Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 01638/08.3BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 02/17/2022 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | Rosário Pais |
| Descritores: | CONTRIBUIÇÕES; SEGURANÇA SOCIAL; AJUDAS DE CUSTO; CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO; QUESTÃO DO CONHECIMENTO OFICIOSO; QUESTÃO NOVA; PRESCRIÇÃO; NOTIFICAÇÃO; PROCESSO DE AVERIGUAÇÕES; INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE; ÓNUS DA PROVA |
| Sumário: | I - A caducidade do direito à liquidação constitui um vício gerador de ilegalidade do ato, na medida em que consubstancia a prática de ato tributário ferido de vício de violação de lei. II - Esse vício gera mera anulabilidade e não a nulidade do ato, pelo que não é de conhecimento oficioso, devendo, antes, ser invocada pelo contribuinte, na petição inicial. III - Os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas, a não ser que a própria lei estabeleça uma exceção a essa regra, ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso. IV - Para efeito de interrupção da prescrição das dívidas por contribuições à segurança social, consideram-se diligências administrativas todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao titular. Só as diligências praticadas dentro de um procedimento ou processo, no sentido de um conjunto de atos previstos e concatenados com vista à prossecução de um resultado, se podem dizer que são “conducentes” a esse resultado, no caso à liquidação ou à cobrança. V - As ajudas de custo atribuídas ao trabalhador têm natureza remuneratória somente na parte que excede o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado, face ao disposto no art.º 2.º, n.º 3, al. d) do CIRS, e o ónus de prova de tal excesso, bem como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recai sobre a Administração. VI - A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspetividade entre a sua perceção e a prestação de trabalho. VII – Recai sobre a Segurança Social o ónus de provar os factos constitutivos do direito às contribuições a que se arroga, designadamente porque não existiam deslocações do trabalhador ou, existindo, porque esses abonos não tinham qualquer relação com essas deslocações ou, tendo-a, cobriam largamente as despesas normais que as deslocações provocam, fazendo, por isso, parte da retribuição. VIII - Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.* * Sumário elaborado pela relatora |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. S.., Lda., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 22.07.2019, pela qual foi julgada improcedente a impugnação apresentada contra a liquidação de contribuições para a Segurança Social relativas ao ano de 2001, no valor de €714.816,58, referentes a ajudas de custo pagas aos seus trabalhadores. 1.2. A Recorrente S.., Lda. terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «A) Na liquidação impugnada nos autos, não está em causa uma situação de autoliquidação de contribuições feita por parte da empresa Impugnante, ora Recorrente, mas sim uma liquidação oficiosa de contribuições efetuada por iniciativa do Instituto da Segurança Social, I.P. no seguimento de uma ação de inspeção e em suprimento da suposta obrigação do contribuinte, nos termos do artigo 33.º do Decreto-lei nº 8-B/2002, de 15 de janeiro. B) Toda a doutrina e a jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo tem defendido que as contribuições para a Segurança Social devem ser consideradas como impostos, ou, pelo menos, como equiparadas a impostos. (cfr., entre outros, os Acórdãos da 2ª Secção do S.T.A. de 26/02/2014, 23/05/2007 e 16/06/1999). C) Assim, a liquidação em causa, referente ao período de janeiro a dezembro de 2001, no montante de €714.816,58, é um ato administrativo de liquidação de tributo, sujeito ao regime de notificação dos atos tributários, nos termos dos artigos 36.º, nº 1 do C.P.P.T. e 77.º nº 6 da L.G.T. pelo que, ao direito de liquidar tais contribuições, é aplicável o regime de caducidade do direito à liquidação, previsto no artigo 45º da Lei Geral Tributária, que define o prazo de quatro anos para a notificação ao contribuinte dessa liquidação, pois o regime específico das quotizações e contribuições à Segurança Social não fixa um prazo geral de caducidade desse direito. D) Ora, no caso em apreço e dos elementos constantes dos autos, resulta provado que o ato de liquidação que determinou o quantum da obrigação tributária, ou seja, que a Impugnante era devedora à Segurança Social do montante de €714.816,58, foi o Relatório Final de Inspeção elaborado pelo Recorrido em 18/12/2007 – alínea A) dos factos provados – e notificado à Recorrente em 28/12/2007 – alínea C) da matéria de facto provada. E) Sendo certo que não foi alegado, provado e nem sequer consta dos autos deste Processo de Impugnação Judicial ou do Processo de Averiguações nº 46/2005, que se encontra apenso ao mesmo, que o Recorrido ISS, I.P. tenha notificado o contribuinte Recorrente da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, ou seja, do início do Processo de Averiguações nº 46/2005. F) Tendo a Recorrente recebido a notificação da existência desse PA nº 46/2005, que anexava os mapas de apuramento com as supostas remunerações não declaradas, apenas em 26/11/2007 – fls. 91 do PA apenso – não existindo assim qualquer facto integrante de causa suspensiva do prazo de caducidade, nos termos previstos no artigo 46º, nº 1, da Lei Geral Tributária. G) Pelo que se encontra efetivamente caducado o direito de liquidação das contribuições para a Segurança Social referentes aos meses de janeiro a dezembro de 2001, face à notificação da mesma efetuada à Recorrente apenas em dezembro de 2007, ou seja, muito depois do prazo legal de quatro anos previsto para o efeito, pois, sendo este um imposto de obrigação única, o termo inicial de contagem do prazo de caducidade corresponde ao dia 15 do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito (cfr. art.º 10, nº 2 do Decreto-lei nº 199/99, de 8 de junho e art.º 6 do Decreto Regulamentar nº 26/99, de 27 de outubro). H) E não obsta a esta conclusão o facto de a Recorrente não ter alegado e pedido a caducidade do direito à liquidação em causa na petição inicial deste Processo de Impugnação Judicial, mas só o fazer agora nestas Alegações de Recurso, pois estamos perante matéria de conhecimento oficioso pelo Tribunal, em qualquer altura do processo, em face do disposto no nº 1º do artigo 333.º do Código Civil. I) Assim, o preceituado nessa disposição legal, significa que está vedado ao Tribunal conhecer oficiosamente da caducidade convencional, mas já não da caducidade legal e quando a caducidade esteja estabelecida por norma imperativa, é evidente não estar na disponibilidade das partes, como sucede no caso da liquidação de tributos, que está prevista na legislação fiscal, são normas de direito público, sendo certo que, por natureza, as normas de direito público estão excluídas da disponibilidade das partes. J) De facto, estamos perante um ato de liquidação de tributos, como atrás foi dito, sendo certo que, em sede de direito tributário, a caducidade do direito à liquidação pode e deve ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal, pelo que a Meritíssima Juíza a quo poderia e deveria ter conhecido logo da caducidade do direito à liquidação, mesmo que a Recorrente não tenha invocado ou peticionado a mesma na petição inicial, como foi o caso. (Cfr. entendimento perfilhado pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, vol. III, págs. 207 e 485, e seguido no Acórdão da 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 24/09/2003, no Processo nº 0564/02, disponível in www.dgsi.pt). K) Assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, a Mma Juíza a quo errou quando entendeu, na douta Sentença recorrida, não conhecer da questão da caducidade do direito à liquidação das contribuições para a Segurança Social por parte do Recorrido, fazendo uma incorreta interpretação das normas legais atrás referidas, nomeadamente do artigo 333.