Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
O EXMO. REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF do Porto que julgou procedente a oposição deduzida por R... contra a reversão da execução fiscal instaurada conta a devedora originária “C… Caixilharias de Alumínio, Lda” dela interpôs recurso terminando as alegações com as seguintes conclusões:
A. Julgou a Sentença recorrida procedente a oposição deduzida no processo de execução fiscal n.º 3352200301021427 e apensos, instaurado, por dívidas de IVA dos anos de 2002, 2003 e 2004, cujas datas limite de pagamento voluntário terminaram entre 2003 e 2005, no montante global de € 35.405,69 e acrescido, contra a executada devedora originária "C… Caixilharia de Alumínio, Lda", onde foi efectuada a reversão contra o oponente, aqui recorrido.
B. O Tribunal a quo considerou que a “reversão assentou na presunção legal de culpa do revertido e na insuficiência de bens da primitiva devedora, sendo estas as questões de que cumpre conhecer”.
C. O Tribunal a quo, seguidamente, considerou que “da factualidade apurada resulta que o oponente demonstra que no período a que as dívidas se reportam a primitiva devedora esteve com dificuldades financeiras devido ao facto dos seus clientes, sobretudo empreiteiros na área da construção civil, terem falido devido à crise na construção civil e, pelo facto de se tomarem insolventes, não terem efectuado os pagamentos devidos pelo trabalho prestado.”
D. A sentença recorrida conclui que “Torna-se manifesto que a AT nada conseguiu provar, nem sequer alegou a culpa do oponente na dissipação ou insuficiência do património, limitando-se a fazer a prova da gerência nominal ou de direito, o que é manifestamente insuficiente para a imputação da dívida tributária ao responsável subsidiário.”
E. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto, considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a extinção da execução revertida contra o oponente,
F. como igualmente na incorreta apreciação e valoração da matéria factual, pois, considera a Fazenda Pública que a factualidade dada como assente no probatório não é bastante para suportar o julgamento de que ao oponente não é imputável o não pagamento das dívidas exequendas.
G. Resulta dos autos que o oponente era gerente e geria a sociedade devedora originária, facto provado – alínea 9. da factualidade assente - nunca contestado pelo oponente.
H. A oposição foi julgada procedente com fundamento na falta de responsabilidade do Oponente, integrante do fundamento da alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT.
I. Entende a Fazenda Pública que, “contrariamente ao decidido, a factualidade provada é insuficiente para que se considere que o Oponente se desincumbiu do ónus probatório de demonstrar a falta de culpa pelo não pagamento das prestações tributárias ora em cobrança coerciva, motivo por que não pode considerar-se afastada a sua responsabilidade subsidiária.”
J. No caso vertente, como resulta da factualidade assente, o oponente, R…, era gerente da executada, sendo que as dívidas relativas se venceram e deviam ter sido pagas durante a sua gerência, situação que se enquadra na alínea b), do nº 1, do artigo 24º da LGT.
K. Nos termos do art. 24º, nº 1, alínea b) da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto.
L. Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.
M. Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da absoluta incapacidade da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
N. O sujeito passivo de IVA não deixa de ser um mero fiel depositário da prestação tributária, não se encontrando na sua disposição a possibilidade de optar entre a entrega do IVA ao Estado e o pagamento dos demais débitos incorridos pelo exercício da actividade da empresa.
O. O pagamento do IVA em causa nos presentes autos não estava na disponibilidade da devedora originária, nem lhe cabia a opção de não o entregar, na medida em que dos autos não resulta comprovado que não recebeu os montantes de IVA em questão.
P. Nenhum facto do probatório permite concluir pela falta de culpa do oponente no incumprimento dos pagamentos em falta, nem pela observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à protecção dos credores, e que o não pagamento dos créditos tributários não resulta do incumprimento dessas disposições.
Q. O probatório limitou-se a fixar, com base em prova testemunhal, a “crise do sector”, as alegadas dificuldades da devedora originária em receber os créditos dos clientes, e, quanto às medidas adoptadas no sentido de assegurar o pagamento dos impostos, que o oponente injectou dinheiro pessoal na empresa por forma a suprir as necessidades de liquidez.
R. Não constam como factos provados quaisquer dados concretos sobre o funcionamento da empresa, relativos á sua organização produtiva, á identificação dos seus principais clientes e respectiva representatividade no volume de negócios anual, ao peso concreto desses clientes na gestão financeira da empresa, aos valores das principais contas e sua flutuação no período considerado, etc.
S. A sentença recorrida não demonstra em que medida os factores exógenos influenciaram as dificuldades em liquidar as dívidas tributárias, concluindo-se, pois, que não há nos autos prova alguma no sentido concreto de que a falta de pagamento das dívidas não seja imputável ao oponente, pelo que deve este responder pelas mesmas ao abrigo da alínea b) do art. 24º, nº 1, da LGT.
