Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULO GUERRA | ||
Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 11/25/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 44º, 62º DO CP,193.º, N.º 2, 197.º, N.º2, 205.º, 213.º, N.º 1, 217.º, N.º 2, 215.º, N.º 8, 218.º, N.º 3, 276.º, N.º 1, E 306.º, N.º 1 DO CPP | ||
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Sumário: | 1. A liberdade condicional constitui uma medida de excepção que visa a suspensão do cumprimento da pena imposta, de molde a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, permitindo dessa forma que o recluso recobre o sentido de orientação social enfraquecido devido à reclusão. 2. O regime de permanência na habitação prevista no art.º 44º do CP é uma pena substitutiva da prisão. 3. O regime de permanência na habitação previsto no artigo 62º do CP é apenas uma forma de se chegar à liberdade condicional; 4. Não se pode aplicar a liberdade condicional, só pensada para as reais situações de reclusão prisional, ao regime de permanência na habitação do artigo 44º. | ||
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Decisão Texto Integral: | I - RELATÓRIO
1. No Processo Gracioso de Concessão de Liberdade Condicional n.º 938/09.0TXCBR do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, recorre o Ministério Público do despacho da Mmª Juíza, datado de 15 de Julho de 2009, que decidiu negar a apreciação da concessão da liberdade condicional ao arguido O,,,, porque, tendo o mesmo sido colocado, por despacho de 30/6/2009, em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, é legalmente inadmissível e impossível de cumprimento, em tal situação, a dita liberdade condicional.
2. O Ministério Público, motivando o seu recurso, conclui (em transcrição):
2. O Juiz auxiliar do TEP de Coimbra sustentou, a fls 65 a 68, o despacho proferido, entendendo que não estão reunidos os pressupostos elencados no artigo 61º do Código Penal para a apreciação e concessão da liberdade condicional nem para a intervenção, nesta sede, do TEP.
3. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunta deu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, seguindo em grande parte a argumentação do Ministério Público de 1ª instância, concluindo (em transcrição):
4. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.
II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271). Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, a única questão a resolver consiste em saber se é aplicável o instituto da liberdade condicional ao regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica, aplicado nos termos do artigo 44º do Código Penal.
2. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO 3.1. Vem o Ministério Público recorrer do despacho judicial que negou a concessão da liberdade condicional à situação de um arguido que se encontra em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica. Para a rigorosa compreensão do objecto do recurso, impõe-se considerar os elementos de facto relevantes, decorrentes do processo: a)- O arguido O,,, foi condenado, por acórdão de 20 de Maio de 2008, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, no Pº Comum Colectivo n.º 277/06.8PBCTB, «na pena de 110 dias de multa à razão diária de € 5, e na pena de multa de 170 dias substitutiva de um ano de prisão, à mesma taxa diária, ou seja, na multa substitutiva de um ano de prisão no valor de € 850». b)- Por despacho de 15/12/2008, foi convertida a multa de € 550 não paga no correspondente tempo de prisão subsidiária, num total de 73 dias (artigo 49º/1 do CP). c)- Esse mesmo despacho decidiu, face ao não pagamento da multa de € 850, que o arguido cumpriria de forma efectiva a pena de prisão de um ano (artigo 43º/2 do CP). d)- Consta de fls 34 e 35 a liquidação da pena de prisão aplicada ao arguido – dai deriva que o arguido tinha 1 ano e 73 dias de prisão a cumprir. e)- O arguido deu entrada no EP de Castelo Branco em 20/3/2009. f)- Em 2/7/2009, o arguido foi colocado em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, a fim de cumprir o remanescente da pena de prisão em que havia sido condenado, assim se encontrando desde 3 de Julho de 2009. g)- A liquidação da pena referida em d) tem o seguinte teor: · Pena: 1 ano de 73 dias de prisão · Início da pena: 20/3/2009 · ½ da pena: 26/10/2009 · 2/3 da pena: 7/1/2010 · Termo da pena: 1/6/2010.
