Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL TRIBUNAL DO TRABALHO DOENÇA PROFISSIONAL RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
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Data do Acordão: | 12/16/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J1 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 64, 65 CPC, ARTS. 40, 117, 126 DA LEI Nº 62/2013 DE 26/8 | ||
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Sumário: | 1. Em caso de doença profissional, preenchidos que se mostrem os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, não está vedada ao trabalhador a possibilidade de se ver ressarcido nos termos gerais, designadamente quanto aos danos não cobertos pela Lei dos Acidentes de Trabalho. 2. Contudo, quer fundamente o seu pedido de indemnização na responsabilidade objetiva, quer na culpa por violação das regras de segurança e saúde, as questões relacionadas com a obrigação do empregador de reparação dos danos ocasionados ao trabalhador na sequência de uma doença profissional, são da competência do tribunal de trabalho. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO D (…) intenta a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra R (…) S.A., pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 75.101,40, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respetivos juros de mora, desde a citação. Alegando para tal e em síntese: a autora trabalhou na fábrica de que a Ré é proprietária, desde 1995, sob as suas ordens, direção e fiscalização, mediante retribuição, na categoria de “acabadora de 1ª”; em finais de 2006, a autora começou a trabalhar com uma máquina polidora, tendo então sido colocada numa cabine, fechada dos lados, com o extrator para sugar a poeira libertada pela polição; o extrator nunca funcionou devidamente, sendo que ninguém conseguia ver a autora no meio de tanta poeira; não era feita a verificação periódica exigida por lei, sendo que, só quando deixava de funcionar é que chamavam o eletricista; quando havia visitas inspetivas da ACT, o Engenheiro mandava não utilizarem a máquina polidora e fazerem o polimento como antigamente; apesar de a autora usar a máscara que para tal lhe fora fornecida pela Ré, nunca explicaram exatamente o tipo de pó que libertado ao polir as peças, nem os riscos, concretos, da inalação para a saúde, não cumprindo o especial dever de informação relativamente aos riscos para a segurança e saúde, acolhido nos ns. 6 e 9, do art. 15º do RJSST; em inícios de 2007, pelo médico da empresa foi-lhe comunicada a existência de uma mancha nos pulmões; entretanto, A. e Ré cessaram o contrato de trabalho por mútuo acordo, em 31 de dezembro de 2008; a longa exposição direta às poeiras custou à autora uma pneumoconiose por silicatos que, embora só se tenha manifestado desde inícios de 2007, só veio a ser identificada como doença profissional a 16 de março de 2012, agravando-se em 2014; a autora não consegue respirar e se a doença se agravar terá de se sujeitar a um transplante dos pulmões, peticionando uma compensação por tal dano no valor de 30.000,00 €; teve gastos de saúde, em medicamentos e em exames, no valor de 1.000,00 €; a Autora não consegue trabalho em virtude da sua saúde, pelo que, deve a ré reparar a redução da sua capacidade laborativa sofrida, efetuando o pagamento de uma pensão mensal nunca inferior a 30% até que a autora complete 65 anos de idade; cabe ao empregador respeitar os arts. 281º e 282º do CT, a fim de assegurar aos trabalhadores condições laborais idóneas por forma a combater na sua origem o risco de acidentes de trabalho e doenças profissionais que sejam previsíveis face aos locais de trabalho e aos processos de trabalho adotados e a fim de reduzir ou excluir os seus efeitos negativos; foi esta violação de regras de higiene que esteve diretamente ligada com a verificação da doença, a qual causou danos na demandante que pretende ver ressarcidos; integrando tais actos uma omissão ilícita e negligente dos representantes da recorrida, causal da doença decorrente daquela execução, fundamenta o seu pedido de indemnização por danos patrimoniais e de compensação por danos não patrimoniais na responsabilidade civil extracontratual. A Ré contesta, invocando, desde logo, a incompetência material do tribunal, com a alegação de que a competência para apreciação do presente litígio pertence ao tribunal de trabalho, ao abrigo do disposto no artigo 85º, al. c), da Li nº 3/99 de 13 de janeiro. Pelo juiz a quo proferido despacho a julgar procedente a invocada exceção de incompetência material, “do presente Tribunal Judicial da Comarca de Leiria para preparar, tramitar, julgar, e decidir a presente ação, instaurada pela autora D (…) contra a ré R (…) – Cerâmica e Comércio, S.A., e consequentemente absolver a ré R (…) – Cerâmica e Comércio, S.A., da instância deduzida pela autora Dina Maria Moreira Martins na presente ação, tudo nos termos dos artigos 66.º, 101.º, 102.º/1, 105.º/1, 288.º/1/a), 493.º/2/1.ª parte, 494.º/a), e 510.º/1/a) do Código de Processo Civil, e demais normas legais, doutrina e jurisprudência supra referidas, sem prejuízo do disposto no art. 99.º, n.