Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00236/16.2BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/09/2025
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:MARIA CLARA ALVES AMBROSIO
Descritores:NULIDADE DOS CONTRATOS POR AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL E DE FORMA LEGAL;
ARTIGO 289.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL;
INTERPELAÇÃO PARA PAGAMENTO; JUROS MORATÓRIOS;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte,

I. RELATÓRIO
[SCom01...], S.A. intentou acção administrativa contra FREGUESIA ..., na qual formulou o pedido de condenação da R. no pagamento de: “a) a quantia de €. 241.504,70 (…), a título de capital em dívida; b) a quantia de €.: 92.377,63 (…), a título de juros de mora já vencidos; c) e juros de mora vincendos, até efectivo e integral pagamento. (…)”.
Alega a A. para tanto, e em síntese, que foi contratada pela R. para a execução de trabalhos de pavimentação na Rua ..., Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., em relação aos quais emitiu e enviou à R. a factura n.º 280185, de 30.09.2008, acompanhada do respectivo auto de medição, no valor total de 21.617,54€ e data de vencimento a 29.11.2008; que celebrou com a R. um contrato de empreitada destinado à execução de trabalhos atinente ao “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...” e que, pela realização dos mesmos emitiu e enviou à R. as facturas: - n.º 2010024, de 31.01.2010, com vencimento a 01.04.2010, no valor de 104.343,67€; e, - n.º 2010032, de 22.02.2010, com vencimento a 23.04.2010, no valor de 8.102,68€; que as referidas facturas e respectivos autos de medição não foram objecto de reclamação e que uma vez vencidas, apesar de interpelada para o seu pagamento, a R. não as pagou.
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A Ré contestou a acção, pugnando pela improcedência da acção e em consequência, pela absolvição dos pedidos formulados.
Defende a R. que as obras de pavimentação da Rua ..., Rua ... e Rua ... foram contratadas e adjudicadas pelo Município ..., porquanto a freguesia ... não possuía verbas suficientes para o pagamento de tais trabalhos e que não pode ser responsabilizada pelo pagamento dos montantes respeitantes aos serviços descritos na factura n,º 280185, datada de 30.09.2008, no total de EUR. 51.617,54; que no que concerne às obras de “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...”, não contratou ou adjudicou a referida obra, até porque apesar de os prédios onde a mesma ter sido executada se situarem na freguesia, a verdade é que não é nem nunca foi proprietária dos mesmos; que tais terrenos foram objecto de um contrato promessa celebrado, em 10.01.2007, entre o Município ... e «AA», por meio do qual este último prometeu vender ao Município ... e este prometeu comprar uma área de quatro mil quatrocentos e doze vírgula quarenta metros quadrados, a desanexar dos prédios inscritos na matriz rústica da freguesia ... sob o artigo 230 e descritos na conservatória do Registo Comercial ... sob os n.ºs 285 e 746 e em contrapartida o Município ... obrigou-se a proceder ao loteamento em vinte e dois lotes, destinados a habitação unifamiliar, sendo da sua responsabilidade a execução dos projectos de arquitectura e dos projectos de especialidades, execução das infra-estruturas urbanísticas que lhe são inerentes, mais precisamente arruamentos e passeios, baias de estacionamento, rede pública de energia eléctrica, abastecimento de água, saneamento, telefones bem como ao pagamento das taxas de urbanização que lhe seriam aplicáveis; que os terrenos em causa se destinavam à construção de um novo cemitério, baía de estacionamento e logradouro e que o Município entrou de imediato na posse da parcela do terreno objecto do contrato-promessa.; que os trabalhos descritos nas facturas n.ºs 3 a 5 juntas com a petição inicial, correspondem aos trabalhos descritos na cláusula segunda do contrato promessa celebrado.
Concluiu a R. que a responsabilidade pelo pagamento dos valores reclamados pela A. é do Município ..., na medida em que os mesmos correspondem à execução dos trabalhos que assumiu realizar por força do aludido contrato promessa; que não negociou o preço das obras, não teve conhecimento das plantas ou projectos destinados à realização e execução das obras e não fiscalizou a execução da obra.
A R. requereu a intervenção principal provocada do Município ....
Foi admitida a intervenção principal provocada do Município ....
Citado, o Município ... apresentou contestação, na qual se defendeu por excepção, tendo suscitado a sua ilegitimidade processual, com fundamento em que alega não ter contratualizado nem ter assumido a responsabilidade pela execução das obras as quais foram contratualizadas, como alega a A., sob a exclusiva responsabilidade da R. Freguesia, com a consequente absolvição da instância.
Defendeu-se, ainda, o Município ..., impugnando os factos tal como foram apresentados pela A. e pela Ré, pugnando pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador no qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva suscitada pelo Interveniente Principal, Município ... e enunciados o objecto do litígio - saber se a autora tem direito a receber da União de Freguesias ..., ... e ..., ou do Município ..., a quantia de € 241.504,70, acrescida de juros vencidos de € 92.377,63, bem como de juros vincendos, referente à execução das obras de pavimentação da Rua ..., Rua ... e Rua ..., em ..., e do loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ... - e fixados os temas de prova - A) Execução, por parte da autora e no âmbito da sua atividade, dos trabalhos de pavimentação da Rua ..., da Rua ... e da Rua ..., em ..., e entidade com quem contratou essa execução; B) Valor dos trabalhos referidos na alínea anterior e emissão da respetiva fatura, sem que tenha sido formulada qualquer reclamação, e seu não pagamento no prazo estabelecido, não obstante interpelações feita pela autora nesse sentido; C) Execução, por parte da autora e no âmbito da sua atividade, dos trabalhos referentes ao loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ..., e entidade com quem contratou essa execução; D) Valor dos trabalhos referidos na alínea anterior e emissão das respetivas faturas, sem que tenha sido formulada qualquer reclamação, e seu não pagamento no prazo estabelecido, não obstante interpelações feita pela autora nesse sentido; E) Propriedade dos prédios em que foram executados os trabalhos referidos em C), celebração de contrato-promessa referente aos mesmos envolvendo o Município ..., e respetivos termos, bem como não celebração do contrato definitivo; F) Contactos feitos pelo então presidente da junta de freguesia ... junto do vereador da Câmara Municipal ..., e garantia dada por este de que a obra era do Município, e que por isso ia regularizar os pagamentos.
Realizou-se audiência final.
Em 12/11/2024 o TAF do Porto proferiu sentença, julgando a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou o Réu no pagamento à Autora do valor total de 241.504,70€, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data do respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento.
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Inconformada, a R. interpõe recurso, cujas alegações terminam com as seguintes CONCLUSÕES:
“A) Analisados Factos Provados constantes na sentença recorrida, constata-se desde logo que apenas se provou que a Autora faturou unilateralmente determinados serviços, mas não se provou que o preço faturado pela tenha sido aceite/acordado pela Ré.
B) Sucede que, para fazer corresponder o almejado "valor correspondente aos trabalhos efetuados decorrentes de contratos nulos" ao valor das faturas unilateralmente emitidas pela Autora era essencial demonstrar que o mesmo correspondia a contraprestação acordada/aceite pela Ré, o que manifestamente não foi cumprido.
