Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00557/12.3BEVIS |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 05/29/2025 |
| Tribunal: | TAF de Viseu |
| Relator: | CARLOS DE CASTRO FERNANDES |
| Descritores: | IRS; MAIS VALIAS; CLÁUSULA GERAL ANTI-ABUSO; TRANSFORMAÇÃO DE SOCIEDADE; JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM RECURSO; |
| Sumário: | I – Em sede de recurso, é possível as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objetiva (documento formado depois de ter sido proferida a decisão) ou subjetiva (documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido). II - A transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima ainda que tivesse sido motivada exclusivamente por finalidades fiscais, não é condenável face ao ordenamento jurídico tributário então vigente, na medida em foi o próprio legislador que optou por tributar as mais-valias resultantes da alienação das quotas e não tributar as mais-valias resultantes da alienação das ações.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – A Representação da Fazenda Pública – RFP (Recorrente) veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual se considerou procedente a impugnação intentada por «AA» e «BB» (Recorridos), direcionada contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2008. No presente recurso, a Apelante formula as seguintes conclusões: a) Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que decidiu pela anulação da liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2008, que teve origem no procedimento de aplicação da cláusula geral anti abuso prevista no art.º 63º do CPPT e art.º 38º, nº. 2 da LGT, pelo que, importa averiguar se a AT demonstrou o preenchimento dos pressupostos de que depende a sua aplicação; b) Está em causa um conjunto de negócios jurídicos referentes à operação de venda de ações e a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima com o necessário aumento de capital da primeira para atingir o capital mínimo exigido para a constituição de uma sociedade anónima; c) Entendeu o decisor inverificado o “meio artificioso”, julgando procedente o vício de violação de lei decorrente da não comprovação de atos artificiosos com relação à aplicação da CGAA, do que discorda a AT; d) Para suportar a sua decisão, o Julgador citou Jurisprudência dos Tribunais Superiores, Jurisprudência que a Fazenda Pública não desconhece, contudo, salvo melhor entendimento, a situação dos presentes autos tem contornos específicos que não se podem descurar e que divergem das situações de facto subjacentes às decisões Jurisprudenciais do TCA Norte e TCA Sul citadas e que importa aqui esclarecer; e) Defende a Autoridade Tributária que estão verificados, no caso em concreto, os pressupostos necessários para aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso, sendo que, nem todos os elementos de prova carreados para os autos foram devidamente valorados pelo julgador; f) Defende o Julgador que não ocorreu o vício de violação de lei porque o legislador criou e incentivou a prática da transformação da sociedade por quotas em anónima, inexistindo nessa transformação, no antecedente aumento de capital e, na posterior alienação de ações, atos artificiosos ou fraudulentos; g) Contudo, não questionando que assim seja, o relatório de inspeção dá conta de matéria de facto demonstrativa da verdadeira motivação ínsita no uso dos mecanismos legais antes descritos e dos objetivos a atingir dessa forma, o que não foi tido em conta na douta sentença; h) Na verdade, importa realçar o contexto em que os referidos negócios foram feitos, sendo que, conforme referido no relatório de inspeção, o contrato promessa no qual é manifestada a intenção de transformar a sociedade por quotas em anónima é datado de 06.01.2008; i) No entanto, o Pacto Social e Ata relativos à transformação da sociedade por quotas em anónima foram apresentados a registo na Conservatória do Registo Comercial competente em 20 e 30 de dezembro de 2007, respetivamente; j) Ora, a cronologia dos acontecimentos é ilógica, pois que, primeiro as partes celebraram a Ata onde ficou definida a transformação da sociedade e posteriormente formalizaram um contrato promessa com a intenção de realizar essa transformação, o que não faz sentido; k) Depois, atente-se que, do texto do contrato promessa celebrado em 06.01.2008 a designação conferida à sociedade “[SCom01...]” foi “[SCom01...] LDA” (designação atribuída às sociedades por quotas), mas o Pacto de Alteração para sociedade anónima tem data anterior; l) Por outro lado, vamos de seguida identificar um conjunto de factos que constam relatados no relatório de inspeção (a fls. 9, ponto D) e que deviam ter sido levados pelo Julgador ao probatório, a título de factos provados, o que não sucedeu e acarretou, no caso dos autos, um erro de julgamento; m) De facto, conforme consta do relatório de inspeção (fls. 9, ponto D), foi feita uma participação por parte de “«CC»”, sócio fundador da “[SCom01...]”, que dirigiu ao Sr. Procurador Adjunto do Tribunal Judicial de ... (cfr. documento 1 que se junta); n) Sendo que, entregou a referida participação no mesmo Tribunal em 14.03.2008 tendo afirmado taxativamente “O Sr. «AA» exigiu que a minha sociedade passasse de limitada para sociedade anónima, uma vez que desta forma não pagaria impostos …”; o) Consta ainda do relatório inspetivo (fls. 9, ponto D) que na participação que o identificado Sr. “«CC»” dirigiu ao sr. Chefe do serviço de finanças de ... entregue em 21.11.2008, o mesmo afirmou “… A minha firma era [SCom01...], Lda, mas o dito senhor («AA»), ensinado e sempre aconselhado pelo seu representante, chantagearam-me, coagiram-me, para que eu passasse a firma para [SCom01...], SA. Prometeram-me, dizendo muito abertamente, que a mudança era só para o Sr. «AA» não pagar impostos sobre os 350.000,00 euros que ia receber e que logo a seguir, passados 6 meses, se eu o desejasse, me passariam a firma novamente para [SCom01...], Lda …” (vide doc. 2 que se junta); p) Acresce que, mais consta do relatório (fls. 9, ponto D), que as declarações voluntárias prestadas em 06.07.2011 na Direção de Finanças ... por “«CC»”, na qualidade de administrador da [SCom01...] SA, onde reafirmou “… A transformação da sociedade [SCom01...] em sociedade anónima foi realizada sob coacção do Sr. «AA». Este pretendia com a transformação da sociedade, evitar o pagamento de impostos, que seriam devidos pela mais-valia, decorrente da venda das quotas da [SCom01...]…” (ver doc. 3 que agora se junta); q) Ao não serem considerados nos factos provados, as circunstâncias de facto que contextualizam a aplicação da cláusula geral anti abuso em causa nos autos anteriormente descritas, a decisão judicial padece de erro de julgamento; r) Porquanto, não relevou nem trouxe para o probatório os factos relatados no relatório de inspeção a fls. 9 (ponto D), sendo que, os mesmos são cruciais na apreciação da motivação subjacente aos negócios jurídicos que constam dos autos; s) Os elementos de prova antes descritos demonstram e comprovam de forma cabal o objetivo único e exclusivo do impugnante ao celebrar os negócios subjacentes aos presentes autos, precisamente a motivação de evitação fiscal nos negócios celebrados (o que consubstancia os elementos intelectual e normativo da cláusula geral anti abuso prevista nos at.