Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1444/10.5TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
DUPLO LIMITE
EQUIDADE
CAUSA DE PEDIR
CASO JULGADO
Data do Acordão: 10/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 473, 479, 566 CC, 581 CPC
Sumário: 1. A causa de pedir não é formada pelos factos enquanto acontecimentos naturalísticos, mas enquanto suscetíveis de preencher a previsão normativa em que se funda a previsão do autor.

2. A pretensão de devolução daquilo que prestou na medida do enriquecimento que a sua prestação acarretou para o património dos réus envolve um pedido e uma causa de pedir diferentes das que são formuladas na ação pela qual requer a condenação dos réus no pagamento da remuneração acordada, pelo que não se verifica a exceção do caso julgado.

3. A inexistência de causa, característica do instituto do enriquecimento sem causa, pode verificar-se no âmbito de um negócio jurídico – será o caso de, num contrato bilateral, uma das partes se exonerar definitivamente da sua prestação pela não verificação definitiva da condição, deixando a prestação já efetuada pela outra parte (cuja razão de ser radicava no pagamento de uma remuneração) sem causa.

4. A medida da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa terá um duplo limite: o valor do empobrecimento do autor, correspondente às horas de trabalho que despendeu na prestação dos serviços em causa, e o valor do enriquecimento dos réus, consistente nos benefícios que lhe advieram de tais serviços.

5. Nos casos de prestação de facto, e atenda a impossibilidade de restituição em espécie, haverá que restituir o valor correspondente, determinado através do seu preço comum ou de mercado.

6. Em princípio nada obsta a que a medida da restituição, consistindo numa obrigação de “indemnização em valor” seja calculada por recurso à equidade, ao abrigo do nº3 do artigo 566º do CC.

7. A fixação equitativa da indemnização pressupõe a existência de limites quantitativos provados.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I - RELATÓRIO

MR (…) intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo ordinário, contra:

1. E (…) e mulher, A (…),

2. M (…), viúva, por si e em representação dos seus filhos menores, D (…), F (…) e C (…).

Pedindo a condenação dos Réus:

a) a reconhecerem o direito do autor a ser remunerado pelo trabalho referente à divisão da Quinta K... e melhor descrito no articulado;

b) a pagarem ao autor, a título de honorários pelo referido trabalho, o valor de 1% do valor pelo qual a Quinta K... foi ou será alienada com o limite mínimo de 40.000,00€,

ou, em alternativa,

c) a pagarem ao autor os honorários devidos pelo trabalho desenvolvido e supra descrito, e que desde já contabiliza em 40.000,00€ ao qual devem acrescer os juros à taxa legal, que se vencerem após a citação.

Alegando, para o efeito e em síntese:

na ação ordinária que correu entre o aqui autor e os aqui réus ficou demonstrado que os aqui réus se comprometeram a pagar o trabalho desenvolvido pelo autor em todo o processo de preparação da Quinta K..., no valor acordado de 1% do valor da venda;

tendo aí sido decidido que apenas se provou que esse montante será devido quando a venda da Quinta se concretizar, tem o autor o direito a recebê-lo, ainda que tal só venha a acontecer quando a venda for concretizada;

como tal pretende obter a condenação dos Réus no pagamento da referida percentagem de 1% do valor pelo qual venha a ser alienado o prédio dos réus;

em alternativa,

no caso de os RR. decidirem não alienar a Quinta K..., devem estes pagar ao Autor todo o trabalho realizado em prol do interesse e benefício do património dos RR.;

o património dos RR. ficou substancialmente valorizado, em resultado do trabalho desenvolvido pelo autor na separação dos 3 prédios de que se compunha a Quinta K..., encontrando-se o mesmo em condições de venda imediata;

para além do tempo despendido no trabalho realizado – que há de considerar-se um trabalho técnico – o autor faz jus a ser também ressarcido pelo resultado do seu trabalho, isto é, pela mais valia que obteve a favor dos RR.;

se assim não for, os RR. ficam enriquecidos à custa do trabalho prestado pelo Autor, devendo este receber efetivamente aquilo a que tem direito;

considerando o tempo despendido (mais de 400 horas em trabalho de gabinete) mais deslocações a diversas entidades e reuniões com as partes, julga o autor ser adequado uma remuneração calculada a partir da mais valia introduzida no património dos RR., que jamais pode ser inferior ao valor por estes proposto, isto é, de 40.000,00 €.

Os 1ºs, e os 2ºs. RR., apresentaram cada um a sua contestação através de articulados autónomos, nos quais invocam a exceção de caso julgado face à interposição e decisão da ação ordinária n° 1787/08.0TBCBR, que correu termos na 2ª Secção da Vara Mista de Coimbra, por se verificar em ambas identidade dos sujeitos, causa de pedir e pedido. Os 1ºs.RR. invocam ainda a prescrição do pedido alternativo consubstanciado no enriquecimento sem causa. Todos concluem pela sua absolvição do pedido, pedindo a condenação do autor como litigante de má-fé.

O autor apresentou articulado de Réplica, no qual se pronunciou no sentido da improcedência das invocadas exceções.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente por provada, condenando os Réus a pagar aos Autores a quantia de quantia de €20 000,00 euros [sendo à quantia devida pelos RR. E (…) e A (…), deduzido o crédito de custas de parte da responsabilidade do autor no montante de 449,21€], a que acrescem juros de mora desde a data da notificação desta decisão aos Réus, à taxa de 4%, até pagamento, absolvendo os Réus do restante pedido.

Não se conformando com a mesma, todos os intervenientes processuais dela interpõem recurso de apelação.

Os réus E (…) e mulher, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

(…).


*

A Ré C (…), termina a motivação do recurso por si interposto, formulando as seguintes conclusões:

(…)

A Ré, M (…), por si e em representação dos seus filhos menores, sintetiza a motivação do recurso por si interposto, nas seguintes conclusões:

(…)

Pela sua parte, a autora sintetiza a motivação do recurso por si interposto, através das seguintes conclusões:

(…)


*

Quer a Ré C (…) quer o autor apresentaram contra-alegações aos recursos interpostos pela parte contrária.

Cumpridos que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no artigo 657°, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.  
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo[1] –, as questões suscitadas na sequência da interposição dos recursos da autora e dos réus, são as seguintes:
Apelação dos RR. E (…)e mulher:
1. Improcedência manifesta do pedido alternativo.
Apelação da Ré C (…):
1. Impugnação da matéria de facto.
2. Inviabilidade da invocação do instituto do enriquecimento sem causa numa relação contratual.
3. Inadmissibilidade do recurso à equidade.
Apelação da Ré M (…)
1. Verificação da exceção de caso julgado relativamente ao pedido alternativo.
2. Impugnação da matéria de facto – pontos 2, 8, 11 e 18.
Apelação da autor
1. Impugnação da matéria de facto
2. Valor a atribuir ao autor pelos serviços por si prestados.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DOS RECURSOS

1. Exceção de caso julgado relativamente ao pedido alternativo.

Sendo indiscutível que uma causa se repete quando há coincidência em simultâneo quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, dúvidas não poderão haver quanto à não verificação da exceção de caso julgado relativamente ao pedido formulado em alternativa e relativamente ao qual se encontram a prosseguir os presentes autos.

