Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00520/05.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/07/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rosário Pais
Descritores:OPOSIÇÃO;
PRESCRIÇÃO;
IVA;
Sumário:
I - O artigo 34º do CPT fixava o prazo de prescrição em 10 anos, contados desde o início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário, prazo este que foi encurtado pela LGT para 8 anos.

II - Aplicando-se ao novo prazo de prescrição o disposto no artigo 297º do Código Civil, por força do artigo 5º, nº 1, do referido Decreto-Lei, a nova lei é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar, para o que devem ter-se em conta os efeitos produzidos antes da vigência da lei nova.

III - A nulidade da citação não é fundamento de oposição devendo ser arguida em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal.

IV - Com respeito ao título executivo, apenas constitui fundamento de oposição a sua falsidade, quando possa influir nos termos a execução, como decorre do artigo 204º, nº 1, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

V - Os vícios da notificação do ato não se repercutem na sua validade intrínseca.

VI - Não são confundíveis os requisitos da decisão de reversão fiscal contra devedor subsidiário com os requisitos de execução concreta dos bens deste, integrando o benefício da excussão prévia apenas estes últimos.

VII - Sendo a execução fiscal revertida nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, o devedor subsidiário está onerado com a presunção de culpa na insuficiência do património social da pessoa colectiva para satisfação das dívidas fiscais.

VIII. Para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais factores externos no desenvolvimento da actividade social.

IX. No caso especial do IVA, a falta de pagamento dos tributos tem particular gravidade na medida em que se trata de impostos que resultam de um fluxo monetário na empresa que ao não serem entregues nos cofres do Estado, são «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.

X. Quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem a censurabilidade indiciada, sob pena de não conseguir afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.

XI. A prova dos factos tendentes a demonstrar a falta e culpa não pode assentar numa generalização vaga e sem delimitação concreta, quer no tempo quer nos actos empreendidos, precisamente porque as dívidas também foram incumpridas num período concreto e num montante determinado, pelo que a tentativa de afastar a culpa com um ou vários conceitos genéricos e imprecisos (“crise do sector”, “dificuldades financeiras”, “tudo fez para ...”, “empenhou-se de alma e coração...” etc.) denota uma ligeireza probatória injustificada, que não pode deixar de ser votada ao fracasso.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. O Exmº Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em 03.02.2023, pela qual foi julgada extinta a instância por impossibilidade superveniente decorrente da prescrição das dívidas exequendas.