C) Aliás, essa é a posição expressamente seguida pelo Acórdão do STA de 24/10/2006, proferido no processo 732/05, quando refere "(...) Nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficia do gozo de uma coisa - como no arrendamento - ou de serviços - como na empreitada, no mandato ou no depósito - a restituição em espécie não é, evidentemente, possível. Nessa altura, haverá que restituir o valor correspondente o qual, por expressa convenção das partes, não poderá deixar de ser a da contraprestação acordada. Isto é: sendo um arrendamento declarado nulo, deve a "senhorio" restituir as rendas recebidas e o "inquilino" o valor relativo ao gozo de que desfrutou e que equivale, precisamente, as rendas. Ambas as prestações restituitórias se extinguem, então, por compensação, tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroactiva, nestes casos. (...)". Percebe-se a tese seguida por este Acórdão STA de fazer equiparar o "valor correspondente aos trabalhos efetuados decorrentes de contratos nulos" ao preço acordado, pois aí há um consenso entre as partes quanta ao valor das obras em causa.
D) No entanto, como vimos supra, tal não ocorreu no presente caso.
E) Deste modo, pelos motivos supra expostos, entendemos que o Tribunal "a quo" utiliza um raciocínio equivocado, partindo de premissas erradas que acabam por inquinar as suas conclusões e subsequente decisão.
F) Salvo devido respeito, não podia ter sido feita a correspondência entre o "valor correspondente aos trabalhos efetuados decorrentes de contratos nulos" aos valores faturados unilateralmente pela Autora como decidiu a douta sentença recorrida.
G) Até porque, a utilidade resultante para a recorrente das obras realizadas pela recorrida limita-se ao estacionamento do cemitério ....
H) Uma vez que, a utilidade das obras de loteamento beneficiam o interveniente principal Município ..., actual possuidor dos prédios onde as obras foram realizadas, por força do contrato promessa de compra e venda celebrado com o proprietário dos mesmos.
I) Por outro lado, não existindo um preço acordado, também não se provou qual o efetivo valor concreto correspondente aos trabalhos efetuados e referentes ao estacionamento do cemitério ..., pois só relativamente a esta obra é que a Recorrente retira utilidade.
J) Não faz sentido que, para esse efeito, se utilize como referência, como decidiu o Tribunal "a quo", o valor unilateralmente faturado pela Recorrida.
K) Consequentemente, a presente ação sempre teria de ser julgada improcedente.
L) Por tudo isto, não pode a Recorrente aceitar acriticamente que os valores faturados exclusivamente pela Autora correspondam ao valor da obra em causa.
M) Conforme consta na douta sentença recorrida, o Tribunal "a quo" entendeu que os juros de mora seriam devidos desde a data do respectivo vencimento.
N) No entanto, o Tribunal "a quo" parece não ter levado em consideração que as facturas foram emitidas na sequência de alegados contratos que foram declarados nulos (inválidos) pelo próprio Tribunal
O) Assim, tais facturas emitidas no âmbito de contratos que afinal são inválidos não pode valer para o presente caso.
P) Uma coisa é o vencimento do prazo de pagamento do preço fixado num pretenso acordo, outra é o vencimento para restituir o que foi prestado na sequência da declaração de nulidade de um contrato, como sucede no presente caso.
Q) No máximo, os juros de mora, a serem devidos, teriam de ser calculados desde em que foi proferida a sentença que decretou a nulidade do contrato de empreitada e determinou a restituição de um certo a determinado valor e não a partir do vencimento das facturas.
R) Consequentemente, deve a douta sentença recorrida ser revogada em conformidade também nesta parte. TERMOS EM QUE DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, ANULANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA”
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A A. apresentou contra-alegações, nas quais apresentou as seguintes CONCLUSÕES:
A) Resulta de toda a matéria dada como provada, a execução pela Apelada de todos os trabalhos de empreitada que lhe foram solicitados pela Apelante;
B) Resulta igualmente que os autos de medição e as faturas respetivas foram rececionadas pela Apelante, nunca as tendo devolvido ou reclamado do valor das mesmas;
C) Resulta igualmente que, passados mais de 15 anos desde a data de vencimento das faturas, as mesmas ainda não foram pagas pela Apelante;
D) Resulta igualmente que desde a data de vencimento das faturas são devidos juros de mora, vencidos e vincendos até efetivo pagamento.
E) Sendo declarados nulos os contratos subjacentes à execução das obras efetuadas e dada a impossibilidade objetiva de restituição em espécie.
F) Deve a Apelante ser condenada a pagar o constante da Douta Sentença de que agora recorre. NESTES TERMOS, POR MANIFESTA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA E JURIDICA NÃO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO E, EM CONSEQUÊNCIA, VALIDANDO-SE A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA, NOS SEUS EXATOS TERMOS.”
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O recurso foi admitido e os autos foram remetidos a este TCAN.
O DMMP foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º do CPTA.
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II. OBJECTO DO RECURSO
O objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista; não conhece questões novas, isto é, questões que não tenham sido apreciadas pelo Tribunal recorrido, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito, conforme resulta dos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, todos do CPC.
Assim, a questão a resolver prende-se em saber se padece a sentença recorrida padece de erro de julgamento quando decide que a R. deve à A., a título de trabalhos efetuados, os valores faturados pela Autora e que os juros de mora devidos são contabilizados desde a data de vencimento das facturas.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1- De facto
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
A). Com data de 10.01.2007, «AA» e o Presidente da Câmara do Interveniente Principal subscreveram documento intitulado “Protocolo/ Contrato Promessa de Compra e Venda de uma Parcela de Terreno”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)” – cfr. fls. 42 a 45 dos autos «suporte físico»;
B). Com data de 15.01.2007, foi elaborada pelos serviços do Interveniente Principal Município, a “acta da reunião da Câmara Municipal ...”, da mesma data, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” – cfr. fls. 50 a 57 dos autos «suporte físico», fls. 269 e ss. e fls. 283 e ss. dos autos «SITAF»;