Com efeito, embora haja alguma coincidência quer nos factos por si alegados, quer na pretensão exercida pelo autor em ambas as ações, o fundamento jurídico em que faz assentar tal pretensão é distinto:

Na ação nº 1787/08.0TBCBR, os autores pedem a condenação dos réus no pagamento da quantia de 40.000,00 €, correspondente aos honorários pelos serviços por si prestados aos Réus, em conformidade com o acordado. Alegando ter cumprido a sua obrigação decorrente do contrato celebrado entre ambos, o pagamento de tal quantia é peticionado como correspondendo à remuneração acordada. Ou seja, o que aí se encontrava em causa era o cumprimento por parte dos réus da obrigação emergente de tal contrato, em conformidade com o valor acordado entre as partes.

Na presente ação, em sede de pedido formulado por via alternativa, e aceitando o decidido na 1ª ação, no sentido de que, tendo a remuneração sido condicionada à venda da Quinta, tal condição não se havia verificado, o autor, alegando que, caso os réus decidam não alienar a referida Quinta, deverão pagar ao autor o trabalho por si realizado no interesse e benefício do património dos réus. Em consequência, e peticionando embora a mesma quantia de 40.000,00 €, fá-lo agora a título de compensação pelo trabalho despendido, em montante a determinar pelo valor do enriquecimento que a atividade do autor importou para o património dos réus (ou seja, embora não o alegue expressamente na petição inicial, a calcular de acordo com as regras do enriquecimento sem causa).

Embora peticionando a condenação dos réus em igual montante, o pedido, a pretensão formulada em cada uma das ações é distinta – na primeira, é peticionada a condenação dos réus no pagamento do preço acordado entre as partes, na presente ação, partindo do reconhecimento de que a condição já não se verificará, é peticionada a condenação dos réus a pagarem ao autor o valor que o resultado do seu trabalho veio incorporar no património dos réus, enriquecendo-os. Ou seja, se a primeira ação é uma ação de simples cumprimento de um contrato, relativamente ao pedido alternativo formulado na presente ação parte-se precisamente da circunstância de que o facto de que dependia a obrigação de prestação da ré nunca se irá realizar, pretendendo o autor ser compensado pelo facto de, pela sua parte, já ter cumprido a obrigação para si emergente de tal contrato.

Consistindo a causa de pedir no facto jurídico constitutivo do efeito pretendido pelo autor (artigo 581º, nº4 do NCPC), abarca todos os factos que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido. É o conjunto de factos, que à luz da ordem normativa, desencadeia consequências jurídicas. É o facto jurídico concreto gerador do direito invocado pelo Autor e em que este baseia a sua pretensão, isto é, o pedido.

Ou seja, a causa de pedir não é formada pelos factos enquanto acontecimentos naturalísticos, mas enquanto suscetíveis de preencher a previsão normativa em que se funda a pretensão do autor.

No caso em apreço, embora, por se tratar de causas de pedir complexas, haja alguns factos coincidentes, o autor fundamenta o seu pedido alternativo num distinto fundamento jurídico (não confundir com diversa qualificação jurídica): partindo da ideia de que a condição de que fizeram depender o pagamento do preço acordado já não se irá realizar, alega, agora, factos tendentes a demonstrar que o resultado do trabalho que despendeu importou uma mais-valia para o património dos réus, enriquecendo-o.

Não havendo coincidência no pedido nem nas causas de pedir, não se tem por verificada a invocada exceção de caso julgado relativamente ao pedido formulado pelo autor em alternativa, confirmando-se a decisão proferida a tal respeito no despacho saneador.

2. Impugnação da matéria de facto.
Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.
Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto:
“1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:
a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões ;
b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;
c) indicação, ou transcrição, exata das passagens da gravação erradamente valoradas. 
Estes requisitos visam assegurar a plena compreensão da impugnação deduzida à decisão sobre a matéria de facto, mediante a identificação concreta e precisa de quais os pontos incorretamente julgados e de quais os motivos de discordância, de modo a que se torne claro com base em que argumentação e em que elementos de prova, no entender do impugnante, se imporia decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal.
Tais exigências surgem como uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[2], assegurando a seriedade do próprio recurso intentado pelo impugnante.
A Ré/Apelante C (...) deduz impugnação à decisão proferida quanto aos pontos 2, 8 e 11, da matéria de facto, defendendo que os mesmos deveriam ter sido dados como “não provados”, socorrendo-se de determinadas passagens do relatório pericial.
A Ré/Apelante M (…), para além de impugnar a decisão proferida quanto aos referidos pontos 2, 8, e 11, defendendo que os mesmos deviam ser dados como não provados, e que o ponto 18, dado como “não provado”, deveria ter sido considerado como “provado”.
Quanto ao Autor/Apelante, apesar de, no corpo das suas alegações de recurso, comentar algumas das afirmações e juízos de valor contidos no relatório pericial e de reproduzir parte da motivação exposta pelo juiz a quo quanto à sua decisão sobre a matéria de facto, acaba por não identificar concretamente quais os pontos da matéria de facto que pretende impugnar, limitando-se a concluir que “O Mmo. Juiz deveria ter dado por provado que o património dos RR., em 2005, ficou valorizado em 512.500,00 ”.
Assim sendo, é de rejeitar a impugnação à matéria de facto deduzida pelo autor, por incumprimento do ónus imposto pela al. a), do nº1 do art. 640º do NCPC.
Passemos, agora, à análise da decisão proferida quanto aos pontos 2, 8, 11 e 18, da matéria de facto, na sequência das impugnações deduzidas pelas apelações das Rés C (…) e M (…):
(…)
Assim sendo, será de alterar a resposta dada aos pontos 2, 8 e 11, de modo a expurgá-los das afirmações conclusivas neles contidas, restringindo o respetivo conteúdo aos factos nele reproduzidos, relativamente aos quais nem sequer haverá divergência entre as partes:

2. O autor desenvolveu trabalho na “separação” dos três prédios que compunham a Quinta K....

8. (eliminado).

11. Provado apenas que com a operação de desanexação realizada era essencial para a venda em separado da parte rústica, ou construção imediata das partes urbanas e até para a partilha entre os vários herdeiros.
(…)


*

A. Matéria de facto

São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida, com as alterações aqui introduzidas:

A) Na sentença proferida em 22.02.2010, na ação com processo ordinário nº 1787/08.8TBCBR, em que foram A. e RR as partes desta ação, constam como provados os seguintes factos:

38. Os RR. aceitaram pagar ao autor 1% do preço que cada um deles iria receber pela venda da Quinta no pressuposto de que se concretizasse o negócio com os interessados na aquisição ((…)) e quando a venda se realizasse.