1.2. O Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso é interposto contra a sentença que julgou “extinta a instância por impossibilidade superveniente decorrente da prescrição das dívidas exequendas”.
B. A Fazenda Pública entende que, em face da questão decidenda, deve ser determinada a correção e ampliação da matéria de facto provada (na “Fundamentação De Facto”) da sentença recorrida, com base nos documentos e informações constantes dos autos e no processo de execução fiscal apenso, os quais não foram impugnados, nos termos seguintes:
a) Ao ponto 2) da “Fundamentação De Facto” da sentença recorrida deve ser acrescentado e passar a constar: “De acordo com o que consta da Conservatória do Registo Comercial e do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de 15.07.2004, bem como de acordo com a confissão expressa no articulado nº 2 da douta Petição Inicial, o ora Oponente foi gerente da sociedade devedora originária desde 01.01.1987 a 20.02.2002 e de 29.05.2003 até à data da reversão - cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de ... de fls. 228 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e da Petição Inicial (cfr Documento a pp. 4 do ficheiro nº 004194393, data de registo 21/11/2005 12:05:46, relativo ao processo digital 520/05.0BEPNF na plataforma SITAF).” Efetivamente, do articulado nº 2 da douta Petição Inicial, daí se retira a afirmação, proferida pelo próprio oponente, de que “O revertido, e ora oponente, é Administrador de facto da sociedade”.
b) Ao ponto 3) da “Fundamentação De Facto” deve ser acrescentado e passar a constar que “O ora Oponente foi citado para a execução em 03.08.2004 (facto não controvertido), cfr. Documento a pp. 39 e 40 do ficheiro nº 005073800, data de registo 26/09/2022 14:43:55, relativo ao processo digital 520/05.0BEPNF na plataforma SITAF (e pp. 68 e 69 do PEF).”
c) Deve acrescer ao probatório fixado que “a sociedade devedora originária aderiu, em 30.01.1997, ao Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de agosto, para pagamento em 150 prestações das dívidas em execução no PEF nº .......................010, cfr pp. 12 a 18 do PEF - Documento de pp. 22 a 33 do ficheiro nº 005073796, data de registo 26/09/2022 14:39:28, relativo ao processo digital 520/05.0BEPNF na plataforma SITAF.”
d) Deve também acrescer ao probatório fixado que “em 07.10.2004, por incumprimento, por parte da devedora originária, do plano de pagamento relativo ao Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de agosto, foi proferido despacho de exclusão, cfr pp. 34 a 36 do PEF - Documento de pp. 62 a 64 do ficheiro nº 005073796, data de registo 26/09/2022 14:39:28, relativo ao processo digital 520/05.0BEPNF na plataforma SITAF.”
e) O ponto 5 da “Fundamentação De Facto” deve ser ampliado no sentido de passar a constar que “a 19.12.2000 foi instaurado um “Processo Especial de Recuperação de Empresa” em nome da devedora originária, que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial de ... sob o ...43/00, processo esse que foi encerrado por sentença transitada em julgado em 28.01.2002, cfr pp. 19 a 33 e 43 do PEF - Documento de pp. 35 a 61 do ficheiro nº 005073796, data de registo 26/09/2022 14:39:28, e Documento de pp. 7 do ficheiro nº 005073800, data de registo 26/09/2022 14:43:55, relativos ao processo digital 520/05.0BEPNF na plataforma SITAF.”
f) Deve acrescer à matéria de facto fixada no ponto 15 da sentença que “a 14.09.2004 foi instaurado contra a devedora originária novo Processo Especial de Recuperação de Empresas, com o nº ....65/04.0....., que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial de ..., processo esse cujo despacho de prosseguimento da ação foi proferido em 11.02.2005, e foi encerrado por despacho de 29.11.2007, cfr pp. 88 e 132 a 133 do PEF (Documento de pp. 18 do ficheiro nº 005073804, data de registo 26/09/2022 14:47:17, e Documento de pp. 20 e 21 do ficheiro nº 005073809, data de registo 26/09/2022 14:51:33, relativos ao processo digital 520/05.0BEPNF na plataforma SITAF), bem como Documento do ficheiro nº 004398048, data de registo 07/10/2014 12:35:23, relativo ao processo digital 520/05.0BEPNF na plataforma SITAF.” Como consequência do referido, deve ser eliminado o ponto 24 do probatório fixado, por transcrever uma informação incorreta, e se ter tornado desatualizado e irrelevante.
g) O ponto 26 do probatório fixado deve ser corrigido no sentido de passar a constar que “Nos presentes autos, foi prestada informação que deu conta do reconhecimento da prescrição em relação às coimas em execução, bem como dos pagamentos efetuados, mantendo-se em dívida créditos de IRC e IVA no montante de € 436.773,01.” Tal resulta diretamente dos documentos reproduzidos nesse próprio ponto 26 do probatório fixado na sentença, correspondentes ao Documento do ficheiro nº 004398049, data de registo 14/10/2014 13:57:44, relativo ao processo digital 520/05.0BEPNF na plataforma SITAF, bem como do ofício nº ....582 de 28.11.2017 do SF de ... (cfr Documento do ficheiro nº 004607239, data de registo 04/12/2017 14:28:32, relativo ao processo digital 520/05.0BEPNF na plataforma SITAF).
C. A dívida exequenda em questão, de acordo com o “Mapa recapitulativo da dívida” constante do ponto 26 da matéria de facto fixada na sentença, diz respeito a IVA relativo aos anos de 1995, 1996, 1998, 1999, 2000 e 2003, e a IRC de 2001.
D. De acordo com o art. 34°, nº 1 do CPT, o prazo de prescrição das obrigações tributárias era de 10 anos. O termo inicial do prazo de prescrição contava-se a partir do início do ano seguinte aquele em que tivesse ocorrido o facto tributário (art. 34°, n° 2, do CPT). Na vigência do CPT constituíam causas interruptivas da prescrição a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução, cessando esse efeito se o processo estivesse parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, nesse caso, o tempo que decorresse após este período ao que tivesse decorrido até à data da autuação." (art. 34°, nº 3, do CPT).
E. A partir de 01/01/1999, com a entrada em vigor da LGT (D.L nº 398/98 de 17/12), o prazo de prescrição das obrigações tributárias foi encurtado de 10 para 8 anos – art. 48º da LGT.
F. A aplicação no tempo dos prazos prescrição obedece ao plasmado no art. 297º CC, pelo que, “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
G. As regras do art. 297.º do C. Civil aplicam-se diretamente às leis que alteram prazos, embora já não se apliquem às leis que alteram causas de suspensão ou interrupção, pois que a estas (que não são leis que alterem prazos) vale a regra de aplicação no tempo constante do n.º 2 do art. 12.º do C. Civil: os efeitos jurídicos de factos que para tal relevem, são determinados pela lei vigente no momento em que eles ocorrem.
H. A determinação do prazo de prescrição faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei. No caso de leis que encurtam prazos de prescrição, se no momento da entrada em vigor da nova lei faltar menos tempo para o prazo se completar à face da lei antiga, é esta que se aplica. Nos outros casos aplica-se o prazo da lei nova, contado da data da sua entrada em vigor. Assim, relativamente à sucessão no tempo das normas do CPT e da LGT, tendo o prazo sido encurtado em 2 anos, sempre que, à face do CPT, tenham decorrido menos de dois anos do prazo de prescrição, será de aplicar o prazo de 8 anos da LGT, contado da sua entrada em vigor.
I. Se ocorreu uma causa de interrupção da prescrição prevista no CPT e o processo com ela conexionado não esteve, até à entrada em vigor da LGT, ainda parado por mais de um ano, todo o período decorrido até ao facto interruptivo terá sido eliminado e não terá decorrido qualquer prazo, pois, não havendo aquela paragem, o novo prazo só se iniciará após o trânsito em julgado (ou equivalente) da decisão que puser termo ao processo. Assim, nesta situação, tendo sido eliminado o período anterior ao facto interruptivo e tendo o processo corrido sem paragem por mais de um ano até à entrada em vigor da LGT, no momento da entrada em vigor desta é de concluir que não terá decorrido qualquer prazo para a prescrição. Por isso, sendo o prazo da LGT inferior ao do CPT, será aplicável o da LGT, por, à face do CPT, faltar mais tempo para o prazo se completar.
J. Por outro lado, no caso de ter ocorrido um facto interruptivo na vigência do CPT e, no momento da entrada em vigor da LGT, o processo já tiver estado parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, o efeito da eliminação do prazo decorrido antes do facto interruptivo desaparecerá, passando o seu efeito a ser meramente suspensivo da prescrição. Contar-se-á o prazo desde o seu início (à face do CPT) até à autuação do processo, somando-se o prazo que decorrer depois do momento em que se completou um ano de paragem (art. 34º nº 3 do CPT), até à data da entrada em vigor da LGT, que é o momento a considerar na opção pelo prazo da lei nova ou da lei antiga. Se esta soma for inferior ou igual a dois anos, não faltará menos tempo à face do CPT para a prescrição se completar, pois o prazo nele previsto é de 10 anos enquanto na LGT é de 8 anos. Por isso, será de aplicar o prazo da LGT por força da regra do art. 279º nº 1, do CC.
K. No caso dos presentes autos, verifica-se que só relativamente às dividas de 1995 e 1996 se coloca o problema de determinar se será de aplicar o prazo de prescrição do CPT ou da LGT (10 ou 8 anos), pois relativamente às restantes dívidas, de 1998 a 2003, é pacífico que o prazo de prescrição a aplicar é o da LGT (8 anos), em face da entrada em vigor da LGT em 01/01/1999.
L. Cumpre, portanto, desde logo, verificar se ocorreu algum facto interruptivo da prescrição das dívidas referentes a 1995 e 1996 até à entrada em vigor da LGT, e que estão em cobrança no processo de execução fiscal nº ............................210. Ora, conforme resulta dos autos, o processo de execução fiscal nº ............................210 foi instaurado em 07.08.1997, cfr. ofício nº ....582 de 28.11.2017 do SF de ... (Documento do ficheiro nº 004607239, data de registo 04/12/2017 14:28:32, relativo ao processo digital 520/05.0BEPNF na plataforma SITAF.
M. Tal facto – a instauração da execução -, nos termos do nº 3 do art. 34º do CPT, interrompe a prescrição das dívidas de 1995 e 1996. Assim, relativamente ao IVA de 1995 e 1996, iniciando-se a contagem do prazo prescricional, respetivamente em 01.01.1996 e 01.01.1997, a mesma interrompeu-se em 07.08.1997 com a instauração da execução. Interrupção que tem como efeito, nos termos do disposto no art. 326.º, n.º 1, do CC, a inutilização de todo o prazo decorrido até esse momento.
N. É certo que a paragem do processo por período superior a um ano por motivo não imputável ao contribuinte tem como efeito a degradação desse efeito interruptivo, decorrente da instauração da execução, em efeito suspensivo, mas, porque não foi dada como provado (nem sequer foi alegado) qualquer paragem do processo até quando, em 01-01-1999, entrou em vigor a LGT, é de considerar que ainda não tinha decorrido qualquer período do prazo de dez anos fixado pelo CPT, nem sequer se tinha iniciado o novo prazo, o que só sucederia com o trânsito em julgado da decisão que pusesse termo ao processo de execução fiscal (cfr. art. 327.º, n.º 1, do CC).
O. Assim, que, quer em relação ao IVA dos anos de 1995 e 1996, quer em relação ao IVA de 1998, 1999, 2000 e 2003 e ao IRC de 2001, o prazo prescrição a aplicar é o de 8 anos, de acordo com o art. 48º da LGT, contado a partir da data da entrada em vigor desta Lei, 01-01-1999. (neste sentido, a Jurisprudência do Acórdão do STA de 03-07-2019, proferido no processo nº 01759/06.7BEPRT)
P. Sucede que o oponente/recorrido foi citado após reversão em 03.08.2004, conforme ponto 3) do probatório fixado na sentença, e, ainda, o documento a pp. 39 e 40 do ficheiro nº 005073800, data de registo 26/09/2022 14:43:55, relativo ao processo digital 520/05.0BEPNF na plataforma SITAF (e pp. 68 e 69 do PEF).
Q. Assim, uma vez que ocorre a interrupção da prescrição com a citação do Oponente (responsável subsidiário) em 03.08.2004, resta concluir que não ocorreu a prescrição das dívidas exequendas, porque a contagem do prazo de prescrição se encontra interrompida desde 03.08.2004, e nem sequer se iniciou novo prazo, o que só sucederá com o trânsito em julgado da decisão que puser termo aos processos de execução fiscal em que são exigidas as dívidas de IVA dos anos de 1995, 1996, 1998, 1999, 2000 e 2003 e de IRC de 2001.
R. Isto porque, o prazo de prescrição de 8 anos (art. 48º, nº 1 LGT), iniciado em 01-01-1999, interrompeu-se com a citação do oponente (art. 49º, nº 1 da LGT) e, como não vem provado, nem alegado, que o processo haja estado parado por um período superior a 1 ano, temos que, em 01.01.2007, data da entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12, operando a revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT (de acordo com o art. 91º da Lei n.º 53-A/2006 a revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo), o novo prazo de prescrição só iniciará a sua contagem com o trânsito em julgado da decisão que puser termo aos processos de execução fiscal (art. 327º, nº 1 do CC). Neste sentido, a Jurisprudência do Acórdão do STA de 31-03-2016, proferido no processo nº 0184/16.
S. “A aplicação conjugada das regras constantes do disposto nos artigos 48.º, n.º 3 e 49.º, n.º 3, ambos da LGT, não implica que a interrupção da prescrição só possa ocorrer uma única vez relativamente ao conjunto de todos os devedores, originais, solidários e subsidiários, antes pelo contrário, a citação de cada um deles para o processo de execução constitui uma causa interruptiva própria e singular, que se repercute de forma negativa na sua esfera jurídica, iniciando-se novo prazo apenas nos termos do disposto no artigo 327.º, n.º 1 do CC.” (cfr sumário do Acórdão do STA proferido em 18.01.2017, no processo n.º 0895/14)
T. Do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 13-03-2019, no processo n.º 01437/18.4BELRS, relatora Conselheira Dulce Neto: “I – Ainda que relativamente a obrigações tributárias a prescrição só possa ser aceite enquanto prevista nas normas de direito tributário (…), tal não significa que o efeito dos actos interruptivos (instantâneo ou duradouro) não possa ser colhido no Código Civil, atenta a circunstância de, actualmente, inexistir na legislação tributária qualquer previsão ou regulamentação sobre a matéria (…). II – É certo que durante muitos anos a legislação tributária continha essa definição – cfr. o artigo 27.º do CPCI, o artigo 34.º do CPT e o artigo 48.º da LGT até à alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 – sempre no sentido de conferir efeito duradouro a todos os actos interruptivos, já que a prescrição não corria após esses actos e só voltava a correr caso cessasse esse efeito duradouro por motivo da paragem do processo por facto não imputável ao contribuinte. III – Contudo, após a alteração introduzida no artigo 49º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, esse regime desapareceu (…). Razão por que não há como deixar de aplicar as normas contidas no Código Civil, [… artigo 326º e 327º…] (…) IV – Razão por que, actualmente, o acto interruptivo da citação para a execução fiscal tem efeito duradouro.” (destaque da nossa responsabilidade)
U. Portanto, não pode deixar de ter relevância interruptiva da prescrição a citação do responsável subsidiário (Oponente) em 03-08-2004, restando concluir que não ocorreu a prescrição das dívidas exequendas, porque a contagem do prazo de prescrição se encontra interrompida, e nem sequer se iniciou novo prazo, o que só sucederá com o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo de execução fiscal (cfr. art. 327.º, n.º 1, do CC).
V. Em face do exposto, é evidente o erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida, pelo que a mesma deverá ser revogada, com as demais consequências. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, a Fazenda Pública considera que a douta sentença, ao decidir como decidiu, encontra-se afetada por erro de julgamento de facto e de direito, violando o disposto nos artigos 13º e 34º do CPT, 24º, nº 1, alínea b), 48º e 49º da LGT, 12º, 297º, 326º e 327º CC, porquanto, da prova carreada nos autos, e da legislação aplicável, terá necessariamente de se concluir que as dívidas exequendas não se encontram prescritas.
Termos em que,
Deve ser admitido e concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, ordenando-se a baixa dos autos ao tribunal a quo para conhecimento das questões que se julgaram prejudicadas.».