C). Com data de 03.06.2008, foi apresentado juntos dos serviços camarários do Interveniente Principal, um requerimento de “Licenciamento ou autorização de Loteamento ou obras de urbanização” em nome de «AA», dirigido ao Presidente da Câmara Municipal ..., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com o objectivo de “loteamento, com divisão em 21 lotes” e do qual consta, além do mais, “planta de localização”, “planta síntese- trabalho – arquitectura”, “cortes – arquitectura”, “planta de recursos acessíveis - arquitectura” e “memória descritiva e justificativa”. – cfr. fls. 333 e ss. dos autos «SITAF»;
D). Da “memória descritiva e justificativa” mencionada no ponto antecedente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” – cfr. fls. 333 e ss. dos autos «SITAF»;
E). Em 16.06.2008, em relação ao requerimento de licenciamento mencionado nos pontos antecedentes foi proferido despacho no sentido de dar seguimento ao processo. – cfr- fls. 378 e ss. do «SITAF»;
F). Em 31.07.2008, pelos serviços do Interveniente Principal foi proferida “Análise/ Informação Técnica”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”, sobre a qual recaiu despacho de concordância do Presidente da Câmara, em 14.08.2008 – cfr. fls. 378 e ss. dos autos «SITAF»;
G). Com data de 30.09.2008, a A. emitiu à R. a factura n.º 280185, com data de vencimento em 29.11.2008, no valor global de 51.617,54€, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) Descrição: “PAVIMENTAÇÃO DA RUA ..., Rua ..., BECO ... E Rua ...” | Auto de Medição Geral | Serviço efectuado durante o mês de Setembro /2008. (…)” – cfr. fls. 12 dos autos «suporte físico»;
H). Com data de 30.09.2008, a A. elaborou “auto de medição geral”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” – cfr. fls. 13 dos autos «suporte físico»;
I). Com data de 31.01.2010, a A. emitiu à R. a factura n.º 2010024, com data de vencimento em 01.04.2010, no valor global de 104.343,67€, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) Descrição: “LOTEAMENTO E PARQUE DE ESTACIONAMENTO DO CEMITÉRIO DE ...” | Auto de Medição n.º1 | Serviço efectuado durante o mês de Janeiro /2010. (…)” – cfr. fls. 14 dos autos «suporte físico»;
J). Com data de 29.01.2010, a A. elaborou “auto de medição n.º 1”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” – cfr. fls. 15 e 16 dos autos «suporte físico»;
K). Com data de 22.02.2010, a A. emitiu à R. a factura n.º 2010032, com data de vencimento em 10.04.2010, no valor global de 85.543,49€, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) Descrição: “LOTEAMENTO E PARQUE DE ESTACIONAMENTO DO CEMITÉRIO DE ...” | Auto de Medição n.º2 | Serviço efectuado durante o mês de Fevereiro /2010. (…)” – cfr. fls. 17 dos autos «suporte físico»;
L). Com data de 22.02.2010, a A. elaborou “auto de medição n.º 2”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” – cfr. fls. 18 dos autos «suporte físico»;
M). Com data de 31.03.2014, o Presidente da União de Freguesias R. endereçou um ofício sob o “Assunto: Informação de Dívida” ao Presidente da Câmara do Interveniente Principal, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”, sobre o qual recaiu despacho do Presidente da Câmara, no sentido de obter a informação sobre o processo judicial mencionado. – cfr. fls. 298 e ss. dos autos «SITAF»;
N). Com data de 20.10.2014, o vereador «BB» endereçou uma mensagem de correio electrónico ao Presidente da Câmara do Interveniente Principal, no qual anexava “proposta dirigida a V.Ex.ª sobre as infraestruturas associadas ao cemitério ...”, cujo teor (da referida proposta) aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”, sobre o qual recaiu despacho do Presidente da Câmara, em 21.10.2014, no sentido de remessa ao DAJF. – cfr. fls. 298 e ss. dos autos «SITAF»;
O). Com data de 28.11.2014, foi elaborada pelos serviços do Interveniente Principal Município, a “Informação n.º DAJF/03/2014”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) Em consequência, informo: (…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” – cfr. fls. 298 e ss. dos autos «SITAF»;
P). Com data de 01.12.2014, foi elaborada pelos serviços do Interveniente Principal Município, a “acta da reunião da Câmara Municipal ...”, da mesma data, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” – cfr. fls. 288 e ss. dos autos «SITAF»;
Q). Com data de 10.03.2017, «CC», na qualidade de viúva de «AA», endereçou ao Presidente da Câmara Municipal ..., uma carta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” – cfr. fls. 378 e ss. dos autos «SITAF»;
R). O presidente da Junta de Freguesia ... contratou verbalmente à sociedade A. a execução de trabalhos de pavimentação na Rua ..., Rua ... e Rua ..., na freguesia .... - cfr. declarações de parte de «DD»;
S). Relativamente à obra de ..., o Presidente da Junta de Freguesia, à data, acompanhou a execução da obra que durou cerca de 4 ou 5 dias. – cfr. depoimentos de «DD» e «EE»;
T). A obra relativa ao “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...” foi contratada, verbalmente, pela junta de freguesia .... - cfr. depoimentos de «BB» e «FF»;
U). A obra relativa ao “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...” foi executada e inaugurada em Setembro de 2009. – cfr. declarações «GG»;
V). O terreno onde foi executado o “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...” estava na posse do Município, em execução do “Protocolo/ Contrato Promessa de Compra e Venda de uma Parcela de Terreno”, outorgado entre «AA» e o Presidente da Câmara do Interveniente Principal, referido em A) supra. – cfr. documento A) supra e depoimento «BB»,
W). O projecto do “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...” foi elaborado pelos serviços da Câmara Municipal. – cfr. documentos supra mencionados em D) e F) e depoimento de «FF»;
X). A obra de execução do cemitério ... foi adjudicada pela Junta de Freguesia e financiada pela Câmara Municipal - cfr. depoimento de «BB»,
Y). A obra de execução do cemitério ... foi executada simultaneamente com a obra de “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...”. - cfr. depoimento de «FF» e «BB»;
Z). As facturas atinentes à execução da obra de pavimentação na Rua ..., Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., e da obra de “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...” foram enviadas às respectivas freguesias e não foram devolvidas ou reclamadas. – declarações de «DD» e «GG», e depoimento de «DD», «EE», «HH»;
AA). A execução da obra de pavimentação na Rua ..., Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., e da obra de “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...” não foi objecto de qualquer reclamação. – cfr. depoimento de «HH»;
AB). O Interveniente Município, na pessoa do então Presidente da Câmara ..., assumiu verbalmente o financiamento da junta de freguesia ... para a realização das infraestruturas atinentes à obra de “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...”. – cfr. documentos referidos supra em N) e O) e depoimento das testemunhas «BB» e «FF»;
AC). A petição inicial a que respeita a presente lide apresentada em juízo no dia 18.06.2015. – cfr. fls. 22 dos autos (suporte físico).