41. Os RR são donos do prédio denominado QUINTA K... sito na freguesia de W..., concelho de Coimbra, composto de uma parte rústica, correspondente ao artigo 60 da respectiva matriz, com a área de 87282 m2, e duas partes urbanas – artigo 744 com 955 m2 e art. 745 com 1537 m2-, descritos na CRP de Coimbra sob os números 1963,7077 e 7078, respetivamente.

42. Até 1 de Setembro de 2005 esse prédio estava descrito na Conservatória como um prédio misto, formado pelos artigos rústico n.° 60 com a área de 89444 m2 e os urbanos 744 e 745 com a área total de 330 m2 (70 m2 + 260 m2) de área coberta, agrupados todos numa única descrição com o n.° 1963.

43. No ano de 2004, após o óbito do marido da Ré M (…) os RR. decidiram vender a Quinta K..., na sequência da qual receberam várias propostas que analisaram donde selecionaram uma, com a intervenção e apoio jurídico da Ilustre Advogada de Lisboa, Dr.a (…).

44. Os RR pretendiam excluir da venda a CASA DA QUINTA a que se referia o artigo urbano 745 mais o terreno envolvente com a área aproximada de 1.500 m2, que lhe servia de quintal e estava incluído na área de 89.444 m2, da parte rústica da Quinta – artigo 60.

45. Em Novembro de 2004, a Ré M (...), alegando as dificuldades de entendimento com os RR. E (…) e A (…) e a sua inexperiência no assunto, solicitou ao A. o seu acompanhamento no negócio da venda da Quinta K... e ainda na partilha entre ela e os referidos RR. da totalidade dos bens pertencentes à herança de sua sogra (…).

46. (…) e que estivesse presente nas reuniões que iam acontecendo entre as partes, em / Lisboa, no escritório da advogada A (...)

47. (…) referindo que depois fariam as contas da participação e trabalho do A.

48. Em 11 de Novembro de 2004 e 19 de Janeiro de 2006 tiveram lugar as reuniões registadas nas actas de fls. 34 e 35, cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde se discutiram e acordou o que delas consta.

49. Ré M (...) tinha o entendimento de que a venda da Quinta não devia incluir a casa e uma área do logradouro e já os RR. E (...) e esposa eram do entendimento de que a casa e uma área de terreno na ordem dos 3000 m2 devia constitui um lote, a licenciar pelos compradores, a retornar em simultâneo com a escritura de venda da Quinta ou a ficar previsto na própria escritura de compra e venda, tendo acabado por ser aceite por todos, em reunião ocorrida em 11 de Novembro de 2004, a sugestão avançada pelo A. de se tentar fazer uma alteração ao artigo urbano da casa e alocar ao mesmo uma área de logradouro, podendo, por essa forma, ser vendido o artigo rural (Quinta) e retirar do negócio a casa, venda essa em que já eram então interessados (como compradores) M (…) e V (…), os quais estiveram presentes em parte dessa reunião.

50. O A. e N (…) (filho dos RR. E (…) e A (…)) ficaram encarregados de efetuarem as diligências necessárias à obtenção da solução avançada pelo A. e referida em 9.

51. Para tanto, com o conhecimento e a anuência dos RR., o A solicitou a colaboração da sua advogada em Coimbra Dr.a (…), com quem estudou o assunto, se deslocou à 1ª Conservatória do Registo Predial por várias vezes, reunindo com a Conservadora e ajudantes, à Repartição de Finanças e Câmara Municipal, até estar definido o caminho a seguir para a “separação” dos prédios.

52. Todo o processo obrigava em primeiro lugar à elaboração de um levantamento topográfico, com os limites e áreas dos 3 prédios constituintes da QUINTA K... definidos

53. Para efeito da definição das estremas e colher a sua assinatura na planta o A. localizou e contactou pessoalmente alguns dos confinantes da Quinta, efetuando várias deslocações para esse efeito.

54. O representante dos RR. E (…) e A (…) (N (…)) mandou fazer a limpeza das estremas do prédio com uma máquina retro escavadora, de forma a ser efetuado o levantamento topográfico.

55. O A. e N (…) contactaram com um gabinete de topografia (T (...) , Lda.), na pessoa do Eng. (…), para fazer o levantamento topográfico dos limites do prédio rústico e dos dois prédios urbanos, incluindo construções e logradouros, que foram devidamente assinalados.

56. Após o levantamento topográfico o A. contactou pelo menos com alguns dos confinantes a fim de o mesmo poder ser reconhecido e por eles confirmado ou retificado ou confirmado no local.

57. Depois de confirmadas e retificadas as extremas com todos os confinantes, foi elaborado o levantamento já corrigido para ser assinado por todos os interessados.

58. De seguida, foram preenchidos os impressos Modelos 1 do IMI (Imposto Municipal sobre móveis) e preparados os processos referentes a cada um dos artigos matriciais de modo a retificar as áreas dos prédios urbanos e do rústico, para que os logradouros fossem acrescentados aos artigos urbanos e desanexados do artigo rústico, atendendo a que quer na matriz, quer na Conservatória estes prédios urbanos não tinham área descoberta.

59. Retificadas as áreas na matriz, o A., acompanhando a sua advogada, procedeu ao pedido de retificação da composição e das áreas dos três prédios, também na Conservatória, para depois pedir a desanexação dos prédios urbanos e alteração da descrição inicial (1963).

60. O prédio QUINTA K... descrito como prédio misto sob a descrição 1963, deu lugar a três descrições de três prédios distintos, um rústico e dois urbanos a saber: descrição 1963 – prédio rústico denominado Quinta K..., com a área de 87.282 m2 inscrito na matriz rústica da freguesia de W... sob o artigo 60; descrição 7077 – prédio urbano situado na K... com a área coberta de 102 m2 e logradouro de 853 m3, inscrito na matriz urbana da dita freguesia sob o artigo 744; descrição 7078 – prédio urbano sito na K... com a área coberta se 270 m2 e logradouro de 1267 m2, inscrição na matriz urbana da mesma freguesia sob o artigo 745

61. Concluído o processo, o A. enviou à mandatária da Ré M (...), toda a nova documentação da Quinta K..., com as partes rústicas e urbanas separadas, elaboração do contrato promessa de compra e venda referido logo na primeira reunião.

62. Enquanto decorria o processo de desanexação, entre Dezembro de 2004 e Setembro de 2005, o A. foi acompanhando junto da Câmara Municipal de Coimbra, a evolução do Plano de Urbanização de L (...) , que integra a Quinta K..., cuja valorização era consequência desenvolvimento do mesmo Plano, dando conhecimento aos RR., nas reuniões que entretanto se fizeram.

63. Em finais do Verão de 2005, já depois de concluído o processo de desanexação dos prédios que integravam a Quinta K..., a Ré M (…), no pressuposto de que a venda se fosse concretizar com os já existentes interessados na aquisição (M (…) e V (…)) disse ao A. que lhe daria 2% do valor que iria receber pela venda da Quinta pelo seu trabalho de preparação para a venda e quando essa venda se concretizasse.