1.3. O Recorrido não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer, do qual se destaca o seguinte excerto:
«(…)
Assim, sopesando e analisando o requerimento recursivo da AT, o objeto do mesmo, em suma, cinge-se à seguinte questão:
Em sede de processo de oposição, devia ou não, o Tribunal “a quo” ter dado provimento à oposição à execução, com base no alegado efeito prescritivo da dívida exequenda (IVA relativo aos anos de 1995, 1996, 1998, 1999, 2000 e 2003, e a IRC de 2001), com exceção do reconhecimento da prescrição em relação às coimas em execução?
Afigura-se-nos que a resposta terá que ser negativa, em consonância com a tese da recorrente AT, defendida neste seu recurso.
No caso dos presentes autos, verifica-se que só relativamente às dividas de 1995 e 1996 se coloca o problema de determinar se será de aplicar o prazo de prescrição do CPT ou da LGT (10 ou 8 anos), pois relativamente às restantes dívidas, de 1998 a 2003, é pacífico que o prazo de prescrição a aplicar é o da LGT (8 anos), em face da entrada em vigor da LGT em 01.01.1999.
Cumpre, portanto, desde logo, verificar se ocorreu algum facto interruptivo da prescrição das dívidas referentes a 1995 e 1996 até à entrada em vigor da LGT, e que estão em cobrança no processo de execução fiscal nº ............................210.
Ora, conforme resulta dos autos, o processo de execução fiscal nº ............................210 foi instaurado em 07.08.1997, [cf. ofício nº ....582 de 28.11.2017 do SF de ... (Documento do ficheiro nº 004607239, data de registo 04.12.2017, 14:28:32, relativo a este processo)].
Tal facto – a instauração da execução - nos termos do nº 3 do artigo 34º do CPT, interrompe a prescrição das dívidas de 1995 e 1996.
Assim, relativamente ao IVA de 1995 e 1996, iniciando-se a contagem do prazo prescricional, respetivamente em 01.01.1996 e 01.01.1997, a mesma interrompeu-se em 07.08.1997 com a instauração da execução.
Interrupção que tem como efeito, nos termos do disposto no artigo 326.º, n.º 1, do CC, a inutilização de todo o prazo decorrido até esse momento.
É certo que a paragem do processo por período superior a um ano por motivo não imputável ao contribuinte tem como efeito a degradação desse efeito interruptivo, decorrente da instauração da execução, em efeito suspensivo,
Mas, porque não foi dada como provado (por nem sequer ter sido alegado pelo oponente/recorrido) qualquer paragem do processo até quando, em 01.01.1999, entrou em vigor a LGT, é de considerar que ainda não tinha decorrido qualquer período do prazo de dez anos fixado pelo CPT, nem sequer se tinha iniciado o novo prazo, o que só sucederia com o trânsito em julgado da decisão que pusesse termo ao processo de execução fiscal (cf. artigo 327.º, n.º 1, do CC).
O que, de acordo com o disposto no artigo 297.º, n.º 1, do CC, nos leva à conclusão de que, relativamente ao IVA de 1995 e 1996, é de aplicar o prazo da lei nova, isto é, o prazo de 8 anos previsto na LGT, contado a partir da data da entrada em vigor desta Lei (01.01.1999).
Temos, assim, que, quer em relação ao IVA dos anos de 1995 e 1996, quer em relação ao IVA de 1998, 1999, 2000 e 2003 e ao IRC de 2001, o prazo prescrição a aplicar é o de 8 anos, de acordo com o artigo 48º da LGT, contado a partir da data da entrada em vigor desta Lei, (01.01.1999).
Sucede que, no caso que nos ocupam os presentes autos, como vimos, o oponente/recorrido foi citado após reversão em 03.08.2004, [(conforme ponto 3) do probatório fixado na sentença, e, ainda, o documento a pp. 39 e 40 do ficheiro nº 005073800, data de registo 26.09.2022, 14:43:55, relativo a este processo (e pp. 68 e 69 do PEF)].
Assim, uma vez que ocorre a interrupção da prescrição com a citação do Oponente (responsável subsidiário) em 03.08.2004, resta concluir que não ocorreu a prescrição das dívidas exequendas, porque a contagem do prazo de prescrição se encontra interrompida desde 03.08.2004, e nem sequer se iniciou novo prazo, o que só sucederá com o trânsito em julgado da decisão que puser termo aos processos de execução fiscal em que são exigidas as dívidas de IVA dos anos de 1995, 1996, 1998, 1999, 2000 e 2003 e de IRC de 2001.
Adrede, compulsado os doutos argumentos de facto e de direito esgrimidos no recurso do AT - cf. fls. 1.626 e ss. do SITAF - entendemos que o mesmo merece ser considerado provido, porquanto em nosso modesto entendimento mal andou a Meritíssima Juiz de Direito a quo do TAF de Penafiel, quando na sua sentença a quo julgou verificada a exceção perentória da prescrição da dívida exequenda e absolveu do pedido, o ora oponente/recorrido.
Em resumo, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, da prova carreada nos autos, e da legislação aplicável, terá necessariamente de se concluir que as dívidas exequendas não se encontram prescritas, de acordo com o disposto nos artigos 13º e 34º do CPT, 24º, nº 1, alínea b), 48º e 49º da LGT, 12º, 297º, 326º e 327º CC.
Face ao exposto, opinamos que o tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento na integração da matéria de facto (devendo ser efetuado a correção e ampliação dos factos apontados pela Recorrente e acima enunciados) e sua subsequente subsunção ao direito (olvidando os factos interruptivos), violando as normas jurídicas acima apontadas, devendo o recurso ser provido e consequentemente a manutenção e continuação na Ordem Jurídica do PEF n.º .....................010 e aps. que contra o oponente/recorrido que corre termos no SF de ..., por dividas de IVA dos anos de 1995 a 2003 e IRC de 2001, no valor de 104.958,61 € até ao seu integral pagamento.
No mais, fazemos nossos os doutos argumentos de facto e de direito aduzidos nas doutas alegações e conclusões do recurso da AT, que para todos os efeitos legais se dão por integralmente reproduzidas.
III - Conclusões
Em conclusão, s.m.o., somos do parecer que:
- o recurso da AT merece ser totalmente provido e consequentemente deve a sentença a quo ser revogada e por isso deve ser mantida na Ordem Jurídica o PEF n.º .....................010 e aps. que contra o oponente/recorrido corre no SF de ..., por dividas de IVA dos anos de 1995 a 2003 e IRC de 2001, no valor de 104.958,61 € até ao seu integral pagamento; e
- com custas processuais a cargo do oponente/recorrido. (cf. artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artigo 281º, do CPPT, e artigos 6º, nº 2 e 7º, nº 2, do Regulamento de Custas Processuais e Tabela I – B anexa).».
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, por considerar verificada a prescrição sem considerar os factos interruptivos ocorridos, bem como no consequente erro de julgamento de direito.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«1)Contra a sociedade executada originária “[SCom01...], S.A”, foi instaurado o processo de execução fiscal PEF n.°....................010 e aps., pelo Serviço de Finanças ..., por dívidas de IVA dos anos de 1995 a 2003, IRC de 2001, Coimas Fiscais dos anos de 1997 a 2003 e Contribuições para a Segurança Social de 1995 a 1998, no valor global de € 1.151,254,02, por não lhe serem conhecidos bens suficientes para pagamento das dívidas - cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de ... de fls. 228 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
2) De acordo com o que consta da Conservatória do Registo Comercial e do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de 15.07.2004, o ora Oponente foi gerente da sociedade devedora originária desde 01.01.1987 a 20.02.2002 e de 29.05.2003 até à data da reversão - cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de ... de fls.228 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
3) O ora Oponente foi citado para a execução em 03.08.2004. (facto não controvertido);
4) Contra o ora Oponente reverteu a execução m.i. na aínea 1) deste Probatório:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[(…)]
- cfr. fls.17 a 19 do processo físico;
5) A sociedade, devedora originária, por iniciativa dos seus Administradores, propôs em 19.12.2000 no Tribunal Judicial de ..., um Processo Especial de Recuperação de Empresa, que correu os seus termos sob o ...43/00 do ... Juízo daquele tribunal - cfr. doc. de fls. 337 e segs. do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
6) Nesse processo, foi aprovada a medida de reestruturação empresarial, ao abrigo da qual o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e a Direcção Geral do Tesouro acordaram na satisfação parcelada dos seus créditos, pelo pagamento de respectivamente 150 e 60 prestações - cfr. doc. de fls. 337 e segs. do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
7) Foram abrangidas pelo acordo as dívidas fiscais cujo prazo de pagamento terminou entre 1 de Agosto de 1996 e 19 de Dezembro de 2000, bem como todas as dívidas à Segurança Social contraídas até 19 de Dezembro de 2000 - cfr. doc. de fls. 337 e segs. do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
8) O cumprimento desse acordo ficou garantido, por exigência dos credores, por uma hipoteca constituída para garantia do pagamento dos créditos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, no valor de € 861 980,41, a favor e para garantia do pagamento dos créditos da Direcção Geral do Tesouro no valor de € 683 003,19 - cfr. doc. de fls.337 e segs. do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
9) O Ministério Público deduziu acusação contra a sociedade devedora originária e seus Administradores pelo crime de Abuso de Confiança Fiscal, o que deu origem a um Processo Crime que corre termos pelo ... juízo do Tribunal Judicial de Penafiel sob o N.°..13/99 - cfr. doc. de íls.318 a 390 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
10) Nesse Processo Crime está em causa a não entrega ao Estado de quotizações devidas à Segurança Social relativas aos períodos 11 e 12 de 1995, 01 a 12 de 1996, 01 a 12 de 1997 e 01 a 09 de 1998, bem como a não entrega ao Estado do IVA relativo aos períodos 06 a 12 de 1996, 01 a 12 de 1997, 01 a 12 de 1998 e 01 a 08 de 1999 - cfr.doc. de fls. 318 a 390 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
11) O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social deduziu ainda um pedido de indemnização civil no montante das cotizações em falta (€ 229 345,30);
12) O Tribunal Judicial de Penafiel condenou os arguidos ao pagamento da indemnização requerida bem como ao cumprimento de uma pena de prisão, com execução suspensa pelo período de 3 anos na condição de se proceder ao integral pagamento dos montantes em causa nos autos no período de 2 anos - cfr. doc. de fls.318 a 390 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
13) Por decisão de 12.10.2001 do Tribunal Judicial da Comarca de ... foi aprovada a medida de reestruturação financeira, nos termos propostos pelo Sr. Gestor Judicial - cfr.doc. de fls.356 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
14) O despacho de reversão relativamente ao ora Oponente é de 15 de Julho de 2004 - cfr.teor da Informação de fls.24 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
15) O despacho de prosseguimento do Processo de Recuperação de Empresa n.º..65/04.... foi proferido em 11.02.2005 - cfr.doc. de fls.392 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
16) Os bens encontrados pela Administração Fiscal à sociedade devedora originária foram penhorados - cfr. docs. de fls. 273 a 284 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
17) O ora oponente tudo fez para tentar recuperar a situação económica da sociedade, nomeadamente procurar novos clientes no estrangeiro, mas os mesmos acabaram por incumprir o acordo e compraram as urnas a outro país - cfr. depoimento de testemunha;
18) Todas os esforços encetou no sentido de recuperar a sociedade, na qual fez elevado investimento, nomeadamente pediu auxilio a um gestor, no sentido de ser feito um plano de viabilização de recuperação da sociedade - cfr. depoimento de testemunha;
19) A conjuntura do mercado na área de comercialização objecto da sociedade executada, nomeadamente em ..., não era a melhor, a concorrência de outros países que fabricavam a preços mais baixos, fez com que a mesma fosse perdendo os seus clientes - cfr. depoimento de testemunha;
20) A sociedade era detentora de imobilizado, nomeadamente das enormes instalações e maquinaria - cfr. depoimento de testemunha;
21) O ora Oponente nunca auferiu vencimento - cfr. depoimento de testemunha;
22) A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças ... a 18.11.2005 - cfr. fls.1 do processo físico;
23) Por acórdão do TCA Norte de 26.05.2011, foi revogada a sentença que nos presentes autos havia sido proferida a 15 de janeiro de 2007, ordenando-se a baixa dos autos para no Tribunal a quo ser averiguado o estado do processo especial de recuperação de empresa n.º..65/04.... - cfr. fls.310 a 319 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
24) Em cumprimento do acórdão m.i. na alínea 23) deste Probatório, foi solicitada informação ao ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de ... sobre o estado do processo especial de recuperação de empresa n.º..65/04...., tendo na sequência de tal pedido sido enviado ofício a este TAF de Penafiel, contendo informação com o seguinte teor: «Conforme solicitado (…) venho informar que os n/autos acima identificados não foi proferido despacho de prosseguimento da acção, encontrando-se no arquivo desde 02/09/2008» - cfr. fls.326 a 328 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
25) A 24.02.2012 foi proferido despacho nos presentes autos ordenando a extração de certidão de fls.100 a 122, 193 a 175 e 426 a 440 do Processo de Oposição nº519/05.7BEPNF e a sua junção aos autos, o que foi feito e constitui fls. 335 a 392 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
26) Nos presentes autos, foi prestada informação que deu conta do reconhecimento da prescrição em relação às coimas em execução, bem como dos pagamentos efetuados, mantendo-se em dívida créditos de IVA no montante de € 104.958,61:
[imagens no documento original]
(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
- cfr. doc. de fls.623 a 624 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
*
Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa, não se deram quaisquer factos como não provados.
*
Motivação da decisão sobre a matéria de facto:
O tribunal julgou provada a matéria de [f]acto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada das informações e documentos juntos aos autos que não foram impugnados e na prova testemunhal a cujo aproveitamento procedeu.
Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g., força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artigo 371º do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr. artigo 655º, do C.P.Civil; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
As testemunhas inquiridas perante este Tribunal: «BB», técnico oficial de contas da executada originária “[SCom01...], S.A.”; «CC», colega de trabalho do ora Oponente e «DD», sócio gerente da sociedade executada, contribuíram de forma decisiva para a descoberta da verdade material, prestando depoimentos objetivos e demonstrando conhecimento direto dos factos em causa neste processo.
O Tribunal ficou convencido que o ora Oponente não praticou qualquer acto culposo, que, tenha contribuído ou determinado para que o património da sociedade devedora originária se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos créditos em causa, bem pelo contrário. Foram feitas tentativas de encontrar novos clientes e mercados, por forma a superar a concorrência, em especial das urnas chinesas que praticavam preços que a sociedade devedora originária não conseguia igualar.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa.».