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Motivação (transcrição da sentença recorrida):
O Tribunal considerou positivamente as declarações de parte do legal representante da A., «DD», que explicou com clareza e objectividade a ordem de execução dos trabalhos descritos nas facturas cujo pagamento pretende. Foi um depoimento verdadeiro. Em concreto, quanto à obra de ..., mencionou que foi abordado pelo então Presidente da Junta, no seguimento da qual fez proposta que foi aceite. Referiu que executados os trabalhos enviaram auto de medição e respectiva factura a qual não foi paga. Declarou que não teve contacto com mais ninguém da Junta. No que concerne à obra de ... declarou que teve contacto com o então Presidente da junta para fazer o “loteamento e parque de estacionamento”, que foi a junta de freguesia que lhe solicitou a proposta e que lhe foi fornecido um projecto para tal. Recordou que houve acordos, da Junta com o Município, no sentido de este assumir o pagamento dos custos desta empreitada; que lhe foi dito pelo presidente da Junta que a Câmara iria dar “um subsidio” para a execução de tais obras. Afirmou que teve reuniões presenciais, no Município, com o presidente da ..., o advogado da Câmara e, possivelmente, também com o vereador «FF». Referiu a existência de relações comerciais anteriores quer com as juntas de freguesia, que com o Município e que, no caso em apreço, foi a junta de freguesia ... que chamou o Município ao processo, sendo que no que se reporta aos autos de medição, apesar de estes se apresentarem assinados só pela A., era o “presidente de junta que liderava o processo”. Diz que aquando da execução de obras da Câmara é nomeado um técnico para a acompanhamento das mesmas e que, na obra de ..., foi o presidente da junta que acompanhou a obra e não foi nomeado qualquer técnico. Por sua vez, das declarações de parte do legal representante da Ré, «GG», resulta que, quanto à obra de ..., este afirmou que foi o então presidente da junta quem lhe disse que a obra de pavimentação tinha sido ordenada pela Câmara. Todavia, esta afirmação não foi corroborada por qualquer documento ou depoimento, motivo pelo qual o Tribunal não a valorou. No que respeita à obra de ..., o declarante esclareceu a falta de espaço no cemitério ... e que, por esse motivo “não largou a Câmara para fazer o actual cemitério”. Explicou, de seguida, como se processou a aquisição do terreno entre a Câmara e o particular, e disse que foi o então Presidente da Câmara quem, cerca de 2009, contactou os “Irmãos «DD»” para a execução da obra, facto de que teve conhecimento durante um jantar. Contudo, disse, igualmente, que a Câmara Municipal “assumiu” com os “Irmãos «DD»” em ocasião que estava presente o próprio, o tesoureiro e o Sr. «DD». Declarou que a Junta de Freguesia não tem dinheiro para fazer obras, só têm o dinheiro do subsídio e que, por esse motivo, nunca contactou a A. para fazer este loteamento. Reconheceu que acompanhou a obra que “era na minha terra”, mas que não assinou contrato de empreitada e, que “teve acesso” ao projecto do cemitério, mas não ao projecto do loteamento. Afirmou, ainda assim, que não fiscalizou a obra do loteamento porque não tem conhecimentos de engenharia. Declarou que obra foi inaugurada em Setembro de 2009, com uma placa feita pela Câmara Municipal, em que estava presente o Presidente da Câmara, o Padre e o declarante. Afirma que, em 2010, a junta foi confrontada com as facturas e que contactou o vereador «FF» e o Presidente da Câmara para resolverem. Esclarece, porém, que tal não sucedeu porquanto o Município esteve em negociações até 2013, mas após essa data o executivo mudou e, o actual executivo não tinha fundamento para efectuar o pagamento. Afirmou que a obra foi executada. Em suma, ponderadas as declarações proferidas o Tribunal valorou-as parcialmente de forma positiva, na medida em que estas foram sendo corroboradas por documentos ou outros depoimentos. Com efeito, no que toca à declaração de não ter contratado a A. para a execução da obra de ... em causa nesta lide, a verdade é que as declarações em apreço são contraditórias: por um lado, declara que lhe foi comunicada a contratação num jantar, mas afirma também que a Câmara “assumiu”, depreende-se que o pagamento à A., numa ocasião em que também estava presente. Ora, se a Câmara teve que declarar assumir é porque tal não resulta do contratado. Acresce que, o declarante reconhece ter acompanhado a obra, mas não fiscalizado; e, por outro lado, afirma que aquando da inauguração da obra esteve presente enquanto representante legal da freguesia – ora, desta conduta resulta para o Tribunal que este se comportou como assumindo a posição de “dono de obra”. O depoimento da testemunha «DD» foi objectivo e, no que releva, recaiu sobre factos dos quais tem conhecimento directo como seja a duração e o acompanhamento das obras de ... efectuado pelo então presidente da junta; e, igualmente, a duração e o acompanhamento da obra de ... pelo seu presidente da junta, com o qual, referiu “resolvia problemas de projecto”, não obstante, declarar que desconhecia a sua formação. Declarou não ter conhecimento de ter sido apresentada qualquer reclamação quanto à execução da obra de .... O depoimento da testemunha «EE» foi, igualmente objectivo e, no que releva, recaiu sobre factos dos quais tem conhecimento directo. No essencial, corroborou o depoimento da testemunha «DD» quanto ao acompanhamento da obra por parte do presidente da .... Declarou não ter conhecimento de ter sido apresentada qualquer reclamação quanto à execução da obra de .... O depoimento da testemunha «HH» não teve grande relevância para a questão a decidir, com excepção da afirmação de que não teve conhecimento de qualquer reclamação quanto a nenhuma das obras em causa. O depoimento da testemunha «FF» revestiu-se de grande importância para o esclarecimento da causa e foi valorado positivamente. No que respeita à obra de ..., a testemunha disse não se recordar das mesmas. Esclareceu, ainda assim, que à data a sociedade A. executava muitas obras para o Município. Quanto à obra de ..., explicou o processo de aquisição do terreno para o cemitério ... – o que no essencial está corroborado por documentos – e quanto à sua execução referiu que “a Junta de Freguesia teria agilidade para contratar com a empreiteira e que a Câmara deu a sua anuência à Junta para fazer face a este valor”, aludindo, pois, a “compromissos assumidos pela Câmara não escritos”. Afirmou que houve uma “colaboração” entre a Junta e a Câmara, em que a Junta “concertou” todo o processo de construção, com vista a obter “ganhos de escala”. Declarou que o projecto de execução quanto ao loteamento e características base do cemitério terá sido elaborado pela Câmara, as que o “dono de obra” foi a Junta. Os depoimentos das testemunhas «II» e «JJ», ambas trabalhadoras na Câmara Municipal à data dos factos, reiteraram os demais depoimentos no que toca à inexistência de contratos escrito, ao referirem, por um lado, não terem conhecimento dos mesmos e, por outro, não lhes ter sido pedido auxilio para a sua elaboração. O depoimento da testemunha «BB» que foi presidente da Câmara Municipal no período de 01.09.2004 até 2013, foi relevante, objectivo e afigura-se verdadeiro ao Tribunal. A testemunha declarou desde logo não ter recordação das obras de .... Relativamente às obras de ..., a testemunha relatou o processo de aquisição do terreno destinado à ampliação do cemitério ..., esclarecendo que, no contrato promessa que foi celebrado com o particular para a aquisição do dito terreno, a Câmara assumiu a obrigação de realizar as obras para loteamento. Declarou que a Câmara não executou as obras em discussão nesta lide, e que as obras do cemitério foram mandadas fazer pela Junta de Freguesia com financiamento da Câmara. Amis referiu que “pediu à junta” por uma questão de economia de obra, com vista à sua melhor gestão, que determinasse a execução das obras em causa nos autos, até porque o presidente da junta queria fazer a obra mais rápido. Asseverou que não contratou as obras em causa com a sociedade A., e que solicitou a transferência de verbas para a freguesia, tendo obtido consenso das partes para o efeito, mas que faltou a sua formalização em deliberação. Declarou que as obras estão feitas. Referiu, ainda, que as obras no Município que são executadas pela sociedade A. são “bem feitas”. Em concreto, no que respeita às obras de pavimentação realizadas na freguesia ..., pese embora as declarações de «GG» que afirmou ter-lhe sido dito pelo então presidente da junta de ... que foi a Câmara que ordenou as obras, e bem assim o depoimento da testemunha «FF» que apesar de reconhecer não ter conhecimento de quem ordenou as obras, declarou “não acreditar” que o então presidente da junta ordenasse a execução das obras se não tivesse dinheiro para pagar; o Tribunal formou a sua convicção a este respeito, com base nas declarações do legal representante da A. e das testemunhas «DD», «EE» que tiveram contacto directo com o então Presidente da Junta e confirmaram que este actuou como dono de obra, acompanhando a respectiva execução.
