Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01982/24.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:VITOR SALAZAR UNAS
Descritores:RECLAMAÇÃO;
PRESCRIÇÃO;
DECLARAÇÃO EM FALHAS;
Sumário:
I – Será declarada em falhas pelo órgão da execução fiscal a dívida exequenda e acrescido quando, em face de auto de diligência, se verifique algum dos casos elencados no n.º 1 do art. 272.º do CPPT.

II – Para efeitos de contagem do prazo da prescrição, a declaração em falhas (rectius a ocorrência das circunstâncias que determinam a declaração em falhas) faz cessar o efeito duradouro da citação enquanto causa de interrupção da prescrição, o que significa que se iniciará novo prazo de prescrição.

III - A declaração em falhas pressupõe a demonstração da falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários [alínea a), do n.º 1 do art. 272.º do CPPT] e que essa demostração pode ser requerida e determinada judicialmente se o órgão de execução fiscal não o tiver feito ou se sindicados os termos dessa demonstração.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO:
«AA», com os demais sinais nos autos, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a Reclamação de atos do órgão de execução fiscal, que deduziu no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º ...96 e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças ..., contra a sociedade «[SCom01...], LDA», para cobrança coerciva de dívidas de IRC, IRS e IVA, dos anos de 2008, 2009 e 2010, ascendendo a dívida exequenda a € 35.976,88, contra a decisão de 27.08.2024 que indeferiu o pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«(…).
I. Nos presentes autos, a Recorrente apresentou reclamação de ato de órgão de execução fiscal que indeferiu a prescrição alegada pela ora Recorrente relativamente às dívidas decorrentes do processo de execução fiscal n.º ...96 e apensos.
II. Por sentença proferida pelo Tribunal Recorrido foi decidido o seguinte: “Nos termos e com os fundamentos expostos ante, julga-se a presente reclamação improcedente, mantendo-se a decisão reclamada.”.
III. Não pode a Recorrente concordar com tal entendimento, por considerar haver erro de julgamento na apreciação da prova e por considerar não ter feito o Meritíssimo Juiz a quo a mais correta e adequada interpretação das normas jurídicas relevantes para o caso em questão, como passaremos a explanar infra.
IV. Considera, pois, a Recorrente que foi incorretamente julgado como provado o facto assim considerado sob a letra F), a saber “Em 29-01-2019 foi proferido despacho pelo OEF por via do qual foi declarado em falhas a dívida exequenda – (facto não controvertido – Conclusão XI a XIII e art. 14.º da Resposta);”.
V. É que, o facto em causa representa um facto que só pode ser provado por documento, o qual não foi junto aos autos pela Recorrida.
VI. Ao contrário do que considerou o Tribunal recorrido na motivação de facto, a alínea F) da matéria de facto dada como provada não consubstancia um facto que se possa provar por acordo das partes, por aceitação, por confissão ou simplesmente por se entender que se trata de um facto não controvertido, mas antes um facto para cuja prova a lei exige prova documental (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil).
VII. Desde logo, a Recorrente não sabe, nem tem como saber, por nunca lhe ter sido comunicado pela Recorrida, se o processo de execução fiscal foi ou não declarado em falhas, quando é que essa declaração terá ocorrido ou até se já havia sido declarada em falhas em data anterior ao avançado pela Recorrida.
VIII. Resulta da própria letra do artigo 272.º do CPPT que a declaração em falhas exige a prévia elaboração de um auto de diligência que ateste uma das situações previstas nas suas alíneas.
IX. Assim, para que o facto F) da matéria de facto dada como provada pudesse ter sido dado como provado, necessário seria que dos autos constasse o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal por via do qual foi declarado em falhas a dívida exequenda, o que não sucede.
X. Não se mostrando junto aos autos tal despacho, jamais o Meritíssimo Juiz a quo poderia ter dado como provada a alínea F) da matéria de facto provada, por se tratar de um facto que só pode ser provado através de documento, pelo que, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.
XI. Pelo que, entende a Recorrente que o facto dado como provado sob a alínea F) foi-o incorretamente, atenta a circunstância de os autos não disporem da prova necessária para o considerar como tal e, consequentemente, mostra-se indispensável proceder-se a uma ampliação da matéria de facto tendente à fixação dos elementos sobre a tramitação do processo de execução fiscal em causa, devendo o Tribunal ad quem anular a sentença proferida e ordenar a baixa dos autos à primeira instância, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 2 do Código de Processo Civil .
XII. Relativamente à questão da matéria de direito, à subsunção dos factos ao direito, ao seu enquadramento jurídico e à decisão final, temos por certo que o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 411.º, 590.º, n.º 2, alínea c) e 607.º, n.º 5, estes do Código de Processo Civil, os artigos 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária, os artigos 326.º e 327.º do Código Civil e o artigo 272.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
XIII. Primeiramente, e por uma questão de lealdade processual, a Recorrente quer deixar esclarecido que o presente recurso não versa sobre o prazo de prescrição aplicável às dívidas em causa, nem sequer do duplo efeito (interruptivo e suspensivo) originado pela citação da Recorrente.
XIV. Posto isto, in casu, estamos perante uma dívida referente a IRC, IRS e IVA dos anos de 2008, 2009 e 2010, pelo que o início do decurso do prazo de prescrição, reportado ao ano mais antigo, ocorreu a 01/01/2009 (cfr. artigo 48.º da LGT).
XV. Como resulta da factualidade dada como provada, a Recorrente foi citada, em reversão, do processo de execução fiscal n.º ...96 e apensos no dia 13/12/2010.
XVI. Ora, tal como prevê o n.º 1 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, “a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição”.
XVII. Quer isto dizer que, aquando da citação datada de 13/12/2010, o prazo de prescrição decorrido anteriormente tem-se por inutilizado.
XVIII. Para além disso, quanto à duração da interrupção, é certo que “a jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art.º 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC” (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 02030/21.0BEPRT, datado de 04-05-2022, disponível em www.dgsi.pt ).
XIX. Com efeito, determina o n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”.
XX. Não olvidando que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar”.
XXI. Sendo certo que, nos processos de execução fiscal, considera-se como decisão que lhe ponha termo, a declaração em falhas (A título exemplificativo, vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05-04-2017, no processo n.º 0304/17, disponível em www.dgsi.pt ).
XXII. Pode ler-se, então, no artigo 272.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sob a epígrafe “Declaração em Falhas”, que “Será declarada em falhas pelo órgão da execução fiscal a dívida exequenda e acrescido quando, em face de auto de diligência, se verifique um dos seguintes casos: a) Demonstrar a falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários; (…)” (sublinhado e negrito nosso).