64. Já depois de concluído o processo de desanexação dos prédios que integravam a Quinta K..., em finais do Verão de 2005, o RE (…), ao telefone, no pressuposto de que a venda se fosse concretizar com os já existentes interessados na aquisição (M (…) e V (…)) disse ao A. que lhe daria 2% do valor que iria receber pela venda da Quinta pelo seu trabalho de preparação para a venda e quando essa venda se concretizasse.

65. No dia seguinte o R. E (...) contactou o A., propondo-lhe a redução do pagamento, nos termos referidos na resposta ao facto 22, para 1% do valor que iria receber com a venda da Quinta, a que acresceriam as despesas que o A. suportou.

66. O A. aceitou essa redução.

67. Em fins de Setembro, inícios de Outubro de 2005, o A. foi contactado pelo Eng.º (…), solicitando-lhe uma reunião com o A. e com N (…) para falarem da Quinta K....

68. Na sequência o A. e N (…) reuniram com o Eng.° (…), tendo-lhes este transmitido que representava os interessados na aquisição da Quinta – (M (…) e V (…) – e afirmou que os mesmos mantinham interesse na aquisição da Quinta, pelo valor proporcional à área a vender, ou seja, 786.303 contos.

69. Nessa mesma reunião o A. e o N (…) comprometeram-se a enviar o texto do contrato promessa, onde se formalizasse essa proposta, bem assim as condições de pagamento do preço.

70. A Drª (…) redigiu a minuta de contrato-promessa junta a fls. 36 a 38, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

71. No dia 19 de Janeiro de 2006, em reunião no escritório da Drª (…) o A. foi encarregado pelos RR. de transmitir aos compradores, na pessoa do Eng. (…), a aceitação do negócio nos termos supra referidos, devendo entregar-lhe em mão a minuta do contrato para apreciação.

72. 0 A., depois de ter recebido a minuta no dia 23 de Jan. de 2006, via fax, entregou-a à pessoa que se arrogava representante dos interessados adquirentes – Eng.° (…).

73. Em circunstâncias não apuradas com rigor foi transmitido ao A. que os compradores exigiam uma garantia bancária a prestar pelos vendedores da Quinta, devido ao facto de os filhos da Ré M (...) serem menores.

74. 0 A. deixou de ser contactado e convocado pelos RR. para reuniões.

75. 0 A., auxiliado pela advogada (…), procedeu ao registo em nome dos RR. M (…), D (…), F (…) e C (…),de imóveis integrantes da herança do falecido marido da Ré M (…).

76. Em data não apurada com rigor, já depois de concluído o processo de desanexação dos prédios da Quinta, a Ré M (…) disse ao A. não necessitar mais da sua intervenção e serviços.

77. O A. interveio nas reuniões como representante e por incumbência da Ré M (…)e desempenhou atividade no processo de preparação da venda da Quinta com vista a ser alcançada a venda nos termos aceites por todos os RR. e referida em 9.

78. Os RR. aceitaram pagar ao A. 1% do preço que cada um deles iria receber pela venda da Quinta no pressuposto de que se concretizasse o negócio com os interessados na aquisição (M (…) e V (…) ) e quando a venda se realizasse.

79. O negócio de venda da Quinta não se concretizou.

80. Os RR. pagaram ao A. as despesas por este suportadas.

Tudo como se pode ver pela certidão da sentença que se mostra junta como doc. 4, cujo teor e conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido.

B) Por carta de 6 de Janeiro de 2007 os 1ºs. réus informaram o autor dos pagamentos que iriam realizar (Doc. 2 cujo teor se dá por reproduzido).

C) O autor enviou aos 1ºs. RR a carta datada de 26.11.2007, junta a fls. 76, cujo teor e conteúdo se dá por inteiramente reproduzido.

D) Por carta de 27.11.2006, junta a fls. 78/79 dirigida à ré M (…), cujo teor e conteúdo se dá por inteiramente reproduzido, o autor descrevendo os trabalhos realizados, consignou na mesma:

“1 Reuniões em Lisboa, no escritório da Sr. Drª (…) relativas ao processo de partilhas entre a M (…) e o E(…)/M (…) 7 viagens/reuniões x 350€ 2450€

2.Acompanhamento das Obras do Prédio da Avª Y... na reparação imposta pela Câmara de Coimbra, até ao encerrar do processo.

10% custo da obra 2200€

3. Acerto das Extremas da Quinta K... com os vizinhos confrontantes e separação das casas e artigos urbanos individuais com logradouros incluídos, tornando autónomo o terreno da Quinta para possibilitar a venda sem interferir com as casas lá existentes.

1% valor da propriedade 40.000€

4. Apresentação e defesa na Conservatória do Registo Predial de Coimbra da rectificação/alteração das inscrições relativas às casas e terreno da Quinta K... ( art. 60+744+745).  2500€

5. registo dos restantes prédios em Coimbra ( arts 2366”Q”+ 2320 “P” + 941 +942 +943 +7) e Pedrógão Grande (arts 15497+16963) relativos à herança de (…), em nome dos herdeiros, com e sem descriminação de partes, incluindo IMIS e o pedido de rectificação de áreas da Casa do Redondo da Rua Q...  3.600€

Os trabalhos 4. e 5. São da Drª (…)

E) Dos valores acima referidos os AA E (…) e mulher A (…) pagaram ao A. da respetiva parte (entre os herdeiros) 1.100,00 do ponto 2.; do ponto 4. os RR. pagaram metade 975,00€, descontando 550,00€, já pagos à advogada.

F) Os RR não pagaram os demais valores referidos em 1., 3., e 5., por considerarem serem serviços prestados apenas à ré M (…).

G) A ré M (…) pagou 1.250,00€ do trabalho da Dr. (…) referido em D).

H) Na sequência os RR E (…) e A (…) solicitaram ao A., por carta de 11/03/2010, o pagamento de custas de parte da sua responsabilidade, do montante de 449,21 €.

I) Não tendo obtido até à presente data qualquer resposta à referida carta nem qualquer pagamento

Discutida a causa foram considerados provados os seguintes factos:

1. Até ao presente momento a venda da quinta K... não se realizou.

2. O autor desenvolveu trabalho na “separação” dos 3 prédios que compunham a Quinta K....

3. Os 2 prédios urbanos ficaram dotadas de um logradouro com dimensões estudadas, o que, de acordo com as possibilidades construtivas previstas no PDM, possibilita aos RR, desde já urbanizar ou/e alienar os mesmos.

4. Não obstante a crise económica conjuntural que se vive (atualmente e não à data dos factos) os referidos prédios situam-se numa zona que se valorizou bastante com a construção da circular externa e pela proximidade do novo Hospital Pediátrico de Coimbra.

5. Por sua vez, o prédio rústico, com a área de 87.282m2, encontra-se perfeitamente delimitado, com estremas retificadas e delimitadas com todos os confinantes.

6. Acresce que, com a separação do logradouro dos prédios urbanos, a parte rústica ficou dividida em 2 parcelas, fisicamente separadas, uma com 77.000 m2 e outra com cerca de 10.000m2, sendo possível, caso o pretendam, desanexar as referidas parcelas e vender separadamente cada uma delas.

