Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00568/10.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/03/2012
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
ACTO INTERRUPTIVO
DILIGÊNCIA ADMINISTRATIVA
Sumário:I - O prazo de prescrição dos créditos da Segurança Social referentes a cotizações e contribuições interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida – artigo 63.º, n.º 2 da Lei n.º 17/2000, de 08-08; artigo 49.º, n.º 2 da Lei n.º 32/2002, de 20-12; e artigo 60.º, n.º 4 da Lei n.º 4/2007, de 16-01.
II - Consideram-se diligências administrativas todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social
Recorrido 1:J..., Lda.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou prescritas as dívidas de contribuições da Segurança Social dos períodos de Julho de 2001 a Setembro de 2004, no processo de oposição à execução fiscal n.º 568/10.3BEBRG deduzido por J…, Lda., NIPC 5…, com sede no Lugar…, Vila Nova de Famalicão, interpôs o presente recurso jurisdicional, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1- A douta sentença considerou prescritas as dívidas exequendas que compreendem os períodos de 07/2001 a 09/2004, fazendo uma errada interpretação do n.º 3, art. 63 da lei 17/2000 ao não considerar os factos interruptivos ocorridos antes de completado o prazo de prescrição.
2- Sucede que, in caso, no decurso do prazo de prescrição aplicável de 5 anos, de acordo com o n.º 2 do artigo 63º da lei 17/2000 de 8 de Agosto com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro em conjugação com o n.º 2 do art. 10 do DL n.º 199/99, de 8 de Setembro, ocorreu uma causa de interrupção do mesmo em 05/06/2006 sob a forma de notificação do executado no âmbito da medida 6, para estar presente numa reunião agendada para o dia 20-06-2006 acompanhada do extracto de contribuições e juros de mora em dívida à segurança social, no sentido de reconhecimento e cobrança administrativa da respectiva dívida, com a advertência que a falta injustificável determina a sua cobrança coerciva, revestindo este acto uma diligência administrativa tendente à liquidação e cobrança coerciva da dívida.
3- Ou seja, na contagem do prazo de prescrição deverá ter-se em consideração esta diligência administrativa como facto interruptivo da prescrição, por força do estabelecido no n.º 3 do art. 63º da Lei n.º 17/2000 de 8 de Agosto.
4- Tal, por si só, determina, no caso concreto que, por força daqueles preceitos legais, não tenha decorrido o aludido prazo de prescrição (o qual, em bom rigor, e caso não venha(m) a ocorrer quaisquer outras causas de suspensão do mesmo, e apenas ocorrerá em 05/06/2011.
5- A sentença recorrida violou as disposições conjugadas dos n.º 2 e 3 do artigo 63º da lei 17/2000 de 8 de Agosto com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro, n.º 2 do art. 10 do DL n.º 199/99, de 8 de Setembro e n.º 3 do art. 49º da LGT.
Termos em que, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos de execução relativamente às contribuições dos períodos de 07/2001 a 07/2005.».
A oponente contra-alegou concluindo da seguinte forma:
«1. Com o devido respeito pela decisão proferida pelo STA, aquando o envio dos autos a este Tribunal, o presente recurso não compreende o Reexame da Matéria de Facto, pois, em parte nenhuma das alegações ou das conclusões é peticionada qualquer alteração à Matéria de Facto Provada.
De Todo o Modo,
2. Ainda que se desse como provada a matéria aludida no despacho proferido pelo STA, certo é que, ainda assim, o presente recurso está votado à improcedência por tudo quanto referido nas alegações e conclusões já apresentadas nos presentes autos pela Recorrida as quais se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais e cuja validade não foi posta em causa pelas novas conclusões da Recorrente.
Na verdade,
3. A “notificação” aludida pela Recorrente, operada em 05-06-2006 está longe, mas muito longe mesmo, de ter a virtualidade de interromper qualquer prescrição.