XXIII. In casu, foi dado como provado que a declaração em falhas ocorreu em 29/01/2019, data a partir da qual se terá reiniciado o decurso do prazo de prescrição (não se olvidando o alegado supra quanto a esta concreta questão).
XXIV. Na reclamação apresentada, a ora Recorrente insurgiu-se contra a data concreta em que a dívida exequenda foi declarada em falhas, no entanto, tal alegação não foi conhecida pelo Tribunal recorrido.
XXV. É que, como tem sido o entendimento predominante dos Tribunais Superiores, a declaração em falhas não pode ser um ato discricionário, mas antes um ato cujos pressupostos da sua emanação se encontram expressamente previstos na lei e deve ocorrer aquando da sua verificação (Nesse sentido, por exemplo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 20-12-2023, processo n.º 00920/23.4BEPRT e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30-03-2023, processo n.º 251/22.7BEFUN, ambos disponíveis em www.dgsi.pt ).
XXVI. Na reclamação apresentada, a ora Recorrente defendeu que a declaração em falhas realizada no processo se tratou de um ato contrário à lei, por ter sido verificada consoante foi a vontade do órgão de execução fiscal, o que é manifestamente violador dos princípios da legalidade, proporcionalidade, justiça e boa-fé, o que não se pode aceitar.
XXVII. O Meritíssimo Juiz a quo não se debruçou sobre a questão da declaração em falhas, não tendo indagado se a mesma deveria (ou não) ter sido declarada em data anterior, o que é absolutamente relevante e imprescindível para que se possa decidir corretamente sobre a verificação da prescrição da dívida exequenda.
XXVIII. Para além disso, da certidão do processo de execução fiscal junta pela Reclamada nada consta sobre diligências de penhora por si efetuadas, nem os resultados das mesmas, nem sequer o despacho de declaração em falhas, o que, para além de muito se estranhar, não permite que a sentença proferida seja apta à realização da justiça e à boa decisão da causa.
XXIX. O Tribunal recorrido limitou-se a analisar o decurso do prazo prescricional considerando a data da citação da Recorrente e a data da declaração em falhas avançada pela Recorrida, sem que, como vimos, este documento tivesse sido junto aos autos, como era imperativo.
XXX. In casu, dos autos não resultam elementos suficientes para que o Tribunal apreciasse, ainda que a título incidental, se os requisitos para a declaração em falhas se mostravam preenchidos em data anterior à que alegadamente foi declarada, o que apenas se mostra possível com a junção integral da certidão do processo de execução fiscal e apensos em causa, por parte da Recorrida, que, apesar de ter sido notificada para o efeito, não cumpriu o determinado pelo Tribunal recorrido.
XXXI. Face a tal incumprimento da Recorrida, competia ao Meritíssimo Juiz a quo, ao abrigo do disposto nos supra transcritos normativos, ordenar a sua notificação para juntar aos autos o processo de execução fiscal e apensos completo, por forma a que permitir a prolação de uma sentença fundada e esclarecida sobre a prescrição das dívidas alegada pela ora Recorrente e, não o tendo feito, violou os disposições legais em causa (cfr. os artigos 411.º e 590.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil).
XXXII. Pois, só em face do conhecimento de todos elementos constantes do processo de execução fiscal é que será possível concluir pela verificação da prescrição, ou não, da dívida exequenda nos presentes autos, na medida em que desses elementos pode resultar, inequivocamente, que o despacho da declaração em falhas devia ter sido proferido em momento anterior ao que alegadamente foi por estarem reunidos os respetivos pressupostos legais previstos no artigo 272.º do CPPT e que, só por falha ou arbitrariedade do órgão de execução fiscal, tal não ocorreu (Cfr. o supra citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30-03-2023, processo n.º 251/22.7BEFUN e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28-02-2024, processo n.º 01321/22.7BEPRT, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
XXXIII. Não olvidando, “que a declaração em falhas deve ser considerada como decisão que põe termo à execução para efeitos de reinício da contagem do prazo prescricional.” (Vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26-09-2024, processo n.º 251/22.7BEFUN e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05-04-2017, processo n.º 0304/17, ambos disponíveis em www.dgsi.pt ).
XXXIV. Não descurando que, apesar da competência para a declaração em falhas caber ao órgão de execução fiscal, pode o Tribunal, ao debruçar-se sobre a apreciação da prescrição da dívida exequenda, analisar, a título incidental, se os requisitos para a declaração em falhas se mostravam preenchidos em data anterior a essa declaração (Nesse sentido, o já citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26-09-2024, processo n.º 251/22.7BEFUN, disponível em www.dgsi.pt ).
XXXV. Pelo que, não reunindo os autos os elementos necessários ao adequado conhecimento da prescrição da dívida exequenda, mostra-se indispensável a ampliação da matéria de facto, com vista a fixar elementos sobre a tramitação concreta e exata do processo de execução fiscal n.º ...96 e apensos, de modo a esclarecer se se impunha ou não a prolação do despacho de declaração em falhas, por parte do órgão de execução fiscal, em data anterior à que terá sido proferido, pois só assim se poderá decidir criteriosamente da verificação, ou não, da prescrição da quantia em dívida.
XXXVI. É que, em virtude da não junção aos autos do processo de execução fiscal completo e da prolação de sentença que não o analisou, como deveria ter ocorrido, torna-se imperativa a junção aos autos de um documento que reflete a tramitação do processo em causa e que tem como a primeira data da declaração em falhas o dia 16/01/2014! (cfr. documento que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).
XXXVII. Documento esse que deve ser admitido pelo Tribunal ad quem, ao abrigo do disposto no artigo 651.º do Código de Processo Civil, na medida em que a Recorrente apenas se vê obrigada a juntá-lo em virtude da não junção completa do processo pela Recorrida e da não determinação do mesmo pelo Tribunal recorrido, o qual proferiu de imediato sentença.
XXXVIII. Para além disso, o documento em causa é bastante revelador da necessidade de ser anulada a sentença proferida, impondo-se ao Tribunal a quo que se debruce devidamente sobre a reclamação da Recorrente.
XXXIX. Por tudo o acima exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença recorrida ser anulada, ordenando-se a baixa dos autos à primeira instância para instrução e ampliação da matéria de facto, com as legais consequências daí advenientes
NESTES TERMOS, DEVE O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, ANULANDO-SE A SENTENÇA PROFERIDA E ORDENANDO A BAIXA DOS AUTOS PARA INSTRUÇÃO E AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
ASSIM FARÃO V.EX.AS INTEIRA JUSTIÇA.»
