua perda de ganho (9). Porque se trata, na espécie, de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora com a inerente dificuldade de cálculo, naturalmente com a utilização de juízos de equidade. Na verdade, têm sido utilizadas para o efeito, no âmbito da jurisprudência, fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério mais ou menos uniforme, o que, como é natural, não se coaduna com a própria realidade das coisas, avessa nesta matéria a operações matemáticas, pelo que há que valorizar essencialmente nesta matéria o critério da equidade. Refere, a maioria das decisões que têm adoptado as ditas tabelas financeiras, que estas apenas devem ser utilizadas como instrumento auxiliar de quantificação do montante indemnizatório, devendo o julgador, recorrendo à equidade, corrigir os seus resultados sempre que os considerar desajustados relativamente ao caso concreto (10). “Releva essencialmente o prudente arbítrio do tribunal, nos termos do artigo 566º, n.º 2, do Código Civil, tendo em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida” (11). 4.2. Com vista a tal cálculo, importa ter em consideração, para além do grau de incapacidade, entre outros, factores como a idade da vítima, o seu tempo provável da sua vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional.

Em idêntico sentido se refere no Ac. do S.T.J. de 22/09/05[9] que “Têm sido utilizadas para o efeito, no âmbito da jurisprudência, fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério tanto quanto possível uniforme. As referidas fórmulas não se conformam porém, com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, pelo que devem ser entendidas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta. Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora com a inerente dificuldade de cálculo, naturalmente com a ampla utilização de juízos de equidade. A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso. (...) Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito, dos valores resultantes de cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental. No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa.”

Concorda-se com o expandido nestes acórdãos, pois que o uso destas fórmulas matemáticas, pese embora possam ser utilizadas como instrumentos de cálculo meramente auxiliares, não devem retirar aplicabilidade ao critério legal, explanado nos artºs 564 e 566 do C.C.

Ora, dos autos resulta que à data do acidente, o Autor tinha 28 anos.

Exercia à data do embate, e ainda exerce, a actividade profissional de enfermeiro, tendo auferido, no ano de 2016, um rendimento anual global de €24.474,49.

O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 6 pontos.

A fractura/luxação radiocárpica volar tipo Barton no punho esquerdo do autor implica agravamento das sequelas por corresponder em termos fisiopatológicos à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico.

Na sequência do acidente dos autos o autor passou a ter dificuldade na subida e descida de escadas, limitação na condução de motociclo e automóvel, tenha dor e dificuldade na marcha carregando pesos; tenha dificuldade na manipulação e manuseamento de objetos pesados, dor e dificuldade na marcha prolongada, dor e dificuldade na corrida.

As sequelas do autor, acima indicadas, apesar de permitirem o exercício da actividade profissional habitual do autor, implicam esforços suplementares.

Após o acidente o autor precisa de fazer esforços acrescidos na realização das suas tarefas.

Há que considerar que as repercussões do défice funcional permanente, sofrido pelo autor, não equivale apenas aos 6% que lhe foi fixado. O autor é enfermeiro, profissão consabidamente exigente a nível de horários e de esforços físicos que acarreta (e de capacidade física para tratamento e manuseamento de pacientes a seu cargo) e cuja progressão, ou possibilidade de progressão, está de facto condicionada pelo cumprimento destes horários e pelo suportar destes esforços.

Sendo este défice funcional compatível com a profissão de enfermeiro do recorrente, exige-lhe, em consequência das sequelas sofridas, esforços suplementares, ou seja, o autor tem de se esforçar mais para fazer o que fazia antes do acidente e não pode trabalhar mais e melhor no exercício da sua profissão.

Esta limitação e a que decorre da sua dificuldade de manuseamento de objectos pesados, das limitações do seu punho esquerdo e do 5º dedo da sua mão esquerda, repercurtir-se-á negativamente na avaliação e progressão na sua carreira como enfermeiro e repercurtir-se-á forçosamente na sua capacidade de ganho.

Tudo isto para dizer que a indemnização fixada o não pode ser com base em quaisquer e frios cálculos matemáticos e tem de ter em conta as realidades que se apuraram e as exigências da profissão concretamente desempenhada pelo A. recorrente. Acresce que de acordo com dados da Pordata, a esperança média de vida para os homens em 2016 era de 77,9 anos e que na data da consolidação médico legal das lesões (29.06.2017) era já de 78,1, não tendo sido indicadas doenças de que o A. sofresse que causassem uma diminuição desta esperança média de vida.