º 2, do NCPC, caso os autores assim o requeiram.” Não se conformando com tal despacho, a autora dele interpôs recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões: • Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho Saneador/Douta Sentença que julgou integralmente procedente a exceção dilatória típica deduzida e/ou oficiosamente suscitada de incompetência absoluta em razão da matéria do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria e, consequentemente, absolveu a R. da instância. • Entende, porém, a apelante, não ter razão a Mm.ª Juiz a quo, que violou o disposto nos arts. arts. 40º, 117º e 126º, al. c) a contrario da L 62/2013, de 26/08 e 64º e 65º do NCPC. • A lei prescreve competir aos tribunais do trabalho, designadamente, conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de acidentes de trabalho e de doença profissional. • Porém, se, por um lado a A. invoca na p.i. factos integrantes de um contrato de trabalho e refere-se à doença que resultou, no exercício da sua atividade profissional, por outro lado, em relação a ela, propriamente dita, nada pede em juízo. • Não é, por isso, aplicável na espécie o que aí se prescreve. • A sua solução há de depender da interpretação objetiva do sentido das afirmações produzidas pela A. relativas aos factos, ao direito e ao pedido insertos na petição inicial. • Ora, a recorrente entende que os factos que articulou integram causa de pedir complexa, mas que não fazem apelo à doença profissional em termos da sua verificação ou consequências, mas, ao invés, a ofensa à sua saúde, justificativa de indemnização no quadro da responsabilidade civil extracontratual. • Tratando-se de responsabilidade extracontratual derivada de factos integrantes do risco, a sua apreciação não se pode inscrever nos tribunais do trabalho. • Os tribunais do trabalho conhecem, em regra, da matéria das doenças profissionais nos casos em que os doentes discordem da decisão do Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais, a quem compete a avaliação, a graduação e reparação respetivas. • No entanto, o respetivo regime especial não prejudica a responsabilidade por danos morais nos termos da lei geral, nem a responsabilidade criminal em que a entidade empregadora ou o seu representante, tenha incorrido (artigos 1º, nº 2, e 18º, nºs 1, 2 e 4, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro). • A causa de pedir que a A. formulou na ação abrange o desenvolvimento ou a execução de uma relação jurídica laboral e a doença alegada por ela dita resultante dessa execução. • Todavia, a A. articulou factos integrantes da omissão ilícita e negligente dos representantes da recorrida causal da doença decorrente daquela execução. • É, com efeito, com base nesse circunstancialismo de facto, que qualifica de responsabilidade civil extracontratual, que a recorrente formula o pedido de indemnização por danos patrimoniais e de compensação por danos não patrimoniais. • A causa de pedir relevante envolve, assim, uma situação de responsabilidade civil extracontratual. • A competência para a referida ação inscreve-se, por isso, no caso nos órgãos jurisdicionais de competência cível, pelo que inexiste fundamento legal para a absolvição dos recorridos da instância. • É este, também, o entendimento da maioria da Doutrina e da Jurisprudência, que defende que (…) A Douta Sentença violou, assim, as normas citadas nestas alegações, devendo ser revogada, considerando-se competente o tribunal cível onde foi interposta a ação. * Pela Ré foram apresentadas contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso. Dispensados que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só: 1. (In)Competência material do tribunal. III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Competência material para julgar a presente ação: tribunais comuns ou tribunal de trabalho. * São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, cabendo às leis de organização judiciária, a determinação de quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais e das secções dotados de competência especializada – artigos 64º e 65º do NCPC e 40º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de agosto).Tendo a presente ação sido interposta na secção cível da instância central de Leiria, discute-se na presente ação se o litígio deverá ser submetido aos “tribunais comuns” ou à secção especializada de trabalho. Sendo a competência, que às seções cíveis da instância central, é conferida pelo nº1 do artigo 117º, da LOSJ, determinada pela forma de processo e pelo valor[1], a sua concreta competência em razão da matéria, determina-se por exclusão, tratando-se de uma competência residual, apenas lhes cabendo a preparação e julgamento das causas que não estiverem conferidas a outras secções especializadas (verdadeiramente especializadas) ou a tribunais de competência alargada. A competência dos tribunais comuns constitui a regra e a competência dos tribunais especiais constitui a exceção. De harmonia com o disposto no artigo 126º da LOSJ, compete às secções de trabalho conhecer, em matéria cível (…), “c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais (...). A reparação dos danos resultantes das doenças profissionais, ao contrário do que sucede com os acidentes de trabalho está a cargo de uma entidade pública ligada à Segurança Social, o Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais – artigo 96º da Lei nº 98/2009, de 04 de setembro[2] (LAT). O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, nos termos da referida lei (artigo 2º). Segundo o artigo 96º, da LAT, “a avaliação, graduação e reparação das doenças profissionais diagnosticadas é da exclusiva responsabilidade do serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais”. O trabalhador vitima de acidente de trabalho ou doença profissional tem direito a uma compensação pela perda da capacidade reprodutiva daí decorrente, em conformidade com os critérios estabelecidos na LTA, suportada pelo empregador, embora, em princípio, através de esquemas de seguro privado, no caso de acidente de trabalho, e, no que toca às doenças profissionais, através do sistema público da Segurança Social. Consagrando a LAT a responsabilidade civil objetiva do empregador[3], tal responsabilidade encontra-se limitada não só pelo conceito de doença profissional aí adotado, mas ainda quanto aos danos ressarcíveis[4] e ao modo do respetivo cálculo. Obedecendo a fixação do respetivo montante às tabelas e critérios matemáticos aí previstos, o trabalhador, caso discorde da decisão do Centro Nacional de Proteção contra os riscos profissionais, deverá instaurar a ação especial prevista no artigo 155º do Código do Processo de Trabalho. Contudo, nos casos em que a doença profissional resulte da falta de observação, por parte do empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a própria LAT remete para o regime geral responsabilidade civil, caso em que “a responsabilidade individual ou solidaria abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares nos termos gerais” (nº1 do artigo 18º, aplicável às doenças profissionais, por força do nº2 do artigo 1º)[5]. Deste modo, estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, não está vedado ao trabalhador a possibilidade de se ver ressarcido nos termos gerais, designadamente quanto aos danos não cobertos pela Lei dos Acidentes de Trabalho (por ex. lucros cessantes)[6]. Também Milena Silva Rouxinol defende que, entre nós, o empregador deve ser chamado a responder, nos termos gerais da responsabilidade civil, sempre que seja ele a dar causa, por inobservância da respetiva obrigação de segurança e saúde, ao acidente de trabalho ou doença profissional[7]. No caso em apreço, a autora faz assentar o seu pedido de indemnização relativo aos danos para si decorrentes de doença profissional por si contraída enquanto trabalhadora da Ré, na inobservância de regras de segurança previstas nos arts. 281º e 282º, do Código do Trabalho, por parte da ré, sua entidade patronal, ou dos seus representantes. Encontramo-nos claramente no âmbito da responsabilidade civil subjetiva, baseada na violação de normas legais que lhe impunham o dever de proporcionar ao trabalhador boas condições de trabalho, em termos de segurança, higiene e saúde. De qualquer modo, quer o trabalhador fundamente o seu pedido de indemnização na responsabilidade objetiva – circunscrevendo a sua pretensão aos danos respeitantes ao restabelecimento do estado de saúde e à indemnização por redução da incapacidade de trabalho, tal como se encontram expressamente previstos na LAT, a suportar pelo CNPR –, quer com base na culpa por violação das regras de segurança e saúde – ao abrigo do artigo 18º da LAT, abrangendo também os danos não patrimoniais, bem como os demais danos patrimoniais não previstos na LAT, a suportar diretamente pela entidade patronal –, as questões relacionadas com a obrigação do empregador de reparação dos danos ocasionados ao trabalhador na sequência de uma doença profissional, são da competência do tribunal de trabalho. É a este que incumbirá, nomeadamente, a determinação sobre a qualificação da doença sofrida como sendo uma “doença profissional” (em conformidade a avaliação efetuada pelo Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais, caso a autora se tenha conformado com a mesma) e ainda se houve, ou não, violação de alguma das regras respeitantes à segurança e saúde no trabalho. Como a tal respeito se pronunciou o Acórdão do STJ de 05.06.2002[8], a competência material dos tribunais de trabalho para julgar este litígio derivará da atribuição de competência para conhecer das questões “emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais”, sem distinguir o fundamento da responsabilidade acionada (objetiva ou subjetiva) ou a qualidade dos demandados: “a intervenção dos tribunais de trabalho justifica-se plenamente em razão da sua especialização, pois a apreciação da procedência da pretensão deduzida não deriva apenas da verificação dos requisitos genéricos da responsabilidade civil, mas também – e decisivamente – do apuramento do respeito, pela ré, das normas aplicáveis em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, questão para a qual os tribunais de trabalho estarão mais vocacionados do que os tribunais cíveis”[9]. Será assim de confirmar o juízo de incompetência proferida pela 1ª instância, com a consequente improcedência da apelação. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas a suportar pela Apelante.
Coimbra, 16 de dezembro de 2015
Maria João Areias ( Relatora) Fernanda Ventura Fernando Monteiro
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