Não foram apresentadas contra alegações.
O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso do qual se extrata os seguintes termos:
«Sopesados os argumentos do recurso versus o despacho judicial ora posto em crise, entendemos que a reclamante/recorrente tem razão.
Desde logo, sobre a questão central do recurso, na matéria dada como assente na sentença recorrida consta a letra F), que fixou o seguinte:
Em 29-01-2019 foi proferido despacho pelo OEF por via do qual foi declarado em falhas a dívida exequenda – (facto não controvertido – Conclusão XI a XIII da Reclamação e art. 14.º da Resposta);”, a qual é manifestamente insuficiente para aquilatar da verificação ou não da insuficiência de bens por parte da executada.
Fazendo nossas as palavras do recentíssimo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.02.2024, prolatado no processo 01321/22.7 BEPRT1 in www.dgsi.pt, sublinhe-se que:
“(…) A declaração em falhas, como resulta da sua regulamentação, constante dos arts. 272.º a 274.º do CPPT, tem como finalidade justificar que o órgão da execução fiscal – a quem compete tramitar a execução fiscal e extingui-la «dentro de um ano contado da instauração, salvo causas insuperáveis, devidamente justificadas» [cf. arts. 10.º, n.º 1, alínea f), e 177.º do CPPT] mantenha o processo de execução fiscal parado (sem outras diligências em ordem à cobrança) quando verificar a impossibilidade da sua cobrança, decorrente de algum dos casos elencados no art. 272.º do CPPT. Nesses casos, o processo será mantido numa situação de “extinção provisória” (que pode converter-se em definitiva) até que ocorra a prescrição (momento em que a “extinção provisória” se torna definitiva) ou até que, dentro do prazo da prescrição, deixe de se verificar o motivo que determinou a declaração em falhas, caso em que a execução fiscal prosseguirá. Ou seja, a declaração em falhas tem como escopo permitir que o órgão da execução fiscal fique dispensado de outras diligências em ordem à cobrança da dívida e deixe o processo parado, sem consequência disciplinares ou até ao nível da responsabilidade subsidiária (cf. art. 85.º, n.º 3, do CPPT) para os funcionários responsáveis pela sua tramitação.
(…)”
Por outro lado, nas palavras de JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, a declaração em falhas, que caracteriza com um ato de ordenação, da categoria de mero trâmite, «corresponde a um acto meramente declarativo em execução fiscal, que sendo decisivo na configuração do processo, não transporta, em si mesmo, efeitos jurídicos autónomos, limitando-se a atestar situações preexistentes».
Sobre a natureza jurídica dos atos praticados em execução fiscal, veja-se ...19, pág. 51, e-book do Centro de Estudos Judiciários, A Execução Fiscal, disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=Vc5HNrD3V1U%3D&porta lid=30. O mesmo artigo encontra-se também disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/59862/1/Nat%20jur%C3%ADd ica%20atos%20PEF.pdf.
Sem prejuízo do que se deixou dito, não se pode ignorar o entendimento jurisprudencial adotado pelo STA, de que, para efeitos de contagem do prazo da prescrição, a declaração em falhas (rectius a ocorrência das circunstâncias que determinam a declaração em falhas) faz cessar o efeito duradouro da citação enquanto causa de interrupção da prescrição, o que significa que se iniciará novo prazo de prescrição, geralmente de oito anos, tão-logo se verifiquem as circunstâncias elencadas no artigo 272.º do CPPT, as quais terão que ser confirmadas, através de auto de diligência.
Com efeito, há muito tempo que a jurisprudência sustenta que a interrupção da prescrição decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar ou, noutra formulação, que nos casos em que o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, mas sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas.
No mesmo sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, pág. 62.
Daí resulta, inequivocamente, que a data em que deve ser emitida essa declaração em falhas assume relevância para efeitos de prescrição, a qual, como é sabido, é de conhecimento oficioso (cf. artigo 175.º do CPPT), motivo por que, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «o tribunal deve dela tomar conhecimento independentemente do objecto do processo e de a questão ter ou não sido previamente colocada à administração tributária» (Ob. cit., 23).
(…)
Nos termos do disposto no artigo 272.º do CPPT, a declaração em falhas pressupõe a demonstração da falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários (alínea a))
(…)
“Decorre, assim, do exposto que para que a declaração em falhas de um processo executivo possa ocorrer em determinada data, haverá que se ter por demonstrado no processo, a falta de bens penhoráveis quer do executado, quer dos responsáveis solidários e subsidiários.
Voltemos ao nosso caso.
Compulsado o processo executivo nº ...96 e apensos instaurado pelo SF de ... – cf. pese embora o constante no ponto G da matéria de facto dada como provada [SITAF], verifica-se que daquele PEF só foi proferido – secamente - despacho de declaração em falhas, por parte do órgão de execução fiscal, sem contudo existir auto de diligências, a dar conta da verificação de quaisquer das situações previstas nas als. a a c) do artigo 272º do CPPT, para que se possa considerar, o processo em declaração em falhas, sendo que a falta deste desiderato constitui erro de julgamento de facto e de direito.
Assim, verificando-se nos autos uma omissão de diligência acerca dos elementos determinantes para a fixação de factos relevantes de modo a ajuizar se estão ou não prescritas as dívidas exequendas, impõe-se a baixa dos autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto com vista a obter todos os elementos que suportem a decisão jurídica a proferir, após aquisição de tal prova.
Concedendo, por isso, provimento ao recurso, no presente segmento, é de anular a sentença e ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo para a ampliação da matéria de facto e a prolação de nova decisão.
Em resumo, na nossa modesta opinião, entendemos que o recurso merece provimento, pelos motivos acima mencionados.»
*
Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo [cfr. artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR.
As questões que cumpre responder estão relacionadas com os erros de julgamento de facto e de direito em que, alegadamente, incorreu o tribunal recorrido a propósito da não declaração da prescrição da quantia exequenda e da manutenção do ato reclamado.
Porém, antes de mais, cumpre emitir pronúncia sobre a admissibilidade do documento junto agora com as alegações de recurso.


Da junção de documento com as alegações de recurso.
A primeira questão que importa, como questão prévia, resolver diz respeito à junção nesta sede recursiva do documento que materializa a tramitação eletrónica do processo fiscal em causa nos autos.
Nos termos do disposto no artigo 425.º do CPC “depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.”