Na data de atribuição desta indemnização, tendo em conta que a indemnização a atribuir deve corresponder à situação existente à data da sua fixação, a esperança média de vida do sexo masculino é de 78,81.

Nesta medida, o valor fixado pelo tribunal recorrido peça por defeito porque desconsiderou não só as especificidades da situação profissional do autor, como fixou uma esperança média de vida que não corresponde à realidade. A data a considerar não é realmente da reforma, porque o que se visa ressarcir é essencialmente o rebate físico, o esforço acrescido na realização de tarefas, a perda da possibilidade de eventualmente o lesado vir a melhorar, pelo produto do seu trabalho, as suas condições económicas (e o A., fruto destas lesões, deixou o poder fazer).

Se consideramos estes factores, acrescendo a idade do lesado, de 28 anos à data do acidente, no ínicio do seu percurso profissional, com a atribuição salarial adequada a esta realidade, a esperança média de vida de mais 50 anos e 8 meses e o valor de rendimentos efectivamente percebidos nesta fase inicial da sua vida profissional, o facto de o A. obter de imediato este capital como rendimento disponível – sendo assim aplicável, como considerou a primeira instância, um factor de correcção pela entrega e disponibilização imediata do capital, em proporção que varia entre os 20 a 25%[10] - obtém-se um valor indemnizatório superior ao fixado e mais ajustado à indemnização do dano, que corresponde ao peticionado, de € 60.000,00, valor este já actualizado.

Ainda que assim não fosse e que se recorresse a critérios matemáticos, sempre corrigidos de acordo com a equidade do caso concreto, ainda assim o valor não seria diferente, pois que, partindo de um valor objetivo a partir do défice funcional de 6% aplicável ao rendimento anual, obtêm-se o valor de 1468,46. Multiplicando este valor pelo número de anos que correspondem à esperança média de vida, obteríamos o montante de € 74.891,93. Efectuando as correcções devidas pelo recebimento imediato do capital, chegaríamos ao mesmo valor mais consentâneo com o dano patrimonial sofrido.

Dos danos não patrimoniais.

A título de danos não patrimoniais peticiona o recorrente a fixação de um valor no montante de € 20.000,00.

Neste tipo de danos o princípio da reconstituição natural não é possível, pois que a atribuição de uma indemnização para compensação destes danos, não visa a reposição da situação existente em data anterior à lesão, mas antes proporcionar ao lesado, uma satisfação monetária que, de algum modo, neutralize a intensidade da dor pessoal sofrida. A dor e o sofrimento não são substituíveis por um quantitativo monetário mas, constituindo um dano, há que atribuir um valor compensatório.

Não se encontrando na lei positiva parâmetros objectivos para a quantificação destes danos morais, o legislador remeteu para os tribunais essa tarefa, com recurso às regras da equidade (cfr. o nº 3 do cit. art. 496º), tendo em conta a intensidade, a importância das dores, desgosto e sofrimento, causados pelo evento danoso.

Ora, o A., em consequência deste acidente imputável exclusivamente a culpa do condutor do veículo seguro na R., sofreu fractura da extremidade distal do rádio à esquerda, fractura do quinto dedo da mão esquerda, ferimento corto-contuso do bordo anterior da perna esquerda, longitudinal segundo o maior eixo da perna com cerca de 7 cm de comprimento e ferida no mento com cerca de 3 cm.

O autor foi submetido a intervenção cirúrgica de punho e dedo, redução de fractura e fixação interna com fios de Kirschner com posterior imobilização gessada do membro superior esquerdo.

Esteve internado até 31.12.2016 retirado a imobilização gessada em 26/01/17 e submetido em 02/02/2017, a nova intervenção cirúrgica para extração do material de osteossíntese.

Realizou tratamentos de fisioterapia desde 09/02/2017 a 22/06/2017.