7. Foi por intervenção do A que o referido prédio rústico se encontra em condições de venda imediata, com áreas retificadas quer na matriz, quer na Conservatória do Registo Predial.

8. (eliminado).

10. Fez deslocações à Câmara Municipal, Conservatória Finanças, escritório de advogados, deslocações repetidas a casa de todos os confinantes, acompanhamento da limpeza e do levantamento topográfico e identificação de estremas, colocação de marcos, reuniões em Lisboa, etc.

11. A operação de desanexação era essencial para venda em separado da parte rústica, ou construção imediata das partes urbanas e até partilha entre os vários herdeiros.  

12. O valor de 40.000,00€ representa 1% do valor proposto inicialmente para venda da Quinta.

13. Correspondente ao trabalho do A. no pressuposto de que se concretizasse o negócio com os interessados na aquisição ((…)) e quando a venda se realizasse.

14. A Quinta K... não foi objeto de venda pelos réus, nem na parte rústica nem na parte urbana.

15. Ainda hoje, em Dezembro de 2010, passados mais de cinco anos, a Quinta K... não foi vendida – nem se prevê que o venha a ser, atenta a atual conjuntura económica

17. O prédio não se encontrava em condições de venda imediata na altura em que havia sido acordado estar com os compradores, ou seja dois ou três meses após a celebração do contrato promessa formulado aos interessados na compra e na venda na reunião de 11.11.2004?

19. Mostrando-se o trabalho da advogada Dra. (…) já pago.

20. Os promitentes compradores da Quinta Sr. M (…) e V (…) manifestaram interesse no negócio desde que o mesmo fosse concretizado num prazo razoável, dando anuência ao prazo estimado pelo A. de dois a três meses para legalizar e registar a Quinta K... conforme a solução por todos aceite.

21. A legalização da Quinta só ficou concluída muitos meses depois.

24. Dado as perspetivas da conjuntura económica, é praticamente impossível de igualarem de novo.

25. O potencial construtivo da Quinta, inclusivamente na própria área da constituição dos dois lotes urbanos já existia no PDM independentemente da constituição ou não desses lotes.

26. O A. começou em Novembro de 2004 e acabou em Janeiro de 2006 o trabalho.


*
B. O Direito
1. (In)viabilidade da invocação do instituto do enriquecimento sem causa numa relação contratual – ausência de causa justificativa.
Defendem os apelantes que o pedido alterativo poderia ter sido julgado logo improcedente no despacho saneador, porquanto, tal como se encontra configurado pelo autor na petição inicial, assenta num enriquecimento “com causa”: o trabalho pelo qual reclama o pagamento foi desenvolvido ao abrigo de um contrato de prestação de serviços celebrado entre Autor e Réus; a causa do alegado enriquecimento foi o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes.
Aceitando o pressuposto de que partem os apelantes – de que “o trabalho pelo qual o autor reclama o pagamento ou compensação foi desenvolvido ao abrigo de um contrato de prestação de serviços celebrado entre o autor e réus” – teremos de discordar das ilações que dele retiram, ou seja, de que tal circunstância constitua um impedimento a que se o autor tenha direito à devolução da sua prestação segundo as normas do enriquecimento sem causa.
Tendo as partes condicionado a obrigação de pagamento da remuneração acordada à concretização da projetada venda da Quinta K... – a remuneração, no valor de 1% do valor que os réus viessem a receber pela venda, seria paga quando a venda se realizasse –, na sentença proferida na 1ª ação foi decidido que, não se tendo ainda concretizado tal venda, não era exigível aos réus o pagamento da remuneração acordada.
Na presente ação, a título alternativo, e “no caso de os réus decidirem não alienar a referida “Quinta K...”, defende o autor que os réus “devem pagar ao A. todo o trabalho realizado em prol do interesse e benefício do património dos Réus”, em valor proporcional ao benefício mais-valia que do seu trabalho adveio para o património dos réus.
Foi dado como provado na presente ação que “ainda hoje, em Dezembro de 2010, passados mais de cinco anos, a Quinta K... não foi vendida – nem se prevê que o venha a ser, atenta a atual conjuntura económica ”.
A certeza de que a condição se não pode verificar equivale à sua não verificação – artigo 275º do CC.
A condição (o evento) de que as partes fizeram depender o pagamento da remuneração acordada não se veio a verificar. Assim sendo, é certo e indiscutível não se encontrarem os réus obrigados ao pagamento da referida remuneração – tal “condição” definia não só o momento de pagamento, como servia também de critério para a determinação do respetivo montante.
Mas será que, com a aposição de tal “condição”, as partes pretenderam que, a não se realizar tal venda, o negócio seria gratuito para os Réus? É óbvio que não seria essa a intenção das partes. Como resulta da matéria de facto dada como provada e como foi reconhecido na sentença proferida na 1ª ação, só assim foi acordado porque a venda era quase certa.
A onerosidade do contrato sobressai da matéria dada como provada relativamente ao modo como foi sendo suscitada a intervenção do autor e como foram decorrendo os contactos entre o autor e os réus – apesar do montante e a data de pagamento da remuneração a suportar pelos réus, pelos serviços prestados pelo autor, só ter vindo a ser determinada num momento em que este havia já iniciado as diligências acordadas no sentido de proceder à desanexação dos imóveis com vista à respetiva venda, logo nos primeiros contactos entre o autor e a ré M (...), foi referido que “depois fariam as contas da participação e trabalho do A.”.
Encontramo-nos perante um contrato bilateral – em que as obrigações assumidas por cada uma das partes e encontram unidas por um vínculo de reciprocidade ou interdependência – e oneroso – em que a atribuição patrimonial efetuada por um dos contraentes tem por correspetivo, compensação ou equivalente, a atribuição da mesma natureza proveniente do outro e em que, para alcançar ou manter a atribuição patrimonial da contraparte, cada contraente tem o ónus de realizar a sua contraprestação.
Tratando-se de um contrato bilateral, a obrigação de um dos contraentes estava subordinada à do outro: a prestação efetuada pelo autor – trabalho desenvolvido na “separação” dos três prédios que compunham a Quinta K... – e que os réus receberam era “devida”, encontrando o seu correspetivo na remuneração acordada – a pagar aquando da venda da Quinta e no valor de 1% do preço que viessem a receber.
A não verificação desta venda – circunstância que agora, face aos fatos dados como provados na presente ação se apresenta como definitiva –, leva à exoneração dos réus da obrigação de pagamento do preço acordado.
Tratando-se de uma inexecução definitiva, aparentemente não imputável a nenhum dos contraentes, o autor, que já efetuou a sua prestação, não poderá exigir o cumprimento do contrato (a condição de que fizeram depender o pagamento do preço não se realizou e não se vai realizar), mas será razoável reconhecer-lhe o direito a reclamar, em vez daquilo que deveria ser prestado (e uma vez que a repetição do que prestou não é possível), o equivalente àquilo com que os réus se enriqueceram.
Tratando-se de um contrato bilateral, a circunstância de os réus se exonerarem da sua prestação pela não verificação definitiva da condição, deixou a prestação efetuada pelo autor (cuja razão de ser radicava no pagamento de uma remuneração) e já recebida pelo réu, sem causa.
Tendo o autor efetuado já a sua prestação, a não verificação da condição, ao exonerar os réus do pagamento do preço acordado, gerou um desequilíbrio patrimonial entre as partes.
De harmonia com o disposto no artigo 473º, nº1 CC, para que haja obrigação de restituir é necessário que o enriquecimento contra o qual se reage careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido[3].
A inexistência de causa é a condição mais caraterizadora da ação de locupletamento, uma vez que pressupõe ter havido um enriquecimento injusto do réu, enriquecimento este que, se não fosse injusto, não seria sem causa[4].
O enriquecimento à custa de outrem não terá causa quando, segundo o sistema jurídico, deva pertencer a esse outrem, e não ao efetivo enriquecido[5].
A palavra “causa” deve ser aqui entendida, não no sentido naturalístico, mas com o significado de “fundamento jurídico”, “justo título” ou “título justificativo”: verifica-se a ausência de causa quando o enriquecimento não encontra justificação na lei ou na vontade do empobrecido. “A falta de justa causa traduz-se na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento[6]”.
E, no caso em apreço, a “ausência de causa”, a injustificação para o enriquecimento (consistente no facto de terem recebido a prestação efetuada pelo autor e beneficiado com os resultados da mesma) é fácil de identificar – não conseguindo o autor, através dos mecanismos de cumprimento do contrato vir a obter o pagamento do respetivo preço – não se encontrando os réus obrigados a proceder ao pagamento da remuneração acordada – os réus estão a usufruir dos benefícios resultantes dos serviços prestado pelo autor sem o pagamento de qualquer contrapartida; e o recebimento desta prestação por parte dos réus sem qualquer contrapartida da sua parte não encontra justificação no contrato celebrado entre ambas[7].
Com efeito, ao contrário do defendido pelos 1ºs. RR. Apelantes, a circunstância de a prestação ter sido efetuada ao abrigo de um contrato, não é por si suficiente para a considerar “com causa”.
Como sustenta Antunes Varela, as situações de enriquecimento injusto, que a obrigação de restituir se destina a sanar, provêm muitas vezes de um negócio jurídico, em regra celebrado entre aquele que enriquece e a pessoa à custa da qual o enriquecimento é obtido[8]. Segundo tal autor, se a obrigação tem carater negocial (porque procede de uma venda, um arrendamento, um empréstimo ou uma troca), a causa dela consiste no fim típico do negócio em que se integra. Quando esse fim falha por qualquer razão, as obrigações resultantes do negócio ficam sem causa[9] (ex., se a venda é anulada por incapacidade do vendedor, a obrigação de entrega do preço por parte do comprador fica sem causa).
Concluindo, entende-se que, tendo embora o enriquecimento dos réus ocorrido no âmbito de um contrato e na sequência da prestação efetuada pelo autor em cumprimento do mesmo, o “enriquecimento” resultante para os réus do facto de, depois de o autor ter já realizado a sua prestação, terem ficado desobrigados de proceder ao pagamento da remuneração acordada, não encontra qualquer causa justificativa nos termos do negócio celebrado entre autor e réus; ou seja, tal enriquecimento embora tenha ocorrido no âmbito e na sequência de um contrato celebrado entre as partes não encontra justificação, legitimação em tal contrato.
Encontrar-nos-emos, assim, perante um enriquecimento por prestação, em que alguém efetua uma prestação a outrem, mas em que se verifica uma ausência de causa que permita a receção ou a manutenção da prestação, na modalidade de restituição por posterior desaparecimento de causa[10].
Segundo Luís Teles de Menezes Leitão, a ausência de causa jurídica para a receção da prestação que foi realizada deve ser definida em sentido subjetivo como a não obtenção do fim visado coma prestação: haverá lugar à restituição da prestação sempre que esta é realizada com vista à obtenção de um determinado fim (correspondente à execução de uma programa obrigacional), e esse fim não vem a ser obtido[11].
Assim sendo, se, no caso em apreço, a prestação do autor teve como “causa” o cumprimento de uma obrigação contratual por si assumida no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado com os réus, tal prestação, tendo como contrapartida uma remuneração a suportar por estes, ficou sem causa ou sem justificação, com a exoneração dos réus do pagamento do preço acordado na sequência da não realização da projetada venda.