º 38º, nº. 2 da LGT); t) Ou seja, houve uma omissão na decisão judicial de tais factos relevantes, sendo que não justificou o decisor as razões da sua desconsideração enquanto prova de facto, ignorando, sem mais, a prova que consta dos autos carreada pela Autoridade Tributária; u) Assim, o facto de a sentença recorrida não ter considerado toda a factualidade alegada pela Autoridade Tributária no relatório de inspeção e atendido a todos os elementos probatórios constantes dos autos tendentes a demonstrar essa factualidade (legalidade da aplicação da cláusula geral anti abuso), constitui erro de julgamento; v) Em suma, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por omissão por parte do Julgador de matéria de facto relevante que consta dos autos, suscetível de influenciar a decisão da causa e que não foi tida em conta na decisão judicial. Termina a Recorrente pedindo que seja julgado procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente o vício apontado à liquidação aqui em causa. Os Recorridos contra-alegaram, concluindo que: A - A Jurisprudência tem sido praticamente unânime a decidir a factualidade sub judice, no sentido da não aplicabilidade da cláusula geral antiabuso; B - O recurso apresentado pela AT não é apto a alterar a factualidade dada como provada; C - Pelo que não poderão ser considerados artifícios os actos de transformação da sociedade [SCom01...] de sociedade por quotas em sociedade anónima; D - Forma que, de resto, tal sociedade manteve ao longo de vários anos; Subsidiariamente, prevenindo a hipótese deste tribunal conceder provimento ao recurso interposto pela AT, quando à verificação do elemento intelectual, o que não se aceita mas por mera cautela de patrocínio se hipotisa, requer-se a ampliação do âmbito do recurso nos seguintes termos: E - Os impugnantes entendem que o Tribunal ad quem deverá ainda considerar não verificado o elemento normativo de que depende a aplicação da cláusula geral antiabuso; F - Por ser intenção expressa do legislador não tributar a venda de tais participações sociais, promovendo/potenciando, dessa forma, tais transmissões * Os autos foram com vista ao digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal (cf. fls. 225 dos autos – paginação do SITAF). * Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento. -/- II - Matéria de facto provada indicada em 1.ª instância: A) Em 18/06/1993 foi constituída a sociedade comercial por quotas [SCom01...], Lda., com duas quotas tituladas por «CC» e cônjuge «DD» com o capital inicial de € 1 995,19 tendo, em 11/12/2001 aumentado o capital social para € 5 000,00. Em 28/03/2003 a sócia «DD» cede a totalidade da sua quota no montante de €2 250,00 a «AA» e o sócio «CC» divide a sua em duas das quais cede a este uma no montante de € 250,00 ficando ambos os sócios com duas quotas iguais de € 2 500,00 cada. Em 26/01/2007 procederam a um aumento de capital para € 25 000,00, vide fls. 6 do relatório de inspeção constante de fls. 22 do processo administrativo (PA), factualidade que as Partes não questionaram; B) No dia 22 de Dezembro de 2007 reuniu-se a Assembleia Geral extraordinária da sociedade [SCom01...], Lda. tendo-se, deliberado por unanimidade: - a participação no capital de dois novos sócios, um deles a Impugnante «BB», cada um com 100€; - o aumento de capital social no valor de 25 200€, em dinheiro, no montante total de 200€ pela já referida participação de dois novos sócios e por incorporação de reservas no montante de 25 000€, dos três sócios sendo 12 500€ do sócio «AA» o ora impugnante; - a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima passando a adotar a designação de “[SCom01...], S.A.”, entre outras deliberações, cfr. a Acta n. 23 cuja cópia constituiu o doc. n.º 2 que instruiu a petição inicial (PI); C) Entre os sócios da [SCom01...], Lda. foi celebrado, em 06-01-2008, CONTRATO DE PROMESSA DE AUMENTO DE CAPITAL SOCIAL, TRANSFORMAÇÃO DE SOCIEDADE E VENDA DE ACÇÕES onde se clausulou em conformidade com a Acta referida em A) e mais se clausulou: “Uma vez consolidada a transformação da sociedade em sociedade anónima, os acionistas «AA» e esposa «EE», prometem vender aos demais acionistas… a totalidade das acções… 1º O preço de venda das acções … é de trezentos e cinquenta mil euros, ao qual acresce ainda o veículo Nissan ... com a matrícula ..-DC-..… sendo imputados cem euros à promitente vendedora «BB» e o restante ao promitente vendedor, «AA».”, vide cópia do referido contrato constante de fls. 37 a 40 do PA; D) A promessa vinda de referir foi cumprida através do respetivo contrato de compra e venda de ações, em 17 de fevereiro de 2008, cfr. cópia do referido contrato constante de fls. 41 e 42 do PA; E) “A aplicação da cláusula geral antiabuso foi autorizada por despacho do Exmo. Senhor. Diretor Geral, despacho proferido a 2012-02-10, em informação elaborada pela Direção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspeção Tributária”, que elencando, no essencial os fatos referidos em A) a D), concluiu pela verificação dos pressupostos da aplicação da cláusula anti abuso solicitando autorização para a aplicação da referida cláusula prevista no artigo 38º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, vide fls. 5 e 6 do relatório de inspeção constante de fls. 21 e 22 do PA; F) Em cumprimento da autorização foi realizada inspeção na qual se propôs, para os Impugnantes, um acréscimo de imposto em sede de IRS no montante de € 37 824,30; proposta acolhida superiormente e comunicada àqueles para querendo exercerem o direito de audição. Verificando-se o silêncio, converteu-se em decisão definitiva comunicada aos Impugnantes através do ofício ...16 de 30-03-2012, cfr. fls. 15 a 30 do PA; G) Acréscimo que veio a dar origem à liquidação impugnada n.º ...88 referente ao ano de 2008, a qual considerando estorno, acerto e juros veio a determinar o saldo a pagar de € 42 183.02, com data limite de pagamento em 29-08-2012, vide doc. n.º 1 que instruiu a PI; H) Os Impugnantes, não se conformando com o liquidado e seus fundamentos apresentaram, em 05-08-2012, a PI que deu origem aos presentes autos, vide primeira folha da PI e comprovativo de entrega de documento. * Considerou-se ainda, na sentença apelada que: «III II Factos não provados Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.» * Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que: «A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo apenso aos autos, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.» * Por se tratar de factos constantes de prova documental não infirmada pelas partes e constantes dos autos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 640.