3.2. A questão a resolver prende-se com a natureza do instituto da liberdade condicional[1]. Trata-se, em Portugal, de um incidente da execução da pena de prisão (não devendo ser encarada como uma medida coactiva de socialização). Em suma: A liberdade condicional constitui uma medida de excepção que visa a suspensão do cumprimento da pena imposta, de molde a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, permitindo dessa forma que o recluso recobre o sentido de orientação social enfraquecido devido à reclusão. A aplicação da liberdade condicional presume, ou tem como objectivos fundamentais, a segurança dos cidadãos - verificando-se a sua aplicabilidade -, a prevenção e repressão do crime e a recuperação do delinquente como forma de defesa social. Implica, pois, toda uma simultaneidade de circunstancialismos, necessariamente verificáveis, e que são, no fundo, o alcance da finalidade da execução da própria pena. Ou seja, esta, por si própria, terá de revelar a capacidade ressocializadora do sistema com vista a prevenir a prática de futuros crimes. Nesse sentido e orientação aponta o preceituado no art. 42º do Código Penal, ou seja, que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de futuros crimes, deve, simultaneamente, orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. Assim, e para a prossecução das referidas finalidades, haverá, necessariamente, que ter em conta a verificação dos requisitos formais e de fundo, de que depende a aplicação da liberdade condicional, seja ela na modalidade de facultativa ou obrigatória - a primeira, regulada nos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 61º do Código Penal, e a segunda consagrada no n.º 4 do mesmo preceito e diploma. E tal apreciação haverá que ter em conta a verificação de vários factores, de onde se destacam: · a conclusão de que a pena já sofrida desempenhou o seu efeito inibidor da comissão de novos crimes; · as possibilidades de reintegração no meio social; · o próprio alarme social; · que a libertação possa acentuar um arrependimento, já potencializado numa interiorização evidente das finalidades da execução da pena. Verificados que se encontram tais requisitos, é poder-dever do tribunal, no fundo, um poder vinculado, colocar o condenado em liberdade condicional, tornando-se assim tal liberdade, de certo modo, obrigatória, para além dos casos em que tal instituto assume um carácter de funcionamento “ope legis” - preenchimento das condições previstas nos n.ºs 1 e 4 do art. 61º do Código Penal. Tudo isto para o alcance da finalidade comum em relação a ambas as finalidades: a satisfação dos objectivos de prevenção especial, permitindo-se, assim, com a factualização do período de transição, satisfazer-se a dupla finalidade de defesa da colectividade e da reintegração social dos delinquentes; no fundo, a consagração efectiva do corolário a que alude o preceituado no art. 40º/1 do Código Penal, de epígrafe relativa à finalidade das penas.
3.4. Que dizer, agora, do regime de permanência na habitação, previsto, em termos pioneiros, pela letra do artigo 44º do CP (na revisão de 2007, levada a cabo pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro)? “ 1- Se o condenado o consentir, podem ser executados em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância[2], sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: a) A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano; b) O remanescente não superior a um ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação de liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. 2- O limite máximo previsto no número anterior pode ser elevado para dois anos quando se verifiquem, à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselhem a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente: a) Gravidez; b) Idade inferior a 21 anos ou superior a 65; c) Doença ou deficiência graves; d) Existência de menor a seu cargo; e) Existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado. 3 - (…) a)- (…) b) – (…) 4 - (…) » . A filosofia do preceito assenta numa evidente reacção contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão (apoiando-se em razões de cariz humanitário na letra do seu n.