Pois,
4. Com o devido respeito, não pode a Recorrente retirar das “notificações” supra, os efeitos que pretende, nomeadamente que se tratava de um acto tendente à Liquidação ou Cobrança das dívidas agora executadas.
5. Como bem assinalou a sentença recorrida, citando JORGE DE SOUSA “…considera-se que as diligências tendentes à cobrança com virtualidade interruptiva do prazo de prescrição, nos termos legais, terão de ocorrer no processo “administrativo conducente à liquidação ou” no processo “de execução fiscal conforme o acto interruptivo é praticado num ou noutro.””
6. Ou seja, da leitura da Lei e, bem assim, da Doutrina e da Jurisprudência que se tem debruçado sobre o texto legal, resulta à evidência de forma unânime, que só têm a virtualidade de interromper o decurso da prescrição as diligências administrativas, quaisquer delas, que tenham sido levadas a cabo num processo administrativo de liquidação ou num processo de execução fiscal, que são os meios próprios e legais tendentes ao apuramento da dívida ou à cobrança da mesma.
7. Mergulhando nos autos, é de mediana clareza para qualquer interprete, que uma convocatória para uma reunião – cujo assunto a tratar na mesma seria a actualização dos dados registados no âmbito da implementação de um novo sistema de informação, no qual a conta corrente da Recorrente apresentava uma situação irregular, que se pretendia esclarecer – levada a cabo à margem de qualquer processo administrativo de liquidação ou processo de execução fiscal não pode ter qualquer efeito interruptivo sobre a prescrição então já em curso.
8. Só aquando da sua citação (02-11-2009) é que tomou conhecimento da extracção das certidões de dívida executadas nestes autos, esse sim, um acto praticado num processo tendente à cobrança da dívida e, levado a cabo num processo executivo e, por tal, com efeitos interruptivos na prescrição em curso.
9. Pelo que, dúvidas não restam que todas as contribuições anteriores a Setembro de 2004 (inclusive) estão prescritas.
10. A recorrente pretende atribuir efeitos ilegítimos e ilegais a uma mera convocatória para uma reunião nas instalações da Segurança Social, reunião essa que, adiante-se até, nunca chegou a ser levada a cabo por culpa da própria Recorrente, que a desmarcou no respectivo dia de agendamento.
11. ou seja, nem sequer foi dada qualquer possibilidade, de o contribuinte esclarecer as eventuais irregularidades da sua conta corrente.
12. Aliás, repare-se que a posição da Recorrente é de tal forma destituída de Sentido que, como bem adiantou a sentença recorrida:
Em todo o caso, mesmo que assim não se entendesse, o certo é que face à aplicação subsidiária da LGT nos termos acima referidos, sempre se teria de entender que:
a) O efeito interruptivo cessaria passado um ano, nos termos do art.º 49.º/2 da LGT; e
b) A citação da oponente não teria efeito interruptivo no prazo prescricional, face à redacção do art.º 49.º n.º 3 da LGT vigente à data da sua citação.
Pelo que, nesse caso, não só estariam sempre prescritas todas as dívidas anteriores a Março de 2004, à data de hoje, como mensalmente, iriam prescrevendo todas as restantes dívidas a menos que se verificasse qualquer causa suspensiva do prazo prescricional”, o que, adiantamos nós, não ocorreu.”
13. Ou seja, a Recorrente ao defender que as convocatórias supra referidas teriam a virtualidade de interromper a prescrição – que não têm – consegue meter-se numa “camisa de sete mangas”, pois, como se viu, corre o risco de, mensalmente, ver prescrever as demais dividas peticionadas na Execução.