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT, adita-se a seguinte matéria de facto: F1 – No âmbito da inspeção referida na alínea «F» foi produzido o respetivo relatório do qual se extrai que: “[…] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] […]”, cfr. doc. a fls. 15 a 30 do PA -/- III – Questões a decidir. No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões suscitadas pela Apelante, nomeadamente quanto aos alegados erros de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida. -/- IV – Da apreciação do presente recurso. Constitui objeto dos presentes recursos a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em sede de processo de impugnação, pela qual se concedeu provimento ao processo de impugnação que os Recorridos intentaram contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2005, assim como contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que sobre a mesma incidiu. A liquidação adicional acima referenciada, teve por fundamentos as conclusões de uma ação inspetiva promovida pelos serviços da AT, pela qual se concluiu, nomeadamente, que os Recorrentes teriam obtido uma vantagem fiscal indevida aquando da transformação de uma sociedade e da qual lhe advieram pela alineação das partes sociais da mesma. Cumpre apreciar e decidir. IV.1 – Da junção de documentos com o presente recurso. A ora Apelante veio juntar ao presente recurso, dois documentos constituídos pelos anexos 12 e 13 do relatório de inspeção. Porém, estando em causa documentos emitidos ou coligidos pela Apelante aquando da realização da inspeção que está na origem do relatório inspetivo aqui em causa e que fundamenta a liquidação de IRS aqui impugnada, que deveriam constar do respetivo PA, não se vislumbra como os mesmos possam ser considerados objetiva ou subjetivamente supervenientes e, como tal, ser admissível a sua junção à luz do disposto no artigo 680.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT. Com efeito, como se refere no acórdão do TCAS, de 23.04.2020, proferido no processo n.º 154/17.7BEBJA (in www.dgsi.pt): “[…] O Recorrente juntou com as alegações dois documentos, pelo que previamente à apreciação das questões suscitadas haverá que apreciar da possibilidade de junção de documentos com as alegações do recurso. O recurso não é normalmente o meio próprio para juntar documentos aos autos, por a sede própria para a instrução da causa ser o tribunal de primeira instância, revestindo natureza excepcional a admissão de documentos nesta sede, uma vez que a reapreciação das decisões dever ser efectuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento da prolação das mesmas (artigo 627.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Efectivamente, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas e não sobre questões novas, salvaguardando-se sempre as questões de conhecimento oficioso. Da interpretação conjugada do disposto nos artigos 640.º, n.º 1 e 662.º, n.º 1, ambos do CPC resulta que afasta, também, a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento ao fazer recair sobre o recorrente o ónus de, primeiro, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, segundo, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre aqueles pontos de facto. Vejamos agora o regime legal que se aplica à junção de documentos, em sede de recurso. De acordo com o preceituado no artigo 651.º, n.º 1 do CPC as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Nos termos do disposto no artigo 425.º do CPC depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento. Em sede de recurso, é possível as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva (documento formado depois de ter sido proferida a decisão) ou subjectiva (documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido) (vide, entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e segs.). Nas palavras de Antunes Varela. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a lei não abrange, neste último caso, a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser preterida (vide Manual de Processo Civil. 2ª ed., pags. 533 e 534). O advérbio ”apenas”, usado na disposição legal significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância. Assim a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 95). Sobre esta questão pronunciou-se este Tribunal Central Adminsitrativo Sul, em acórdão de 08/05/2019, proferido no processo n.º 838/17.0BELRS, a cujo discurso fundamentador aderimos sem reserva, e do qual se transcreve a seguinte passagem: «(…) A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/3/2011, proc.4593/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/6/2016, proc.8610/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/07/2016, proc.9718/16; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.229 e seg.). No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.nº.4 supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.693-B, do C. P. Civil (cfr.artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1ª. Instância ser proferida. Por outras palavras, a jurisprudência sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos visando a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, mais não podendo servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/6/2016, proc.8610/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/07/2016, proc.9718/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2018, proc.6584/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/02/2019, proc.118/18.3BELRS; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230).» (vide ainda, a título de exemplo, no mesmo sentido Ac. do STJ, de 30/04/2019, processo n.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/). […]” Por isso, indefere-se a junção aqui requerida. IV.2 – Do erro de julgamento de facto. Na visão da Apelante, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, na medida em que não teve em linha de conta o que consta do relatório inspetivo tributário, que fundamentou a liquidação aqui em apreço, sendo, por isso, insuficiente a matéria de facto provada. Ora, considerando que esta instância ao abrigo da prerrogativa ínsita no n.º 1 do art.º 640.º do CPC, aplicável por força da remissão contida no art.º 281.º do CPPT, procedeu ao complemento da matéria de facto constante da sentença recorrida, no sentido agora invocado pela Recorrente, entendemos que se encontra superada a insuficiência factual que aqui foi por aquela invocada. Por isso, torna-se processualmente inútil aferir do invocado erro de julgamento de facto aqui suscitado pela Apelante. IV.3 – Do erro de julgamento de direito. A Recorrente invoca, em suma, que a sentença recorrida errou quando decidiu que não se encontravam verificados os pressupostos para a aplicação da cláusula geral anti abuso prevista no n.º 2 do art.º 38.º da LGT. Assim, na parte que aqui nos interessa, na sentença recorrida afirmou-se que: “[…] Diz-nos o art.º 38., n. 2, da LGT, na redação resultante da Lei 30-G/2000, de 29/12, que "são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, a redução, eliminação ou eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas". A previsão da norma em análise consagra quatro pressupostos da sua aplicação, os quais são: 1. O elemento meio - o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto, com a pratica de certos atos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 2. O elemento resultado - o qual visa a vantagem fiscal como fim da atividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 3. O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos atos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal; 4. Elemento normativo - o qual tem a ver com a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte atua com manifesto abuso das formas jurídicas (art.