Determina, por sua vez, o n.º 1 do artigo 651.º do citado diploma legal que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Como se refere no acórdão deste TCAN de 09.11.2023, proferido no proc. n.º 3419/19.0BEPRT, disponível para consulta em ww.dgsi.pt:
«Será assim possível, em sede de recurso, as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva [documento formado depois de ter sido proferida a decisão] ou subjectiva [documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido]. Vide, entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e seguintes.»
Conforme se extrai dos autos, a Recorrente juntou agora o documento que, alegadamente, evidencia a tramitação eletrónica da execução fiscal, pois, por não se encontrar junto aos autos a totalidade do processo de execução fiscal, o tribunal não o analisou, como deveria ter ocorrido», tornando-se «imperativa a junção aos autos de um documento que reflete a tramitação do processo em causa e que tem como a primeira data da declaração em falhas o dia 16/01/2014!».
Ora, considerando que o documento exterioriza, supostamente, a tramitação eletrónica da execução fiscal a sua produção terá ocorrido necessariamente em data anterior à da sentença, não se verificando, por isso, a superveniência objetiva do documento.
Haverá, então, que apreciar se se verifica a sua superveniência subjetiva, ou seja, se o documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e/ou, que se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido.
No acórdão do TCAN já mencionado, quanto à superveniência subjetiva, deixou-se referido o seguinte: «Conforme afirmam Antunes Varela. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a lei não abrange, neste último caso, a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida (vide Manual de Processo Civil. 2ª ed., pags. 533 e 534).
O advérbio ”apenas”, usado na disposição legal, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1.ª instância.
Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 95).»
No caso sujeito, a junção do documento tornou-se necessária em virtude, pelo menos, do julgamento de não reconhecimento da prescrição, como se passará a expor.
O tribunal proferiu a sentença, diga-se, em abono da verdade, não sem antes ter determinado expressamente a junção aos autos de certidão integral do processo de execução fiscal [cfr. despachos de págs. 279 e 285], ponderando as causas interruptivas e suspensivas do prazo prescricional com base nos elementos insertos nos autos e, no que para o presente recurso releva, tendo fixado como data de declaração em falhas o dia 29.01.2019.
Ora, analisando comparativamente o teor dos elementos constante dos autos e a tramitação eletrónica do processo de execução fiscal ora junta constata-se que nesta são assinaladas mais ocorrências processuais do que naqueles outros, desde logo, várias menções a declaração em falhas, a primeira das quais, como alega a Recorrente, a 16.01.2014.
Donde, por estar em causa a apreciação da prescrição, torna-se imperioso o tribunal estar na posse de todos os elementos do processo de execução fiscal, pelo que o documento que a Recorrente apresenta, neste sede recursiva, para comprovar a tramitação global do processo de execução fiscal, mostra-se, pois, necessário face ao julgamento efetuado pela primeira instância relativamente à fixação da data da declaração em falhas.
Nesta conformidade, admite-se a junção documento apresentado com as alegações do recurso.

*
III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – DE FACTO
Na sentença foi fixada matéria de factos nos seguintes termos:
«A) Corre termos no OEF o PEF ...96 e apensos, instaurado contra a sociedade [SCom01...], LDA, para cobrança coerciva de dívidas de IRC, IRS e IVA, dos anos de 2008, 2009 e 2010, ascendendo a dívida exequenda a € 35.976,88 (cfr. fls.25/27 do documento inserto a fls.26/237 SITAF);
B) Em 06-12-2010, foi elaborado pelo OEF no âmbito do PEF m.i. em A) “DESPACHO REVERSÃO” contra a Reclamante (cfr. 21/22 do documento inserto a fls.26/237 SITAF e cujo teor se dá por reproduzido);
C) Em 06-12-2010 no âmbito do PEF m.i. em A) foi emitido pelo OEF e dirigido à Reclamante por via postal registada com aviso de recepção “CITAÇÃO (Reversão)” – (cfr. fls.25/29 do documento inserto a fls.26/237 SITAF e cujo teor se dá por reproduzido);
D) Em 13-12-2010 o aviso de recepção supra referido foi assinado (cfr. fls.29 do documento inserto a fls.26/237 SITAF e cujo teor se dá por reproduzido);
E) Em 15-12-2010 o OEF remeteu à Reclamante por via postal registada ofício com o assunto “CITAÇÃO PESSOAL – ARTIGO 241º CPC” – (cfr. fls.30/31 do documento inserto a fls.26/237 SITAF e cujo teor se dá por reproduzido);
F) Em 29-01-2019 foi proferido despacho pelo OEF por via do qual foi declarado em falhas a dívida exequenda – (facto não controvertido – Conclusão XI a XIII e art. 14º da Resposta);
G) Em data não concretamente apurada a Reclamante apresentou junto do OEF no âmbito do PEF m.i. em A) requerimento por via do qual requereu a declaração de “prescrição” do PEF m.i. em A) (cfr. documento nº1 junto à PI);
H) Em 02-08-2024 o OEF proferiu “Informação” sobre a qual recaiu “despacho” de indeferimento do requerimento referido supra (cfr. documento nº1 junto à PI e cujo teor se dá por reproduzido);
I) Em 05-12-2024 o OEF remeteu ao Sr. Mandatário do Reclamante ofício por via postal registada com aviso de recepção dando-lhe conhecimento da decisão referida supra (cfr. fls.1 do documento inserto a fls.25/126 SITAF);
J) Em 27-07-2018 foi proferida sentença de declaração de insolvência da Reclamante no âmbito do processo ..53/1...T8VNF que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão - Juiz ..., sendo o despacho de exoneração do passivo restante proferido em 17-01-2023 (cfr. documento nº 1 e documento nº4 juntos à PI e cujo teor se dá por reproduzido);
K) Em 12-09-2024 a PI da presente reclamação foi remetida por via postal registada ao OEF (cfr. fls.3/25 SITAF).
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Inexistem outros factos provados ou não provados com relevo para a decisão a proferir.
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Motivação:
A decisão da matéria de facto dada como provada foi efectuada com base no exame e análise dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e que foram juntos pelas partes, assim como no exame e estudo dos elementos juntos aos autos e na posição das partes, consoante se anota em cada alínea do probatório.
Foi da análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, se sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados – cfr. artigo 74º LGT, 76º nº 1 LGT e artigo 362º e ss do CC.»
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Alteração oficiosa à matéria de facto .