2. Valor da restituição no enriquecimento sem causa.
A sentença recorrida veio a computar em 20.000,00 €, o valor da restituição a que o autor teria direito, com base nas seguintes considerações:
- embora tenha ficado demonstrado que o património dos réus ficou valorizado em resultado do trabalho desenvolvido pelo autor  e que os respetivos resultados se traduziram numa mais valia para o património dos réus, não ficou provado que essa mais valia introduzida no património dos RR., ascenda a 40.000,00 €;
- o art. 566º, nº 3, do CC permite o recurso à equidade se não puder ser averiguado o valor exato dos danos;
- o valor de 40.000,00 € , inicialmente acordado e correspondente a 1% do valor da projetada venda, constitui o limite máximo – por corresponder ao valor a que o autor teria direito se o negócio se viesse a concretizar.
Os 1ºs. RR./Apelantes E (…) e esposa, insurgem-se contra o valor atribuído pela 1ª instância, com a alegação de que o autor só poderia ser reembolsado pelos benefícios advindos aos réus diretamente resultantes do trabalho do autor e não resultantes de outras causas externas a que o autor não tivesse dado causa (valorização derivada da proximidade do novo Hospital Pediátrico e da Construção da Circular Externa, referidas pelo Sr. perito).
Não resultando, da argumentação de que o juiz a quo se socorreu para a atribuição do montante em causa, que, para a sua determinação, tenha tido em consideração a valorização que para os prédios desanexados possa ter advindo da construção das referidas infraestruturas na sua proximidade, a alegação dos recorrentes não fará grande sentido, sendo certo que não se contesta que a valorização que daí adviesse para os prédios desanexados não seria de ter em consideração para a determinação do montante a restituir, como se verá mais adiante.
A Ré/Apelante C (…) opõe-se também ao valor fixado pelo tribunal, com a alegação de que o artigo 4º do CC só permite o recurso à equidade quando exista disposição legal que o permita ou quando a aplicação de tal critério resulte de acordo entre as partes, e que o artigo 566º, nº3, de que se socorreu a sentença recorrida só viabiliza a intervenção da equidade relativamente a obrigações que tenham por fonte a responsabilidade civil e não relativamente a obrigações cuja fonte seja o enriquecimento sem causa.
Quanto ao autor/Apelante, ao contrário dos réus e como era de esperar, insurge-se contra o valor a que se chegou na sentença recorrida, partindo da consideração de que a intervenção do autor teria trazido uma valorização da Quinta K... no montante de 512.500,00 €, defendendo que, pelo recurso à equidade o valor a fixar nunca poderia ser inferior a 45.125 €.
Ora, não só a alegada valorização da Quinta K... não se mostra refletida nos factos dados como provados[12], como o valor da restituição sempre teria de ter como limite o do pedido formulado pelo autor na presente ação – 40.000,00 € -, por imposição do disposto no nº1 do artigo 609º do NCPC. Por fim, como se explicará mais adiante, qualquer “valorização” do património dos réus que exceda o empobrecimento do autor não poderá ser abrangida pela obrigação de restituição.
Os factos dados como provados com interesse para o cálculo da valorização que os serviços do autor (com vista à separação dos 3 prédios que compunham a Quinta K...) importaram para o património dos réus, são unicamente os seguintes:
3. Os 2 prédios urbanos ficaram dotados de um logradouro com dimensões estudadas, o que, de acordo com as possibilidades construtivas previstas no PDM, possibilita aos RR, desde já urbanizar ou/e alienar os mesmos.
5. Por sua vez, o prédio rústico, com a área de 87.282m2, encontra-se perfeitamente delimitado, com estremas retificadas e delimitadas com todos os confinantes.
6. Acresce que, com a separação do logradouro dos prédios urbanos, a parte rústica ficou dividida em 2 parcelas, fisicamente separadas, uma com 77.000 m2 e outra com cerca de 10.000m2, sendo possível, caso o pretendam, desanexar as referidas parcelas e vender separadamente cada uma delas.
7. Foi por intervenção do A que o referido prédio rústico se encontra em condições de venda imediata, com áreas retificadas quer na matriz, quer na Conservatória do Registo Predial.
10. Fez deslocações à Câmara Municipal, Conservatória Finanças, escritório de advogados, deslocações repetidas a casa de todos os confinantes, acompanhamento da limpeza e do levantamento topográfico e identificação de estremas, colocação de marcos, reuniões em Lisboa, etc.
11. A operação de desanexação era essencial para venda em separado da parte rústica, ou construção imediata das partes urbanas e até partilha entre os vários herdeiros. 
12. O valor de 40.000,00€ representa 1% do valor proposto inicialmente para venda da Quinta.”
Dispõe o artigo 479º do CC, quando ao “Objeto da obrigação de restituir”:

1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte.

O beneficiário do enriquecimento é obrigado a restituir tudo quanto adquiriu sem causa, e sempre que não seja possível a restituição em espécie (como no caso em apreço, por se tratar de serviços prestados), restituir-se-á o “respetivo valor[13]”.
Constituindo o enriquecimento sem causa o fundamento e a medida da restituição, a restituição surge com um duplo limite: o valor do enriquecimento sem que este possa exceder o valor do empobrecimento, se tais valores forem diferentes (art. 479º, nº2 CC)[14].
No caso em apreço, a obrigação de restituir terá em consideração o binómio – empobrecimento do autor, medido por aquilo que este perdeu (horas de trabalho) e o enriquecimento dos réus, consistente nos benefícios que retiram dos serviços prestados pelo autor (os prédios ficaram física e juridicamente autonomizados e prontos para serem vendidos e partilhados).
Quanto ao modo como deve ser calculado o montante da restituição, na hipótese de serviços prestados pelo empobrecido, afirma Vaz Serra: “No caso de indemnização, teria que se olhar àquilo que o empobrecido teria podido ganhar durante o tempo em que prestou os serviços; mas, na hipótese de obrigação de enriquecimento, deve atender-se ao enriquecimento e este mede-se por aquilo que o enriquecido teria devido pagar, de acordo com a tarifa normal, a quem lhe tivesse prestado os mesmos serviços. É assim em regra, por ser de presumir que o enriquecido teria pago por essa tarifa os serviços[15]”.
Também Luís Menezes Leitão[16] defende que, nos casos de prestações de facto, o adquirido à custa de outrem consiste no serviço prestado, representando por isso a própria vantagem incorpórea e não os seus reflexos no património do enriquecido: “atenta a impossibilidade de restituição em espécie, haverá, por isso que restituir o valor correspondente, determinado através do seu preço comum ou de mercado”.
No caso de prestações de serviços e de vantagens de uso deve entender-se por valor deles uma compensação razoável, que, nalguns casos, poderá corresponder à convencionada.
No caso em apreço a “compensação razoável” não poderá equivaler ao preço inicialmente acordado (40.000,00 €, correspondente a 1% do valor projetado para venda), uma vez que o critério para a sua determinação foi uma percentagem sobre o valor que viriam a receber pela venda e no pressuposto que o negócio se concretizasse e quando se concretizasse, venda que não chegou a ocorrer e que, como tal, funcionará, tão só, como um limite máximo para balizar a medida da restituição (tal como foi entendido e bem, na sentença recorrida).
Relevante para tal cálculo seria ainda a determinação do número de horas despendidas pelo autor na prestação do serviço em causa (facto que não se apurou: tendo o autor alegado ter gastado mais de 400 horas em trabalho de gabinete, bem como tempo em deslocações e diversas reuniões com as partes, tal facto veio a ser dado como “não provado”), sobretudo porque, para o resultado final, contribui igualmente a participação de várias outras pessoas (desde o filho de um dos réus, à mandatária da Ré M (…)) que, também elas efetuaram várias diligências que possibilitaram a regularização dos prédios nos termos pretendidos pelos réus.
Por outro lado, haverá que ter em consideração que os réus já pagaram ao autor as despesas por este suportadas (alínea A).80, dos factos provados), pelo que, ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 479º CC, sempre tal valor – que desconhecemos – deveria ser descontado ao custo a atribuir ao trabalho do autor.
Assim sendo, embora se entenda que, em princípio nada obsta a que a medida da restituição, consistindo numa obrigação de “indemnização em valor[17], seja calculada por recurso à equidade, ao abrigo do nº3 do artigo 566º do CC[18], necessário se tornaria que verificassem os requisitos gerais para se proceder à sua fixação segundo a equidade.
Com efeito, a referida norma ao dispor que “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver provados”, estabelece como pressuposto da fixação equitativa da indemnização é a existência de “limites quantitativos provados”.
Como se refere no Acórdão do STJ de 28.10.2010, “a previsão contida no referido preceito legal supõe, na verdade, o preenchimento de duas condições ou requisitos: não estar determinado apenas o “valor exato” do dano, mas terem sido provados limites, máximo e mínimo, para esse dano – que não podem considerar-se verificadas quando, no momento do julgamento, ocorre uma essencial definição acerca do valor real do dano material sofrido, pressupondo a formulação do juízo complementar de equidade uma base fatual minimamente sólida e consistente sobre os valores indemnizatórios em causa (…)[19]”.
Ora, no caso em apreço, e uma vez que elementos factuais existentes apenas nos permitem a fixação de um limite máximo – 40.000,00 €, inviabilizado fica o arbitramento da obrigação de restituir com recurso à equidade, sob pena de cairmos na arbitrariedade.
E a “redução para metade” de tal valor, a que se chegou na sentença recorrida e a argumentação aí dada – “tendo em vista um igual concurso das partes no que respeita à aceitação da condição que determinou a inexigibilidade do pagamento daquela quantia” – não só explicam a opção por esse montante e não por outro, como o fundamento não se adequa aos critérios que devem presidir à fixação da restituição: pelo valor (ou custo) de mercado dos serviços em causa, deduzidos das despesas efetuadas pelo autor para tal efeito e que já foram pagas pelos réus.
Assim sendo, haverá que relegar o apuramento da medida da restituição, para incidente de liquidação, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 609º, nº2 e nº2, do art. 358º, ambos do CPC.
IV – DECISÃO
 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar:
a) improcedente a apelação da Ré M (…);
b) parcialmente procedente as apelações dos restantes Réus e a apelação do autor e, alterando-se a decisão recorrida, vão os réus condenados a restituírem ao autor o valor dos serviços por este prestados com vista à separação dos prédios que constituem a Quinta K..., até ao limite máximo de 40.000,00 €, e nele deduzindo os valores por si já pagos ao autor a título de despesas, em montante a liquidar em incidente de liquidação nos termos do nº2 do artigo 358º, do CC.
Custas a suportar pela Ré M (…), quanto à apelação por si interposta, sendo as custas dos demais recursos e da ação a suportar por autor e réus, de acordo com o respetivo decaimento, apurado a final.