Apresentava em 26.12.2022 as seguintes sequelas: na face, cicatriz branca, na linha média do mento, medindo 2x0,5crn; no membro superior esquerdo, discreta cicatriz branca, na região em correspondência com o 1º metacárpico, medindo 0,5cm; 4 cicatrizes brancas, pequenas e discretas, de características cirúrgicas, na mão esquerda, medindo cada uma aproximadamente 0,5cm; no 5º dedo, enrolamento completo do dedo, com ligeiro desvio radial no seu final; ligeira diminuição da força da pinça policidigital, grau 4/4+ em 5; no punho, flexão 80º e extensão 60º do punho; discreta limitação nos últimos graus da supinação da mão; pronação e desvios ulnar/radial mantidas; no membro inferior direito, 2 cicatrizes hipercrómicas, alinhas longitudinalmente entre si, no terço médio da face anterior da perna, a maior e mais inferior medindo 2x1-crn e a outra, mais superior, medindo 1,5x0,8cm; no membro inferior esquerdo: cicatriz hipercrómica, no terço médio da face anterior da perna, medindo 9,5x2cm; lateralmente a esta, outra cicatriz medindo 5x1cm; discreto edema na região maleolar lateral; ligeira limitação da dorsiflexão e da flexão plantares, relativamente ao membro contralateral; discreta diminuição da força resistida.

A data da consolidação das lesões ocorreu em 29.06.2017.

O quantum doloris é de grau 3 numa escala de 7 (de gravidade crescente).

O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 6 pontos.

No plano estético, as sequelas acima indicadas são de grau 1 numa escala de 7.

No plano da repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, as sequelas acima indicadas são de grau 2 numa escala de 7.

A fractura/luxação radiocárpica volar tipo Barton no punho esquerdo do autor implica agravamento das sequelas por corresponder em termos fisiopatológicos à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico.

Na sequência do acidente dos autos o autor passou a ter dificuldade na subida e descida de escadas, limitação na condução de motociclo e automóvel, tenha dor e dificuldade na marcha carregando pesos; tenha dificuldade na manipulação e manuseamento de objetos pesados, dor e dificuldade na marcha prolongada, dor e dificuldade na corrida.

Aquando do acidente e durante os tratamentos, o autor sofreu dores intensas.

O autor é um jovem de 28 anos à data do acidente que, por causa deste acidente sofreu dores intensas, apresenta dano estético embora de grau 1 e ficou com sequelas que impactam nas suas actividades desportivas e de lazer, mas que acima de tudo, o limitam em tarefas corriqueiras para um jovem, como subida e descida de escadas, condução de motociclo e automóvel, causam dor e dificuldade na marcha carregando pesos, na manipulação e manuseamento de objetos pesados, na marcha prolongada e na corrida.

Acresce que conforme defendido em recente Ac. do STJ de 09/05/2023[11]Há hoje uma preocupação superadora da tradicional categoria de “dano moral”, ampliando o seu espectro, de modo a abranger outras manifestações que a lesão provoca na pessoa, e já não a simples perturbação emocional, a dor ou o sofrimento, erigindo-se, assim, um novo modelo centralizado no “dano pessoal” que afecta a estrutura ontológica do ser humano, entendido como entidade psicossomática e sustentada na sua dignidade e liberdade, correspondendo ao “dano ao projecto de vida”, como núcleo do “dano existencial”, com consequências extrapatrimoniais. Esta concepção é a que melhor se adequa à natureza e finalidade da indemnização pelos danos extrapatrimoniais/pessoais, pondo o enfoque na vítima, com implicações na (re)valorização compensatória, maximizada pelo princípio da reparação integral.”

A indemnização da vítima de acidente de viação, na vertente não patrimonial, deve reflectir esta realidade, procurando reparar também de acordo com regras de equidade e de forma digna, este dano causado à pessoa. 

A este propósito e, tendo em atenção serem aplicáveis critérios de equidade, como previsto no art. 496.º n.º 3, primeira parte, do Código Civil, vejamos os padrões indemnizatórios seguidos recentemente pelo Supremo Tribunal de Justiça[12], uma vez que a uniformização de jurisprudência neste campo, tende a evitar alguma aleatoriedade e injustiça relativa, na atribuição destas indemnizações:

· Acórdão de 07.04.2016, no Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1: jovem de 22 anos de idade, défice funcional permanente de 8 pontos, quantum doloris de grau 4, sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares, dano estético de grau 3, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1 e diversas sequelas psicológicas – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 50.000,00.