º nº1 do Código Civil. L) Situação que importa agora legalmente corrigir e que se coloca à consideração dos Venerandos Desembargadores, pois nada impede que tal caducidade possa ser decidida em sede de Recurso, pelas razões jurídicas atrás defendidas. M) Temos assim que a liquidação em causa nos autos deveria ter sido notificada ao contribuinte Recorrente no prazo de caducidade de quatro anos previsto para o efeito, o que não aconteceu, como já foi provado, pelo que caducou o respetivo direito de liquidação das contribuições para a Segurança Social referentes aos meses de janeiro a dezembro de 2001, caducidade essa que se invoca para todos os efeitos legais, requerendo-se assim aos Venerandos Desembargadores a anulação da liquidação impugnada, por violação do disposto no artigo 45.º, nº 1, da Lei Geral Tributária. N) No caso de assim não se entender, o que não se concebe, cumpre referir que, no caso em apreço, e ao contrário do que sustenta a Mma Juíza a quo na douta Sentença recorrida, ocorreu a prescrição das eventuais dívidas à Segurança Social, concretamente a dívida de contribuições e cotizações de janeiro a dezembro de 2001, pelas seguintes razões. O) Como é referido na douta Sentença recorrida, o prazo de prescrição das dívidas em causa é de 5 anos, (artigo 60.º nº 3 da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro e artigo 187.º nº 1 da Lei nº 110/2009, de 16 de setembro) a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida, ou seja, a partir do dia 15 do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito, nos termos do nº 2 do artigo 10.º do Decreto-lei nº 199/99, de 8 de junho e do artigo 6.º do Decreto Regulamentar nº 26/99, de 27 de outubro, sendo que a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida, conforme consta da mencionada Lei de Bases do Sistema de Segurança Social e do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social. P) Assim, a questão essencial a decidir no presente Recurso, por força da prescrição alegada pela Impugnante nos autos é saber se o Ofício nº 503856, de 08/09/2005 junto pelo Recorrido na sua contestação como Documento nº 2 – fls. 119 dos autos – é uma diligência que pode ser considerada como facto suscetível de levar à interrupção do prazo de prescrição, nos termos legais, pois temos fundadas dúvidas, apoiadas pela doutrina e jurisprudência aplicáveis à matéria, de que o recebimento de tal ofício por parte da Recorrente tenha interrompido o referido prazo de prescrição de cinco anos. Q) É que a liquidação de contribuições feita pelo Recorrido ISS.,I.P. teve apenas e tão só em conta na sua elaboração os elementos recolhidos pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção Distrital de Finanças do Porto e constantes do seu Relatório da Inspeção Tributária de 29/11/2004 e posteriormente enviado ao Recorrido, pois nunca nenhum representante ou funcionário do ISS, I.P. se deslocou às instalações da Impugnante S.., Lda. para averiguar ou consultar quaisquer documentos ou outros elementos, fosse o que fosse, referentes à empresa Recorrente, para liquidação do eventual montante em falta. R) Assim, está mais do que provado que o Recorrido ISS, I.P. não efetuou qualquer diligência com o objetivo específico de averiguar ou apurar qual o montante final a liquidar na liquidação oficiosa de contribuições em causa, pois o montante de €714.816,58, que consta da mesma, já estava mais do que fixado e determinado desde 29/11/2004, data do Relatório da Inspeção Tributária, o que demonstra que o ISS, I.P. apenas se “aproveitou” do trabalho realizado pela Direção Distrital de Finanças do Porto e nada fez para chegar ao montante final objeto da liquidação oficiosa. S) Sendo certo que o tal ofício de 8 de setembro de 2005, que supostamente interrompeu a prescrição neste caso, também não serviu para esse objetivo de conduzir à liquidação da dívida, pois, no mesmo, pede-se à Recorrente para comparecer e para apresentar vários documentos jurídicos relacionados com a empresa, mas que nada tinham a ver com a suposta irregularidade cometida por esta, ou seja os pagamentos feitos aos seus trabalhadores no ano de 2001 a título de ajudas de custo e com a consequente inspeção tributária levada a cabo pela Direção Distrital de Finanças do Porto. T) E isso é tão verdade, que, para além do pedido desses documentos que não serviam para ajudar ao apuramento real e posterior liquidação correta da dívida, o próprio Recorrido vem, nesse mesmo ofício, solicitar que a Recorrente apresente desde já comprovativos da regularização perante a Segurança Social dos valores apurados pelas Finanças na sequência da sua própria inspeção tributária! Ou seja, em 08/09/2005, o ISS, I.P. vem já pedir à S.., Lda. o comprovativo do pagamento à Segurança Social do montante de €714.816,58, que supostamente deve, quando o mesmo montante, exatamente o mesmo, só foi liquidado pelo Impugnado, em 18/12/2007, isto é, passados quase dois anos! U) Este facto é a demonstração perfeita de que o envio do Ofício nº 503856 de 08/09/2005 foi um mero “proforma” para tentar evitar a prescrição da obrigação tributária em causa e não era uma verdadeira diligência administrativa que tivesse por objetivo conduzir e ajudar ao real apuramento da dívida e consequente liquidação correta da mesma, sendo que isso mesmo foi confessado pela própria pessoa que assinou esse ofício em nome do Impugnado, o Sr. C., na altura dos factos, Inspetor do Departamento de Fiscalização do Norte do ISS., I.P. V) De facto, a fls. 242 dos autos, quando o mesmo foi inquirido na qualidade de testemunha apresentada pelo Impugnado, referiu e passa-se a citar: “resolvemos numa primeira fase notificar todas as empresas envolvidas nesse processo para suspender qualquer tipo de prescrição que se pudesse vir a verificar...”. W) Ou seja, é o próprio Inspetor C. que assinou o ofício, que diz que só mandou a notificação para suspender qualquer tipo de prescrição e não para tentar descobrir ou apurar qual o valor exato que estaria em dívida à Segurança Social para depois liquidar corretamente a mesma, pelo que o ofício em causa nunca poderia ser considerado como causa interruptiva da prescrição, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 60º da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro, como o foi pela Mma Juíza a quo, na douta Sentença recorrida, o que se contesta para todos os efeitos legais, alegando-se, em defesa desta tese, o citado nestas Alegações do douto Acórdão desse Tribunal Central Administrativo Norte, da 2ª Secção – Contencioso Tributário, de 3 de maio de 2012, no Processo 00568/10.3BEBRG, disponível in www.dgsi.pt. X) Temos assim que a Mma Juíza a quo errou ao decidir que não ocorreu a prescrição da obrigação tributária em causa no processo, fez uma errónea apreciação do facto dado como provado na alínea E) da matéria de facto, ao considerar que a receção do Oficio nº 503856, de 08/09/2005 por parte da Impugnante fez interromper a prescrição, fazendo, por via dessa tomada de posição, um errado julgamento do Direito aplicável ao caso, violando dessa forma o disposto no referido artigo 60.º, nºs 3 e 4 da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro (Lei de Bases do Sistema de Segurança Social) e o artigo 187.º, nºs 1 e 2 da Lei nº 110/2009, de 16 de setembro (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social), o que se invoca para todos os efeitos legais. Y) Se ainda assim não se entender, o que não se aceita, vem a Recorrente pôr em causa o julgamento feito na douta Sentença recorrida de todos os factos constantes do processo, nomeadamente a motivação da Mma Juíza a quo para a sua decisão da matéria de facto provada e não provada, com relevância para a boa decisão da causa. Desde logo: Z) E conforme consta da própria Sentença de que se recorre, é sobre o Recorrido que recaía o ónus da prova de que as quantias pagas pela Recorrente aos trabalhadores não reuniam as características essenciais das ajudas de custo, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária e, ao contrário do que parece sustentar a Sentença recorrida, essa demonstração não foi minimamente feita por parte do Instituto da Segurança Social, I.P., ou seja, os indicadores de facto “recolhidos” por este não são manifestamente suficientes e concludentes para deduzir que as ajudas de custo têm carácter remuneratório, havendo por isso violação do ónus de prova, pelas seguintes razões. AA) Desde logo, não houve qualquer inspeção autónoma por parte do Recorrido, nomeadamente do Departamento de Fiscalização do Norte do ISS, I.P., sobre os pagamentos feitos pela Recorrente aos seus trabalhadores em 2001 a título de custas de parte, sendo que nunca nenhum