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III. 2. DE DIREITO
A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida que julgou a acção parcialmente procedente, com a consequente condenação da R. no pagamento à A. da quantia de 241.504,70€, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal devida em cada momento, desde a data do respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento e pretende que deve o presente recurso jurisdicional ser julgado provado e procedente, com a consequente revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue improcedente o pedido formulado nesta acção ou, então, no máximo, que decida que os juros de mora, a serem devidos, teriam de ser calculados desde em que foi proferida a sentença que decretou a nulidade do contrato de empreitada e determinou a restituição de um certo a determinado valor e não a partir do vencimento das facturas.
A discordância da Recorrente com o decidido pelo Tribunal a quo assenta sobretudo em dois argumentos:
a) Não se fez prova de que a utilidade retirada pela Recorrente das obras realizadas pela Recorrida corresponde ao valor das facturas apresentadas a pagamento pela A./recorrida uma vez que impugnou os valores das facturas e dos autos de medição e negou a celebração do contrato de empreitada e consequentemente todos os elementos que compõem, entre eles o preço.
b) Tendo sido declaro nulo o contrato de empreitada celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, o pagamento de juros de mora vencidos e vincendos não pode ser calculados a contar da data de vencimento das facturas mas antes a partir da interpelação do respectivo obrigado, que no caso coincide com a citação já que não se provou que em momento anterior à citação tivesse a A. providenciado pela interpelação admonitória da recorrente para a restituição.
Vejamos.
A recorrente não aponta qualquer erro à matéria de facto selecionada pelo Tribunal a quo, designadamente, quanto aos factos G), H),I), J), K), L) relativos à emissão das facturas correspondentes aos montantes peticionados e aos respectivos autos de medição. Tão pouco impugna o recorrente os factos R) O presidente da Junta de Freguesia ... contratou verbalmente à sociedade A. a execução de trabalhos de pavimentação na Rua ..., Rua ... e Rua ..., na freguesia ...; S). Relativamente à obra de ..., o Presidente da Junta de Freguesia, à data, acompanhou a execução da obra que durou cerca de 4 ou 5 dias. T). A obra relativa ao “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...” foi contratada, verbalmente, pela junta de freguesia ...; U). A obra relativa ao “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...” foi executada e inaugurada em Setembro de 2009; V). O terreno onde foi executado o “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...” estava na posse do Município, em execução do “Protocolo/ Contrato Promessa de Compra e Venda de uma Parcela de Terreno”, outorgado entre «AA» e o Presidente da Câmara do Interveniente Principal; X). A obra de execução do cemitério ... foi adjudicada pela Junta de Freguesia e financiada pela Câmara Municipal; Y). A obra de execução do cemitério ... foi executada simultaneamente com a obra de “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...”; Z). As facturas atinentes à execução da obra de pavimentação na Rua ..., Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., e da obra de “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...” foram enviadas às respectivas freguesias e não foram devolvidas ou reclamadas.; AA). A execução da obra de pavimentação na Rua ..., Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., e da obra de “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...” não foi objecto de qualquer reclamação.
A recorrente refere nas suas alegações de recurso que a efectiva utilidade que se retira das obras em questão não é aquela que a sentença recorrida considerou, mas não adianta qual é, em alternativa, essa utilidade.
Sustenta também a recorrente que quem beneficia das obras é o Município, embora não o demonstre e os factos provados apontem para que tenha sido o Presidente da Junta de Freguesia ... que contratou verbalmente a sociedade A. para executar os trabalhos de pavimentação na Rua ..., Rua ... e Rua ..., na freguesia ... e a obra relativa ao loteamento e parque de estacionamento do cemitério de .... Defende, ainda, a recorrente que impugnou os valores das facturas e dos autos de medição, embora a factualidade provada demonstre que as facturas foram enviadas à R. e não foram devolvidas ou reclamadas nada resultando do probatório que permita dizer que a R. pôs em causa que as mesmas correspondam a trabalhos executados ou que o seu valor não corresponde a esses trabalhos.
Perante a factualidade apurada, designadamente a supra referida e não impugnada, o Tribunal a quo aplicou o corresponde quadro jurídico, extraindo-se da sua fundamentação o seguinte: “resulta da factualidade assente [pontos R) e T) probatório] que, em relação às identificadas empreitadas, as mesmas foram contratadas sem observância de qualquer procedimento concursal prévio, o que era imposto pelo artigo 16º n.1 do CCP, padecendo, por isso de uma invalidade procedimental que se traduz na total ausência do procedimento legalmente prescrito para a formação do contrato. E, tendo em consideração as finalidades prosseguidas pela estipulação de obrigatoriedade de observância do procedimento concursal legal típico, como seja a prossecução do interesse público, mas também a defesa dos interesses e direitos dos particulares, a ausência total desse procedimento imperativamente estipulado por lei, viola os princípios gerais da actividade da Administração e os especiais da contratação pública, designadamente, os princípios da legalidade, da imparcialidade, da transparência, do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos administrados, da prossecução do interesse público, da boa administração e da livre concorrência, tal invalidade não pode deixar de inquinar toda a negociação e os contratos de empreitada em apreço, com o desvalor da nulidade. Acresce que além do enunciado vício procedimental, os referidos contratos encontram-se igualmente afectados de uma nulidade que se repercute nos próprios contratos (invalidades originárias) a qual decorre da circunstância de os mesmos terem sido celebrados verbalmente, quando tinham de ser celebrados/ reduzidos a escrito (cfr. artigos 94º n.1 e 284º n.2 do CCP ex vi artigo 161º alínea g) do Código de Procedimento Administrativo) - invalidade originária essa à qual não se mostra aplicável o regime do n.4 do artigo 283º em nenhuma circunstância (não se está perante um vício de procedimento) - sendo, por isso, insusceptível de ser superada. Assim, ante o expendido, o Tribunal julga que no caso em concreto nos encontramos perante dois contratos nulos, por inobservância de forma, aos quais é aplicável o regime previsto no artigo 289º do Código Civil. (…) Destarte, revertendo à situação em apreço, o Tribunal julga que se encontra provado que a A. executou os trabalhos descritos nas facturas n.º 280185, n.º 2010024 e n.º 2010032 e respectivos autos de medição, a pedido do então presidente da junta ou de outrem por conta deste e que, tal ordem nunca foi reduzida a escrito ou titulada por novo contrato escrito [cfr. pontos G), H), I), J), K) e L) do probatório]. Da descrita circunstância decorre a nulidade dos identificados contratos e, por esse motivo, como se escreve no Acórdão supra citado, em face da impossibilidade objectiva de restituição em espécie, atento o que realmente está em causa, impõe-se a condenação da Ré - sem prejuízo do direito de regresso que eventualmente lhe possa caber por força de assunção verbal de financiamento por parte do Interveniente [cfr. ponto AB) do probatório] - no pagamento do valor correspondente à utilidade advinda da realização das obras executadas, o que se consubstancia nos valores indicados e peticionados pela A. [cfr. factura n.º 280185, de 30.09.2008, no valor total de 21.617,54€; factura n.º 2010024, de 31.01.2010, no valor de 104.343,67€; e, factura n.º 2010032, de 22.02.2010, no valor de 8.102,68€ - cfr. pontos G), I) e K) do probatório], acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos, desde o respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento (cfr. artigos 798º, 804 n.1 e 805º n.1, todos do Código Civil).”