3.1.2. Retificação da matéria de facto
Ora, em primeiro lugar, cabe notar que a sentença recorrida limitou a sua análise à prescrição das dívidas exequendas de IVA cuja liquidação respeita aos anos de 1996 a 2003, considerando que apenas estas se mantinham, por não terem sido pagas nem declaradas prescritas, como, aliás, resulta do ponto 26 dos factos provados, segundo o qual «Nos presentes autos, foi prestada informação que deu conta do reconhecimento da prescrição em relação às coimas em execução, bem como dos pagamentos efetuados, mantendo-se em dívida créditos de IVA no montante de € 104.958,61».
A Recorrente não aponta qualquer erro à sentença recorrida no que respeita ao julgamento em matéria de facto; no entanto, é aceite que, em determinadas circunstâncias, o Tribunal de 2ª instância deve oficiosamente “censurar o erro do Tribunal de 1ª instância na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa”, designadamente quando:
«a) Tenha violado a exigência de certa prova, como sucederá no caso de julgar provado um facto com base num meio de prova diverso daquele que a lei exige, ou violado uma proibição de produção ou de valoração de prova (artºs 354 nº 1 e 364 nº 1 do Código Civil);
b) Haja atribuído a um meio de prova um valor probatório que a lei não lhe reconhece ou recusado, a esse mesmo meio de prova, um valor que a lei lhe atribui;
c) Tenha exigido a prova de um facto que deva considerar-se plenamente provado – v.g. por acordo das partes ou por documento autêntico – ou, inversamente, tenha julgado não carecido de prova facto controvertido, por, erroneamente, o considerar, v.g., admitido por acordo, ou notório, e, portanto, dispensado de prova;
d) Tenha sido apresentado um documento – objectiva ou subjectivamente – superveniente, que não possa ser contrariado por qualquer outra prova, i.e., que por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou (artº 662 nº 1, in fine, do nCPC);
e) A decisão da matéria de facto seja deficiente, obscura ou contraditória ou tenha omitido o julgamento de determinado facto, designadamente por não ter sido incluído nos temas da prova e, portanto, não ter sido submetido ao exercício dessa mesma prova (artº 662 nº 2, c), do nCPC);
f) A decisão da matéria de facto não se encontre adequadamente fundamentada, ou seja, quando a especificação dos fundamentos que foram decisivos para o julgamento de qualquer facto, como provado ou não provado, falte em absoluto ou se mostre insuficiente (artºs 607 nº 4 e 662 nº 2, d), do nCPC).”».
«Em todos estes casos, o exercício pela Relação das suas atribuições de controlo da decisão da matéria de facto do Tribunal de 1ª instância não está na dependência da reponderação das provas produzidas naquela instância, o que se explica por, nalguns casos, ser o simples resultado da aplicação de regras imperativas de direito probatório material – que constitui matéria de direito (artº 607 nº 4, ex-vi artº 663 nº 2 do nCPC).» - cf Henrique Antunes in “Recurso de Apelação e Controlo da Decisão da Questão de Facto”, disponível para consulta em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2015/07/painel-3_recursos_henriqueantunes.pdf, e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21.11.2019, proferido no proc. 381/18.0T8VRL.G1, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/1b9dc2c6f6ff3634802584cb00542687?OpenDocument.
Assim, todos os vícios da decisão quanto à matéria de facto que caibam no âmbito dos casos descritos, escapam aos ónus previstos pelo artigo 640º nº 1 e 2 do CPC, cujo incumprimento não obsta à sua apreciação.
Ora, contendo os autos todos os elementos necessários para suprir as deficiências da matéria de facto fixada na primeira instância, pode o tribunal de recurso colmatar as imprecisões, retirar as contradições e expurgar as conclusões da matéria de facto inicialmente fixada, com vista a obter uma decisão mais célere, como decorre da primeira parte da alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil. Tal conhecimento e alteração da matéria de facto, apesar disso, só é admissível na medida do estritamente necessário para o conhecimento do recurso, visto que só se justifica na medida do estritamente necessário para obter tal desiderato, sob pena de se praticarem atos sem utilidade.
Isto posto, o facto vertido no ponto 26 do probatório (relembramos: “Nos presentes autos, foi prestada informação que deu conta do reconhecimento da prescrição em relação às coimas em execução, bem como dos pagamentos efetuados, mantendo-se em dívida créditos de IVA no montante de € 104.958,61:”) não tem suporte nos documentos que são exibidos, por fotografia, naquele mesmo ponto. Com efeito, o que se extrai do “mapa recapitulativo da dívida” é que permanecem em dívida, para além do IVA dos períodos de 199605 e seguintes, também o IRC do ano de 2001 (€157,16), bem como o IVA dos períodos de 199503 a 199507, no valor global de €4.694,21, tudo perfazendo o valor global que o OEF computou em €436.773,01.
Assim, há que proceder à retificação do teor do ponto 26 dos factos provados, em conformidade com os documentos que o suportam e que nele são exibidos por fotografia, o qual passa a ter a seguinte redação:
26) Nos presentes autos, foi prestada informação que deu conta do reconhecimento da prescrição em relação às coimas e créditos da segurança social em execução, bem como dos pagamentos efetuados, mantendo-se em dívida créditos de IRC do ano de 2001 e de IVA, dos anos de 1995, 1996, 1998, 1999, 2000 e 2003, no montante global de € 436.773,01: (…).
*
Importa, ainda, proceder à retificação dos pontos 17 e 18 dos factos provados, uma vez que contêm matéria conclusiva, que passam a ter a seguinte redação:
17) O ora oponente procurou novos clientes no estrangeiro, mas os mesmos acabaram por incumprir o acordo e compraram as urnas a outro país - cfr. depoimento de testemunha;
18) O Oponente fez elevado investimento na sociedade e pediu auxilio a um gestor, no sentido de ser feito um plano de viabilização de recuperação da sociedade - cfr. depoimento de testemunha;