º 63.º, n.º 2 do CPPT). Na estatuição da norma vamos encontrar o elemento sancionatório que se traduz na ineficácia, no âmbito tributário, dos atos ou negócios jurídicos em causa, os quais passam a ser inoponíveis à A. Fiscal (cfr. J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, pag.169 e seg.; Gustavo Lopes Courinha, A Clausula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pag.165 e seg.). O elemento sancionatório corresponde, por isso, à estatuição da norma em apreciação, dependendo a sua aplicação da verificação cumulativa dos pressupostos consagrados na sua previsão. Importa averiguar se a AT demonstrou o preenchimento dos identificados pressupostos. Os negócios jurídicos em causa referem-se à operação de venda de ações e a antecedente transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima com o necessário aumento de capital da primeira para atingir o capital mínimo exigido para a constituição de uma sociedade anónima. Diz a AT que o conjunto de atos vindos de referir consubstanciou um esquema motivado por razões fiscais, visto ter o legislador fiscal optado, expressamente por tributar a venda das quotas e não tributar a venda das ações. Assim, até à revogação do n.º 2 do art.º 10.º do CIRS, pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, previa a alínea a) da referida norma a exclusão de tributação em IRS das mais-valias derivadas da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses. Este regime de exclusão da tributação desencadeou a transformação de muitas sociedades por quotas em sociedades anónimas, seguindo-se a alienação das participações sociais, geradoras de mais-valias não sujeitas a tributação, o que desencadeou a aplicação pela AT da CGAA, por considerar tal esquema abusivo e fraudulento. Sobre esta problemática, de saber até onde vai o planeamento fiscal legítimo e começa o ilegítimo artifício, v.g. os Acs. do TCA N 01188/11.0BEPRT, 28-09-2017, Pedro Vergueiro e Ac. do TCA S 4255/10, de 15 de Fevereiro de 2011, do Tribunal Central Administrativo-Sul (TCAS). JOSÉ CORREIA. Resumidamente podemos dizer que no primeiro se defendeu a verificação de planeamento fiscal legítimo enquanto no segundo se considerou a verificação do ilegítimo artifício. Não olvidamos que as realidades analisadas nos referidos Acs. são bem diversas, diversidade que justifica a diferente resposta dada à problemática em análise: No segundo caso a eliminação da tributação fiscal decorreu de se usar uma empresa participada, beneficiando de isenção de IRC por desenvolver as suas atividades na Zona Franca da Madeira, para efetuar os empréstimos de capitais a entidades terceiras beneficiando da correspondente receção dos acréscimos patrimoniais enquanto dividendos dedutíveis ao abrigo do artigo 46º do CIRC, em vez dos juros suscetíveis de tributação em sede de lucro tributável da A. nos termos do art.º 20, n.º 1 do CIRC, sendo que a referida empresa participada, a única atividade económica desenvolvida na referida Zona Franca consiste na aplicação das prestações suplementares que a mesma recebe da A. e transfere de seguida para entidades terceiras. No primeiro Ac. a situação fatual afigura-se algo aproximada com a que se verifica nos presentes autos. Regressando à questão: onde acaba o planeamento fiscal legítimo e começa o ilegítimo artifício temos, como ponto de partida, de analisar o que são “meios artificiosos”. Artificioso, numa pesquisa sinonímica significa artificial, fingido, simulado, falso. No caso dos autos, como já se enunciou, numa sociedade por quotas constituída em 1993, no início de 2003 constituiu-se sócio o Impugnante «AA» e é aumentado o capital social para €25 000,00 e aumentado de novo, em 20-12-2007, para € 50 000,00 e a sua transformação em sociedade anónima com a venda, quase imediata, das ações. Dos autos resultam indícios de que, aquando do aumento e transformação referidos, havia já o intuito de venda das ações. A sociedade manteve-se anónima pelo menos até à data da inspeção. Do quadro vindo de enunciar como excluir que a criação da sociedade anónima não teve também razões económicas para os Impugnantes e outros sócios, a par da obtenção de vantagens fiscais? Não olvido que a AT realizou diligências no sentido da ausência de razões económicas. De entre as referidas diligências mencionadas no RI avulta notoriamente um desentendimento entre compradores e vendedores com ações judiciais e participações ao Ministério Público. Resulta também a oscilação dos resultados líquidos nos anos próximos da compra e venda das ações. Mas, independentemente das referidas ações, participações e desentendimento como compreender a transformação em sociedade anónima no final de 2007 e manter-se como tal pelo menos até à inspeção que apenas terminou em 2012. A esta questão respondeu o Ac. referido em primeiro lugar, o do TCA N: IV) Se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais, sendo que a afirmação do interesse público em não tributar as mais-valias não especulativas derivadas da detenção de acções foi, conscientemente, considerado superior ao da arrecadação das receitas que a tributação podia gerar e que esta afirmação foi efectuada já depois da Lei Geral Tributária ter previsto a cláusula geral antiabuso, no seu artigo 38º nº 2. E na conclusão seguinte vai ainda mais longe: V) Não se verifica uma situação enquadrável no nº 2 do art. 38º da LGT, desde logo por não existir um acto que possa considerar-se dirigido essencial ou primacialmente à obtenção de vantagens fiscais (pois ele foi dirigido também à criação de uma sociedade anónima por se pretender que ela funcionasse com as características e potencialidades que lhe são inerentes), mas também por não ter sido utilizado qualquer meio artificioso ou fraudulento para obtenção de vantagens fiscais. O referido Ac., bem como o do TCA S., tiveram seguramente em consideração os ensinamentos do direito comparado e demais ensinamentos constantes da interessante sinopse constante de fls.175 a 183 da Lei Geral Tributária Comentada e anotada de D. L de Campos, B. S. Rodrigues e J. L. de Sousa, 3ª Edição: “No caso Gregory v. Helvering (7.1.1935), o Supremo Tribunal dos Estados Unidos reconheceu o direito do contribuinte de planificar os seus negócios de forma a que os tributos sejam os menores possíveis, não havendo qualquer obrigação (nem um dever patriótico) de escolher o modelo que melhor rendesse ao Tesouro. Contudo, também neste julgamento foi introduzida no Direito norte-americano a regra da intenção negocial, “business proposal”. A escolha só seria permitida entre transacções que tivessem um propósito negocial ou económico. Entre tais possibilidades é legítimo selecionar a mais eficiente do ponto de vista fiscal. Distinguiu-se, pois, entre operações que tivessem um válido objectivo comercial e aquelas que seriam construídas artificialmente com o simples objectivo de iludir a imposição tributária. O contribuinte procurou utilizar uma reorganização societária, para adquirir acções detidas por uma filial integral, obtendo-as desta sem pagar o imposto sobre os dividendos, mas apenas sobre uma