Sendo pacífico que a A./recorrida executou a pedido da R., determinadas obras o que importa saber é se, não tendo a contratação de tais obras sido precedida de adequado procedimento concursal prévio e de não ter sido formalizada através de contrato escrito, ainda assim, a A./recorrida tem direito ao pagamento do respectivo preço como decidiu a sentença recorrida ou se, ao invés, tal pagamento não é devido, como sustenta a recorrente.
Importa começar por sublinhar que, como estabelece o artigo 2.º, n.º 1, alínea c) do CCP, a R./recorrente é considerada uma entidade adjudicante sujeita às regras procedimentais estabelecidas no CCP, constituindo o contrato de empreitada de obras públicas um contrato submetido à concorrência do mercado, pelo que, a sua celebração estava sujeita a procedimentos prévios previstos no CCP - artigo 16.º, n.º 2, alínea a) do CCP -, o que no caso em apreço, não aconteceu. Tão pouco foi celebrado qualquer contrato escrito, como era obrigatório - cf. o artigo 94.º, n.º 1 do CCP, e alínea d) do n.º 1 do artigo 95.º do CCP.
Apesar da inexistência de procedimento pré-contratual e da celebração do contrato por escrito, tal não significa que não tenha sido contratualizada verbalmente a execução dos trabalhos –v. itens R), T) do probatório - e seja reconhecida a efectiva execução dos trabalhos como demonstra o probatório, pois que, a R., depois de receber as facturas e os autos de medição correspondentes, não os devolveu ou de alguma forma manifestou a sua oposição aos valores e medições apresentadas, tendo, inclusive, o Presidente da Junta de Freguesia acompanhado a execução dos trabalhos de pavimentação na Rua ..., Rua ... e Rua ..., na freguesia ... – v item S) do probatório.
Estamos, pois, perante a ausência de procedimento pré-contratual nos termos do exigido pelo CCP e a carência absoluta de forma legal, vícios geradores da nulidade dos contratos, nulidade essa que, conforme prevê o artigo 285.º, n.º 2 do CCP, tem as consequências assinaladas no artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil, ou seja, a declaração de nulidade do negócio jurídico tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Neste sentido decidiu o STA em Acórdão de 17.12.2008, proferido no processo 0301/08, de acordo com o qual, “I - É nula, face ao disposto nos artºs 220º e 294º do C.Civil, no artº 48.º, nº 2, do DL 256/86 (cf. no mesmo sentido o n.º 2 do art. 47º do DL n.º 405/93, de 10/12) e no art. 184º do CPA, uma relação contratual estabelecida entre uma câmara e um empreiteiro com vista à construção, mediante retribuição, de uma obra pública visando a satisfação de necessidades públicas, e que não foi reduzida a escrito. II - No domínio da nulidade do contrato e do seu regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado (art.º 289.º do C. Civil) está vedado o recurso aos princípios do enriquecimento sem causa, em função do carácter subsidiário deste (art.º 474.º do C. Civil). III - A declaração de nulidade do negócio jurídico tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado. (art.º 289.º, n.º 1 do C. Civil). IV - Todavia, nos contratos de execução continuada, como é o caso da empreitada, em que uma das partes beneficie do gozo dos serviços cuja restituição em espécie não é possível, a nulidade não deve abranger as prestações já efectuadas, produzindo o contrato os seus efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução. […]”.
Do Acórdão citado retira-se que a nulidade do contrato, ou melhor a declaração da nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, sendo que, porém, nos contratos de execução continuada, como é o caso da empreitada (que está aqui em causa), em que uma das partes dela beneficie e cuja restituição em espécie não é possível, a nulidade não deve abranger as prestações já efetuadas, produzindo o contrato os seus efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução.
Veja-se qual foi o entendimento do STA nessas situações - acórdão do STA de 24.10.2006, proferido no processo 732/05: “O mesmo é dizer que o mecanismo do art. 289º/1 do C. Civil, com eficácia ex tunc, na sua radicalidade, se não se neutralizarem os efeitos da nulidade em relação às prestações já efectuadas, não assegura a restituição de tudo o que foi prestado. Resultado este que não cumpre a teleologia do próprio preceito e que se aliado à inaplicação do instituto de enriquecimento sem causa, é de uma injustiça flagrante e impele o intérprete a procurar outra via para realizar a maior justiça possível (vide Karl Larenz, “Metodologia da Ciência do Direito”, p. 398). E é nessa busca da melhor solução que se enquadra a abordagem feita pelo acórdão do STJ de 2002.07.11, tirado num caso, com algumas semelhanças, por ser, também do domínio das relações obrigacionais duradouras e cuja argumentação, passamos a transcrever: (…) Poder-se-ia argumentar que pela eficácia retroactiva da declaração de nulidade (artigo 289º, nº 1) tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado, ou produzido quaisquer efeitos, nessa medida se impondo inelutavelmente a restituição das aludidas importâncias solvidas em sua execução. Todavia, a nulidade, conquanto tipicizada pelos mais drásticos predicados de neutralização do negócio operando efeitos interactivos ex tunc, nem assim pode autorizar a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido. A celebração do negócio revela-o existente como evento e por isso não está ao alcance da ordem jurídica tratar o acto realizado como se este não houvesse realmente ocorrido, mas apenas recusar-lhe a produção de efeitos jurídicos que lhe vão implicados. Não é, por conseguinte, exacta a ideia de que, mercê da nulidade, tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado ou produzido quaisquer efeitos. Bem ao invés porque o contrato é algo que na realidade aconteceu, daí precisamente a sua repercussão no subsequente relacionamento jurídico das partes. Pode na verdade suceder que os contraentes tenham efectuado prestações com fundamento no contrato nulo, ou posto em execução uma relação obrigacional duradoura, dando lugar à abertura de uma vocacionada composição inter-relacional dos interesses respectivos - v. g., a sociedade desenvolveu normalmente as suas actividades comerciais, agindo e comportando-se os fundadores como sócios por determinado período de tempo, não obstante a nulidade do contrato social; sendo nulo o contrato de trabalho, todavia o trabalhador prestara efectivamente os seus serviços à entidade patronal. Neste conspecto - e ademais quando se pretenda estar vedado no domínio específico das invalidades o recurso aos princípios do enriquecimento sem causa pelo carácter subsidiário do instituto - observa-se estar hoje generalizado o entendimento segundo o qual deve o contrato nulo ser valorado, em semelhante circunstancialismo, e no que respeita ao desenvolvimento ulterior da aludida composição entre as partes (…) como «relação contratual de facto» susceptível de fundamentar os efeitos em causa (v. g., a remuneração do trabalho prestado no quadro do contrato laboral nulo por incapacidade negocial do trabalhador), encarados agora, não como efeitos jurídico-negociais de contrato inválido, mas na dimensão de efeitos (ex lege) do acto na realidade praticado. E, assim, tratando-se de relações obrigacionais duradouras, no domínio das quais, desde que em curso de execução, encontra em princípio aplicação a figura do «contrato de facto» - «contrato imperfeito» noutra terminologia; de «errada perfeição» (…) tudo se passará, nos aspectos considerados, como se a nulidade do negócio jurídico apenas para o futuro (ex nunc) operasse os seus efeitos.” Este entendimento converge, no essencial, com as posições de Rui Alarcão (in “A Confirmação dos Negócios Anuláveis”, I, Coimbra, 1971, pág. 76, nota 101) autor que considera que «a chamada restituição em valor virá, por vezes, a traduzir-se no respeito pela execução, entretanto ocorrida, do negócio» e de António Meneses Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, p. 874) que, a propósito, escreve: “Nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficia do gozo de uma coisa – como no arrendamento – ou de serviços – como na empreitada, no mandato ou no depósito – a restituição em espécie não é, evidentemente, possível. Nessa altura, haverá que restituir o valor correspondente o qual, por expressa convenção das partes, não poderá deixar de ser o da contraprestação acordada. Isto é: sendo um arrendamento declarado nulo, deve o “senhorio” restituir as rendas recebidas e o “inquilino” o valor relativo ao gozo de que desfrutou e que equivale, precisamente, às rendas. Ambas as prestações restituitórias se extinguem, então, por compensação, tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroactiva, nestes casos.” Concordamos, inteiramente, com a ideia de que a eficácia ex nunc é a melhor solução. Na verdade, pelas razões expostas, a regra do art. 289º/1 do C. Civil, que como vimos, se aplicada com efeitos ex tunc no domínio dos contratos de execução continuada de serviços se mostra inadequada à sua própria teleologia, carece de uma restrição que permita tratar desigualmente o que é desigual, isto é, deve ser objecto de redução teleológica, (cfr. Karl Larenz, ob. cit., pp. 450/457) de molde a que, nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficie do gozo de serviços cuja restituição em espécie não é possível, a nulidade não abranja as prestações já efectuadas, produzindo o contrato os seus efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, a exemplo do que, como afloramento da mesma ideia, está expressamente consagrado na nulidade, por equiparação, resultante da resolução dos contratos de execução continuada ou periódica (arts. 433º e 434º/2 C. Civil) e na nulidade do contrato de trabalho (art. 115º/1 do Código do Trabalho).”.