O tribunal na alínea J) da matéria de facto fez constar que «Em 27-07-2018 foi proferida sentença de declaração de insolvência da Reclamante no âmbito do processo ..53/1...T8VNF que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão - Juiz ..., sendo o despacho de exoneração do passivo restante proferido em 17-01-2023 (cfr. documento nº 1 e documento nº4 juntos à PI e cujo teor se dá por reproduzido)
Ora, analisados os documentos que suportaram a factualidade elencada no ponto em exegese, não se consegue percecionar a data da declaração de insolvência. Na verdade, o documento n.º 1 junto com a PI trata-se da decisão reclamada e a informação que a sustentou a qual, somente, atesta que “o prazo de prescrição esteve suspenso por declaração de Insolvência de pessoa singular e exoneração de passivo restante (Proc.º ..53/1...T8VNF), de 27-07-2018 a 17-01-2023 (…).” E, por sua vez, o documento 4 consiste na cópia do despacho de exoneração do passivo restante proferido a 17.02.2023, no âmbito do processo de insolvência.
Assim, perante a insuficiência de prova documental junta aos autos que ateste a data da declaração de insolvência altera-se o mencionado ponto J) que passa a ter o seguinte teor:
«No âmbito do processo de insolvência n.º ..53/1...T8VNF que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão - Juiz ..., a 17.01.2023 foi proferido despacho de exoneração do passivo restante.» [cfr. doc. 4 junto com a PI].
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IV –DE DIREITO:
A Recorrente faz incidir, desde logo, a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto realizado na sentença.
Erro de julgamento da matéria de facto?
A Recorrente, quanto ao erro de julgamento da matéria de facto, pugna pela eliminação do facto elencado em F), por o mesmo só poder ser demonstrado através de prova documental que não existe.
Vejamos.
O apontado facto encontra-se formulado nos seguintes termos: «Em 29-01-2019 foi proferido despacho pelo OEF por via do qual foi declarado em falhas a dívida exequenda.»
O facto foi assim considerado por o tribunal ter entendido tratar-se de um «facto não controvertido – Conclusão XI a XIII e art. 14.º da Resposta».
Compulsados os autos, como bem nota a Recorrente, não se deteta a existência de qualquer despacho proferido pelo órgão de execução fiscal a determinar a declaração em falhas. A menção à sua existência consta do ponto 1 da alínea C) da informação que antecedeu o despacho reclamado que, por sua vez, remete para “o despacho junto aos autos”, o que não se verifica.
Donde, a factualidade em análise só podia ser demonstrada por prova documental e não, tão somente, com base na consideração de ser um facto não controvertido.
E, sendo assim, tratando-se de um evento relevante com impacto na contagem do prazo prescricional, impunha-se que o tribunal empenhasse um maior esforço instrutório na sua demonstração. É certo que o tribunal solicitou o envio da certidão com a totalidade da execução fiscal, mas, perante a constatação da inexistência do mencionado despacho nos elementos que foram juntos e uma vez que havia sido feita referência à sua existência na informação que antecedeu o despacho reclamado, devia ter insistido especificamente pela sua junção.
Nesta conformidade, por insuficiência de prova documental que ateste a sua verificação, elimina-se a alínea F) da matéria de facto.
Estabilizada a matéria de facto, impõe-se prosseguir agora o conhecimento o recurso para o erro de julgamento da matéria de direito.
Erro de julgamento de direito?
A Recorrente entende, em suma, que o «tribunal recorrido limitou-se a analisar o decurso do prazo prescricional considerando a data da citação da Recorrente e a data da declaração em falhas avançada pela Recorrida, sem que, como vimos, este documento tivesse sido junto aos autos, como era imperativo»; e que «in casu, dos autos não resultam elementos suficientes para que o Tribunal apreciasse, ainda que a título incidental, se os requisitos para a declaração em falhas se mostravam preenchidos em data anterior à que alegadamente foi declarada, o que apenas se mostra possível com a junção integral da certidão do processo de execução fiscal e apensos em causa, por parte da Recorrida, que, apesar de ter sido notificada para o efeito, não cumpriu o determinado pelo Tribunal recorrido.»; Ora, «face a tal incumprimento da Recorrida, competia ao Meritíssimo Juiz a quo, ao abrigo do disposto nos supra transcritos normativos, ordenar a sua notificação para juntar aos autos o processo de execução fiscal e apensos completo, por forma a que permitir a prolação de uma sentença fundada e esclarecida sobre a prescrição das dívidas alegada pela ora Recorrente e, não o tendo feito, violou os disposições legais em causa (cfr. os artigos 411.º e 590.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil)»; «Pois, só em face do conhecimento de todos elementos constantes do processo de execução fiscal é que será possível concluir pela verificação da prescrição, ou não, da dívida exequenda nos presentes autos, na medida em que desses elementos pode resultar, inequivocamente, que o despacho da declaração em falhas devia ter sido proferido em momento anterior ao que alegadamente foi por estarem reunidos os respetivos pressupostos legais previstos no artigo 272.º do CPPT e que, só por falha ou arbitrariedade do órgão de execução fiscal, tal não ocorreu (Cfr. o supra citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30-03-2023, processo n.º 251/22.7BEFUN e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28-02-2024, processo n.º 01321/22.7BEPRT, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).»
Feita a súmula da pretensão recursiva, vejamos agora a fundamentação da sentença para uma melhor compreensão da questão decidenda, desenvolvida nos seguintes moldes:
«A prescrição constitui uma excepção peremptória que determina a transformação da obrigação jurídica em natural, pois que a parte que dela beneficia pode opor-se ao seu cumprimento coercivo, constituindo um facto extintivo do direito invocado em juízo que importa a extinção da execução fiscal (cf. artigos 304.º n.º l do CC, 576.º n.º 3, 729.º alínea g) e 731.º do CPC e 204. ° n. ° l alínea d) do CPPT).
A prescrição, como instituto jurídico cujo fundamento radica na certeza e na segurança jurídica, traduz-se na faculdade concedida ao devedor de, decorrido determinado prazo legalmente fixado, poder recusar o cumprimento da obrigação, deixando o credor tributário de poder exigir o pagamento da prestação tributária (artigo 304.º nº 1 do CC).
Enquanto no CPT o prazo de prescrição era de 10 anos (artigo 34.º CPT), com a entrada em vigor da LGT, em 01-01-1999, foi aquele prazo encurtado para 8 anos (artigo 48.º da LGT), sendo este o aqui aplicável atendendo a que as dívidas em causa nos presentes autos referem-se aos períodos compreendidos entre os anos de 2008 e 2010.
Este normativo foi alterado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30.12, com a entrada em vigor em 01-01-2005, que conferiu ao seu n.º 1 a seguinte redação:
“As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”.
Por seu turno, o artigo 49.º da LGT, na sua versão originária, conferida pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17.12, dispunha, quanto à interrupção e suspensão da prescrição, o seguinte:
“1 – A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que tiver decorrido após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 – O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso”.