eventual mais valia. O contribuinte detinha todas as acções de uma sociedade A (filial integral) a qual, por sua vez, possuía mil acções da sociedade B. O seu objectivo era deter directamente as mil acções da empresa B, pessoalmente, com o custo tributário referente somente à mais valia e não com o ónus acrescido do imposto que seria aplicável na hipótese de distribuição das acções como dividendo da sociedade A. Constituiu uma nova sociedade C com as mil acções de B, ficando o contribuinte titular da totalidade das acções daquela nova empresa C. Esta, por sua vez, foi dissolvida e a sua liquidação realizou-se através da distribuição de todos os seus activos (as mil acções de B) ao contribuinte, que pagou um imposto menor sobre a mais-valia realizada nesta liquidação. Assim, realizou-se o objectivo de aproveitar uma norma prevista na lei sobre reorganização empresarial que permitia a distribuição por uma empresa (no caso A) ao seu acionista (contribuinte) de acções de uma outra sociedade (C) como parte de uma reorganização empresarial, sem incidência de um imposto sobre o ganho ou o lucro obtido. Nas operações de incorporação ou fusão de empresas, as acções das empresas existentes antes destas operações de reorganização societária, são convertidas em acções da nova empresa. E os ganhos eventualmente apurados nesta transacção não são tributados, nem quanto às sociedades existentes anteriormente, nem quanto aos seus accionistas. Há, portanto, um deferimento do imposto para o momento da efectiva realização do ganho nas mãos do accionista. No caso em análise, tinha sido criada uma sociedade verdadeira e válida, mas apenas para transferir as acções detidas pela filial para as mãos do contribuinte. Essa sociedade não fazia parte de uma reorganização, sequer parcial, do grupo, tanto que, atingido o objectivo fiscal, a nova empresa deixou de operar (três dias depois da sua criação). O resultado económico da transacção, contudo, foi o mesmo de uma simples distribuição de dividendos, e a Administração Fiscal tentou tributá-la desta maneira. A Administração Fiscal alegou que a criação da empresa C tinha sido sem substância e devia ser desconsiderada, implicando a distribuição das mil acções de B, uma distribuição de dividendos directa de A para o Contribuinte. A transacção, portanto, sem um conteúdo económico real, visando unicamente reduzir a tributação, estava fora da “intenção clara” do legislador sobre a reorganização societária, e decidir o contrário seria proteger o artifício perante a realidade e privar a disposição legal em questão de todo o objectivo sério. O Supremo Tribunal manteve a sua opinião de que era um direito do contribuinte diminuir os seus impostos ou evitá-los por meios lícitos. Sendo a sua intenção absolutamente irrelevante para alterar o resultado ou tornar ilegal o que a lei permite. “A questão é determinar se o que foi realizado, deixando-se de lado o motivo fiscal subjectivo, estava de acordo com o que a lei pretendia”. Nos casos de evasão fiscal, o que determina a sua licitude (ou não) é a vontade da lei referida à sua finalidade, e não a intenção subjectiva do contribuinte. A conclusão assente na interpretação da lei de que foi intenção do legislador a aplicação dessa lei somente a casos em que houvesse uma transacção com objectivos realmente económicos, e não a pura e exclusiva economia de impostos, acabou por afectar a própria intenção do contribuinte. Assim, podendo legitimamente escolher-se entre diversas opções ou formas jurídicas, todas elas devem ter um conteúdo negocial substancial na perspectiva do legislador. Assim se introduziu a doutrina da prevalência da substância sobre a forma, considerando-se no caso em análise a transacção como um mero artifício formal para mascarar uma reorganização. Daqui para diante, passou a haver o instrumento jurídico necessário para recusar fins fiscais a transacções sem substância económica real, embora amparadas na letra da lei. Umas vezes, através das normas contra transacções simuladas aparentes ou artificiais “sham trasactions”; outras através da doutrina da intenção negocial “business purpose”. A jurisprudência daí para diante, alternou entre estes dois expedientes jurídicos. Foi-se evoluindo, muitas vezes por influência da doutrina, no sentido de que a operação seria criticada sempre que houvesse uma transacção sem intenção negocial, estando presente o objectivo de iludir o imposto, única ou preponderantemente. Nomeadamente, e sobretudo, através da sequência de dois ou mais actos praticados pelo contribuinte, por uma transacção por etapas.” Se bem interpretamos o Ac. do TCAN cujo sumário parcialmente se transcreveu e transpondo-o para o caso em análise como excluir o interesse dos Impugnantes/ou dos adquirentes na criação da sociedade anónima em vez da sociedade por quotas. Como já se deixou referido aquela manteve-se vários anos. Algum interesse haveria, pois, se assim não fosse o regresso à anterior tipologia teria ocorrido mais cedo. Estamos em zonas de fronteira onde o labor da AT é, reconheçamos, difícil no sentido de apurar se o conjunto de atos e/ou negócios têm um mero intuito fiscal ou se também coexiste um verdadeiro interesse societário. É certo que, neste caso se podia cogitar que os Sócios melhor poderiam explicar a mencionada ideia: “… melhor rentabilizar a sua gestão de acordo com a estratégia empresarial pretendida…”. Mas pode também defender-se a ideia que os negócios são pensados e estruturados, muitas vezes, num sentido que por válidas razões não são comunicados, sentido que depois não se cumpre por ocorreram situações novas, no sentido de inesperadas, não pensadas. Dissemos supra que o fato de a sociedade em causa manter a tipologia anónima durante vários anos é indício da existência de uma estratégia ou ideia de gestão. É certo que pode replicar-se que este comportamento mais não é do que o consolidar do artifício pois seria manifesto o intuito estritamente fiscal se a mudança de tipologia ocorresse imediatamente à venda das ações. Este raciocínio serve para demonstrar a inicial dificuldade que não é só da AT mas também das sociedades. Assim, a conclusão a extrair tem de ser meramente indiciária. Na presente situação face ao efetivamente verificado não é totalmente de excluir a existência de algum interesse societário, entenda-se económico. Em último recurso podemos e devemos lançar mão do princípio estabelecido no artigo 100º do Código de Procedimento e de Processo Tributário no sentido de anular o ato impugnado que neste caso é a autorização da aplicação da cláusula geral anti abuso do artigo 63º, n.º 7 do já aludido diploma e consequente liquidação. Em conclusão consideramos inverificado o “meio artificioso”, resultando prejudicada a análise dos demais requisitos da aplicação da CGAA, bem como das demais questões colocadas pelos Impugnantes. […]” Assim, numa situação com contornos algos semelhantes à situação aqui em causa, o colendo STA, decidiu no acórdão datado de 07/06/2023, proferido no processo n.