º 2), situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efectiva do delinquente, a qual se pretende evitar, pela ruptura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria, verificados que sejam os seus pressupostos, mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutiva às finalidades das penas em geral. Mais do que um modo pelo qual pode ser executada a pena de prisão (na palavra aparentemente expressa do artigo 44.º, n.º 1 do CP), entendemos que estamos perante uma pena substitutiva da prisão[3] (pelo menos em sentido impróprio), na linha aliás do expressamente declarado na Proposta de Lei n.º 98/X, que esteve na base da revisão de 2007 do CP. Aí se deixou escrito que: 5. «No Título III, que versa sobre as consequências jurídicas do crime, para tornar as sanções mais eficazes e promover a reintegração social dos condenados, prevêem-se novas penas substitutivas da pena de prisão e alarga-se o âmbito de aplicação das já existentes. Assim, a prisão passa a poder ser executada em regime de permanência na habitação quando não exceder um ano e, em casos excepcionais (gravidez, idade, doença, deficiência, menor a cargo ou familiar ao cuidado), dois anos (…)». A propósito da natureza assumida pelo regime assim instituído, tomaram já posição Maria João Antunes, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, bem como o Exmº Desembargador Jorge Gonçalves, em comunicações realizadas nas Jornadas de Direito Penal, organizadas pelo CEJ, em Novembro de 2007, na Aula Magna da Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa. Maria João Antunes opina que «No artigo 44.º prevê-se agora o regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, (…) à qual são correspondentemente aplicáveis regras da Lei que regula a vigilância electrónica prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal (artigo 9.º da Lei n.º 59/2007). Substitui a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano; e o remanescente não superior a 1 ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Ou, excepcionalmente, o remanescente não superior a 2 anos, quando se verifiquem circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente gravidez, idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos, doença ou deficiência graves, existência de menor a seu cargo, existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado. O enquadramento do regime de permanência na habitação nas penas de substituição (…) é para nós inequívoco, quando substitui – à semelhança da prisão por dias livres e do regime de semidetenção – pena de prisão em medida não superior a um ano e é de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 44.º, n.º 1, alínea a)]. Quando substitui o remanescente não superior a um ano – ou, excepcionalmente, dois – da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em cumprimento de medida de natureza processual e é de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 44.º, n.ºs 1, alínea a), e 2], já não estamos, verdadeiramente, perante uma pena de substituição, mas antes perante uma regra de execução da pena de prisão, semelhante à agora introduzida no artigo 62.º (Adaptação à liberdade condicional)». Jorge Gonçalves adianta que: «O novo artigo 44.º, com a epígrafe Regime de permanência na habitação, veio estabelecer uma forma de execução domiciliária da prisão, podendo ser entendida como uma nova pena de substituição (pelo menos em sentido impróprio), a aplicar-se como alternativa ao cumprimento da prisão nos estabelecimentos prisionais, em condenações até um ano, ou quando estejam em causa condenações superiores, mas em que o remanescente a cumprir não exceda um ano, descontado o tempo de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Excepcionalmente, pode ser uma alternativa em penas até dois anos. Esta nova pena de substituição/modo de execução, dependente do consentimento do condenado (o que também se exige no regime de semi-detenção e na prestação de trabalho a favor da comunidade), tem a particularidade de associar ao cumprimento domiciliário a vigilância electrónica que, até ao momento, estava prevista apenas como mecanismo de fiscalização do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação. Mecanismo este que também passa a estar associado à adaptação à liberdade condicional, nos termos do artigo 62.º, na nova redacção. A proposta de revisão do Código Penal colocava algumas dúvidas: seria ou não aplicável, ao regime de permanência na habitação, a legislação relativa à vigilância electrónica, designadamente a Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto, pensada para a medida de coacção? O artigo 9.