Porém, este normativo foi pouco depois alterado pela Lei n.º 100/99, de 26.07, que passou a incluir, no respetivo n.º 1, também a citação como causa interruptiva do prazo prescricional, tendo este regime sido, novamente, alterado pela Lei n.º 53.º-A/2006, de 29.12 (Lei do Orçamento do Estado para 2007), com início de vigência em 01/01/2007, que conferiu ao preceito a seguinte redacção:
“1 – A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – (Revogado pelo artigo 90º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12)
3 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 – O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.”
Na sequência desta alteração legislativa, a partir de 01/01/2007, a interrupção do prazo de prescrição passou a operar uma única vez, atenta a nova redação do n.º 3 do artigo 49.º, aplicando-se aos factos interruptivos verificados após a sua entrada em vigor, em conformidade, de resto, com a disciplina geral da sucessão de leis no tempo [artigos 12.º, n.º 1 e n.º 3 da LGT e 12.º do Código Civil].
O diploma legal sob apreço – a enunciada Lei n.º 53.º-A/2006, de 29.12 – no artigo 91.º inseriu ainda uma norma transitória relativa à revogação da regra que antes constava do n.º 2 do referido artigo 49.º da LGT, estabelecendo que “A revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objeto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo.”.
Esta disposição transitória deverá ainda ser interpretada em consonância com o disposto no artigo 297.º, n.º 1 do Código Civil que, em matéria de concorrência de leis no tempo, determina que “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso”, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar (neste sentido o Acórdão do STA de 13-01-2010, processo n.º 01148/09, disponível em www.dgsi.pt).
Cumpre salientar que a enunciação dos factos interruptivos da prescrição no n.º 1 do artigo 49.º da LGT, não prevê directamente os efeitos da interrupção da prescrição pelo que não fixando este diploma, quer na anterior redacção quer na actual redação introduzida no artigo 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, os efeitos dos actos interruptivos, nomeadamente não definindo nem esclarecendo se tais actos têm efeito instantâneo ou duradouro, essa regulamentação deve ser extraída do CC (aplicável ex vi artigo 2.º alínea d) da LGT), diploma que regula os princípios gerais de direito e prevê um regime da prescrição das obrigações, sendo dele que nos devemos socorrer para obter uma resposta legislativa às questões que o regime da prescrição das obrigações tributárias consagrado na lei tributária não regulou diretamente (vide Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, p. 57 e segs., apud Acórdão do STA de 13 de Março de 2019, processo n.º 1437/18.4BELRS, disponível em www.dgsi.pt).
No presente caso, resulta do probatório o seguinte:
-a dívida exequenda mais antiga reporta-se ao período de 2008 – alínea A);
-em 13-12-2010 ocorreu citação pessoal em reversão da Reclamante no PEF – alíneas C) e D);
-em 29-01-2019 a dívida exequenda foi declarada em falhas – alínea F).
Desde logo façamos aqui um parêntesis para referir que a citação pessoal efectuada obedeceu a todos os requisitos legais previstos no art. 191º nº3 e 192º do CPPT cfr. decorre das alíneas C) e D) do probatório, sendo válida e eficaz.
Isto posto, o prazo de prescrição pode ser interrompido pela citação, a qual possui duplo efeito interruptivo e duradouro e cujo terminus é diferido para a data da decisão que ponha termo ao processo, devendo equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas (no sentido de que, para os efeitos em causa, a declaração em falhas deve equiparar-se à decisão que ponha termo ao processo, vide os Acórdãos do STA de 26 de Maio de 2021, proferido no processo com o n.º 518/20.9BELLE e de 24 de Novembro de 2021, proferido no processo com o n.º 972/21.1 BEBRG).
No caso sub juditio, a citação pessoal da Reclamante ocorreu em 13-12-2010, ou seja, em data muito anterior ao decurso do prazo de prescrição de 8 anos, tendo por referência a dívida exequenda reportada ao ano de 2008, e cujo início do prazo de prescrição ocorreu em 01-01-2009, pelo que naquela data e antes de decorrido o prazo de 8 anos de prescrição se interrompeu e suspendeu o prazo de prescrição decorrente do já referido duplo efeito instantâneo e duradouro da citação.
A este propósito, refira-se que na enunciação dos factos interruptivos da prescrição no n.º 1 do artigo 49.º da LGT, não se prevê directamente os efeitos da interrupção da prescrição pelo que não fixando este diploma, quer na anterior redacção quer na actual redacção introduzida no artigo 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, os efeitos dos actos interruptivos, nomeadamente não definindo nem esclarecendo se tais actos têm efeito instantâneo ou duradouro, essa regulamentação deve ser extraída do CC (aplicável ex vi artigo 2.º alínea d) da LGT), diploma que regula os princípios gerais de direito e prevê um regime da prescrição das obrigações, sendo dele que nos devemos socorrer para obter uma resposta legislativa às questões que o regime da prescrição das obrigações tributárias consagrado na lei tributária não regulou diretamente (vide Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, p. 57 e segs., apud Acórdão do STA de 13-03-2019, processo n.º 1437/18.4BELRS, disponível em www.dgsi.pt).
Aliás, como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-01-2016 (processo n.º 1698/15):“[i]mporta lembrar que a Lei Geral Tributária não regula o instituto da prescrição – que é um instituto comum – na sua completude, antes apenas os aspectos que, atenta a natureza tributária da dívida, merecem nomeação especial em face do direito comum, a saber, em especial, o respectivo prazo, o termo inicial da sua contagem, os factos interruptivos e suspensivos do prazo, o conhecimento oficioso da prescrição. // Não contém a lei tributária uma definição de prescrição, como nada diz quanto aos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos do respectivo prazo, porquanto tal matéria pressupõe a aplicação do direito comum, atenta a unidade do sistema jurídico” (ex vi Acórdão do STA de 13/01/2021, processo n.º 02496/19.8BEBRG, disponível em www.dgsi.pt).
Como também se lê no Ac. do STA de 29.01.2014, proferido no proc. n.º 01941/13, disponível em www.dgsi.pt, cuja fundamentação se adere sem reservas, “(…) III - Constituem factos interruptivos do prazo de prescrição de dívidas por contribuições à segurança social a notificação do potencial revertido para audiência prévia à reversão bem como a citação deste para a execução fiscal, sendo que este segundo facto interruptivo tem eficácia duradoura (artigo 327.º n.º 1 do Código Civil), mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal.”
De facto, o efeito interruptivo duradouro resultante da citação implica que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cf. art. 327.º n.º 1 do CC).