3.1.3. Aditamento à matéria de facto
Ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662º do Código de Processo Civil, vamos proceder ao seguinte aditamento à matéria de facto provada, por se tratarem de factos relevantes para a decisão a proferir e constarem de documentos juntos aos autos, estarem admitidos por acordo ou resultarem de confissão do Oponente:
27. A execução fiscal nº .......................010 foi instaurada em 7/08/1997, para cobrança de IVA e juros compensatórios dos anos de 1995 e 1996 – cfr. fls. 16 da p.i.
28. As dívidas provenientes de IVA dos anos de 1995 e 1996 foram liquidadas em 1997 – cfr. certidões de dívida de fls. 25 a 34 da p.i.
29. As dívidas provenientes de IVA dos anos de 1998 e 1999 foram liquidadas em 2000 – cfr. certidões de dívida de fls. 35 a 55 da p.i.
30. As dívidas provenientes de IVA do ano de 2000 foram liquidadas em 2001 – cfr. certidões de dívida de fls. 56 a 67 da p.i.
31. As dívidas provenientes de IVA do ano de 2003 foram liquidadas no mesmo ano – cfr. certidões de dívida de fls. 70 e 71 da p.i.
32. A dívida proveniente de IRC do ano de 2001 foi liquidada em 2003 – cfr. certidão de dívida de fls. 24 da p.i.
33. Sempre foi apanágio da administração da sociedade devedora originária proceder ao pontual pagamento dos salários dos seus 98 trabalhadores, pelo que o cumprimento deste compromisso se tem vindo a revelar, quase sempre, a causa direta para o incumprimento dos demais – facto confessado no artigo 37º da p.i.
*
Estabilizada nestes termos a matéria de facto, avancemos na apreciação do mérito deste recurso.