representante ou funcionário do Recorrido se deslocou às instalações da Recorrente S.., Lda. para averiguar ou consultar quaisquer documentos ou outros elementos, fosse o que fosse, referentes à empresa Recorrente. BB) Assim, o processo administrativo de averiguações do ISS, I.P. com o nº 46/2005, que deu depois origem à liquidação oficiosa de contribuições, no montante de €714.816,58, impugnada nos autos, teve apenas e tão só em conta na sua elaboração os elementos recolhidos pelos Serviços de Inspeção Tributária e constantes do mencionado Relatório da Inspeção Tributária da Direção Distrital de Finanças do Porto de 29/11/2004, que foi posteriormente enviado em 7 de janeiro de 2005 para o Centro Distrital de Segurança Social do Porto. CC) Ora, tal relatório da Autoridade Tributária começou desde logo e naturalmente por dar origem a uma liquidação própria das Finanças, no caso, de eventuais juros compensatórios, no montante de €21.575,61, não pagos pela Recorrente, por suposta não retenção de IRS relativa ao exercício de 2001, sendo que esta também apresentou Impugnação Judicial a pedir a anulação, por ser ilegal, dessa liquidação da AT, que deu origem ao Processo nº /05.5BEPRT, que correu termos no Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. DD) Sucede que, na sentença proferida em 31 de maio de 2011 nesse processo nº /05.5 BEPRT, que se encontra em fase de recurso, a Meritíssima Juíza do Processo considerou totalmente procedente por provada a referida Impugnação Judicial, por entender que os elementos constantes do tal Relatório da Inspeção Tributária de 29/11/2004 não eram manifestamente concludentes para contrariar a posição defendida pela Impugnante. EE) De facto, conforme melhor se pode ver pelo teor da mesma, que foi atempadamente junta pela Recorrente aos presentes autos, para efeitos de aproveitamento de prova, constando a fls. 162 a 172 do presente Processo de Impugnação Judicial, essa sentença proferida no processo fiscal considerou que o relatório inspetivo em causa apontava indícios, mas que os mesmos não eram de tal forma concludentes para afastar a declaração feita pela Recorrente e que, pelo contrário, a prova efetuada por esta conseguiu demonstrar que tais montantes eram para compensar os trabalhadores das despesas de alojamento, deslocações e alimentação realizadas na Áustria e na Alemanha e que não eram remunerações. FF) Aliás, para aproveitamento da prova produzida nesse processo fiscal nº 1851/05 e em cumprimento de despacho feito nesse sentido pela Meritíssima Juíza a quo, a Recorrente fez ainda um requerimento aos autos a juntar certidão da ata de inquirição de testemunhas de 23/03/2001 e de CD contendo o depoimento das testemunhas arroladas nesse processo, bem como petição inicial – fls. 179 a 202 dos autos. GG) Ora, apesar de a Recorrente ter apresentado nos autos para efeitos de prova a inquirição de testemunhas e a sentença proferida no processo fiscal, o certo é que a Meritíssima Juíza, na sentença de que ora se recorre, nomeadamente na fundamentação de facto e na motivação para a decisão da matéria de facto provada, ignora totalmente os documentos atrás referidos, não fazendo qualquer referência à existência dos mesmos, não considerando sequer como facto provado a existência da sentença proferida no processo nº /05.5BEPRT, o que, a nosso ver, coloca em crise a fundamentação de facto e a respetiva motivação da decisão, que se impugna assim para todos os efeitos legais, por novo erro de julgamento. HH) Temos assim que os únicos elementos de prova que serviram de base à liquidação impugnada nos autos são apenas e só os que foram recolhidos pela Inspeção da Autoridade Tributária e que não foram suficientes por si só no processo fiscal para afastar a declaração da Recorrente, sendo certo que o ISS, I.P., não inspecionou, averiguou, apurou, consultou ou recolheu quaisquer outros elementos de prova, nomeadamente documentais, para juntar a esse processo de averiguações ou posteriormente ao próprio processo de Impugnação, não conseguindo dessa forma comprovar de que os montantes pagos aos trabalhadores no ano de 2001, corresponderam a verdadeiras remunerações e não a ajudas de custo, pelo que, por maioria de razão, o Recorrido não deveria ter efetuado a liquidação oficiosa impugnada. II) E foi por essa razão que o próprio Ministério Publico emitiu parecer nos presentes autos no sentido da procedência da impugnação por inexistência de facto tributário, considerando que essa liquidação assentou em meros juízos e indícios, conforme consta da própria Sentença de que ora se recorre, sendo, aliás, este o entendimento que vem sendo seguido pela jurisprudência, em casos semelhantes, de que são exemplo o Acórdão da 2ª Secção do Contencioso Tributário de 22/05/2013 do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo nº 0146/13 ou o Acórdão da 2ª Secção, de 24-02-2005 do Tribunal Central Administrativo Norte (Proc. 00145/04). JJ) E essa falta de prova concludente também se constata pelo facto da única testemunha indicada pelo ISS, I.P., que chegou mesmo a prestar declarações no processo, o Sr. C., o já referido Inspetor do Departamento de Fiscalização do Norte do Instituto da Segurança Social, ter vindo referir no seu depoimento que considerava que as ajudas de custo em causa estavam bem pagas, porque a Segurança Social tinha autorizado a deslocação desses mesmos trabalhadores para o estrangeiro a título de destacamento, através da emissão do modelo 101 e só o poderia fazer se os considerasse como trabalhadores ao serviço da empresa Recorrente em Portugal, ou seja de que estávamos perante verdadeiras ajudas de custo, KK) Em conclusão e pelos argumentos atrás expostos: é sobre o Recorrido que recaía o ónus da prova de que as quantias pagas pela Recorrente aos trabalhadores não reuniam as características essenciais das ajudas de custo e, ao contrário do que parece sustentar a douta Sentença recorrida, essa demonstração não foi minimamente feita por parte do Instituto da Segurança Social, I.P., ou seja, os indicadores de facto “recolhidos” por este não são manifestamente suficientes para deduzir que as ajudas de custo têm carácter remuneratório. LL) Pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, a douta Sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, com a violação do disposto no nº 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária, devendo, em consequência, ser anulada a liquidação oficiosa efetuada nos autos, o que se requer para todos os efeitos legais. MM) Por último, e sem prescindir de tudo o que atrás foi alegado, ainda se dirá que, de acordo com a douta Sentença recorrida, a questão de fundo a resolver neste processo é saber se a liquidação impugnada padece de erro nos pressupostos por estarem em causa verdadeiras ajudas de custo, e, como tal, não haver lugar ao pagamento de contribuições para a Segurança Social, importando assim aferir se os montantes pagos aos trabalhadores por parte da Recorrente durante o ano de 2001 corresponderam a ajudas de custo ou a remunerações. NN) Ora, já ficou demonstrado que o Recorrido não conseguiu provar de forma consistente e concludente que tais montantes não reuniam as características essenciais das ajudas de custo e que, por essa razão, não deveria ter feito a liquidação impugnada. OO) Mas, mais, a Recorrente conseguiu igualmente comprovar, através do depoimento das testemunhas que trabalharam para ela e da testemunha Maria Emília da Silva Pereira, economista, que prestava serviços de contabilidade à Recorrente, que esses pagamentos visaram compensar os seus trabalhadores de despesas suportadas por estes, para fazer face às suas despesas de alimentação, deslocação e alojamento, enquanto se encontravam a trabalhar em obras siderúrgicas e metalomecânicas, na Áustria e na Alemanha. PP) Acresce que o próprio Instituto da Segurança Social, Recorrido, não põe em causa que os referidos trabalhadores tenham prestado serviço em locais diferentes do da sede da Recorrente e da própria residência dos mesmos e tanto é assim que emitiu as competentes autorizações para o destacamento desses trabalhadores para o estrangeiro através do Modelo 101, como confirmou a testemunha C., Inspetor do ISS, I.P., no seu depoimento, como atrás ficou provado, não havendo dúvidas de que esses trabalhadores estiveram de facto deslocados e que existiram deslocações, ao contrário