Coimbra, 20 de outubro de 2015

Maria João Areias ( Relatora )
Fernanda Ventura
Fernando Monteiro


[1] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o artigo 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[2] Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 127.
[3] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 6ª ed., pág. 451.
[4] Moitinho de Almeida, “Enriquecimento sem causa”, Almedina, pág. 62.
[5] Neste sentido, Diogo Leite Campos, “Enriquecimento sem causa e responsabilidade civil”, disponível in http://www.estig.ibeja.pt.. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial  tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa; ou ainda, com vista a abranger todas as situações de enriquecimento injusto, poderá dizer-se que a falta de causa justificativa se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento – Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 456.
[6] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 456.
[7] O que nos remete para a “natureza subsidiária” do enriquecimento sem causa consagrada no artigo 474º do Código Civil, segundo a qual o recurso à ação de enriquecimento ficará necessariamente excluído nos seguintes casos: a) se o credor se puder socorrer de uma ação de cumprimento do contrato, porque, então, não haverá enriquecimento (ex., se alguém vender e entregar uma coisa a outrem o accipens não enriquece com a receção da coisa, pois fica a dever o preço e, ainda que não o pague, não há enriquecimento, dado continuar a dever o preço; b) se a lei regular de modo diferente e exclusivo o conflito de interesses, uma vez que a ação de enriquecimento não pode servir para defraudar as disposições especiais da lei. O acima exposto vai, contudo, ao encontro da doutrina maioritária no sentido de que a subsidiariedade da pretensão de enriquecimento sem causa se pode considerar, em grande parte como requisito inútil e prejudicial, porquanto o afastamento pela ideia de subsidiariedade já seria alcançado, na maior parte dos casos, pela ausência de um dos seus pressupostos (o enriquecimento de alguém, o empobrecimento de outrem, o nexo de casualidade entre um e outro, a falta de causa justificativa) – cfr., Adriano Vaz Serra, RLJ Ano 102, pág. 374, Luís Teles de Menezes Leitão, “O Enriquecimento sem causa no Direito Civil”, Coleção Teses, Almedina, pág. 914, e Pereira Coelho, “Um problema de enriquecimento sem causa”, in RDES 17 (1970), pág. 353.
[8] Tal autor dá precisamente como exemplos de injusto enriquecimento, o que sucede nos contratos bilaterais, em que uma das prestações já tenha sido efetuada, quando a outra se tornou impossível (art. 795º, nº1), ou com as doações para casamento (arts. 1753º e ss.), quando o casamento não se realizou, foi declarado nulo ou anulado (art. 1760º, nº1, al. a) – Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina 6ª ed., pág. 445.
[9] “Das Obrigações Em Geral”, pág. 452. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, se o enriquecimento provier de uma prestação, a sua causa é a relação jurídica que a prestação visa satisfazer; se A entrega a B uma certa quantia para cumprimento de uma obrigação e esta não existe – ou porque nunca foi constituída, ou porque já se extinguiu ou porque é inválido o negócio em que assenta – deve entender-se que a prestação carece de causa – Código Civil Anotado, I Vol., 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 455.
[10] Cfr. a tal respeito, Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, II Direito das Obrigações, Tomo III, 2010, pág. 209.
[11] “Direito das Obrigações”, Vol. I, 8ª ed., Almedina, pág. 423.
[12] Não só tal valorização não é expressamente alegada pelo autor na PI, como o relatório pericial é perentório em afirmar que “não houve uma valorização da Quinta K... em termos de preço de mercado, porque em seu entender, a propriedade vale o mesmo parcelada ou como um todo”, afirmação aí repetida por diversas vezes.
[13] Antunes Varela chama atenção para o facto de que mandando apenas restituir o valor (correspondente) da coisa, o artigo 479º onera intencionalmente o enriquecido com um dever menos pesado do que o responsável pelo dano, visto este ter de indemnizar o lesado não apenas pelo valor da coisa (dano emergente), mas também pelo lucro que ela proporcionaria ao seu titular (lucro cessante). Ainda segundo aquele autor, a obrigação de restituir a que se referem os artigos 473º e ss., não visa reparar o dano do lesado – esse é o fim próprio da responsabilidade civil – mas suprimir ou eliminar o enriquecimento à custa de outrem – Das Obrigações Em Geral”, Vol. I, pág. 481, nota (6), e págs. 485 e 486.
[14] O limite resultante do empobrecimento do lesado implicará que, se as benfeitorias realizadas pelo possuidor tiverem valorizado a coisa em 10, mas tiverem custado apenas 8, será este valor de 8, e não o do enriquecimento obtido pelo proprietário (10), que define o montante da restituição – neste sentido, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pág. 484.
[15] “Enriquecimento sem causa”, BMJ nº 82 (continuação do nº 81), pág. 190.
[16] “Direito das Obrigações” Vol. I, 8ª ed., Almedina, pág. 468, e “Enriquecimento sem causa no Direito Civil”, pág. 879. Segundo tal autor, a prestação de restituição do artigo 479º concede primazia à restituição em espécie do bem, que deverá ser restituído ao empobrecido.
[17] A obrigação de restituição resultante do enriquecimento sem causa, embora distinta da obrigação de indemnizar, envolve um dever de reparar mediante uma compensação adequada o dano sofrido por outrem: em ambos os casos se encontra em causa a reparação de um dano (e a sua avaliação), embora os pressupostos e a medida da reparação não coincidam com os da responsabilidade civil – enquanto na indemnização a extensão tende a ser igual à do dano, na restituição a reparação do dano tem como limite o benefício obtido pelo responsável.
[18] Cfr. Acórdão do STJ de 03-10-2013, relatado por Fernando Bento, que apreciou uma situação de enriquecimento sem causa em que a medida da restituição fora encontrada com recurso à equidade.
[19] Acórdão relatado por Lopes do Rego, disponível in www.dgsi.pt.