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Do erro de julgamento quanto à prescrição
A sentença recorrida limitou-se a apreciar a questão da prescrição das dívidas exequendas e, considerando-a verificada, julgou extinta a instância de oposição à execução fiscal, por impossibilidade superveniente.
Vejamos, antes do mais, a fundamentação jurídica em que assentou:
«O Código de Processo Tributário (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, dispunha no seu artigo 34º, no que à matéria da prescrição das obrigações tributárias respeita, o seguinte:
1 - A obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais curto estiver fixado na lei.
2 - O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial.
3 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.”
A aprovação da Lei Geral Tributária (doravante LGT), através do Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro, veio introduzir alterações a esta matéria, em sede de lei substantiva e reforçada, no seu artigo 48º.
Determina esta norma, na redação em vigor à data, que:
1 – As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto [e]m lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
2 – As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3 – A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efetuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.”
Ora, a primeira questão a que cumpre dar resposta é a da aplicação da lei no tempo.
Determina o nº 1 do artigo 5º do referido D.L. nº 398/98 que ao novo prazo de prescrição se aplica o disposto no artigo 297º do Código Civil (CC), dispondo o nº 1 desta norma o seguinte: “A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.”
Daqui resulta, e uma vez que estamos perante factos tributários ocorridos antes e depois da entrada em vigor da LGT, será aplicável o prazo mais curto previsto nesta lei, sempre se salvaguardando a imposição de início de contagem de prazo na data da sua entrada em vigor quanto aos factos ocorridos em momento anterior (neste sentido, e a título de mero exemplo, pode ler-se o douto aresto do STA, de 21/08/2013, P. 01316/13, disponível em www.dgsi.pt).
Seguidamente, importa conhecer das alegadas causas suspensivas e interruptivas do prazo de prescrição, bem como, e de suma importância, o seu aproveitamento para o aqui Oponente.
O despacho de reversão rela[t]ivamente ao ora Oponente é de 15 de Julho de 2004.
O ora Oponente foi citado para a execução em 03.08.2004
Resulta do Probatório que, por incumprimento do pagamento prestacional acordado no Processo Especial de Recuperação ...43/00, foi instaurado, a 14/09/2004, novo PER que correu termos sob o nº ....65/04.0......
No âmbito do identificado processo, foram avocados pelo Tribunal Judicial de ... todos os processos de execução fiscal pendentes, processos estes que só foram devolvidos a 15/01/2008, após encerramento do processo de recuperação.
Contudo, importa sublinhar que ao processo em causa foi ainda aplicável o Código de Processo Especial de Recuperação de Empresas e de Falência (doravante CPEREF), uma vez, que, o Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE) só entrou em vigor a 19 de Março daquele ano de 2004. Ora, nos termos do disposto no artigo 154º daquele normativo, a declaração de falência importa apenas a apensação de todas as ações que corram contra a falida, não produzindo efeitos quanto ao curso do prazo de prescrição nem obstando ao curso normal daqueles processos.
Aliás, tal entendimento foi objeto de jurisprudência pacífica e unânime do STA, aqui se transcrevendo, a título meramente exemplificativo, o sumário do douto aresto proferido a 12/04/2012, no P. 0115/12 (disponível em www.dgsi.pt):
I – A remessa do processo de execução ao processo de falência não determina a paragem daquele, pois, uma vez apensado a este, com ele segue a sua normal tramitação.
II – A declaração de falência não suspende o prazo de prescrição, só determinando a sustação das execuções a fim de serem apensadas ao processo de falência para aí correrem os seus termos como reclamação dos créditos exequendos.
III – Se, quando o oponente foi citado na qualidade de responsabilidade subsidiário, o prazo de prescrição de cinco anos aqui aplicável, contado a partir da entrada em vigor da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, já havia terminado, uma vez que não há, nesse período, notícia nos autos da existência de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento da responsável pelo pagamento conducente à liquidação ou à cobrança da dívida (cfr. art. 63.º, n.º 3, da citada), é de julgar procedente a oposição à execução fiscal deduzida com fundamento na prescrição da dívida exequenda.”
À luz do disposto nos artigos 18º e 22º da LGT, o Oponente assume a qualidade de responsável subsidiário, na relação tributária em questão, à luz do previsto no artigo 153º do CPPT, responsabilidade esta limitada aos bens hipotecados, não podendo responder por dívidas tributárias o remanescente do seu património (neste sentido, e a título meramente exemplificativo, pode ler-se o Acórdão do STA de 01/08/2012, P. 0765/12, disponível em www.dgsi.pt).
Também no mesmo sentido se pronunciou, na doutrina, Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume III, 6ª Edição, 2011, Áreas Editora, Lisboa, pág. 74 e seguintes), equiparando, para efeitos de relação jurídico-substantiva, o garante ao responsável solidário.
Posto isto, e nestes termos, conforme se retira do disposto no nº 2 do artigo 48º da LGT (na redação em vigor à data), as causas de suspensão e de interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários. Esta solução explica-se por razões de legalidade. Como doutamente afirmado por Diogo Leite de Campo, José Lopes de Sousa e Benjamim Rodrigues (em Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Vislis Editores, Lisboa, 2004, P. 220 e seguintes), “(…) Nos termos do número 2, as causas de suspensão ou de interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao responsável subsidiário. Trata-se de um simples postulado do princípio da mesma identidade legis causa da obrigação tributária que é garantida pessoalmente pelo devedor subsidiário. Mas, se este for citado após o 5.º ano subsequente ao da liquidação, o prazo de prescrição corre ininterruptamente, não se suspendendo por qualquer causa relativa ao devedor principal (prevista no artigo 49.º).
Pelo que, se o devedor subsidiário não for citado no prazo de oito anos, a dívida terá prescrito. Esta excepção àquele princípio da identidade deve-se a puras razões de justiça material, dado estar-se perante uma obrigação de garantia, de causa legal a dívidas de terceiro.(…)”.
Como resulta do probatório coligido, o Oponente, enquanto garante da dívida exequenda, só foi citado em 2004, nunca tendo antes sido chamado, por qualquer forma, a responder por estes montantes. Também como resulta da fundamentação de facto, o montante exequendo respeita a dívidas de IVA cuja liquidação respeita aos anos de 1996 a 2003.
Consequentemente, não se oferecem dúvidas a este Tribunal que, quanto ao responsável subsidiário, aqui Oponente, o prazo de 8 anos de prescrição se contará corrido, sem interrupções, não se suspendendo em relação a qualquer causa verificada quanto ao devedor principal, prazo este que se encontra ultrapassado.
Sublinhe-se que, ainda que não fosse este o caso, tampouco se verificou qualquer uma das causas previstas no nº 1 do artigo 49º da LGT quanto ao devedor principal, uma vez que a dedução de oposição à execução fiscal por parte de responsáveis subsidiários (neste caso, os sócios gerentes) não consubstancia uma causa suspensiva ou interruptiva da obrigação tributária.».
A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o assim decidido, sustentando que a sentença em crise enferma de erro de julgamento por não ter considerado a causa interruptiva que, para as dívidas de IVA dos anos de 1995 e 1996, decorre da instauração da execução fiscal em 07/08/1997 que inutilizou para a prescrição todo o prazo até então decorrido; ademais, como não há notícia de a execução fiscal ter estado parada por mais de um ano e por falta não imputável ao contribuinte até quando, em 01-01-1999, entrou em vigor a LGT, é de considerar que ainda não tinha decorrido qualquer período do prazo de dez anos fixado pelo CPT, nem sequer se tinha iniciado o novo prazo, o que só sucederia com o trânsito em julgado da decisão que pusesse termo ao processo de execução fiscal (cfr. art. 327º, nº 1, do CC).
Mais refere que, quer em relação ao IVA dos anos de 1995 e 1996, quer em relação ao IVA de 1998, 1999, 2000 e 2003 e ao IRC de 2001, o prazo prescrição a aplicar é o de 8 anos, de acordo com o artigo 48º da LGT, contados a partir da data da entrada em vigor desta Lei, 01-01-1999. Tendo o Recorrido sido citado após reversão em 03.08.2004, ocorreu nessa data a interrupção da prescrição em relação ao Oponente (responsável subsidiário), donde que não ocorreu a prescrição das dívidas exequendas, porque a contagem do prazo de prescrição se encontra interrompida desde 03.08.2004, e nem sequer se iniciou novo prazo, o que só sucederá com o trânsito em julgado da decisão que puser termo aos processos de execução fiscal em que são exigidas as dívidas de IVA dos anos de 1995, 1996, 1998, 1999, 2000 e 2003 e de IRC de 2001.
Vejamos, então:
Não sofre qualquer dúvida que, nos termos do disposto no artigo 34º do CPT, o prazo de prescrição encontrava-se fixado em 10 anos, salvo se outro mais curto estivesse fixado na lei, e contava-se desde o início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário – cfr. nº 1 e 2.
Já o nº 3 deste artigo estatuía que «A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte e durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à autuação.».
Este prazo foi alterado pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17/12, que aprovou a Lei Geral Tributária, cuja vigência de iniciou em 01.01.1999, e que, no seu artigo 48º, encurtou o prazo de prescrição das dívidas tributárias para 8 anos.
Aplicando-se ao novo prazo de prescrição o disposto no artigo 297º do Código Civil, por força do artigo 5º, nº 1, do referido Decreto-Lei, a nova lei é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Para tanto, devem ter-se em conta os efeitos produzidos antes da vigência da lei nova, nomeadamente a ocorrência de facto com efeito interruptivo, sem que o processo tenha estado para por mais de um ano – cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª edição, 2010, Áreas Editora, pág. 96 e 97.
Assim, relativamente às dívidas mais antigas, provenientes de IVA dos anos de 1995 e 1996, os seus prazos prescricionais iniciaram-se, respetivamente, em 01.01.1996 e em 01.01.1997 e foram interrompidos em 07/08/1997, quando haviam decorrido 1 ano, 7 meses e 7 dias (IVA de 1995) e 7 meses e 7 dias (IVA de 1996). Não havendo notícia de que, até 01.01.1999, tivesse ocorrido qualquer paragem da execução fiscal, temos que, à data da entrada da nova lei, não estava decorrido qualquer período do prazo de prescrição, pois o efeito interruptivo derivado da instauração da execução fiscal, não só fez perder para a prescrição todo o tempo até então decorrido, como também se manteve.
Assim, à data da entrada em vigor da LGT faltavam 10 anos para a prescrição se completar segundo a lei antiga, mas apenas 8 anos segundo a lei nova, pelo que às dívidas de 1995 e 1996 passou a ser aplicado o prazo de prescrição de 8 anos.
Decorre das certidões de dívida do IVA exequendo dos anos de 1995 e 1996 que este imposto foi liquidado em 1997, pelo que, quando o Recorrido foi citado, na qualidade de revertido, em 03.08.2004 já haviam decorrido mais de 5 anos. No entanto, o preceituado neste artigo 48º, nº 3, da LGT, que determina a ineficácia, em relação ao responsável subsidiário de factos interruptivos da prescrição se a citação não ocorrer até ao 5º ano subsequente ao da liquidação, não afeta os efeitos de factos interruptivos praticados na vigência das leis anteriores, ou seja, só tem aplicação a factos ocorridos após a entrada em vigor da LGT [cfr. neste sentido, o Acórdão do STA de 14.03.2001, processo nº 025426].
Assim, quando o Recorrido foi citado não tinha decorrido qualquer período do prazo de prescrição das dívidas aqui em causa, sendo que a sua citação tem autónomo efeito interruptivo da prescrição.
Tendo em conta os efeitos interruptivos duradouros derivados, quer da instauração da execução fiscal - porque no processo não ocorreu paragem por período superior a um ano, por facto não imputável ao contribuinte -, quer da citação do revertido, não só se perdeu para a prescrição todo o tempo decorrido, como ainda não se iniciou novo prazo, importando concluir que estas dívidas não estão prescritas.
E o mesmo se passa quanto às restantes dívidas provenientes de IVA dos anos de 1998, 1999, 2000 e 2003, liquidadas, respetivamente, em 2000 (o IVA de 98 e 99), 2001 (IVA de 2000) e 2003 (IVA de 2003) e, bem assim, quanto ao IRC do ano de 2001, liquidado em 2003.
O prazo de prescrição das mais antigas destas dívidas – do ano de 1998 –, que é de oito anos, iniciou-se em 01.01.1999 e foi interrompido com a citação do Recorrido em 03.08.2004, quando apenas havia decorrido o período de 5 anos, 7 meses e 2 dias.
Por força do efeito interruptivo duradouro reconhecido à citação do revertido, os prazos de prescrição das dívidas exequendas ainda não se reiniciaram, pelo que, mesmo sem ter em conta qualquer suspensão dos prazos em causa, resulta manifesto que também as dívidas de IVA dos anos de 1998 a 2003, a par do IRC de 2001, não estão prescritas.
Procede, pois, o recurso da Fazenda Pública, mas tendo em conta que na sentença recorrida não foram apreciadas as demais questões suscitadas na p.i., embora tivesse sido fixada a matéria de facto pertinente para o efeito, cumprido o disposto no artigo 665º do Código de Processo Civil, importa agora analisá-las.