do que defende a douta Sentença recorrida. QQ) Por outro lado, convém lembrar que a Recorrente é uma empresa que tem por objeto social “a cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores” – Alínea F) dos factos provados, tratando-se assim de uma empresa de trabalho temporário. RR) Ora, a situação de trabalhador deslocado é uma das características inerentes ao trabalho temporário e isto porque a Empresa de Trabalho Temporário (ETT) contrata os seus trabalhadores, não para que eles lhe prestem diretamente qualquer trabalho, mas sim para que eles se desloquem para prestar trabalho junto da Empresa Utilizadora (EUTT), quer seja na área da sede da ETT, quer em qualquer outro local do país, quer inclusive no estrangeiro, como é o que acontece no presente caso. SS) Na verdade no caso em apreço, sob o aspeto formal, parece que o trabalhador é admitido para trabalhar na empresa utilizadora – artigo 1º do contrato de trabalho junto pelo Recorrido na sua contestação como Documento nº 1 – fls. 116 a 118 dos autos. TT) Mas o artigo 5º desse contrato de trabalho também diz que: “... e o trabalhador receberá as ajudas de custo necessárias para custear as suas deslocações, instalação e refeições no país do trabalho.” E isto é assim, porque o trabalhador em causa, bem como todos os outros na mesma situação, residiam em Portugal, aquando da celebração dos respetivos contratos de trabalho. UU) Ou seja, sob o aspeto material, não existem dúvidas de que o trabalhador é admitido pela Recorrente Empresa de Trabalho Temporário, é esta que dá ordens e instruções ao trabalhador em Portugal para se deslocar para a Empresa utilizadora na Áustria ou na Alemanha, os vencimentos e as ajudas de custo são pagos pela ETT e embora ao serviço da EUTT, o trabalhador continua a pertencer aos quadros da ETT., sendo que este respeito e à eventual falta de mapas de deslocação ou boletins de itinerário, segue-se o entendimento constante do Acórdão da 2ª Secção de 10/11/2016, do Tribunal Central Administrativo Norte, no Processo 0764/13.1BEPNF. VV) Temos assim que os pagamentos feitos pela Recorrente visaram custear todas as despesas de alimentação, deslocação e alojamento dos trabalhadores enquanto se encontravam a trabalhar na Áustria e na Alemanha, constituindo verdadeiras ajudas de custo, não sujeitas a base de incidência contributiva e consequente pagamento à Segurança Social. WW) E não se venha dizer que não era assim, porque houve suposto pagamento de viagens para os mesmos e pagamento de renda de apartamentos na Áustria e na Alemanha para esse pessoal, porque, quanto às viagens, as mesmas diziam respeito apenas e tão só à passagem aérea dos trabalhadores quando se deslocaram logo no início dos contratos de trabalho de Portugal para a Áustria e para a Alemanha para começarem a trabalhar nas Empresas Utilizadoras e no que se refere ao arrendamento de apartamentos, tal circunstância apenas aconteceu na Alemanha e tratou-se do arrendamento de três apartamentos para situações muito pontuais e transitórias, funcionando como postos de acolhimento, enquanto os trabalhadores em causa não encontravam logo locais para se instalarem. XX) Finalmente, importará referir que a Mma a quo, na fundamentação de direito da douta Sentença recorrida, para considerar os pagamentos efetuados aos trabalhadores como verdadeiras remunerações, utiliza como argumento jurídico o disposto no Decreto-lei nº 106/98 de 24/04, que contém o regime jurídico em matéria de abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública, quando deslocado em serviço público em território nacional, nomeadamente o constante do seu artigo 2.º. YY) Acontece, porém que os trabalhadores da Impugnante não são funcionários públicos nem a empresa está subordinada às disposições do referido Decreto-lei nº 106/98, uma vez que estamos a falar de trabalhadores deslocados para países estrangeiros, sendo que o próprio Decreto-lei nº 106/98, no seu artigo 15.º, exclui da sua regulamentação as ajudas de custo atribuídas em deslocação ao estrangeiro e no estrangeiro. ZZ) Pelo que o referido diploma legal é inaplicável ao caso aqui em discussão, pelo que qualquer decisão tomada e fundamentada nos pressupostos desse diploma enferma do vício de violação de lei, o que igualmente se invoca para os devidos efeitos legais. AAA) Temos assim que, salvo o devido respeito e melhor opinião, a douta Sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, sendo que, quanto à caducidade, viola o disposto no artigo 45.º, nº 1, da Lei Geral Tributária e no artigo 333.º, nº 1, do Código Civil; no que respeita à prescrição, viola o constante no artigo 60.º, nºs 3 e 4, da Lei nº 7/2007, de 16/01 (Lei de Bases do Sistema de Segurança Social) e no artigo 187.º, nºs 1 e 2, da Lei nº 110/2009, de 16/09 (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social); no que se refere ao ónus de prova, viola o referido no artigo 74.º, nº 1, da Lei Geral Tributária e no que diz respeito ao erro nos pressupostos, viola o disposto no artigo 15.º do Decreto-lei nº 106/98,de 24/04. BBB) Nestes termos e com os fundamentos atrás expostos, deverão os Venerandos Desembargadores conceder provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a douta Sentença recorrida, julgando procedente por provada a Impugnação Judicial e, por via disso, anular o ato de liquidação impugnado, com todas as consequências legais, assim se fazendo inteira Justiça!». 1.3. O Recorrido Instituto da Segurança Social, I.P. apresentou contra-alegações cujas conclusões, por desnecessariamente extensas, não se reproduzem. 1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer com o seguinte teor: «S.., Lda recorre da sentença proferida pela Mma Juíza do TAF do Porto que julgou improcedente a impugnação por si intentada contra a liquidação por contribuições à segurança social do ano de 2001. Remata as suas alegações alegando: caducidade do direito de liquidação, vicio que, como assume, só agora invoca mas que em seu entender deve ser conhecido, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso, em face do disposto no nº 1 do artº 333º do C Civil; erro de julgamento, consubstanciado em 1. errónea apreciação do facto considerado como provado em E dos factos provados e consequente não reconhecimento de prescrição das dívidas; 2. errónea valoração da prova produzida em julgamento e violação do ónus da prova, em contradição com o decidido no proc. nº / 05.5BEPRT, cuja liquidação se baseou no mesmo relatório da inspeção tributária, 3. erróneo enquadramento das quantias pagas aos trabalhadores como retribuição, sujeitas a contribuições e cotizações para a segurança social. O Instituto da Segurança Social, I.P. veio contra alegar, apresentando extenso articulado no qual, depois de sintetizar cada um dos fundamentos do recurso procede a pormenorizada análise que, no essencial, considerámos acertada e consonante com a seleção dos factos provados na sentença e consequente aplicação do direito, sem esquecer a jurisprudência existente sobre as questões suscitadas. Designadamente, e por que só agora suscitada em sede de recurso, no que toca à caducidade do direito à liquidação. Apela-se ainda, e por que a recorrente se baseia na norma do artº 333º, nº 1 do C. Civil, ao ac. do Pleno da Secção do CT do STA, proferido a 18.5.2005, no proc. 01178/04, que analisou também a alegação da caducidade do direito à liquidação em momento posterior à petição inicial. Ali se consignou: “Desde logo, e se bem atentarmos, não é paralelo o caminho seguido para o direito civil para a prescrição (a invocar sempre pelas partes – artº 303º do CC), o que desde logo evidencia não haver aqui consonância com o direito tributário, onde, como vimos, a prescrição é do conhecimento oficioso. Não é pois decisivo apontar a regra prevista no CC para a caducidade pois, como vimos, onde as disposições são expressas – na prescrição – o regime é diverso. Depois porque se nos afigura patentemente que a liquidação efetuada já depois de decorrido o prazo de caducidade, é apenas uma ilegalidade, idêntica a outras ilegalidades, suscetível de gerar a anulabilidade do ato, a alegar expressamente no processo de impugnação. Vemos realmente no artº 99º do CPPT que constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, sendo que nos parece inequívoco que a liquidação depois de decorrido o prazo de caducidade é igualmente uma ilegalidade idêntica a todas as outras que se englobam no citado artº 990 do CPPT, e que não merece, pois, tratamento diverso. A necessitar de alegação na petição inicial. Sob pena do seu conhecimento focar precludido. Tal e qual como acontece com outras ilegalidades. Estando nós no domínio da legalidade tributária, afigura-se-nos apelar aos princípios que a regem, e não ao C. Civil. .... Concluímos assim que a caducidade não é de conhecimento oficioso”. Face ao exposto, só resta concluir que o recurso não merece provimento.». ** Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.