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, soluciona a dúvida, estabelecendo que o disposto no n.º 1 do artigo 1.º, no artigo 2.º, n.º 2 a 5 do artigo 3.º, nos artigos 4.º a 6.º, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 8.º e no artigo 9.º do mencionado diploma, é aplicável ao regime de permanência na habitação. Que disposições são essas? - As que dispõem sobre o consentimento (do arguido e de outros); - As que dispõem sobre o conteúdo da decisão (que admite o estabelecimento de autorizações de ausência) e a solicitação de prévia informação aos serviços encarregados da execução da medida sobre a situação pessoal, familiar, laboral ou social do arguido (a unidade de monitorização local colocada na habitação depende da existência de energia eléctrica – condições técnicas); - As relativas à execução, entidade encarregada da execução, deveres do condenado, causas de revogação e ao equipamento a utilizar na vigilância electrónica. Parece-me que, como pena de substituição, pelo menos em sentido impróprio, o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória, tal como ocorre com a prisão por dias livres e o regime de semidetenção». Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, pág. 331, escreve que «à pena privativa da liberdade o tribunal deve preferir «uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação». O artigo em causa, repete-se, inscreve-se numa cruzada de combate às penas curtas de prisão, lançando mão de circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional. No artigo 13º da Lei n.º 51/07 de 31/8 (objectivos, prioridades e orientações de política criminal) prevê-se a possibilidade do Ministério Público promover a aplicação de penas não privativas de liberdade aos crimes referidos no artigo 11º da mesma Lei, mencionando na alínea e) o regime de permanência na habitação, a par de outras penas, como a prisão por dias livres, o regime de semidetenção, a suspensão da execução de pena de prisão subordinada a regras de conduta e a prestação de trabalho a favor da comunidade. É, no fundo, a lei a dar a nota de que a sanção penal se caracteriza como não privativa da liberdade. Nas chamadas penas de substituição detentivas (penas de substituição em sentido impróprio) temos agora, além da prisão por dias livres (art. 45º do CP) e do regime de semi-detenção (art. 46º do CP), que já existiam e cujo âmbito foi alargado na revisão de 2007, o regime de permanência na habitação previsto no art. 44º do CP. As duas primeiras (dependendo o regime de semidetenção do consentimento do condenado) são cumpridas intramuros na prisão (parte-se da ideia de que o inconveniente do “efeito criminógeno da prisão vale para a pena de prisão contínua mas já não, ou de forma muito atenuada, para a prisão por dias livres ou para o regime de semi-detenção”, mesmo quando substituem penas de prisão até 1 ano), enquanto a terceira é cumprida extramuros (é uma alternativa à prisão no EP). De facto, «o CP distingue claramente os regimes do artigo 44º (Regime de permanência na habitação) e do artigo 46º (Regime de semidetenção). Se o primeiro visa poupar o condenado ao efeito criminógeno da reclusão em estabelecimento prisional, pelo período de uma pena curta, tendo em vista o binómio ganhos/perdas – efeito ressocializador da pena versus a dessocialização inevitavelmente devida ao efeito criminógeno – que pode ser, será, desfavorável ao fim de ressocialização da pena, esgotando-se portanto, na substituição do meio prisional pela residência, é ao segundo que é reservada a opção pela preservação da integração do condenado no seu meio de inserção e na profissão, reduzindo ao mínimo a solução de continuidade que a pena representa na sua vida. Temos, assim, diferentes normas, instituindo diferentes meios para se atingirem diferentes fins. A aplicação do regime do artigo 44º do CP não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele ingresse em meio prisional» (Acórdão da Relação do Porto de 23/9/2009, Pº n.