º 03285/11.3BEPRT (in www.dgsi.pt) que: “[…] A doutrina e a jurisprudência vêm afirmando que a aplicação da cláusula geral anti-abuso depende do preenchimento de cinco elementos: - o elemento meio, que respeita à via escolhida - ato ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de atos ou negócios jurídicos, sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal; - o elemento resultado, que tem a ver com a obtenção de uma vantagem fiscal, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos atos ou negócios jurídicos «normais» e de efeito económico equivalente; - o elemento intelectual, que exige que a escolha daquele meio seja «essencial ou principalmente dirigid[a] [...] à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n.º 2, da LGT); - o elemento normativo, que tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal; - o elemento sancionatório, que, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos atos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, «efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT). Da factualidade que acima deixamos descrita resulta de modo claro o preenchimento do primeiro dos elementos referidos (elemento resultado). Na verdade, analisando de uma forma isolada e objetiva os negócios jurídicos da transformação da sociedade em sociedade anónima e a subsequente venda das ações (atos ou negócios jurídicos realizados) e da eventual manutenção da sociedade como sociedade por quotas e a subsequente venda das quotas (atos ou negócios jurídicos equivalentes ou de idêntico fim económico), é inequívoco que a primeira situação beneficiava de um regime legal de tributação mais vantajoso do que a segunda, pois, enquanto a primeira não é objeto de tributação, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do Código do IRS, na redação do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de outubro, a segunda é considerada uma mais-valia, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, rendimento tributado a uma taxa de 10%, nos termos do artigo 72.º, n.º 4, do Código do IRS, na redação do Decreto-Lei n.º 192/2005, de 07 de novembro. Não há, pois, nenhuma dúvida quanto ao preenchimento deste elemento, nem o Recorrente sequer o questiona. Acontece que a constatação da vantagem fiscal não é suficiente para se considerar que houve abuso. Como refere o Recorrente, a cláusula geral anti-abuso não tem em vista meramente atribuir à Administração Tributária compensação por atos que lhe tenham provocado perda de receita fiscal, antes visa, concomitantemente, eliminar as vantagens fiscais ilegítimas que alguém obteve, o que revela que lhe estão subjacentes preocupações de igualdade e justiça tributária. Por outro lado, “Nenhum princípio do direito fiscal implica que as escolhas dos contribuintes se façam pela via mais tributada. O contribuinte pode perfeitamente erigir uma construção jurídica que desemboque numa tributação relativamente moderada. O abuso do direito não condena a habilidade fiscal, mesmo que esta conduza a construções jurídicas pouco ortodoxas” [Bergerès, apud, Nuno Sá Gomes, “Evasão Fiscal, Infracção Fiscal e Processo Penal Fiscal” (Lições), Editora Rei dos Livros, 2000, pg. 71], citado nas alegações de recurso. Mas se o elemento resultado está claramente preenchido, parece-nos também evidente, agora pela negativa, o não preenchimento dos elementos meio e normativo. Vejamos então. De acordo com o artigo 38.º, n.º 2, da LGT, a vantagem para ser considerada abusiva tem de ser alcançada «por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas». A doutrina diz que está em causa o recurso a figuras jurídicas manifestamente impróprias e insólitas sem que existam motivos económicos válidos que as justifiquem - Calvão da Silva, Revista da Ordem dos Advogados, 2006 – II, pag. 79, citado nas alegações de recurso. Do mesmo modo, Gustavo Lopes Courinha (A Cláusula Geral Antiabuso – Contributos para a sua compreensão, Almedina, 2009, pag. 152/3, também citado pelo Recorrente), fala em inadequação da forma jurídica, esclarecendo que “o esquema abusivo é aquele que não corresponde aos usos e costumes (a uma prática estabelecida) da actividade comercial, ou à opção própria de um bom pai de família para atingir o fim económico pretendido. O esquema desadequado há-de valer-se de formas ou negócios insólitos, para atingir um resultado prático idêntico, muito próximo ou fungível daquele outro que resultaria do negócio normal sujeito a tributação”. No caso sub judice está a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima e a venda das participações sociais sem qualquer tributação. Ora, não se vislumbra aqui qualquer negócio ardiloso, insólito, apresentando-se a transformação em sociedade anónima, como um ato societário corrente, lícito à luz do direito comercial, não se podendo afirmar que a mesma foi inusual ou anormalmente adotada, em vista da obtenção da vantagem fiscal. Já o elemento normativo visa distinguir os casos de elisão fiscal (contra legem), dos casos de planeamento fiscal intra legem. Citamos a propósito o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28/09/2017, proferido no processo 01188/11.0BEPRT (consultável em www.dgsi.pt), uma vez que o mesmo nos é invocado pelo Recorrente (e reiterado no acórdão do mesmo Tribunal de 18/10/2018 no processo 00917/13.3BECBR (consultável em www.dgsi.pt), que se debruçou sobre um caso em tudo idêntico ao que ora tratamos: No que diz respeito ao elemento normativo, tal como se aponta na decisão recorrida, ganha acuidade o exposto pelo Prof. Saldanha Sanches quando sustenta que: “(...) teremos de concluir que não podemos ter um recurso administrativo ao instituto da fraude à lei nos múltiplos sectores em que o legislador, por incúria ou falta de coragem política, deixou que se multiplicassem as situações, mesmo quando anti-sistemáticas, de não tributação de certos tipos de negócios jurídicos (...). Consideremos, por exemplo, o que sucede com as tributações das mais-valias: se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais. A operação em si mesma - a sociedade que se transformou em sociedade anónima tem o seu capital em poucas mãos e não vai recorrer ao mercado de capitais -, poderia ser catalogada entre as que têm uma mera motivação fiscal e, por isso, desconsiderada, mas para tal seria necessário que houvesse da parte do legislador uma intenção clara de tributar qualquer tipo de mais-valias tal como se pode discernir no texto normativo a respeito dos rendimentos de capital.” (Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 182). Tal remete para uma resenha da evolução legislativa nesta matéria, onde é sabido que na redacção inicial do CIRS, previa-se já a tributação em IRS das mais-valias obtidas com a «alienação onerosa de partes sociais» (artigo 10.º, n.º 1, alínea b), na redacção do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro), mas excluíam-se as mais-valias provenientes da alienação de «acções detidas pelo seu titular durante mais de 24 meses» (artigo 10.º, n.º 2, alínea c)), limite temporal este que tinha como objectivo evidente afastar a exclusão da tributação relativamente a mais-valias que, no conceito então vigente, eram consideradas especulativas, sendo que esta regulamentação era completada com a que constava do EBF, na redacção inicial, dada pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, em que se estabelecia no seu art. 35.