· Acórdão de 25.10.2018, no processo nº 2416/16.1T8BRG.G1.S1: indívíduo de 48 anos, quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7, dano estético de grau 2 numa escala de 1 a 7, défice funcional da integridade físico-psíquica de 8 pontos impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional- indemnização de € 40.000,00.

· Acórdão de 09.05.2023 no Proc. 7509/19.0T8PRT.P1.S1: indivíduo de 33 anos e 6 meses na data do acidente, portador de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos; Quantum doloris fixável no grau 4/7; Dano estético Permanente fixável no grau 3/7; Repercussão Permanente na Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 4/7 - indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 40.000,00;

· Acórdão de 16.11.2023, no Proc. 1019/21.3T8PTL.G1.S1: lesado com 49 anos Deficit Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 4 pontos, quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 10.000,00;

Sumariada em termos gerais e sem qualquer pretensão de exaustão, a orientação jurisprudencial seguida a este respeito, verifica-se que a jurisprudência do STJ, para casos próximos quanto ao défice funcional, embora mais graves em relação ao quantum doloris e à repercussão nas actividades desportivas e de lazer tem variado entre os 40.000,00 e os 50.000,00, fixando em € 10.000,00 numa situação de menor gravidade e com um indíviduo com quase o dobro da idade do acidentado, ora recorrente.

Assim sendo, a indemnização a fixar para ressarcir o dano sofrido de acordo com critérios de equidade, deve situar-se mais próximo do valor peticionado, sendo o arbitrado pelo tribunal recorrido manifestamente irrisório face às sequelas que o recorrente, indivíduo jovem apresenta, às operações (duas) que suportou, às cicatrizes que apresenta, às limitações quer na sua actividade profissional, quer nas suas actividades regulares de lazer, mais impactantes para um indivíduo jovem, tendo em conta as sequelas e o sofrimento que o autor suporta e não deixará de suportar continuamente por causa destas sequelas. 

Assim sendo, tendo em conta os danos sofridos e a sua gravidade, entende-se por adequado, fixar ao A. a quantia de € 20.000,00 por danos não patrimoniais sofridos, quantia perfeitamente ajustada ao dano pessoal que se destina a ressarcir.

Concede-se assim total provimento ao recurso interposto pelo A.


***

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente a apelação e, nessa medida:
I- Condenam a R. a pagar ao A., pelo dano biológico na sua vertente patrimonial a quantia de €60.000,00, acrescido de juros de mora vincendos a contar da data deste Acórdão, até integral pagamento, calculados à taxa aplicável aos juros civis;
II-Condenam ainda a R. a pagar ao A. a quantia de €20.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora vincendos a contar da data deste Acórdão, até integral pagamento, calculados à taxa aplicável aos juros civis.
III-No demais, mantêm a sentença recorrida. 
*
Custas do recurso pela apelada (artº 527, nº1, do C.P.C.).

                                                                       Coimbra 21/05/24


[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Proferido no Proc. nº 756/08.2, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[4] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.13, proferido no Proc. nº 565/10.9TBPVL.S1 e de 11/04/2013 proferido no Proc. nº 201/07.0TBBGC.P1.S1, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt
[5] Proferido no processo nº 2686/10.9TBVCT.G1, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[6] Proferido no processo nº 2012/19.1T8PNF.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.

[7] Nomeadamente a descrita no Ac. do S.T.J. de 06/07/00, in C.J.S.T.J., Tomo I, págs.144 e num Estudo de Sousa Dinis publicado na C.J.STJ de 2001, Tomo I, pág.5.
[8] Proferido no Proc. nº 3022/2006-6, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[9] Proferido no Proc. nº 05-B2586, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[10] No sentido desta dedução vide SOARES, Rita Mota, “O dano biológico quando da afectação funcional não resulte perda da capacidade de ganho – o princípio da igualdade”, revista Julgar nº33, Setembro-Dezembro de 2017, pág. 126; também neste sentido vide, entre outros o Ac. do STJ de 10/12/2019, proferido no processo nº proc. nº 32/14.1TBMTR.G1.S1.
[11] Proferido no processo nº 7509/19.0T8PRT.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[12] Todos os arestos citados estão publicados em www.dgsi.pt.