Deste modo, no que concerne à citação, não estando previsto um regime especial sobre os seus efeitos, seria de lhe atribuir os que lhe reconhece o CC postulando que esse efeito é não só o instantâneo [de inutilizar o tempo decorrido], mas também o efeito duradouro [de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo] (vide Jorge Lopes de Sousa, Sobre a prescrição da Obrigação Tributária, ex vi Acórdão do TCAN de 17/09/2019, processo n.º 02350/10.9BEPRT, disponível em www.dgsi.pt).
Por conseguinte, e contrariamente ao aduzido pela Reclamante, no que respeita aos efeitos da citação, enquanto facto interruptivo previsto no artigo 49.º n.º 1 da LGT, teremos de recorrer à aplicação dos normativos ínsitos no CC mormente os artigos 326.º n.º 1 e 327.º n.º 1.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou expressamente, e por diversas vezes, sobre a evolução dos regimes legais que disciplinam as causas de interrupção e suspensão da prescrição, pronunciando-se no sentido da não violação do princípio da protecção da confiança em matéria fiscal (cfr. entre outros, Acs. 592/12, de 5.12.2012, e Acórdão 6/14 de 7.01.2014, ambos in www.tribunalconstitucional.pt.).
O mesmo sucedeu com os Acórdãos do STA de 06-12-2017, proferido no processo nº 1300/17, e de 17-02-2018, proferido no processo nº 1463/17, mas também, no Acórdão do Tribunal Constitucional de 12-02-2015, proferido no processo nº122/2015 que decidiu “Não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 49.º, números 1 e 2, da lei geral tributária (…)”, nomeadamente na interpretação supra referida do art. 49º nº 1 da LGT, por violação do princípio da legalidade, consagrado no artigo 103º nº 2 da CRP, dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança e legítimas expectativas dos administrados, ínsitos no primado do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2º da CRP, na respectiva Lei de Autorização Legislativa nº 87-B/98, de 31/12 (artigos 112º nº 2 e 198º nº 1 b) da CRP) e da reserva de lei da AR.
Acresce que, conforme se disse, no Ac. do TCAS de 19.09.2017, proferido no proc. n.º 06294/13, “As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.341; ac. Tribunal Constitucional 232/2003, de 13/5/2003; ac. Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/2/2010).
Já o princípio da proporcionalidade, é explicitado como princípio material informador e conformador da actividade administrativa, no citado artº.266, nº.2, da C.R. Portuguesa, assim implicando a juridicidade de toda a actividade da Administração (cfr. artº.5, nº.2, do anterior C.P.A.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.801 e seg.).
De acordo com o mesmo, na actuação administrativa terá de existir uma proporção adequada entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir (cfr. José Manuel Santos Botelho, e Outros, Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2000, pág.67, em anotação ao artº.5). No âmbito do procedimento tributário, a consagração de tal princípio resulta do artº.55, da L.G. Tributária, tendo expresso desenvolvimento no artº.46, do C.P.P. Tributário. O princípio da proporcionalidade obriga a Administração Tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações procedimentais que sejam desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado impor aos mesmos contribuintes (cfr. Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.448 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.449 e seg.).
Por último, a Constituição da República consagra no seu artº.266, os princípios fundamentais por que se deve reger a actividade da Administração Pública, entre os mesmos surgindo, após a revisão constitucional de 1997, o princípio da boa-fé (cfr.nº.2). A expressa menção deste princípio, desenvolvido no direito civil (cfr. v.g. artºs.227, 334 e 762, do C. Civil), significa que ele foi erigido pela Constituição à categoria de princípio jurídico autónomo de direito público. Mas não é transparente a sua especificidade dentro do âmbito dos princípios vinculativos da Administração.
Também não é líquido se o princípio da boa-fé é aqui recortado como princípio autónomo em relação ao princípio da protecção da confiança, há muito considerado pela doutrina e jurisprudência como uma dimensão material do princípio do Estado de Direito. Já no domínio da lei ordinária, vamos encontrar a boa-fé reconhecida no artº.59, da L.G. Tributária, normativo que consagra o princípio da colaboração entre a A. Fiscal e os contribuintes, o qual tem como núcleo essencial os deveres de informação recíprocos dos mesmos intervenientes no procedimento tributário gracioso, mais presumindo a boa-fé na actuação de ambas as partes. Esta presunção de boa-fé da actuação da Administração Tributária terá efeitos, essencialmente, ao nível da responsabilidade civil da administração perante os particulares, incluindo a que se traduz no pagamento de juros indemnizatórios, impondo aos que se considerem lesados a prova dos pressupostos em que assenta essa responsabilidade. Esta exigência recíproca de relacionamento segundo as regras da boa-fé já constava, igualmente, do artº.6-A, nº.1, do anterior C.P. Administrativo (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/1/2013, proc.6337/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/03/2016, proc.9282/16; J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.803 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.495 e seg.).» ( disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Em suma, não se mostra inconstitucional o entendimento segundo o qual a citação efectuada possui um duplo efeito instantâneo e duradouro, e violados os princípios da legalidade, proporcionalidade, justiça e boa fé uma vez que o órgão constitucionalmente competente, o Tribunal Constitucional, já validou tal entendimento.
Assim sendo, em 13-12-2010 interrompeu-se/suspendeu-se o curso do prazo de prescrição o qual se reiniciou em 29-01-2019 por via da declaração em falhas da dívida exequenda, pelo que só após o decurso do prazo de prescrição de 8 anos contado desde esta última data é que ocorrerá a prescrição da dívida exequenda, não padecendo de qualquer ilegalidade esta interpretação do quadro legal aplicável pois é o que, desde logo o STA, vem defendendo e perfilhando – vide os supra referidos Acórdãos do STA de 26 de Maio de 2021, proferido no processo com o n.º 518/20.9BELLE e de 24 de Novembro de 2021, proferido no processo com o n.º 972/21.1 BEBRG.
Finalmente, e relativamente à relevância da declaração de insolvência da Reclamante e da exoneração do passivo restante, resulta do art. 245º nº2 d) do CIRE que a exoneração do passivo restante não abrange os créditos tributários.
Ora, estando em crise nos autos créditos tributários, tal exoneração é despicienda e irrelevante.
Assim sendo, como é e em suma, com respaldo em toda a fundamentação supracitada, constituindo a citação m.i. em C) e D) causa interruptiva do prazo de prescrição com efeito interruptivo instantâneo [de inutilizar o tempo decorrido], mas também o efeito duradouro [de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo] e tendo a mesma ocorrido antes de decorrido o prazo de prescrição dos PEFs m.i. nas alíneas A) do probatório, tal facto obsta ao decurso do referido prazo, o qual se manteve em suspenso até 29-01-2019, data da prolação do despacho de declaração em falhas da dívida exequenda, tendo-se reiniciado nessa data, razão pela qual a presente reclamação terá de ser julgada improcedente, o que se decidirá.»