3.2.2. Das restantes questões suscitadas na p.i.
3.2.2.1. Da nulidade da citação
Na perspetiva do Oponente, a sua citação para a execução fiscal enferma de nulidade, por dela não constarem os títulos executivos que titulam as dívidas de IVA dos períodos de 7, 8 e 9 de 2003, das dívidas ao CRSS dos períodos de 11 e 12 de 1995, 1 a 6 de 1996 e 5 a 8 de 1998, bem como das dívidas por coimas dos processos nº ..................460 e .....................521. Refere que a preterição e formalidades essenciais enferma o ato de nulidade, nos termos da alínea b) do artigo 165º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pelo que a presente execução não pode prosseguir quanto ao valor daquelas dívidas, por inexistência de título executivo.
Ora, como já é bem sabido, a nulidade da citação não é fundamento de oposição devendo ser arguida em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal.
Como vem sendo dito, de forma pacífica e reiterada pela jurisprudência do STA (de que são exemplos Acórdãos de 22.02.2017, recurso 1528/14, 07.05.2014, recurso 283/14, de 24.02.2010, de 25 de Maio de 2011, proferido no recurso nº 187/11, de 10.03.2011, recurso 42/11 e do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.07.2011, recurso 873/11 e de 28.02.2007, recurso 803/04, todos in www.dgsi.pt.) a nulidade da citação, porque não determina a extinção da execução fiscal, mas apenas a repetição do ato com cumprimento das formalidades omitidas, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, antes devendo ser arguida em primeira linha perante o órgão de execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável.
Com efeito a oposição, que tem a natureza de uma contestação, visa, em regra, a extinção da execução fiscal, enquanto a nulidade da citação apenas pode determinar a repetição do ato com suprimento das irregularidades que determinaram a anulação e a repetição dos atos subsequentes que, porque dependentes da citação anulada, tenham sido também anulados. Assim, porque a nulidade da citação não tem como efeito a extinção da execução fiscal não pode ser erigida, em circunstância alguma, em fundamento de oposição à execução fiscal – cf. neste sentido, o supra citado Acórdão 283/14 de 07.05.
Acresce dizer que, no caso concreto, não se justifica a convolação para a forma que seria adequada, que seria, como se deixou dito, o requerimento de arguição de nulidade dirigido ao órgão de execução fiscal - cfr. o nº 3 do artigo 97º da LGT e o nº 4 do artigo 98º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Na verdade, embora seja certo que, ocorrendo erro na forma de processo deve operar-se a convolação para a forma de processo legalmente adequada, a convolação justifica-se por razões de economia processual, pelo que só deve ser efetuada quando tiver alguma utilidade.
Sucede que o recorrente invocou outros fundamentos, próprios do processo de oposição – como a prescrição das dívidas e a sua ilegitimidade -, caso em que o processo deve prosseguir para conhecimento das questões que constituem fundamento legal de oposição à execução.
Por outro lado, com respeito ao título executivo, apenas constitui fundamento de oposição a sua falsidade, quando possa influir nos termos a execução, como decorre do artigo 204º, nº 1, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Uma vez que não é este o vício alegado pelo Oponente, também não é possível emitir pronúncia sobre a alegada inexistência dos títulos executivos relativos às supra descritas dívidas.

3.2.2.2. Da ilegitimidade da reversão e do citado
Prossegue o Oponente, alegando que, na notificação que lhe foi efetuada, não aparece demonstrada a verificação da inexistência de bens penhoráveis do devedor ou fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes dos autos de penhora ou de outros de que a Administração disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida ou acrescido.
Refere que a sociedade possui património, ainda que ele se venha a revelar insuficiente, mas pretende fruir do benefício da excussão prévia. Aduz que, grande parte das dívidas em causa foram abrangidas pelo acordo de pagamento prestacional, no âmbito da restruturação empresarial decretada pelo Tribunal Judicial de ..., o qual ficou garantido pela constituição de uma hipoteca unilateral pela Segurança Social e DGT, pelo que o incumprimento desse acordo tem que dar lugar, em primeiro lugar, à execução de tal hipoteca e não à reversão.
Ora, em primeiro lugar, cabe dar nota de que os vícios da notificação do ato não se repercutem na sua validade intrínseca; daí que a falta de notificação do revertido dos fundamentos / pressupostos da reversão, ou mesmo a nulidade da sua citação, não tem a virtualidade de afetar a legalidade do ato de reversão.
Não colhe, por isso, o argumento da ilegitimidade do revertido, ou da reversão, por falta de notificação dos pressupostos da reversão.
Por outro lado, e no que à excussão prévia respeita, acompanhamos aqui a jurisprudência que dimana do acórdão do STA de 14.10.2020, proferido no processo 03294/10.0BEPRT 0211/17, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e0481d6ecc472c9980258607004b5eef?OpenDocument&ExpandSection=1, onde se refere que:
«(…) como este Supremo Tribunal vem reiteradamente esclarecendo: “concluindo-se pela «fundada insuficiência» de bens penhoráveis do devedor originário, pode ser decidida a reversão, embora a possibilidade de cobrança da dívida através dos bens da responsabilidade subsidiária esteja dependente da prévia excussão dos bens do devedor originário” – cfr. Acórdão de 25 de Janeiro de 2017, proferido no processo n.º 0286/16, disponível em www.dgsi.pt, entre muitos outros; contra, sustentando que tal jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal transforma a reversão contra o responsável subsidiário num processo cautelar, vd. Vânia Patrícia Filipe Magalhães, “O (des)privilégio do beneficium excussionis do responsável tributário subsidiário”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 67, Volume III, 2007, disponível em www.portal.oa.pt.
Não há, por conseguinte, que confundir os requisitos da decisão de reversão com os requisitos de execução concreta dos bens do responsável subsidiário, (…). Importa, ao invés, reiterar que se encontra assegurada a tutela dos interesses do responsável subsidiário quando, pese embora já após a reversão, este pode ainda assim obstar à execução dos seus bens, invocando o benefício de excussão prévia, traduzido na penhora e venda de todos os bens do devedor principal - conforme resulta do disposto na parte final do supra citado artigo 23.º, n.º 2 da LGT.».
Importa salientar que, no caso, a reversão abrangeu dívidas posteriores às englobadas no acordo de pagamento em prestações e na hipoteca que serviu para garantir o pagamento destas.
Assim, há que concluir que a reversão não obsta à excussão prévia do património do devedor principal, nem a falta desta impede a reversão contra os devedores subsidiários.
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Alega também o Oponente que não é possível assacar a qualquer dos responsáveis da devedora originária qualquer ato culposo que tenha contribuído para ou determinado que o património da sociedade devedora originária se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos créditos em causa, pelo que também não é possível imputar-lhes um juízo de culpa pela falta de pagamento das dívidas tributárias exequendas. Refere que: a sociedade enfrentou, durante algum tempo, uma grave crise que motivou a propositura pelos próprios administradores de processo de recuperação de empresa; o exame das constas da sociedade prova que a gestão sempre foi levada a cabo com a maior diligência e que nunca qualquer acionista recebeu qualquer montante a título de distribuição de lucros; as administradores não eram remunerados nem usufruíam de qualquer regalia; sempre foram pontualmente pagos os salários dos 98 trabalhadores da sociedade «pelo que o cumprimento deste compromisso se tem vindo a revelar, quase sempre, a causa directa para o incumprimento dos demais»; não houve qualquer negligência ou descuido dos administradores que possa justificar a falta de pagamento das dívidas exequendas.
Dispõe o artigo 24º, nº 1, da Lei Geral Tributária (LGT), que:
1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
À semelhança do que já decorria do artigo 13º do CPT, o artigo 24º, nº 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.
O artigo 24º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu nº 1:
A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, donde que, nos termos do artigo 74º, nº 1, da LGT, cabe à administração tributária (AT) alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.
A segunda situação, constante da al. b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. Nos termos desta alínea b), presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor, pelo que o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir, sendo que, subsistindo dúvida, esta é valorada contra o revertido.
Acompanhando o acórdão deste TCAN de 02/03/2017, proferido no processo 00219/11.9BEPRT, disponível em https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/FA08485706DCA3F4802581250034B7DD, também nós entendemos que:
«(…) para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais factores externos no desenvolvimento da actividade social.
Não se exige o sucesso total dessas diligências, pois nem tudo é previsível ou controlável e não cabe aos tribunais avaliar o mérito técnico da gestão desenvolvida pelos gerentes nem as capacidades inatas ou técnicas que cada sujeito é portador.
Mas, sublinhamos, se pretender ilidir a presunção de culpa, não pode deixar de provar que se empenhou no pagamento dos créditos fiscais e/ou na preservação do património societário que há-de, a final, garantir o seu pagamento (o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários – art.º 50º/1 LGT e 601º do Código Civil).
Esta exigência é o que se reputa de «condição mínima» para «desculpabilizar» a falta de pagamento de qualquer imposto.
No caso especial do IVA - bem como nos impostos retidos na fonte-, a falta de pagamento dos tributos tem particular gravidade na medida em que se trata de impostos que resultam de um fluxo monetário na empresa que ao não serem entregues nos cofres do Estado, são «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.
Quando o gestor procede ao «desvio» da destinação das verbas recebidas (estamos a falar do IVA) não pode deixar de indiciar um comportamento censurável, considerando que neste tipo de Imposto, a factura ou documento equivalente constitui como que um cheque sobre o Estado Ac. do TCAS n.º 04170/10 de 26-10-2010 Relator: JOSÉ CORREIA
Sumário
: III) -No IVA e na medida em que a factura ou documento equivalente constitui como que um cheque sobre o Estado o legislador adoptou medidas apertadas para evitar a fraude fiscal nelas se filiando o artigo 35.° n.° 5 do CIVA que exige determinados formalismos (formalidades "ad substantiam" cujo incumprimento acarreta a invalidade destes documentos) que a recorrente não cumpriu pois nos documentos tem que constar a espécie de serviço prestado já que conforme a sua natureza a taxa do imposto também é diferente..
Como escreve Saldanha Sanches, «…No caso do IVA, a existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado» (Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 274).
Ora, quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem a censurabilidade indiciada, sob pena de não conseguir afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.
Como a figura da culpa só tem sentido quando reportada a omissões ou ações específicas (cfr. Sofia de Vasconcelos Casimiro, in “A responsabilidade dos Gerentes, Administradores e Directores pelas Dívidas Tributárias das Sociedade Comerciais”, Almedina, 2000, pp. 129) esses factos têm de passar, necessariamente, pela alegação de medidas concretas que demonstrem a diligência empreendedora do gestor (ainda que infrutífera) em face das adversidades a que devedora originária ficou exposta.».
No caso vertente, exercendo o Oponente o cargo de administrador da sociedade devedora originária à data em que ocorreu o termo do prazo de pagamento voluntário das dívidas exequendas, cabia a si o ónus de ilidir a presunção da sua culpa pela falta de pagamento dos tributos exequendos.
Este juízo de culpa não se limita ao mero ato de pagar ou não pagar tais dívidas, o que se presume é que o gestor não atuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios, que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade – cfr., entre muitos, os Acórdãos deste TCAN, de 23/11/11 e de 11/03/2021, proferidos no âmbito dos processos nº 00972/09.0 BEVIS e 01309/11.3BEPRT.
Por isso, a alínea b) do nº 1, do artigo 24º da LGT, engloba todas as atuações conducentes à falta de pagamento do imposto, designadamente, aquelas em que o administrador, em funções no momento em que terminou o prazo de entrega ou pagamento, não pagou das dívidas, apesar de a devedora originária ter meios para tal, ou as situações em que o gestor atuou de forma a que, naquele momento, não existissem bens no património societário para responder pelos débitos em causa, impossibilitando o pagamento.
Com relevo para a apreciação da ilisão da presunção de culpa, resultou provado nos autos que:
- A sociedade, devedora originária, por iniciativa dos seus Administradores, propôs em 19.12.2000 no Tribunal Judicial de ..., um Processo Especial de Recuperação de Empresa, que correu os seus termos sob o ...43/00 do ... Juízo daquele tribunal:
- Nesse processo, foi aprovada a medida de reestruturação empresarial, ao abrigo da qual o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e a Direcção Geral do Tesouro acordaram na satisfação parcelada dos seus créditos, pelo pagamento de respectivamente 150 e 60 prestações;
- Foram abrangidas pelo acordo as dívidas fiscais cujo prazo de pagamento terminou entre 1 de Agosto de 1996 e 19 de Dezembro de 2000, bem como todas as dívidas à Segurança Social contraídas até 19 de Dezembro de 2000;
- Por decisão de 12.10.2001 do Tribunal Judicial da Comarca de ... foi aprovada a medida de reestruturação financeira, nos termos propostos pelo Sr. Gestor Judicial;
- O ora Oponente procurou novos clientes no estrangeiro, mas os mesmos acabaram por incumprir o acordo e compraram as urnas a outro país;
- O Oponente fez elevado investimento a sociedade e pediu auxilio a um gestor, no sentido de ser feito um plano de viabilização de recuperação da sociedade;
- A conjuntura do mercado na área de comercialização objecto da sociedade executada, nomeadamente em ..., não era a melhor, a concorrência de outros países que fabricavam a preços mais baixos, fez com que a mesma fosse perdendo os seus clientes;
- A sociedade era detentora de imobilizado, nomeadamente das enormes instalações e maquinaria;
- O ora Oponente nunca auferiu vencimento;
- Em cumprimento do acórdão m.i. na alínea 23) deste Probatório, foi solicitada informação ao ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de ... sobre o estado do processo especial de recuperação de empresa n.º..65/04...., tendo na sequência de tal pedido sido enviado ofício a este TAF de Penafiel, contendo informação com o seguinte teor: «Conforme solicitado (…) venho informar que os n/autos acima identificados não foi proferido despacho de prosseguimento da acção, encontrando-se no arquivo desde 02/09/2008».
Daqui decorre que a situação financeira da devedora originária era deficitária desde antes de 2000, data em que foi instaurado processo especial de recuperação de empresa, o qual culminou com um acordo de pagamento e a aprovação de uma medida de restruturação financeira. Contudo, em 2004, foi instaurado novo processo especial de recuperação de empresa que não teve seguimento, o que nos permite concluir que a restruturação anteriormente aprovada não foi levada a bom porto e, após 2004, não era sequer viável.
É certo que o Tribunal a quo ficou convencido de que “o Oponente não praticou qualquer ato culposo que tenha contribuído ou determinado para que o património da sociedade devedora originária se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos créditos em causa, bem pelo contrário.”.
Mas não nos revemos nesta conclusão, porquanto também resulta do probatório que a sociedade devedora originária e os seus administradores foram condenados em processo crime instaurado por falta de entrega ao Estado de quotizações devidas à Segurança Social relativas aos períodos 11 e 12 de 1995, 01 a 12 de 1996, 01 a 12 de 1997 e 01 a 09 de 1998, bem como a não entrega ao Estado do IVA relativo aos períodos 06 a 12 de 1996, 01 a 12 de 1997, 01 a 12 de 1998 e 01 a 08 de 1999.
Ora, tendo presente as especiais exigências probatórias do processo penal, em que cabe ao Ministério Público a prova, para além do mais, da culpa dos arguidos, afigura-se-nos reforçada a presunção de culpa.
Por outro lado, estão em causa dívidas de IVA que devia ter sido entregue nos cofres do Estado, o que configura um comportamento especialmente censurável, pelo que o Oponente devia de provar que se empenhou no pagamento dos créditos fiscais e/ou na preservação do património societário que há de, a final, garantir o seu pagamento. É que, como se lê no sumário do acórdão proferido no processo 00219/11.9BEPRT, supra mencionado, «5. Quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem a censurabilidade indiciada, sob pena de não conseguir afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui. // 6. A prova dos factos tendentes a demonstrar a falta [d]e culpa não pode assentar numa generalização vaga e sem delimitação concreta, quer no tempo quer nos actos empreendidos, precisamente porque as dívidas também foram incumpridas num período concreto e num montante determinado, pelo que a tentativa de afastar a culpa com um ou vários conceitos genéricos e imprecisos (“crise do sector”, “dificuldades financeiras”, “tudo fez para ...”, “empenhou-se de alma e coração...” etc.) denota uma ligeireza probatória injustificada, que não pode deixar de ser votada ao fracasso.».
Uma vez que, no caso que nos ocupa, não resulta provado qualquer facto concreto, circunstanciado no tempo, evidenciador de que, apesar de a sociedade ter desviado o IVA recebido dos seus clientes para pagar aos trabalhadores, o Oponente encetou diligências para proceder ao pagamento, no que agora interessa, do IRC do ano de 2001 e do IVA dos anos de 1995, 1996, 1998, 1999, 2000 e 2003.
Nesta conformidade, não é possível concluir que o Oponente ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, devendo o Oponente ser julgado parte legítima na presente execução, com a consequente improcedência da oposição.