14. No mais sempre entendemos que é inconstitucional, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrártico, consagrado no artigo 2º da C.R.P. e, bem assim, por violação do art.º 103 n.º 3 da C.R.P., a norma constante do art.º 60.º, n.º 4 da Lei 4/2007 de 16 de Janeiro e art.º 63.º n.º 3 da Lei 17/2000 de 08 de Agosto e no art.º 49.º n.º 2 da Lei 32/2002 de 20 de Dezembro, no entendimento segundo o qual, uma mera notificação, levada a cabo à margem de qualquer processo de liquidação ou de cobrança, para o contribuinte estar presente numa reunião, no âmbito de um plano de “análise e actualização dos dados registados” na Segurança Social, visando “proceder ao esclarecimento” do facto de naqueles registos a sua conta corrente se encontrar em situação irregular, integra o conceito de “diligência administrativa”…”conducente à liquidação ou à cobrança da dívida” a que aludem os referidos preceitos legais e que, por tal, tem a virtualidade de interromper o prazo de prescrição então em curso.
15. Inconstitucionalidade essa que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
16. Conclui-se, assim, pela manifesta improcedência do recurso».
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso por entender que o ponto 4 do probatório consubstancia uma diligência administrativa enquadrável no n.º 3 da Lei n.º 17/2000, funcionando como facto interruptivo, uma vez que «teve em vista não só a tentativa de cobrança extrajudicial das dívidas de contribuições em apreço, mas também teve em vista a correcta liquidação das mesmas.», conclusão que «depreende-se dos termos em que foi efectuada a notificação da devedora para a diligência em questão, pois verifica-se ter-lhe sido remetido um extracto de conta corrente, o qual, cotejado com as certidões de dívida (títulos executivos dos PEF,s), denota algumas diferenças, quer ao nível dos valores em dívida, quer quanto aos períodos temporais de incidência.».

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Questão a decidir:
Saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao considerar prescrita a obrigação tributária.
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 DE FACTO
II.1.1 O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como provada a seguinte factualidade, que se transcreve:
«1 - Os processos de execução fiscal nº 0301200900237477 e aps. foram instaurados contra a oponente, visando a cobrança de dívidas à Segurança Social relativas a:
a. Contribuições referentes aos meses de 07/2000, 07/2001, 12/2001, 01/2002, 05/ 2002 a 01/2003, 04/2003 a 11/2005, no montante de €249.979,95;
b. Cotizações referentes aos meses de 04/2003, 09/2003 a 07/2004, 10/2004 a 12/2004, 01/1005 a 03/2005, e 09/2005, no montante de €3.179,94; e
c. Juros de mora de pagamentos efectuados fora de prazo, referentes aos meses de 07/2000, 12/2000, 01/2001, 12/2001, 01/2002 a 06/2002, 08/2002 a 06/2003 e 08/2003 a 11/2005, no montante de
€4.631,57.
2 - Por despacho datado de 19-01-2010 foi extinta a execução quanto às dívidas provenientes de contribuições de 07/2000, e de juros de 07/2000 a 01/2001, respectivos juros de mora e custas processuais, e, parcialmente, quanto às contribuições relativas a 05/2002.
3 - As quantias constantes da certidão de dívida n.º 664263/2007, em execução, relativas aos meses de 04/2003, 09/2003 a 07/2004, 10/2004 a 12/2004, 01/1005 a 03/2005, e 09/2005, não são devidas.
4 - Em 05-06-2006 e 12/06/2006 foi a executada notificada para estar presente em reunião agendada para o dia 20-06-2006, no âmbito de um plano de “análise e actualização dos dados registados” na Segurança Social, visando “proceder ao esclarecimento” do facto de naqueles registos a sua conta corrente se encontrar em situação irregular, tendo sito junta à referida notificação um extracto da referida conta corrente, onde constavam como estando em dívida, entre outras, as contribuições ora em execução.
5 - As certidões de dívida exequendas foram emitidas em 29-03-2007.
6 - Os processos de execução fiscal em oposição foram instaurados em 23-09-2009.
7 - A oponente foi citada em 02-11-2009.
8 - A oposição deu entrada em 27-11-2009, no o.e.f., e em 10-03-2010, neste Tribunal Tributário.».
