Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ARTUR DIAS | ||
Descritores: | SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO CONVERSÃO DO ARRESTO EM PENHORA EFEITOS | ||
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Data do Acordão: | 03/10/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | VOUZELA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 869º E 871º DO CPC; 822º DO C.CIV. | ||
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Sumário: | I – De acordo com o artº 871º do CPC, pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens é sustada, quanto a estes, aquela em que a penhora tenha sido posterior, mediante informação do agente de execução. II – O arresto não convertido em penhora é uma mera providência cautelar, não constituindo garantia real para efeito de reclamação de crédito em processo executivo e não concedendo qualquer preferência para efeitos de graduação ou pagamento do crédito. III – Convertido o arresto em penhora, os efeitos desta retroagem à data do primeiro, tudo se passando como se a penhora tivesse ocorrido na data do arresto (a conversão significa que o que até aí era arresto passa a ser penhora). IV – Para efeitos de prioridade no pagamento, no confronto com outros credores, aquele cuja penhora tenha sido precedida de arresto fica em vantagem: a penhora confere-lhe o direito de ser pago com preferência a qualquer outro que não tenha garantia real anterior e a anterioridade da sua penhora reporta-se à data do arresto (artº 822º do C.Civ.). V – Enquanto o sujeito activo de penhora registada deve ser citado e pode logo reclamar o seu crédito, o beneficiário de arresto ainda não convertido em penhora, não dispondo de título executivo, só pode lançar mão da faculdade concedida pelo artº 869º do CPC. VI – Ou seja, nada impede que, apesar da existência de um arresto anterior, ainda não convertido em penhora, prossiga, com a convocação dos credores, verificação dos créditos e venda ou adjudicação dos bens, a execução instaurada por outro credor em que entretanto foi feita penhora dos bens arrestados. VII – O artº 871º do CPC não tem aplicação se os bens penhorados estiverem apenas arrestados. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
1. RELATÓRIO Nos autos de execução comum em que é exequente a A... e executados B... , C... , D... e E... – nos quais foi penhorado um prédio urbano sito no lugar de X...., concelho de Vouzela, composto de casa de habitação de rés-do-chão, 1º andar e terraço anexo para arrumações, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vouzela sob o nº 419/19891026, inscrito na matriz respectiva sob a artigo 982 – foi proferido despacho ordenando a sustação da execução em conformidade com o artº 871º do Cód. Proc. Civil. Inconformada, a exequente agravou e na alegação oportunamente apresentada formulou as conclusões seguintes: 1) Tendo a penhora, realizada na sequência da conversão de um arresto, sido registada posteriormente ao registo de outra penhora incidente sobre o mesmo imóvel, mas sendo esta igualmente posterior ao registo de arresto que deu origem àquela penhora, qual a data a considerar para efeitos do disposto no art. 871° do CPC? A data do registo do arresto ou a data do registo de penhora realizada na sequência daquele? 2) A norma constante no artigo 871° do CPC apenas admite a interpretação no sentido de considerar admissível a sustação da execução cujo registo de penhora seja posterior a outro previamente registado sobre o mesmo bem. 3) A conversão do arresto em penhora apenas opera um efeito retroactivo a nível substancial e não a nível processual, pelo que, a penhora, subsequente a arresto, que seja registada em data que se verifique ser após outras penhoras registadas não tem o condão de fazer retroagir à data do arresto a data do registo de penhora. 4) Tal registo de penhora, por conversão do arresto, só produz o efeito substantivo de retroagir a garantia à data do arresto. 5) O detentor do registo de arresto não vê prejudicados os seus direitos, pois que, terá sempre que ser citado para a execução donde emerge o primeiro registo de penhora para reclamar o seu crédito, além de que, não dispondo de título executivo sempre pode fazer uso do disposto no art° 869° do CPC. 6) No presente caso, o arresto registado como F-Ap.5 (datado de 06/06/2005) que apenas foi convertido em penhora em data posterior (18/10/2007) à penhora emergente da presente execução (F Ap. 2 de 29/06/2006) não tem o condão de fazer sustar, nos termos do artigo 871° do CPC, a presente execução, outrossim, só lhe dará prioridade na graduação de créditos. 7) Ora, se assim é, não é justo que a execução da qual emerge um registo de penhora anterior ao registo de penhora por conversão de um registo de arresto seja sustada e que se obrigue o seu titular e demais credores a ir reclamar créditos numa execução em cuja penhora foi registada, por conversão, em data posterior. O princípio da celeridade processual executiva é contrário a este efeito, não desejando que o mesmo exequente/credor faça mais de uma reclamação de créditos, se dupliquem anúncios e haja mais do que uma sentença de graduação de créditos sobre os mesmos factos. TERMOS EM QUE, com o sempre mui douto suprimento de V.Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser a douta Decisão sob recurso ser alterada por outra que ordene o prosseguimento dos autos. Não foi apresentada resposta. Foi proferido despacho de sustentação. Colhidos os pertinentes vistos, cumpre apreciar e decidir.