Mais recentemente, decidiu também o STA em Acórdão de 7/12/2022, proferido no processo nº 944/14.2 BELSB, no sentido de que “No caso de contratos nulos, por efeito da inobservância absoluta das regras legais necessárias à formação da decisão de contratar, a jurisprudência pretérita do Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que a norma da lei civil (o artigo 289.º C. Civ.) impõe a restituição de tudo quanto se tenha prestado – por todos, v. acórdãos de 30.10.2007 (proc. 0379/07); de 17.12.2008 (proc. 0301/08). Porém, quando está em causa a prestação de serviço – como sucede aqui – torna-se impossível a restituição pela Entidade Pública das prestações de serviço recebidas, pelo que, não tendo havido pagamento dos serviços prestados, como resultou assente no probatório, pode inferir-se daquela jurisprudência que se impõe a “devolução” do valor correspondente à prestação. Não se trata de cumprir o contrato, que, sendo nulo, é totalmente improdutivo no plano jurídico, trata-se apenas de restituir, in pecunia (ante a impossibilidade de restituição in natura) a prestação indevidamente recebida. Ora, o montante da prestação recebida é, neste caso, calculado a partir do valor da prestação do serviço acordado pelas partes, como, de resto, também se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 04.05.2017 (proc 0443/16).”
Assim sendo, perante a nulidade dos contratos de empreitada celebrados, em princípio, deveria a R. extrair as devidas consequências, máxime restituindo tudo quanto foi prestado pela Autora, nos termos do artigo 289º, nº 1, do Código Civil. Mas, uma vez que a restituição em espécie, atenta a natureza do que está em causa, não é possível, pois que as obras efetuadas nunca mais poderão ser restituídas, ter-se-á, portanto, que condenar a Ré no pagamento do valor correspondente à utilidade advinda da realização das mesmas (nº 1 do artigo 289º), materializada nos valores apresentados a pagamento pelas obras realizadas, que totalizam a quantia de € 241 504,70.
Note-se que a solução a dar ao caso e supra referida se mostra consentânea com o quadro jurídico vigente à data em que foram acordadas as obras e apresentadas as facturas a pagamento, quando ainda não estava em vigor a denominada “Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso” (LCPA), aprovada pela Lei n.º 8/2012, de 21 de Fevereiro (que aprovou as regras aplicáveis à assunção de compromissos e aos pagamentos em atraso das entidades públicas) que no seu artigo 5.º, n.º 3 estabelece que “os sistemas de contabilidade de suporte à execução do orçamento emitem um número de compromisso válido e sequencial que é refletido na ordem de compra, nota de encomenda, ou documento equivalente, e sem o qual o contrato ou a obrigação subjacente em causa são, para todos os efeitos, nulos” e no artº 9.º, n.º 2 desse mesmo diploma dispõe que “os agentes económicos que procedam ao fornecimento de bens ou serviços sem que o documento de compromisso, ordem de compra, nota de encomenda ou documento equivalente possua a clara identificação do emitente e o correspondente número de compromisso válido e sequencial, obtido nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da presente lei, não poderão reclamar do Estado ou das entidades públicas envolvidas o respetivo pagamento ou quaisquer direitos ao ressarcimento, sob qualquer forma”.
A referida lei veio vedar uma das principais consequências do regime geral da nulidade dos contratos, isto é, a devolução do valor correspondente a que se refere o artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil., estabelecendo regras apertadas par o afastamento do efeito anulatório que apenas poderá ocorrer “quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do ato procedimental em causa, a anulação do contrato ou da obrigação se revele desproporcionada ou contrária à boa fé” (cf. artigo 5.º, n.º 4), sendo que tal afastamento só pode ser efectuado por decisão judicial.
Assim, não sendo aplicável ao caso a LCPA, não há que entrar em linha de conta com as limitações que dela resultam e, por isso, a solução a dar ao caso é a que resulta expressa na sentença recorrida e que decorre da aplicação do regime da nulidade que determina a procedência dos pedidos formulados na acção, impondo que, sendo os contratos nulos e não podendo haver lugar à repetição das prestações, a R. restitua à A. o valor correspondente às prestações ilegalmente recebidas.
Por conseguinte, improcede este segmento do recurso interposto.
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Sustenta a R./recorrente que tendo sido declarado nulo o contrato de empreitada celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, o pagamento de juros de mora vencidos e vincendos não pode ser calculados a contar da data de vencimento das facturas como decidiu o Tribunal de 1ª instância, tendo a sentença recorrida incorrido em erro de julgamento.
Vejamos.
A obrigação de juros prevista no artigo 559.º do CC representa para o credor um rendimento de obrigação de capital calculado em função do seu valor, do tempo de privação e de taxa de remuneração fixada pelas partes ou resultante da lei (Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral"; vol. I, p. 727).
No caso em apreço, de acordo com a fonte da obrigação de juros, estamos perante um tipo específico de juros, os juros legais, isto é, cuja obrigação de pagamento surge directamente da lei e que se vencem independentemente da existência de qualquer acordo de vontades.
Assim, os juros moratórios são devidos desde o dia da constituição em mora – artº 806.º n.º 1 do CC- sendo que, quanto ao momento da constituição em mora rege o disposto no artº 805.º do CC que estabelece:
“1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.”