** 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de (i) omissão de pronúncia ao não ter conhecido oficiosamente da caducidade do direito à liquidação, (ii) de erro de julgamento ao concluir que a dívida liquidada não se encontra prescrita, (iii) de erro de julgamento de facto quando, na respetiva motivação, não atendeu a toda a prova produzida e (iv) de erro de julgamento de direito ao ter concluído que as verbas abonadas não eram verdadeiras ajudas de custo. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO 3.1.1. Matéria de facto assente em 1.ª instância A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto: «É a seguinte a matéria de facto provada com relevância para a decisão da causa, por ordem lógica e cronológica: A. Com data de 18.12.2007, pelo Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Porto do Instituto da Segurança Social, I.P., foi elaborado “Relatório Final de Inspecção”, por referência à impugnante, nos termos do qual se propõe a liquidação de contribuições e cotizações no valor global de € 715.283,55 relativamente aos montantes pagos aos seus trabalhadores ao longo do ano de 2001, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), do Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro, 4.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 09 de Maio e 3.º do Decreto-Lei n.º 199/99, de 08 de Junho, considerados remunerações em virtude de os trabalhadores terem aceitado o lugar ou cargo na localidade sede da empresa utilizadora aquando da assinatura dos contratos de trabalho, não tendo havido qualquer deslocação ao serviço da impugnante, tendo a impugnante contabilizado o aluguer de apartamentos na Áustria e na Alemanha para o pessoal, no valor de € 87.507,60, e viagens para os mesmos no valor de € 175.732,74 – cfr. fls. 113 e ss. do PA apenso. B. Em 28.12.2007, sobre a proposta que antecede recaiu despacho de concordância – cfr. fls. 113 do PA apenso. C. Em 28.12.2007, em nome da impugnante foi emitida a liquidação de contribuições da Segurança Social relativa a 2001 no montante de € 714.816,58 – cfr. fls. 142 e ss. do PA apenso. D. Em 25.07.2008, foi remetida a este Tribunal a p.i.. que deu origem aos presentes autos – cfr. fls. 61 verso do processo físico. E. Em 09.09.2005, foi assinado aviso de recepção relativo a carta remetida à impugnante pelo Departamento de Fiscalização do Norte do Instituto da Segurança Social, I.P., convocando a comparecer e apresentar documentos relacionados com inspecção tributária de que foi alvo relativamente ao ano 2001 – cfr. fls. 41 e ss. do PA apenso. F. A impugnante tem por objecto social “a cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores” – cfr. doc. 2 junto com a p.i. G. Ao longo do ano de 2001, a impugnante contratou vários trabalhadores para trabalharem em obras na Alemanha e na Áustria, aos quais pagou, a título de ajudas de custo, o montante global de € 527.324,30 – confissão (artigos 6 e 7 da p.i.). H. Os trabalhadores em causa aceitaram o lugar ou cargo na localidade sede da empresa utilizadora aquando da assinatura dos contratos de trabalho – cfr. fls. 113 e ss. e 149 e ss. do PA apenso. I. Relativamente ao ano de 2001, a impugnante contabilizou o aluguer de apartamentos na Áustria e na Alemanha para o pessoal, no valor de € 87.507,60, e viagens para os mesmos no valor de € 175.732,74 – cfr. fls. 113 e ss. do PA apenso. Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa para além dos referidos. Motivação A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, e na confissão da impugnante. Foi ainda considerada a factualidade constante do relatório de inspecção que sustentou a liquidação impugnada em virtude de a impugnante a ter posto em causa. A prova testemunhal não foi apta a formar a convicção do Tribunal uma vez que os depoimentos se mostraram contraditórios e pouco precisos, designadamente porque a versão dos factos relatada no que respeita aos custos com as deslocações nos países para onde os trabalhadores foram deslocados (Áustria e Alemanha) não condiz com a circunstância de a impugnante dispor de carrinha e motorista em tais países para transportar os trabalhadores, conforme as testemunhas referiram. Também a testemunha que terá desempenhado funções administrativas depôs de forma confusa relativamente ao procedimento de pagamentos dos montantes em causa aos trabalhadores em termos de montantes e de momento do pagamento, até porque a mesma afirmou não tratar do processamento de remunerações. As testemunhas que trabalharam para a impugnante não depuseram de forma isenta e coerente, não sabendo explicar com rigor os critérios de atribuição dos montantes em causa.». 3.1.2. Aditamento à matéria de facto provada Ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662.º do CPC, vamos proceder ao seguinte aditamento à matéria de facto provada: J) Com data de 07/01/2005, pelo Instituto da Segurança Social – Sector do Distrito do Porto, foi autuado o Processo de Averiguações n.º 46/2005, visando a ora Recorrente, com origem em Informação proveniente da Direção Geral das Contribuições e Impostos – cfr. fls. 1 a 6 do P.A. apenso. A convicção deste Tribunal quanto ao facto ora aditado baseou-se no teor dos documentos juntos ao P.A. anexo e neles identificados. * Estabilizada nestes termos a factualidade relevante, avancemos na apreciação deste recurso.3.2. DE DIREITO 3.2.1. Do conhecimento oficioso da caducidade do direito à liquidação Pese embora não o tenha feito na petição inicial, a Recorrente vem agora, no presente recurso, arguir a caducidade do direito à liqudiação, sustentando que tal questão é do conhecimento oficioso do Tribunal, arguindo, ademais, a factualidade em que sustenta a verificação de tal vício. Em primeiro lugar, cumpre averiguar se, como pretende a Recorrente, estamos perante uma questão de conhecimento oficioso e, desde já, podemos adiantar que a resposta a esta questão é negativa. A este propósito, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25.11.2006, rec. 0761/09, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/18b76a9ead6ddc9580257681005596a9?OpenDocument&ExpandSection=1, que, por aderirmos sem qualquer reserva à respetiva fundamentação, por economia de razões e com a vénia devida, passamos a transcrever na parte aqui relevante: «Em primeiro lugar, convirá recordar que a caducidade aqui em causa não é a adjectiva, do direito à propositura de acção, mas a substantiva, do direito à liquidação, e que consiste no decurso do prazo que o Estado tem para exercer o direito à liquidação de tributos. O decurso desse prazo impede o Estado de proceder à liquidação, pelo que é cometida uma ilegalidade quando o acto de liquidação é efectuado depois de consumada a caducidade, isto é, quando é liquidado um tributo após o decurso do prazo que o Estado detinha para exercitar esse direito. Deste modo, a liquidação feita depois de esgotado o prazo de caducidade é ilegal, na medida em que consubstancia a prática de acto tributário ferido de vício de violação de lei. Como se reconheceu no acórdão de 7 de Julho de 2004 do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal «a liquidação depois de decorrido o prazo de caducidade, é igualmente uma ilegalidade idêntica a todas as outras que se englobam no citado art. 99.° do CPPT, e que não merece pois tratamento diverso». Ora, no domínio do direito administrativo, do qual o direito tributário constitui área especial, rege o princípio geral da anulabilidade, só sendo feridos de nulidade «os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade», sendo anuláveis todos os «os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção», tudo em conformidade com o preceituado nos artigos 133.º e 135.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA). Assim, e tendo presente o disposto no artigo 133.