*** Tendo em consideração que, nos termos dos artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste tribunal foi colocada apenas a questão de saber se, em caso de conversão de arresto em penhora, a data relevante para efeitos do artº 871º é a do arresto ou a da conversão deste em penhora.
Antes, contudo, de entrar na apreciação da questão colocada há que fazer um esclarecimento cuja pertinência tem a ver com a sucessão de leis processuais no tempo. É que, tendo em conta o ano da instauração da execução (2005), a lei processual aplicável é a decorrente do Código de Processo Civil[1] com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08/03.
*** 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto Para além dos decorrentes do relatório que antecede, são relevantes para a decisão do agravo os seguintes elementos de facto, fornecidos pelo processo: a) Nos autos de execução comum nº 162/05.0TBVZL (aos quais respeita o presente recurso) foi, em 29/06/2006, penhorado o prédio urbano sito no lugar de Nogueira, freguesia de Alcofra, concelho de Vouzela, composto de casa de habitação de rés-do-chão, 1º andar e terraço anexo para arrumações, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vouzela sob o nº 419/19891026, inscrito na matriz respectiva sob a artigo 982; b) Tal penhora mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Vouzela desde 29/06/2006 (F – AP 2 de 2006/06/29); c) Na mesma Conservatória mostra-se registado, desde 06/06/2005 (F – AP 5 de 2005/06/06), um arresto sobre o mesmo imóvel, aí figurando como sujeito activo a F....; d) Ainda na mesma Conservatória mostra-se registada desde 18/10/2007 (Averb. – AP 2 de 2007/10/18) a conversão em penhora do arresto referido na alínea anterior.
*** 2. De direito De acordo com o artº 871º, pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, é sustada, quanto a estes, aquela em que a penhora tenha sido posterior, mediante informação do agente de execução, a fornecer ao juiz nos 10 dias imediatos à realização da segunda penhora ou ao conhecimento da penhora anterior, ou, a todo o tempo, a requerimento do exequente, do executado ou de credor citado para reclamar o seu crédito. Compreende-se a finalidade da norma em causa. Como refere o Prof. Alberto dos Reis[2], o que a lei não quer é que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar.
Mas, confrontando-se, como no caso presente, duas execuções em que a penhora feita numa se situa no tempo entre o arresto e a conversão deste em penhora feita na outra, qual a data que releva? Qual o processo a sustar?
Em termos substantivos, o arresto insere-se no domínio da garantia geral das obrigações, dispondo o artº 622º do Cód. Civil que (1) os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora e que (2) ao arresto são extensivos, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora.
Por sua vez, a penhora integra-se na execução como forma de realização coactiva da prestação, estabelecendo o artº 819º do Cód. Civil que, sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração, ou arrendamento dos bens penhorados e o artº 822º que (1) salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior e que (2) tendo os bens do executado sido previamente arrestados, a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto.
Do ponto de vista processual, prescreve o artº 406º, nº 2 que “o arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas á penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção” e o artº 846º que quando os bens estejam arrestados se converte o arresto em penhora e se faz no registo predial o respectivo averbamento, aplicando-se o disposto no artigo 838º[3].