Atendendo aos factos provados, em causa nestes autos está a contratação da A. por parte da R./recorrente para a execução de trabalhos de PAVIMENTAÇÃO DA RUA ..., Rua ..., BECO ... E Rua ... que ocorreram durante o mês de Setembro /2008 em relação aos quais, com data de 30.09.2008, a A. emitiu à R. a factura n.º 280185, com data de vencimento em 29.11.2008, no valor global de 51.617,54€; trabalhos de LOTEAMENTO E PARQUE DE ESTACIONAMENTO DO CEMITÉRIO DE ... executados durante o mês de Janeiro /2010 em relação aos quais, com data de 31.01.2010, a A. emitiu à R. a factura n.º 2010024, com data de vencimento em 01.04.2010, no valor global de 104.343,67€; trabalhos de LOTEAMENTO E PARQUE DE ESTACIONAMENTO DO CEMITÉRIO DE ... executados durante o mês de fevereiro /2010 em relação aos quais, com data de 22.02.2010, a A. emitiu à R. a factura n.º 2010032, com data de vencimento em 10.04.2010, no valor global de 85.543,49€.
As facturas atinentes à execução da obra de pavimentação na Rua ..., Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., e da obra de “loteamento e parque de estacionamento do cemitério de ...” foram enviadas às respectivas freguesias e não foram devolvidas ou reclamadas.
Como vimos, a declaração de nulidade tem como efeito a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou, não sendo a mesma possível em espécie, o valor correspondente, nos termos do disposto no art.º 289.º, n.º 1, do Código Civil. Porque a declaração de nulidade dos contratos em questão por vício decorrente da preterição de normas do CCP relativas à obrigação de realização de procedimento pré-contratual e de vício decorrente da ausência de contrato escrito, opera retroactivamente, deve ser restituído à A. o valor correspondente às prestações ilegalmente recebidas acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da citação ou da interpelação para cumprir, quando esta tiver tido lugar, sendo que vale como interpelação a citação judicial para a acção.
Tratando-se de uma obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros legais a partir do dia da constituição em mora (art.ºs 804.º, 805.º, n.º 1 e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil).
Nos factos dados como provados, pese embora tenha sido dado como assente que a A. remeteu à R. as facturas correspondentes aos trabalhos executados nada mais consta donde se possa deduzir que a R. tenha sido interpelada para pagar em momento anterior à citação, pelo que, se impõe concluir que essa interpelação ocorreu com a citação para a acção.
Deste modo, os juros de mora são devidos a partir da citação na presente acção e não a partir da data do vencimento das facturas, como se decidiu na sentença recorrida.
Neste sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 9/6/2022, processo nº 4293/18.9T8FNC.L1-6: “(…) no domínio da nulidade do contrato e do seu regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado (art. 289º, nº 1 do C. Civil), no âmbito negocial em apreço não sendo possível a restituição da obra feita, a restituição em espécie, haverá, então, que condenar o réu no pagamento do valor apurado e correspondente à utilidade advinda da sua realização. Como se decidiu no Acórdão do STA de 17/12/2008, proc. n.º 301/08 (disponível em www.dgsi.pt), “é legal e justo que, ao abrigo da relação contratual de facto, se constitua, pelas mesmas razões, em favor de quem a executou a obrigação ao recebimento de quantias correspondentes a juros de mora a calcular como se estivéssemos perante um formal contrato”.
A própria declaração de nulidade ou de anulação arrasta consigo a destruição retroactiva das atribuições patrimoniais - retroactividade que obriga à restituição das prestações efectuadas, como se o negócio não tivesse sido realizado (Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anotado Vol I, p. 266). Segundo Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil”, pp. 616-617), os efeitos da declaração de nulidade operam retroactivamente, "o que está em perfeita coerência com a ideia de que a invalidade resulta de um vício intrínseco do negócio e, portanto, contemporâneo da sua formação. ... Em consonância com a retroactividade, haverá lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289º, nº 1). Tal restituição deve ter lugar, mesmo que não se verifiquem os requisitos do enriquecimento sem causa, isto é, cada uma das partes é obrigada a restituir tudo o que recebeu e não apenas aquilo com que se locupletou".
Também D... Leite de Campos ( in a "A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento", 1974, p. 196) ensinava que "o regime jurídico da nulidade reflecte a intenção, pelo menos de princípio, de fazer desaparecer as consequências a que o negócio directamente se dirige ... Portanto, uma vez declarado nulo o negócio, a produção dos seus efeitos é excluída desde o início, ex tunc, a partir do momento da formação do negócio, e não ex nunc, a contar da data da declaração da nulidade. O carácter retroactivo da nulidade leva à repristinação da situação criada pelo negócio nulo, voltando-se ao statu quo ante". Porém, ou se prova a interpelação e por aplicação do artº 805º do CC são devidos juros desde essa data, ou então são devidos juros desde a citação. Pois, tem sido entendido pelo Supremo Tribunal, quando está em causa quantia a restituir, que esta não vence juros desde a formação ou celebração do contrato (cf. Acórdãos de 1.10.96, Proc. nº 224/96 e de 4.10.2000, Proc. nº 1743/00), mas há sempre lugar a pagamento de juros a título de restituição de frutos civis (acórdãos de 29.1.98, Proc. nº 923/97, 2.3.99, Proc. nº 982/98 e de 11.01.2001, Proc. nº 3245/00, todos in
www.dgsi.pt). Trazendo ainda à colação o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/12/2015 (Proc. nº638/12.3TBFLG.P1) a declaração de nulidade tem como efeito a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou, não sendo a mesma possível em espécie, o valor correspondente, nos termos do disposto no art.º 289.º, n.º 1, do Código Civil. E o entendimento predominante vai no sentido de serem devidos juros a partir da citação, ou da interpelação admonitória, se for anterior, por efeito da nulidade. Pelo que por força da remissão operada pelo n.º 3 deste normativo para o preceituado nos artigos 1269.º e seguintes do mesmo diploma, a obrigação de restituir abrangerá não só o capital, mas também uma quantia equivalente ao montante dos juros de mora à taxa legal a contar da citação (ou da interpelação admonitória se esta tiver tido lugar), como frutos civis que são (art.ºs 289.º, 1270.º, n.º 1, e 212.º, todos do Código Civil), sendo que vale como interpelação a citação judicial para a acção. Por outro lado, tratando-se de uma obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros legais a partir do dia da constituição em mora (art.ºs 804.º, 805.º, n.º 1 e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil), à taxa aplicável aos juros civis ( cf. artº 559º do CC), pois o acto que constituía o contrato deixa de ter validade qua tale não podendo ser classificado como comercial. Deste modo, os juros de mora são devidos desde a citação, à taxa legal aplicável aos juros civis (…)
Por conseguinte, procede parcialmente o recurso interposto no que tange ao momento de constituição da R. em mora e que ocorre com a citação da acção, o que significa que o direito à percepção dos juros de mora se contabiliza a partir dessa data e não da data de vencimento das facturas.
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IV.DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Administrativa, Subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte, em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela R., com a consequente revogação da sentença recorrida quanto aos juros moratórios, os quais são devidos a partir da citação, pelo que se condena a R. a pagar juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Custas a cargo da R./recorrente e da A./recorrida, na proporção de 90% e 10%, respectivamente - artº 527º, nºs 1 e 2 do CPC.
Notifique.
Porto, 9 de Maio de 2025.

Maria Clara Ambrósio
Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ricardo de Oliveira e Sousa