Exteriorizada a fundamentação da sentença, não obstante mostrar-se irrepreensível quanto à enunciação do regime prescricional aplicável ao caso vertido, espelhando ainda a melhor doutrina e jurisprudência sobre esta matéria, não a podemos validar na análise casuística da declaração em falhas, conforme passamos a dilucidar.
Como irradia da fundamentação exposta o tribunal teve como pressuposto na sua decisão a prolação a 29.01.2019 do despacho de declaração e falhas, que como vimos foi factualidade nesta instância eliminada.
Por outro lado, o tribunal proferiu a decisão na pressuposição de se encontrar junto aos autos a totalidade do processo de execução fiscal, o que como já fomos adiantando não tem adesão à realidade.
Na verdade, a informação que precedeu a decisão reclamada faz alusão ao despacho de declaração em falhas que, alegadamente, se encontra junto aos autos, o que não tem sustentação nos elementos do processo, não obstante o tribunal recorrido ter requerido e insistido pela junção da certidão integral do processo de execução fiscal, como melhor cuidamos de explicar aquando da admissão do documento junto pela Recorrente. Razão pela qual, aliás, eliminamos o ponto F) da matéria de facto.
Outrossim, a tramitação eletrónica do processo de execução fiscal junto do órgão de execução fiscal, sinaliza uma série de eventos que não se encontram materializados nos elementos juntos com a certidão enviada a pedido do tribunal, com potencialidade de interferirem na contagem do prazo de prescrição, designadamente as menções a “Declaração em falhas” ocorridas a 16.01.2014, 31.12.2015 e, eventualmente, o despacho referido na decisão reclamada só que com a referência ao dia 30.01.2019.
Como se colhe da jurisprudência mais recente do STA [vide, a título de exemplo, acórdão de 28.02.2024, proc. n.º 01321/22.7BEPRT], e deste TCA [por todos, acórdão de 22.06.2024, proc. n.º 2251/23.0BEBRG e de 13.03.2025, proc. n.º 1273/24.9BEBRG, este último com intervenção do mesmo coletivo]:
· Para efeitos de contagem do prazo da prescrição, a declaração em falhas [rectius a ocorrência das circunstâncias que determinam a declaração em falhas] faz cessar o efeito duradouro da citação enquanto causa de interrupção da prescrição [equiparando-se à decisão que põe termo ao processo aquela que declare a execução fiscal em falhas], o que significa que se iniciará novo prazo de prescrição.
· A declaração em falhas pressupõe a demonstração da falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários [alínea a), do n.º 1 do art. 272.º do CPPT] e que essa demostração pode ser requerida e determinada judicialmente se o órgão de execução fiscal não o tiver feito ou se sindicados os termos dessa demonstração.
No caso, a Recorrente coloca em causa a oportunidade da declaração em falhas na data proferida pelo órgão de execução fiscal entendendo que a mesma devia ter ocorrido em data anterior.
Ora, uma vez que a declaração em falhas [rectius a ocorrência das circunstâncias que determinam a declaração em falhas] faz cessar o efeito duradouro da citação enquanto causa de interrupção da prescrição, mostra-se essencial que os autos se encontrem instruídos com todos os elementos para que, com a certeza e segurança exigíveis, o tribunal possa aferir da(s) data(s) da sua efetiva verificação.
Outrossim, apesar de constar na tramitação eletrónica a suspensão da execução fiscal por força da declaração da insolvência (singular) da Reclamante e esta constar da decisão reclamada, para além do despacho de exoneração do passivo restante, inexiste nos autos qualquer elemento comprovativo das datas da declaração de insolvência e do encerramento do processo (elementos do processo de insolvência ou certidão do Registo Civil). E esta comprovação assume relevância no cômputo do prazo de prescrição, enquanto facto suspensivo do prazo de prescrição, nos termos do art. 100.º do CIRE.
Perante a insuficiência documental e as incongruências de datas, as quais têm que ser previamente sanadas através de melhor prova, não nos é possível estabelecer de forma inequívoca as datas relevantes para a declaração em falhas e da, eventual, suspensão do prazo de prescrição por força da declaração de insolvência.
Outrossim, da análise dos autos, conclui-se que o processo de execução fiscal não se encontra completo como à primeira vista podia parecer, impondo-se uma necessária melhor instrução dos autos quer através da solicitação de todos os elementos do processo de execução fiscal em falta quer por via de elementos que possam ser colhidos junto do processo de insolvência.
Verificando-se, assim, défice instrutório, impõe-se a remessa ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para promover as diligências instrutórias com vista ao esclarecimento cabal dos factos apontados ou outros que se considerem pertinentes e, posteriormente, proferir nova decisão.
Nesta conformidade, importa sanar o défice instrutório de que padece este processo, o que implica a anulação da sentença recorrida, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC, para ampliação da matéria de facto, como provada ou não provada, e posterior prolação de sentença, em conformidade, se a tanto nada mais obstar.
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Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, e nessa sequência, anular a decisão e ordenar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a fim de aí serem tomadas as diligências de prova indicadas e proferida nova decisão, se a nada mais obstar.

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Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I – Será declarada em falhas pelo órgão da execução fiscal a dívida exequenda e acrescido quando, em face de auto de diligência, se verifique algum dos casos elencados no n.º 1 do art. 272.º do CPPT.
II – Para efeitos de contagem do prazo da prescrição, a declaração em falhas (rectius a ocorrência das circunstâncias que determinam a declaração em falhas) faz cessar o efeito duradouro da citação enquanto causa de interrupção da prescrição, o que significa que se iniciará novo prazo de prescrição.
III - A declaração em falhas pressupõe a demonstração da falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários [alínea a), do n.º 1 do art. 272.º do CPPT] e que essa demostração pode ser requerida e determinada judicialmente se o órgão de execução fiscal não o tiver feito ou se sindicados os termos dessa demonstração.
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V – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, e nessa sequência, anular a decisão e ordenar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a fim de aí serem tomadas as diligências de prova indicadas e proferida nova decisão, se a nada mais obstar.

Custas pela Recorrida as quais não incluem taxa de justiça por não ter contra alegado.

Porto, 30 de abril de 2025


Vítor Salazar Unas
Ana Paula Santos
Maria do Rosário Pais