º, sob a epígrafe Transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas o seguinte: “Para efeitos do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, da alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS e do artigo 34.º deste Estatuto, considera-se que a data de aquisição de acções resultantes da transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas é a data da aquisição das quotas que lhes deram origem.”. Esta norma, que tinha em vista o regime transitório, era completada com uma norma idêntica de aplicação permanente, que constava do artigo 18.º, n.º 5, alínea a), do EBF e estas duas normas evidenciam a enorme dimensão da preocupação legislativa em incentivar a transformação de sociedades por quotas em anónimas, que vai ao ponto de afastar a tributação em sede de mais-valias mesmo em situações em que o sujeito passivo detém as novas acções resultantes da transformação por um período muito curto, inclusivamente em situações em que a venda das novas acções é feita imediatamente a seguir à transformação, pois é precisamente a situações de detenção das novas acções por curtíssimo prazo que se aplicam as normas referidas. Com a Lei n.º 30-B/92, de 28 de Dezembro, esta alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º passou a excluir da tributação as «acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses», aumentando, assim, o âmbito da não tributação da alienação de acções, ou, doutra perspectiva, a restrição do conceito de mais-valias especulativas. A Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, reafirmou a vigência deste regime, eliminando a alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º, mas transpondo a sua redacção para a nova alínea b). A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, eliminou a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções, mas limitou a exclusão às acções adquiridas após a sua entrada em vigor, mantendo expressamente o regime anterior para as acções adquiridas antes dessa data (artigo 4.º, n.º 5, do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000). Este novo regime não chegou a ser aplicado, pois a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, estabeleceu, no n.º 9 do seu artigo 147.º, que nos anos de 2001 e 2002 seria aplicável regime anterior à Lei n.º 30-G/2000 e, depois, o Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, reintroduziu o regime de não tributação das mais-valias derivadas da alienação de «acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses», ao dar uma nova redacção à alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS. Esta redacção manteve-se até à sua revogação pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho. A «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 1/IX, que veio a dar origem à Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, que concedeu ao Governo a autorização legislativa necessária para aprovar o Decreto-Lei n.º 228/2002 é elucidativa no sentido de se ter reconhecido que a não tributação das mais-valias não especulativas provenientes da alienação de acções era preferível à sua tributação dizendo-se: Com a entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, que tornou indispensável a revisão do Código de IRS operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, foi alargado o âmbito de incidência a todas as mais-valias de valores mobiliários e eliminou-se a taxa liberatória de 10%. Na sequência desta alteração as mais-valias de valores mobiliários são simultaneamente englobadas e sujeitas às taxas gerais progressivas, que se situam entre 12% e 40%. Acresce que, de acordo com o artigo 3.º da Lei n.º 30-G/2000, o referido regime de tributação das mais-valias só é aplicável aos valores mobiliários adquiridos após 1 de Janeiro de 2001, mantendo-se o anterior regime de tributação para as mais-valias quanto aos adquiridos antes dessa data. Aquele regime tributário foi contudo alterado, transitoriamente, pela Lei n.º 109- B/2001, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2002), a qual veio estabelecer uma isenção da tributação das mais-valias relativamente a rendimentos inferiores a 2500 Euros, fazendo-se, no entanto, o englobamento, apenas, para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos. Considerando que o impacto desta reforma fiscal no mercado de capitais foi altamente prejudicial para os investidores, configurando-se como um desincentivo ao investimento, com todas as inerentes consequências negativas para o desenvolvimento de uma política de recuperação económica, urge revogar o regime de tributação das mais-valias aprovado pela Lei n.º 30-G/2000 e, posteriormente, acolhido pelo Decreto-Lei n.º 198/2001 e, em consequência, retomar o regime de aplicação da taxa liberatória de 10%, bem como da exclusão de tributação das mais-valias de valores imobiliários detidos pelo seu titular durante mais de 12 meses, tributando-se apenas as mais-valias especulativas. O Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, que reintroduziu a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular há mais de 12 meses é também elucidativo sobre a existência desta intenção legislativa ao dizer: O regime de tributação dos rendimentos de mais-valias derivados da alienação onerosa de valores mobiliários, aquando da entrada em vigor do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, foi significativamente alterado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro. Os traços mais salientes do quadro então instituído consistiram na abolição da exclusão tributária de que beneficiavam as mais-valias provenientes da alienação de obrigações e de outros títulos de dívida e da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, passando a incidir uma tributação generalizada sobre estes rendimentos, atenuada por uma isenção de base para os saldos positivos inferiores a determinado montante e pela consideração dos saldos positivos ou negativos em percentagem variável em função do período de detenção dos títulos pelo alienante. Por força do estabelecimento, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, de um regime transitório de tributação aplicável a estes rendimentos nos anos 2001 e 2002, o regime emergente da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, não chegou a ser aplicado. O presente decreto-lei vem dar execução à autorização concedida ao Governo pela Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, no sentido da reposição, no Código do IRS, das linhas essenciais do regime de tributação destes rendimentos. Do ponto de vista sistemático, acresce a preferência manifestada pelo legislador pela adopção do modelo de organização societária da sociedade anónima, cuja adopção desde a redacção inicial do CIRS pretendeu fomentar e é patente no Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, que reformou um vasto conjunto de leis relacionadas com as sociedades comerciais, com especial atenção para a simplificação e eliminação de actos e procedimentos registrais e notariais (artigo 1.º, n.º 1) e para as sociedades anónimas (artigo 1.º, n.