º, n.º 2, alínea d) do CPA, há que concluir que o mencionado vício de caducidade do direito à liquidação gera mera anulabilidade e não nulidade do acto, na medida em que não viola o conteúdo essencial de um direito fundamental, mas, tão só, os direitos patrimoniais do contribuinte ou apenas o princípio da legalidade tributária. Nesta conformidade, e em consonância, aliás, com o entendimento há muito dominante nesta Secção de Contencioso Tributário do STA Cfr. os seguintes acórdãos do Pleno da Secção: de 18 de Junho de 2003, no recurso n.º 503/03; de 7 de Julho de 2004, no recurso n.º 546/02; de 18 de Maio de 2005, no recurso n.º 1178/04. E os seguintes acórdãos da Secção: de 2 de Novembro de 2005, no recurso n.º 361/05; de 18 de Janeiro de 2006, no recurso n.º 680/05; de 29 de Outubro de 2008, no recurso n.º 458/08; de 13 de Maio de 2009, no recurso n.º 264/09., a caducidade do direito à liquidação, tanto do imposto como dos juros compensatórios, constitui um vício gerador de ilegalidade do acto, não existindo razão justificativa para que se submeta o seu conhecimento a um regime diferente do geral, pois que se trata de vício que não importa mais à ordem pública do que os outros de que pode enfermar a liquidação. (…) 3.2. (…) Tal como decorre do preceituado na parte final n.º 1 do art. 108.º do CPPT, é na petição que o impugnante tem de expor as razões de facto e de direito que fundamentam o pedido. É, portanto, aí que devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e delineado o pedido que daquele decorre. E tendo em conta que a causa de pedir no contencioso de anulação de actos tributários consiste no comportamento concreto da Administração Tributária violador das normas jurídicas, isto é, nos factos integradores dos vícios imputados ao acto impugnado, tem de concluir-se que quem deduz impugnação judicial deve invocar na petição inicial todos os factos integradores do vício ou vícios que imputa ao acto impugnado, salvo se superveniente ou de conhecimento oficioso. Deste modo, era necessário que o Impugnante tivesse invocado, logo na petição, a violação pela Administração Tributária do disposto no art.º 45.º da LGT, isto é, os factos integradores do vício da caducidade do direito à liquidação. O que, nitidamente não fez. (…).». Em face deste entendimento, que inteiramente subscrevemos, impera concluir que a caducidade do direito à liquidação não é questão do conhecimento oficioso do juiz, que só pode dela ocupar-se se a mesma tiver sido suscitada na petição inicial. Verificando-se, como a própria Recorrente o reconhece, que a caducidade em causa não foi oportunamente por si suscitada, não é agora possível dela conhecer, uma vez que se trata de questão nova e, como é sabido, os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas, a não ser que a própria lei estabeleça uma exceção a essa regra, ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso, situações que não se verificam no caso em análise. Improcedem, assim, as conclusões A) a M) do recurso. 3.2.2. Da prescrição Nesta matéria, a Recorrente entende que a sentença sob escrutínio enferma de erro de julgamento no que respeita ao efeito interruptivo atribuído ao Ofício recebido pela Recorrente em 09.09.2005; na sua perspetiva aquele foi um mero “pro-forma” destinado a evitar a prescrição da obrigação tributária em causa, não visou apurar qual o valor exato que estaria em dívida à Segurança Social e invoca, em defesa da sua tese, o acórdão do TCAN de 3.05.2012, proc. 00568/10.3BEBRG. Vejamos, antes do mais, o que a este respeito, foi considerado na fundamentação da sentença em crise: « A. Da prescrição A prescrição da obrigação tributária é um instituto do direito tributário que tem por objecto a regulação do prazo dentro do qual se podem cobrar coercivamente do devedor tributário dívidas tributárias previamente liquidadas. A prescrição encontra o seu fundamento em razões de certeza e segurança jurídica para o devedor tributário, obviando a que possa, a todo o tempo, ser interpelado para o seu cumprimento. Está em causa a dívida de contribuições e cotizações de Janeiro a Dezembro de 2001. Atentas as datas das dívidas, nos termos da Lei n.º 17/2000, de 08 de Agosto2 (em vigor desde 04/02/2001 – cfr. o seu artigo 119.º), o prazo de prescrição é de 5 anos – cfr. o n.º 3 do seu artigo 63.º – [prazo que foi mantido quer pela Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro (cfr. o n.º 1 do seu artigo 49.º) quer pela Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro (cfr. o n.º 3 do seu artigo 60.º)], contado a partir da data em que a obrigação de pagamento deveria ter sido cumprida (n.º 2 do artigo 63.° da citada Lei n.º 17/2000, de 08 de Agosto). Nos termos do n.º 3 do artigo 63.º da Lei n.º 17/2000, de 14 de Agosto, “A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.”, nomeadamente a instauração de processo de execução fiscal, conforme decorre dos artigos 49.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro e do artigo 60.º, da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, regime que foi mantido nas Leis n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, e n.º 4/2007, de 16 de Janeiro. Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Março de 2009, processo n.º 50/09, “diligências administrativas, para este efeito, serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor (como a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do acto que a decide)”. 2 Diploma que aprova as bases gerais do sistema de solidariedade e de segurança e que introduziu um regime especial de prescrição dos créditos da Segurança Social derivados de cotizações e de contribuições. O regime da prescrição das dívidas à Segurança Social tem algumas especialidades relativamente ao aplicável às demais dívidas tributárias quanto ao prazo (5 anos e não 8), ao dia em que se inicia a contagem (a data em que a obrigação deveria ter sido cumprida) e aos factos interruptivos (quaisquer diligências administrativas, realizadas com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducentes à liquidação ou à cobrança bem como, desde a entrada em vigor do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, a apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação), sendo de aplicar as regras da LGT no que não está especialmente regulado atenta a vocação desta Lei para regular a generalidade das relações jurídico-tributárias, afirmada no seu artigo 1.º.3 3 Neste sentido, cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária: Notas Práticas, 2.ª edição, Áreas Editora, 2010, p.126. Nos termos do n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 199/99, de 08 de Junho, e do artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 26/99, de 27 de Outubro, o prazo de prescrição deverá ser contado a partir do momento em que a obrigação de pagamento devia ter sido cumprida, ou seja, a partir do dia 15 do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito. Considerando as regras elencadas, importa aferir do decurso do prazo de prescrição relativamente à dívida de Janeiro de 2001 por ser a mais antiga, de modo a aferir se as demais também estarão prescritas. Relativamente a tal dívida, o prazo de prescrição iniciou-se em 15.02.2001. Resulta do probatório que, em 09.09.2005, a impugnante foi notificada pelo Departamento de Fiscalização do Norte do Instituto da Segurança Social, I.P., para comparecer e apresentar documentos relacionados com inspecção tributária de que foi alvo relativamente ao ano 2001, sendo este evento a primeira circunstância ocorrida a determinar a interrupção do prazo de prescrição, o qual ocorreu, assim, antes do decurso de cinco anos. Atento o exposto, é manifesto que não ocorreu a prescrição.». Não estando em causa o enquadramento legal da prescrição das dívidas à Segurança Social a que os autos se referem, que foi corretamente definido pela Meritíssima Juiz a quo e é aceite por ambas as partes, importa determinar a relevância do Ofício aludido no ponto E) do probatório para efeito de interrupção do prazo prescricional. Ora, «Diligências administrativas serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao titular» - cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Áreas Editora, p. 119. «As diligências em causa serão, assim, as praticadas no processo administrativo quando estamos ainda na fase da liquidação; serão as praticadas no processo executivo quando estamos na fase de cobrança coerciva da dívida devidamente liquidada. Só as diligências praticadas dentro de um procedimento ou processo, no sentido de um conjunto de actos previstos e concatenados com vista à prossecução de um resultado, se podem dizer que são “conducentes” a esse resultado, no caso à liquidação ou à cobrança. Assim tem decidido de forma pacífica o Supremo Tribunal Administrativo não se vislumbrando fundamentos para discordar, designadamente no Acórdão de 21-04-2010, processo n.