O arresto não convertido em penhora é mera providência cautelar não constituindo garantia real para efeito de reclamação de crédito em processo executivo e não concedendo qualquer preferência para efeitos de graduação ou de pagamento do crédito[4].
Convertido o arresto em penhora, os efeitos desta retroagem à data do primeiro, tudo se passando como se a penhora tivesse ocorrido na data do arresto[5]. A conversão significa isto: o que até aí era arresto passa a ser penhora[6].
O arresto e a penhora, mesmo nos casos em que ambos visam como escopo último a cobrança do mesmo crédito, são actos processuais distintos, praticados em processos diferentes. O arresto no procedimento cautelar pertinente; a penhora no adequado processo de execução. Para efeitos de prioridade no pagamento, no confronto com outros credores, aquele cuja penhora tenha sido precedida de arresto fica em vantagem: a penhora confere-lhe o direito de ser pago com preferência a qualquer outro que não tenha garantia real anterior e a anterioridade da sua penhora reporta-se à data do arresto (artº 822º do Cód. Civil). Isso, contudo, mesmo sendo a penhora realizada através da mera conversão do arresto, não faz equivaler os dois actos nem confundir as respectivas datas. Continuam actos distintos, praticados em datas diferentes.
Estando em causa, como no caso presente, bens imóveis, feita e registada a penhora, a execução só pode prosseguir após a junção do certificado do registo e de certidão dos ónus que incidam sobre os bens penhorados, sendo essencialmente com base neste documento que se irão identificar os credores titulares de direito real de garantia a citar para o concurso de credores [artº 864º, nº 3, al. b)]. Enquanto o sujeito activo de penhora registada deve ser citado e pode logo reclamar o seu crédito, o beneficiário de arresto ainda não convertido em penhora, não dispondo de título executivo, só pode lançar mão da faculdade concedida pelo artº 869º[7] (com o que apenas obsta à graduação, mas não à verificação dos créditos reclamados e à venda ou adjudicação dos bens - nº 6). Ou seja, nada impede que, apesar da existência de um arresto anterior, ainda não convertido em penhora, prossiga, com a convocação dos credores, verificação dos créditos e venda ou adjudicação dos bens, a execução instaurada por outro credor em que entretanto foi feita penhora dos bens arrestados. A posterior conversão do arresto em penhora, sem prejuízo dos efeitos substantivos que já se lhe assinalaram, não faz o tempo regredir, não constando da lei processual, nomeadamente do artº 846º, que a data da penhora fica a ser a do arresto[8]. O entendimento adoptado na decisão sob recurso estende e generaliza para todos os efeitos, a nosso ver indevidamente, o regime previsto apenas para a anterioridade da penhora relevante para a preferência no pagamento. E, aplicado à previsão do artº 871º, conduziria, as mais das vezes, à inutilização, desnecessária e contrária ao princípio da economia processual, de todos os actos processuais posteriores à penhora praticados na execução em que o referido acto intermediou entre o arresto e a respectiva conversão. Acresce que, não se discutindo que a anterioridade da penhora decorrente da conversão se reporta, no confronto com outras garantias reais, à data do arresto convertido, o direito do respectivo credor, de preferência no pagamento, permanece incólume ainda que a sua penhora seja considerada, para efeitos da sustação prevista no artº 871º, posterior à realizada entre o arresto e a conversão deste em penhora. Citando o douto acórdão desta Relação, do qual a recorrente juntou fotocópia[9], com cujas argumentação e decisão se concorda, o artigo 871º “pressupõe a pendência de duas ou mais execuções sobre os mesmos bens e, portanto, a existência de duas ou mais penhoras. Assim, tal disposição não tem aplicação se os bens penhorados estiverem arrestados”.
Logram êxito, portanto, as conclusões da alegação da recorrente, o que conduz ao provimento do agravo e à revogação do despacho recorrido.
*** 3. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo e, consequentemente, em revogar o despacho recorrido. Sem custas [artº 2º, nº 1, al. g) do C.C.J.].
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