II.2 DE DIREITO
A questão que se coloca nos presentes autos é saber o Tribunal a quo errou o julgamento ao considerar prescrita a obrigação tributária, cuja resposta passa pela solução a dar a uma outra questão, a de se saber se a notificação do contribuinte a convocá-lo para uma reunião nos termos constantes do ponto 4 do probatório é facto interruptivo da prescrição.
Estão em causa contribuições para a Segurança Social do período de Julho de 2001 a Setembro de 2004 que o Tribunal recorrido considerou prescritas.
O prazo de prescrição da obrigação de pagamento das quotizações e das contribuições é de cinco anos – era esse o prazo no âmbito da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto (artigo 63.º), que se manteve com a Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro (artigo 49.º), que revogou aquele diploma, e consta hoje do artigo 60º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que por sua vez revogou a Lei n.º 32/2002, e que tem o seguinte teor nos seus n.ºs 3 e 4 (n.º 4 que corresponde ao n.º 3 do artigo 63º da Lei n.º 17/2000; ao n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 32/2002):
«3- A obrigação do pagamento das quotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
4- A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.».
Tendo em conta este prazo de prescrição e o período das contribuições em dívida, quando a executada foi citada em 02-11-2009, já estariam prescritas as dívidas, caso não tivesse ocorrido qualquer facto interruptivo.
Entendeu a sentença recorrida que não ocorreu qualquer qualquer facto interruptivo e declarou as dívidas prescritas.
Tese contrária defende o recorrente dizendo que a notificação em 05-06-2006 da recorrida a que se reporta o ponto 4 do probatório, interrompeu o prazo de prescrição, por se considerar uma diligência administrativa.
Mas, salvo o devido respeito carece de razão.

Vejamos.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, in Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Áreas Editora, p. 119, «Diligências administrativas serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao titular».
As diligências em causa serão, assim, as praticadas no processo administrativo quando estamos ainda na fase da liquidação; serão as praticadas no processo executivo quando estamos na fase de cobrança coerciva da dívida devidamente liquidada.
Só as diligências praticadas dentro de um procedimento ou processo, no sentido de um conjunto de actos previstos e concatenados com vista à prossecução de um resultado, se podem dizer que são “conducentes” a esse resultado, no caso à liquidação ou à cobrança.
Assim tem decidido de forma pacífica o Supremo Tribunal Administrativo não se vislumbrando fundamentos para discordar, designadamente no Acórdão de 21-04-2010, processo n.º 23/10, onde se lê: «…no âmbito do regime especial previsto pela Lei 17/2000 a instauração da execução não constitui circunstância interruptiva, sendo a prescrição interrompida por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida. Como vem sublinhando de forma unânime a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (vide, por exemplo, os Acórdãos de 11.03.2009, recurso 1033/08 e de 02.12.09, recurso 951/09, ambos in www.dgsi.pt), diligências administrativas, para este efeito, serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor (como a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do acto que a decide).» Sublinhado nosso. No mesmo sentido, também os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11-03-2009, processo 50/09 e de 12-11-2008, processo 588/08.
No caso em recurso a administração fiscal considera como diligência administrativa com capacidade interruptiva a notificação que tem como assunto “convocatória para uma reunião” no âmbito de um plano de “análise e actualização dos dados registados” na Segurança Social, visando “proceder ao esclarecimento” do facto de naqueles registos a sua conta corrente se encontrar em situação irregular, tendo sito junta à referida notificação um extracto da referida conta corrente, onde constavam como estando em dívida, entre outras, as contribuições ora em execução (facto 4 do probatório).
Ora, tal notificação não foi encetada no âmbito de um processo administrativo com vista à liquidação das contribuições, nem no âmbito de um processo executivo pelo que não tem a virtualidade de interromper o prazo de prescrição.
E deste modo, tal como decidiu a sentença recorrida, as dívidas em causa no recurso estão prescritas.
III – DECISÃO
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Porto, 03 de Maio de 2012
Ass. Paula Cadilhe Ribeiro
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Álvaro Dantas