º 23/10, onde se lê: «…no âmbito do regime especial previsto pela Lei 17/2000 a instauração da execução não constitui circunstância interruptiva, sendo a prescrição interrompida por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida. Como vem sublinhando de forma unânime a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (vide, por exemplo, os Acórdãos de 11.03.2009, recurso 1033/08 e de 02.12.09, recurso 951/09, ambos in www.dgsi.pt), diligências administrativas, para este efeito, serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor (como a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do acto que a decide).» Sublinhado nosso. No mesmo sentido, também os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11-03-2009, processo 50/09 e de 12-11-2008, processo 588/08.» - cfr. acórdão deste TCAN de 03.05.2012, proc. 00568/10.3BEBRG, disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/daf6f68dc99ce33a80257a0f0033f5dd?OpenDocument. Na situação em análise, o Tribunal a quo considerou como diligência administrativa com eficácia interruptiva a notificação da Recorrente para identificação do seu TOC e comparência, em data e local determinados, para apresentação de elementos contabilísticos, incluindo o comprovativo de regularização, perante a Segurança Social, dos valores apurados pela AT, relativos ao ano de 2001. Tendo em conta que, na sequência da Informação remetida pela AT, em 07/01/2005 o Recorrido havia autuado um Processo de Averiguações e que a notificação em causa foi concretizada em 09/09/2005, não sobram dúvidas em como esta notificação foi efetuada no âmbito do dito processo de averiguações. E, sendo este um processo administrativo conducente à liquidação, impõe-se concluir como a Meritíssima Juiz a quo, no sentido da eficácia interruptiva da notificação ocorrida na apontada data. Improcede, assim, também este segmento do recurso. 3.2.3. Do erro de julgamento de facto A Recorrente prossegue o seu recurso imputando erro de julgamento de facto à sentença recorrida porquanto, apesar de, a convite do Tribunal, ter junto a ata de inquirição de testemunhas e respetivo CD realizada no âmbito do processo //05.5BEPRT, na respetiva motivação a Meritíssima Juiz a quo não lhe fez qualquer referência. Mais alega que, cabendo ao ora Recorrido o ónus da prova de que as quantias abonadas não correspondiam a verdadeiras ajudas de custo, o mesmo não fez tal demonstração, seja porque os elementos recolhidos pela AT são insuficientes para esse efeito, seja porque a testemunha arrolada pelo Recorrido referiu no seu depoimento que as ajudas de custo estavam bem pagas, porque a Segurança Social havia emitido o modelo 101. Analisados os autos, constata-se que a fls. 174 foi proferido um Despacho para as partes informarem da existência de outros processos em nome do autor, sobre matéria idêntica, onde estejam indicadas as mesmas testemunhas, referindo-se ali que «poderão as partes, querendo, aproveitar nestes autos a prova já produzida, juntando para o efeito certidão da respectiva acta de inquirição e registo magnético da prova produzida.». A Recorrente juntou aos autos a ata de inquirição de testemunhas do processo n.º …/05.5BEPRT, que respeita a impugnação da liquidação de juros compensatórios por falta de retenção na fonte de IRS, relativo ao ano de 2001, correspondente às ajudas de custo pagas aos seus trabalhadores no montante global de €527.324,30. Analisada tal ata, constatamos, em primeiro lugar, que no processo …/05.5BEPRT, eram partes a aqui Recorrente e a Fazenda Pública, e não o ora Recorrido o qual não foi notificado dos elementos juntos nem para se pronunciar sobre o aproveitamento de tal prova, que não foi produzida perante si; em segundo lugar, que as únicas testemunhas comuns a ambos os processos também foram inquiridas nestes autos e, por último, que a Recorrente não requereu a alteração ou ampliação do seu rol de testemunhas por forma a abranger as demais testemunhas inquiridas no âmbito do outro processo de impugnação. Isto posto, tendo em conta que a Meritíssima Juiz a quo se pronúnciou sobre a prova admitida nos autos e perante si produzida; considerando, ainda, que a prova sobre a qual a Recorrente podia, com propriedade, esperar uma pronúncia do Tribunal era a decorrente dos depoimentos das “testemunhas comuns” (pois foi sobre esses que incidiu o convite do Tribunal para “aproveitamento de prova”) e que sobre os mesmos foi, de facto, emitida pronúncia, não ocorre o apontado vício da motivação da decisão de facto. 3.2.4. Do erro de julgamento de direito No que concerne ao cumprimento do ónus probatório a cargo do Recorrido, entende a Recorrente que o este não fez a prova de que as quantias pagas não reuniam as caracteristicas essenciais das ajudas de custo; ou seja, os indicadores de facto recolhidos, não pelo Recorrido mas pela AT, são manifestamente insuficientes e concludentes para deduzir que as ajudas de custo em causa têm caráter remuneratório. Ora, como bem se refere no acórdão do TCA Sul de 03.12.2020, rec. 890/09.1BEALM, que doravante acompanharemos: «A questão das regras do ónus da prova em matéria de ajudas de custos, tem sido tratada na jurisprudência do STA de forma uniforme e reiterada no sentido de que as ajudas de custo atribuídas ao trabalhador têm natureza remuneratória somente na parte que excede o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado, face ao disposto no art.º 2.º, n.º 3, al. d) do CIRS, e o ónus de prova de tal excesso, bem como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recai sobre a Administração Tributária (nesse sentido, por todos, vide Ac. do STA de 22/05/2013, proc. n.º 146/13, e jurisprudência aí citada). Desde logo cumpre dizer que, nem todas as importâncias recebidas pelos trabalhadores das respectivas entidades patronais assumem a natureza de retribuição havendo prestações efectuadas pela entidade patronal que visam compensar o trabalhador por despesas que suportou a favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, não constituindo um correspectivo da prestação de trabalhado, pelo que, não integram o conceito de retribuição. Ou seja, as mencionadas prestações para integrarem o conceito de retribuição têm de estar previstas no contrato de trabalho ou ser estabelecidas pelos usos como elemento da retribuição, e mesmo neste caso, só quando excederem as despesas normais. Assim, a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria "A" para efeitos de IRS, as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado, nos termos do disposto no art. 2.º, n.ºs 3, alínea e) e n.º 6, do CIRS. Por conseguinte, a tributação dos montantes em causa, em sede de IRS, só pode ser sustentada enquanto complemento de remuneração sem fim compensatório.». No caso que nos ocupa, importava, desde logo, determinar se as importâncias pagas pela Recorrente aos seus trabalhadores a título de ajudas de custo correspondem efetivamente a uma compensação ou reembolso pelas despesas normais que eles foram obrigados a suportar em virtude de deslocações ao serviço da empresa. E, para se apurar o que se possa entender por despesas normais têm de se considerar os usos e as exigências da empresa face a cada categoria profissional, o objetivo das deslocações, o estatuto do trabalhador. É à administração que cabe o ónus de demonstrar que os abonos pagos pela Recorrente não tinham qualquer fim compensatório, recolhendo e enunciando factos-índices suficientemente sólidos para criarem essa convicção, designadamente porque não existiam deslocações do trabalhador ou, existindo, porque esses abonos não tinham qualquer relação com essas deslocações ou, tendo-a, cobriam largamente as despesas normais que as deslocações provocam, fazendo, por isso, parte da retribuição. Como se sabe, estabelecendo o artigo 75º, nº 1, da LGT uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuinte ("[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei (...)"), cabe à AT o ónus da prova da falta de correspondência com a realidade do teor das declarações (nesse sentido, cfr. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada , 4.ª ed., Vislis , 2012, p. 664). Deste modo, em sede de ação de inspeção, cabe à Administração demonstrar os pressupostos que legitimam a correção à declaração o do contribuinte, ou seja, os factos constitutivos desse direito, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT. Verificados os requisitos que permitem a Administração alterar o rendimento declarado, é sobre o impugnante que recai o ónus de alegar e provar factualidade que ponha em causa os factos-índice que foram enunciados pela Administração e demonstrar que as quantias que pagou a título de ajudas de custo tinham efetivamente natureza compensatória. Vejamos, então, se o Recorrido cumpriu o referido ónus da prova. Extrai-se, com relevo, do Relatório da Inspeção Tributária levada a efeito pela AT e com base no qual o Recorrido promoveu as liquidações ora em crise, que: a)- «Analisados os contratos de trabalho (…), verificamos que em 2011, todos, (…), têm (…) contratos de trabalho temporário, através do qual são contratados para prestarem serviços num cliente seu na Áustria»; b)- «em análise aos elementos da contabilidade do sujeito passivo verificamos que as verbas contabilizadas a título de ajudas de custo encontram-se suportadas por boletins itinerários, os quais nos permitem constatar as seguintes situações: ▪ Não identificam as horas de partida e regresso ▪ Apenas identificam por dias, os locais ou país onde foi realizado o trabalho e os montantes diários de ajudas de custo, sem especificação do critério de atribuição das mesmas; ▪ São referidos nos boletins itinerários apenas alguns dias do mês, o que em relação ao pessoal colocado no estrangeiro é completamente desajustado, uma vez que se encontram lá todos os dias do mês e então a terem direito a ajuda de custo, teriam todos os dias e não apenas alguns; ▪ Relativamente a cada trabalhador existem dois boletins, um no qual é colocado o valor global mensal, e outro em que tal verba é determinada pelos dias do mês, no entanto apesar dos funcionários se encontrarem na maioria dos casos ao longo de todo o mês no mesmo local, uns têm ajudas em todos os dias do mês, outros apenas nos primeiros dias do mês e outros em que o montante mensal das ajudas de custo é consideravelmente elevado e o valor diário da ajuda multiplicado por todos os dias do mês é inferior ao valor atribuído, então nestes últimos já não existe a segunda folha do boletim em que a verba é desdobrada pelos dias daquele mês.» c)- «Além das ajudas de custo o sujeito passivo contabilizou aluguer de apartamentos na Áustria e na Alemanha para o pessoal, na conta 62219502, no montante de 17.543.699$00 (87.507,60€) e viagens para os mesmos, na conta 6227301, no valor de 35.231.251$00 (175.732,74€).» d)- «Salientamos ainda a enorme discrepância entre os montantes dos salários, os quais são de valor extremamente diminuto, e as verbas atribuídas sob a forma de ajudas de custo, de valores consideravelmente elevados.». A nosso ver os indícios apontados são suficientemente sólidos para suscitar dúvida fundada do fim compensatório das ajudas de custo pagas pela Recorente pois, sendo verdade que os trabalhadores foram contratados em Portugal para prestarem a sua força de trabalho no estrangeiro, onde naturalmente teriam despesas superiores às que suportariam se vivessem em território nacional, também é certo que a Recorrente suportou custos com viagens e apartamentos na Áustria e Alemanha destinados ao pessoal. Por outro lado, analisado o quadro anexo ao RIT constata-se existir uma muito significante e constante discrepância entre o valor dos salários e das ajudas de custo (v.g. salário 43.333$, ajudas 157.361$; salário 104.000$, ajudas 396.860$...), que não é justificável como correspondente ao custo normal da alimentação. Caberia, então, à Recorrente o ónus de demonstrar que, apesar dos factos apontados pela Segurança Social, as ajudas de custo tinham efetivo fim compensatório. Na conclusão OO) das suas alegações, a Recorrente sustenta que conseguiu provar, através do depoimento das testemunhas que para si trabalharam e de M., que lhe prestou serviços de contabilidade, que tais pagamentos visavam compensar despesas suportadas pelos seus trabalhadores com alimentação, deslocações e alojamento, quando se encontravam a trabalhar em obras siderúrgicas e metalomecânicas, na Áustria e na Alemanha. Não o entendeu assim a Meritíssima Juiz a quo pois, na motivação da decisão de facto, consignou que «A prova testemunhal não foi apta a formar a convicção do Tribunal uma vez que os depoimentos se mostraram contraditórios e pouco precisos, designadamente porque a versão dos factos relatada no que respeita aos custos com as deslocações nos países para onde os trabalhadores foram deslocados (Áustria e Alemanha) não condiz com a circunstância de a impugnante dispor de carrinha e motorista em tais países para transportar os trabalhadores, conforme as testemunhas referiram. Também a testemunha que terá desempenhado funções administrativas depôs de forma confusa relativamente ao procedimento de pagamentos dos montantes em causa aos trabalhadores em termos de montantes e de momento do pagamento, até porque a mesma afirmou não tratar do processamento de remunerações. As testemunhas que trabalharam para a impugnante não depuseram de forma isenta e coerente, não sabendo explicar com rigor os critérios de atribuição dos montantes em causa». Ora, a Recorrente pretende é que este Tribunal sindique a convicção formada pela Meritíssima Juiz de 1.ª instância, mas, como sendo uniformemente entendido, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. É que, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.06.2015, rec. 12/14.7GBSRT.C1, disponínel em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/f97055e17739201d80257e62003405ff?OpenDocument, a reapreciação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova, sendo inúmeros os factores relevantes na apreciação da credibilidade do teor de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto directo com os depoentes na audiência. Embora a reapreciação da matéria de facto, no que ao Tribunal da 2.ª instância se refere, esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação (à excepção da prova vinculada) no processo de formação da sua convicção, deverá ela ter em conta que dos referidos princípios decorrem aspectos de relevância indiscutível (reações do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões) na valoração dos depoimentos pessoais que melhor são perceptíveis pela 1ª instância. À Relação caberá, sem esquecer tais limitações, analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns, não bastando, para eventual alteração, diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida. Assim, se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum. Não basta, pois, que o recorrente pretenda fazer uma “revisão” da convicção obtida pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção “era possível”, sendo imperiosa a demonstração de que as provas indicadas impõe uma outra convicção. Torna-se necessário que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que demonstre não só a possível incorrecção decisória mas o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção. No caso que nos ocupa, da leitura das conclusões do presente recurso, não é possível extrair a alegação e demonstração, daí que, mostrando-se a convicção da Meritíssima Juiz de 1.ª instância adequadamente fundamentada e configurando uma solução plausível, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, não há como não a manter. Para além disso, pese embora a prova não tenha sido produzida perante a Meritíssima Juiz que proferiu a sentença, certo é que esta formou uma convicção tão válida quanto a que nós poderemos formar, que também só temos acesso a um registo da prova gravada. Improcede, pois, este fundamento do recurso. 4. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente, que sai vencida, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC. Porto, 17 de fevereiro de 2022 Maria do Rosário Pais - Relatora José Coelho - 1.º Adjunto Irene Isabel das Neves - 2.ª Adjunta |