º 42/06.2TAOVR-B.P1/JTRP00042926). O expressivo e completo Acórdão da Relação do Porto em 28/5/2008 (Pº 0812167 – JTRP00041428), adianta o seguinte, com interesse para a decisão desta causa: «Todos sabemos que qualquer reforma penal não pode prescindir da protecção dos direitos fundamentais que são assegurados a qualquer pessoa em sociedades democráticas, liberais, tolerantes e solidárias. A prisão deve ser reservada aos crimes mais graves e a situações em que já não é possível, por outros meios, dissuadir o agente da prática de novos crimes. Claro que é preciso saber como é que se vai conseguir, com êxito, prevenir a prática de novos crimes pelo mesmo agente. Sabemos que um delinquente (e não me refiro ao ocasional) não deixa de cometer crimes de um dia para o outro. É necessário construir e ajudar a construir todo um processo que lhe permita criar uma “identidade não criminal”. Nesse capítulo é essencial encontrar um trabalho e ter condições de vida com (pelo menos) um mínimo de dignidade. O Estado tem de contribuir eficazmente, como é sua obrigação, para a socialização do condenado e, portanto, tem de criar essas condições que permitirão afastar o delinquente da prática de novos crimes. É precisamente por causa da ineficácia da pena de prisão junto da pequena e da média criminalidade, que o legislador vem reagindo, sendo disso exemplo a diversificação das penas substitutivas da prisão que se vão criando. Repare-se que o regime de permanência na habitação é extremamente exigente para o condenado. É preciso que não seja encarada (mesmo por parte dos operadores judiciários) como um “favor” ou “falta de pena”. O regime de permanência na habitação é, como diz Germano Marques da Silva, “um desafio permanente à vontade do condenado” (…) “que não tem grades em casa…”. Ora, é precisamente tendo em vista a ideia de prevenção especial (finalidade de socialização), aliado à expectativa razoável de que esta pena de substituição (art. 44 n.º 1-a) do CP) ainda pode ser eficaz relativamente ao comportamento futuro do arguido, que se justifica a sua escolha, uma vez que a mesma ainda se mostra suficiente não só para evitar que o arguido reincida (dissuadir o agente da prática de novos crimes), como também para satisfazer aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico. Note-se que é o próprio Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovada pela Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro, a entrar em vigor proximamente, a não regular no âmbito do seu texto (246 artigos) a pena prevista no artigo 44º do CP, apenas a ela se referindo no artigo 2º da Lei (e não do Código por ela aprovada) – para fazer as correspondências entre esta pena e o regime da vigilância electrónica da Lei n.º 122/99 de 20/8 -, no artigo 120º/1 b) do seu texto (ao falar da possibilidade de modificação da execução da pena de prisão, transformando-a no regime de permanência de habitação[4] e no artigo 188º (adaptação à liberdade condicional, que se refere ao já previsto no artigo 62º do CP). O novo Código é claro – fala apenas da execução das penas privativas de liberdade e das medidas de segurança privativas de liberdade em estabelecimentos prisionais ou em estabelecimentos destinados ao internamento de inimputáveis. Fala sempre em recluso, o que não é a situação do condenado em regime de permanência na habitação que, fora de qualquer dúvida, tem alguma liberdade – exactamente aquela que não tem o recluso que foi condenado em prisão efectiva. Como tal, estamos parente uma pena de substituição, claramente não privativa da liberdade (sob o ponto de vista jurídico-criminal) no sentido que a distingue da efectiva reclusão em meio prisional.
3.5. Será de aplicar o regime da liberdade condicional a tal pena? Lança agora algumas achas para a fogueira da resposta afirmativa à questão. · no domínio das medidas cautelares a lei estabelece um estreito paralelismo entre a privação da liberdade em estabelecimento prisional e na habitação (arts. 193.º, n.º 2, 197.º, n.º2, 205.º, 213.º, n.º 1, 217.º, n.º 2, 215.º, n.º 8, 218.º, n.º 3, 276.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1 do CPP); · já no domínio do cumprimento da pena de prisão, quer a prisão preventiva, quer a obrigação de permanência na habitação, são descontadas por inteiro e de igual forma, equivalendo ambas ao cumprimento efectivo da pena de prisão – artigo 80.