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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O artigo 34º do CPT fixava o prazo de prescrição em 10 anos, contados desde o início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário, prazo este que foi encurtado pela LGT para 8 anos.
II - Aplicando-se ao novo prazo de prescrição o disposto no artigo 297º do Código Civil, por força do artigo 5º, nº 1, do referido Decreto-Lei, a nova lei é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar, para o que devem ter-se em conta os efeitos produzidos antes da vigência da lei nova.
III - A nulidade da citação não é fundamento de oposição devendo ser arguida em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal.
IV - Com respeito ao título executivo, apenas constitui fundamento de oposição a sua falsidade, quando possa influir nos termos a execução, como decorre do artigo 204º, nº 1, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
V - Os vícios da notificação do ato não se repercutem na sua validade intrínseca.
VI - Não são confundíveis os requisitos da decisão de reversão fiscal contra devedor subsidiário com os requisitos de execução concreta dos bens deste, integrando o benefício da excussão prévia apenas estes últimos.
VII - Sendo a execução fiscal revertida nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, o devedor subsidiário está onerado com a presunção de culpa na insuficiência do património social da pessoa colectiva para satisfação das dívidas fiscais.
VIII. Para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais factores externos no desenvolvimento da actividade social.
IX. No caso especial do IVA, a falta de pagamento dos tributos tem particular gravidade na medida em que se trata de impostos que resultam de um fluxo monetário na empresa que ao não serem entregues nos cofres do Estado, são «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.
X. Quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem a censurabilidade indiciada, sob pena de não conseguir afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.
XI. A prova dos factos tendentes a demonstrar a falta e culpa não pode assentar numa generalização vaga e sem delimitação concreta, quer no tempo quer nos actos empreendidos, precisamente porque as dívidas também foram incumpridas num período concreto e num montante determinado, pelo que a tentativa de afastar a culpa com um ou vários conceitos genéricos e imprecisos (“crise do sector”, “dificuldades financeiras”, “tudo fez para ...”, “empenhou-se de alma e coração...” etc.) denota uma ligeireza probatória injustificada, que não pode deixar de ser votada ao fracasso.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso revogando a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar a oposição improcedente.
Custas a cargo do Recorrido em ambas as instâncias, por nelas sair vencido, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, que não incluem a taxa de justiça devida nesta sede uma vez que não contra-alegou.

Porto, 7 de março de 2024

Maria do Rosário Pais - Relatora
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 1ª Adjunta
Vítor Domingos de Oliveira Salazar Unas – 2º Adjunto