º 2: «o presente decreto-lei visa ainda actualizar a legislação societária nacional, adoptando designadamente medidas para actualizar e flexibilizar os modelos de governo das sociedades anónimas»). Explanando as razões de política económica subjacentes à reforma, o legislador afirma, no preâmbulo daquele Decreto-Lei: Assim, as linhas de fundo da reforma realizada por este decreto-lei prendem-se com as seguintes ideias. De um lado, a preocupação de promover a competitividade das empresas portuguesas, permitindo o seu alinhamento com modelos organizativos avançados. A presente revisão do Código das Sociedades Comerciais assenta no pressuposto de que o afinamento das práticas de governo das sociedades serve de modo directo a competitividade das empresas nacionais. Esse é o primeiro objectivo de fundo que este decreto-lei visa prosseguir, em prol de uma maior transparência e eficiência das sociedades anónimas portuguesas. Ao encetar este caminho, Portugal colocar-se-á a par dos sistemas jurídicos europeus mais avançados no plano do direito das sociedades, salientando-se o Reino Unido, a Alemanha e a Itália como países que têm identicamente orientado reformas legislativas com base nestes pressupostos. […] Importa ainda apontar o atendimento das especificidades das pequenas sociedades anónimas como preocupação que esteve subjacente à preparação deste decreto-lei”. Neste contexto, volta a destacar-se o exposto pelo Prof. Saldanha Sanches quando sublinha que se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais, sendo que a afirmação do interesse público em não tributar as mais-valias não especulativas derivadas da detenção de acções foi, conscientemente, considerado superior ao da arrecadação das receitas que a tributação podia gerar e que esta afirmação foi efectuada já depois da Lei Geral Tributária ter previsto a cláusula geral antiabuso, no seu artigo 38º nº 2. Naturalmente, tal realidade tem de ter consequências, não podendo aceitar-se a aplicação da cláusula geral antiabuso numa situação que contende com aquilo que foi o desígnio legislativo, a não ser que o mesmo seja comprometido como no caso em que a criação da sociedade anónima não é seguida da sua manutenção como realidade económica por um período de tempo apreciável, o que não sucede no caso presente. Assim, tem de entender-se, para além do que já ficou exposto, que foi satisfeito com a operação de transformação das sociedades por quotas em sociedades por acções o interesse que, na perspectiva legislativa, é o principal a atender, superior ao da própria tributação, o que equivale a dizer que os Recorridos actuaram em perfeita sintonia com tal desígnio, verificando-se que a transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas está expressamente prevista na lei como um meio normal de criação de sociedades deste tipo, inclusivamente no âmbito da tributação do rendimento. Consequentemente, tal como decidido, não se verifica uma situação enquadrável no nº 2 do art. 38º da LGT, desde logo por não existir um acto que possa considerar-se dirigido essencial ou primacialmente à obtenção de vantagens fiscais (pois ele foi dirigido também à criação de uma sociedade anónima por se pretender que ela funcionasse com as características e potencialidades que lhe são inerentes), mas também por não ter sido utilizado qualquer meio artificioso ou fraudulento para obtenção de vantagens fiscais, o que quer dizer que o acto tributário em sindicância padece efectivamente de vício de violação de lei, na forma de erro sobre os pressupostos, o que é de molde a impor a respectiva anulação. Sufragando o que ficou citado, a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima ainda que tivesse sido motivada exclusivamente por finalidades fiscais (elemento intelectual), não é condenável face ao ordenamento jurídico tributário então vigente, na medida em foi o próprio legislador que optou por tributar as mais-valias resultantes da alienação das quotas e não tributar as mais-valias resultantes da alienação das ações. Vantagem fiscal que o legislador deixou que permanecesse na ordem jurídica desde 01/01/2003, através da alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS, aditada pelo Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de outubro, até à sua revogação pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho. Assim, não podemos deixar de concluir com Saldanha Sanches (“Os limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra Editora, 2006, pág. 182), que tendo o legislador resistido longamente a eliminar tal regime, mantendo uma «lacuna consciente de tributação», não há lugar à aplicação da cláusula geral anti-abuso. […]” (fim de transcrição) Na presente situação, conforme se afirma no aresto acima citado, os pressupostos cumulativos de aplicação da cláusula geral anti abuso são os seguintes: - o elemento meio, - o elemento resultado, - o elemento intelectual, - o elemento normativo, e - o elemento sancionatório (este sendo, um elemento de consequência ou resultado). Considerando a factualidade provada sob a qual não há verdadeira controvérsia, o Tribunal recorrido que o negócio subjacente à aplicação da cláusula geral anti abuso lhe faltava o elemento intelectual, na medida em que perspetivou como possível um eventual interesse económico subjacente ao apontado negócio. No entanto, tal raciocínio encontra-se meramente implícito não sendo explicita a referência a este elemento na sentença recorrida, que se quedou por a existência de uma mera possibilidade da existência de um interesse económico lícito na esfera dos Recorridos, aquando da realização do negócio tido por abusivo por parte dos serviços da AT. Porém, à semelhança do decidido no acórdão do STA acima referenciado, cujos fundamentos e conclusões julgamos serem de aplicar ao presente caso, considerando que estamos perante o mesmo quadro legal vigente na situação ali e aqui em causa, o que podemos constar é que à operação subjacente à aplicação da cláusula geral anti abuso, tem respaldo numa vantagem fiscal reconhecida e pretendida pelo legislador e, como tal, não poderia aqui ser considerada ilícita. Por isso, não se verificou aqui o elemento normativo, na medida em que não há uma reprovação jurídica dos contornos do negócio aqui subjacente e que deu origem à liquidação aqui posta em causa. Por isso, consideramos que o ato recorrido padece do apontado vício de erro sobre os pressupostos de direito. Assim sendo, deverá ser mantida a sentença apelada. * Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, apresenta-se o seguinte sumário (retirado parcialmente dos acórdãos acima referidos): I – Em sede de recurso, é possível as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objetiva (documento formado depois de ter sido proferida a decisão) ou subjetiva (documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido). II - A transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima ainda que tivesse sido motivada exclusivamente por finalidades fiscais, não é condenável face ao ordenamento jurídico tributário então vigente, na medida em foi o próprio legislador que optou por tributar as mais-valias resultantes da alienação das quotas e não tributar as mais-valias resultantes da alienação das ações. -/- V – Dispositivo Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente (por vencida). Porto, 29 de maio de 2025 Carlos A. M. de Castro Fernandes Graça Martins Cristina da Nova |