º do Código Penal; · se é possível a liberdade condicional quando o condenado está privado da liberdade tendo por horizonte as paredes de uma prisão, por que razão não lhe é lícito beneficiar desta medida quando está preso entre as paredes de sua casa, aí estando igualmente privado da liberdade? · por que razão se há-de possibilitar a alguém que cumpre a prisão em estabelecimento prisional um período de adaptação em que pode estar em regime de permanência na habitação (artigo 62.º), a que se segue um outro período, compreendido ainda no tempo de prisão em que foi condenado, de efectiva liberdade e, simultaneamente, impor-se a quem está desde o início privado da liberdade em sua casa (porque o tribunal concluiu que esta forma de cumprimento da prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - artigo 44.º, n.º 1) o cumprimento efectivo da totalidade do tempo de prisão fixado na sentença? · por que razão o caminho para a liberdade de um e de outro é diferente, em prejuízo do segundo? Por aqui, poder-se-ia pensar que a liberdade condicional pode ser aplicada à «pena» do artigo 44º do CP (tese do Ministério Público recorrente). Situando-se na tese contrária, lê-se no Acórdão amplamente mencionado nas motivações de recurso e no despacho recorrido e que até terá estado na base da mudança de posição jurídica da Exmª Juíza do TEP (Acórdão da Relação do Porto de 28/1/2009, Pº 0817119 (JTRP00042101), depois de transcrever o teor dos artigos 44º/1, 43º/1 e 61º/2 do CP: «Disciplinando processualmente a execução destes institutos, dispõe o art. 484.º do CodProcPenal: «Início do processo da liberdade condicional: 1- Até dois meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos de concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, os serviços prisionais remetem ao Tribunal de Execução das Penas: a) Relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do recluso; b) Parecer fundamentado sobre a concessão de liberdade condicional, elaborado pelo director de estabelecimento. 2- Até quatro meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos da concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, o Tribunal de Execução das Penas solicita aos serviços de reinserção social: a) Plano individual de readaptação; b) Relatório social contendo uma análise dos efeitos da pena; ou c) Relatório social contendo outros elementos com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional ou a concessão do período de adaptação à liberdade condicional» (...). E o art. 487.º prescreve, agora quanto à prisão a ser cumprida na habitação: «1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes» (...). Embora os dois normativos citados por último estejam, como é natural, contidos no mesmo Título I do Livro X do CodProcPenal, aparecem contudo em Capítulos diferentes e sucessivos (no Capítulo II e III, respectivamente). Ora, esta arrumação sistemática logo aponta no sentido de que o legislador quis dissociar os dois regimes de execução de pena. Aliás, se o legislador quisesse estender a aplicação da liberdade condicional ao cumprimento da pena de prisão em habitação, sem dúvida que o teria feito de forma clara. Isto por um lado. Por outro lado, e decisivamente, os dois regimes são fundamentalmente diferentes e obedecem a pressupostos bem diversos, como se vê da simples leitura daquelas normas do CodProcPenal. De onde também resulta que são diferentes as entidades a quem cabe controlar a execução de cada uma das apontadas penas: o cumprimento da pena de prisão efectiva é controlada pelo Tribunal de Execução de Penas, a prisão a ser cumprida na habitação deve naturalmente ser acompanhada pelo tribunal da condenação. O que significa, como bem refere o despacho recorrido, que a partir do momento em que o condenado em cumprimento de pena de prisão num Estabelecimento Prisional passa ao regime de prisão com permanência na habitação, o TEP respectivo deixa de ter competência e meios para acompanhar e controlar a execução desta pena mais favorável. E, por fim, como diz acertadamente o Exmº PGA no seu parecer de fls 37 ss, «(...) tendo o legislador previsto o regime de permanência na habitação para cumprimento de penas de prisão de curta duração, criou um regime incompatível com a aplicação, ao mesmo tempo, do regime de liberdade condicional pois que, por sua vez, este não é aplicável a penas curtas de prisão, uma vez que o condenado tem de cumprir em regime contínuo pelo menos 6 meses de prisão (art. 61.º-2 do CodPenal)» Assim, o recurso é improcedente». QUID IURIS, então?
3.6 Temos como certo que não é de aplicar o regime da liberdade condicional às penas cumpridas de forma não contínua, mormente à pena de prisão por dias livres (cf. Acórdão desta Relação de 20/7/2009, no Pº 1731/08.2TXCBR.C1, visitável em www.dgsi.pt). De facto, entende-se aí que não existe igualdade de situações, vistas à luz da teleologia da liberdade condicional – estar preso numa prisão de forma contínua e aí estar de forma descontínua é claramente diverso, para estes efeitos. Também é diferente a situação do recluso e do condenado a estar fechado em casa, com vigilância electrónica, em cumprimento de pena – o segundo não está completamente privado do contacto familiar, apenas do regular e público contacto social (e note-se que pode ser visitado em casa, não podendo é visitar pessoas). No caso vertente, foi alterado o modo de execução da pena aplicada, afigurando-se que a mesma, no presente, não integra o conceito de prisão a que alude o artigo 61.°, n.° 2, do Código Penal. Com efeito, não se encontrando o condenado em estabelecimento prisional, não se torna possível recolher os elementos previstos no artigo 484.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, os quais se revelam essenciais em ordem à tomada de decisão sobre o instituto da liberdade condicional. O legislador não vê como prisão o regime de permanência na habitação, de facto. Deixar de estar preso é estar em liberdade para estes efeitos, mesmo que a liberdade seja vigiada ou coarctada de alguma forma em termos de movimentos. A liberdade condicional não quer ser aplicada a alguém que tenha alguma liberdade mas apenas a quem não a tenha de todo em todo. Vejam-se até os termos da Recomendação (2003) 22 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, adoptada em 24 de Setembro de 2003 – aí se determina que a liberdade condicional deve estar disponível para todos os reclusos, mesmo que condenados em prisão perpétua. Não é essa, realmente, a teleologia da génese da liberdade condicional – e repare-se que não podemos argumentar que é caso omisso na medida em que quando foi pensado o instituto da Liberdade Condicional não existia esta pena do artigo 44º do CP, não sendo CASO OMISSO, a integrar juridicamente, pois o nosso legislador teve já bastantes oportunidades para corrigir esse erro, fazendo as correspondências entre os dois institutos, não o tendo feito até agora, podendo tê-lo feito na própria revisão de 2007 que criou o novo artigo 44º ou no novo Código da Execução das Penas e das Medidas Privativas de Liberdade, tal como já atrás o demonstrámos): mas a verdade é que o não fez! Repete-se: nos termos do art.° 61° do CP a concessão de liberdade condicional — e por inerência o campo de intervenção e competência do TEP — tem, como pressupostos formais, para além do consentimento do condenado, o cumprimento de 6 meses de pena de prisão e o decurso de, pelo menos, metade do tempo da prisão, dependendo, sempre, do tempo de encarceramento efectivamente sofrido. Tal preceito tem a seguinte redacção (artigo 62º): «Para efeito de adaptação à liberdade condicional, verificados os pressupostos previstos no art. anterior, a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada pelo tribunal, por um período máximo de um ano, ficando o condenado obrigado durante o período da antecipação, para além do cumprimento das demais condições impostas, ao regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. A adaptação à liberdade condicional prevista no artigo 62º do CP é também uma medida recente, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04.09, que consubstancia uma regra de execução da pena de prisão. Como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 98/X (quanto às alterações do CP) “(…) foram ponderadas as recomendações constantes do Relatório concluído em 12-2-2004 pela Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional. (…) É no quadro desta política de combate ao carácter criminógeno das penas detentivas que se deve ainda compreender o regime previsto nos artigos 61º e seguintes para a liberdade condicional. Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”. E, ainda como se salienta na Resolução do Conselho de Ministros n.º 144/2004 (Resolução que aprova o Programa de acção para o desenvolvimento da vigilância electrónica no sistema pena, de 30-9-2004) “é sobretudo no contexto da execução de penas que a vigilância electrónica tem vindo a afirmar-se no panorama internacional, ao longo dos últimos anos, como alternativa ao sistema prisional, face ao qual apresenta um inquestionável conjunto de vantagens. Ao permitir evitar a execução de penas efectivas de curta duração e flexibilizar a execução ou antecipar a concessão de liberdade condicional, no caso de penas mais longas, o Governo antevê que a vigilância electrónica poderá constituir um meio eficaz ao serviço da redução da elevada taxa de encarceramento que Portugal regista, o que constitui um objectivo central de política criminal”, e daí que então tenha resolvido estabelecer que o Governo adoptasse medidas legislativas adequadas à definição do regime jurídico da vigilância electrónica no âmbito da execução de sanções privativas de liberdade, designadamente como alternativa de execução de penas de prisão efectivas de curta duração e como condição de antecipação da liberdade condicional.
3.8. Como tal, concluímos no sentido de considerar que o instituto da liberdade condicional não é aplicável à situação em que um tribunal aplica o regime do artigo 44º do CP, estando só pensado para as reais situações de reclusão prisional. Por tal motivo, não nos merece censura a decisão recorrida.
III – DISPOSITIVO Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso intentado pelo Ministério Público, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.
Sem tributação.
Coimbra, _______________________________ (Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.) _______________________________________ (Paulo Guerra)
________________________________________ (Barreto do Carmo)
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