T. Não logrando o oponente carrear para os autos a concreta prova atinente à tese que sustentou, inexistência de culpa pela falta de pagamento da quantia exequenda, a questão decidenda terá de ser contra si decidida, tal como decorrem das regras do ónus da prova determinado pelo artigo 342.° do Código Civil e artigo 74.° da LGT, em consonância com o dever que sobre si impendia decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
U. Em qualquer caso, “A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.” - AC. TCAN de 29/10/2009, proc. 00228/07.2BEBGR.
V. Deve ser revogada a douta sentença recorrida, por padecer de erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a extinção da execução revertida e na incorreta apreciação e valoração da matéria de facto, pois esta não é bastante para suportar o julgamento de que o Oponente não teve culpa pelo não pagamento das dívidas exequendas.
W. A sentença recorrida fez, assim incorrecta interpretação dos factos e consequente aplicação da lei, violando o disposto nos art.s nº 24º, nº 1, alínea b) e 74º da LGT, e 342º do CC.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que declare a acção improcedente e mande a execução prosseguir seus termos.
CONTRA ALEGAÇÕES.
O recorrido contra alegou e concluiu:
1 - A sentença recorrida não merece qualquer censura, fazendo uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos.
2 - Face à matéria de facto considerada provada e que a recorrente não impugna, ficou demonstrado que não foi por culpa do oponente que as dívidas fiscais não foram pagas e que o património da originária devedora se tornou insuficiente para garantir o pagamento dos impostos.
3 - A Fazenda Pública também não alegou a culpa do oponente pela falta de pagamento dos impostos, não o podendo fazer na fase recursiva.
4 - Conforme consta da sentença recorrida o oponente alegou e provou que a primitiva devedora tinha créditos incobráveis de vários clientes, o que determinou o não pagamento de diversas obrigações;
5 - Constando ainda da sentença recorrida que “o oponente demonstra que no período a que as dividas se reportam a primitiva devedor esteve com dificuldades financeiras devido ao facto das seus clientes, sobretudo empreiteiros na área da construção civil, terem falido devido à crise na construção civil e, pelo facto de se tornarem insolventes, não terem efetuado os pagamentos devidos pelo trabalho prestado.”
6 - Significa isto que, o oponente provou que não entregou o imposto em causa por facto que não lhe pode ser imputado.
7 - Não constando dos autos que o oponente recebeu o imposto e não o entregou ao Estado, como pretende fazer crer a recorrente.
8 - Por conseguinte, bem andou a sentença recorrida ao considerar que a AT nada conseguiu provar, nem sequer alegou a culpa do oponente na dissipação ou insuficiência do património.
Termos em que, nos melhores de Direito que V. Exª.s. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, confirmando-se a sentença recorrida, como é de inteira JUSTIÇA!
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso e revogação da sentença recorrida.
II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar demonstrada a ausência de culpa na falta de pagamento das dívidas tributárias.
Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados:
1. Contra a sociedade “C…– Caixilharias Alumínio, Lda.” foi instaurado no Serviço de Finanças do Porto 1, o processo executivo nº 3352200301021427, ao qual foram apensados aqueles com os números 3352200401019899, 3352200501007564, 3352200401022377, 3352200401023845 e 3352200501004174, todos relativo a dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado dos anos de 2002, 2003 e 2004 no montante global de €35 405. 69 – cf. informação fls. 75 dos autos;
2. Em 19/05/2010, foi elaborado o projecto de despacho para audição (reversão) ali se referindo a título de fundamentos a “Inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23º/nº 2 da LGT), Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art. 24º/nº 1/b) da LGT) ”, projecto que foi remetido ao oponente por carta registada para efeitos de audição prévia
– cf. notificação audição prévia constante de fls. 79 a 81 dos autos, numeração referente
ao processo físico;
3. Do projecto referido na alínea anterior consta a informação de que “Foram efectuadas diligências, nomeadamente diligências externas, bem como a consulta a todos os sistemas informáticos, para averiguação de bens em nome da executada. Na consulta SIPA (…) verificou-se a existência de 7 viaturas que já se encontram penhoradas nos processo executivos 3352200501031449 e apensos e 3352200501054244 e apensos, sendo o seu valor insuficiente para assegurar o pagamento total da dívida” – cf. informação de fls. 75 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
4. Em 30/06/2010 foi elaborado o despacho de reversão contra o, aqui, Oponente com os fundamentos referido em 2., despacho esse que lhe foi, notificado, por carta registada com aviso de recepção –cf. fls. 82 a 85 dos autos, numeração referente ao processo físico;
5. O oponente, juntamente com F…, com quem era casado, constituiu em 21/01/1983, a primitiva sociedade estando desde essa data, juntamente com o outro sócio, nomeado como gerente, obrigando-se a sociedade com a assinatura de qualquer um deles – cf. certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial do Porto – 1, constante de fls. 62 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
6. A primitiva devedora obrigava-se com a assinatura de qualquer um dos gerentes – cf certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial do Porto – 1, a fls. 62 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
7. A sócia F… renunciou às funções de gerente por carta de 17.06.2004 – cf. a mesma certidão a fls. 62 e seguintes dos autos;
8. A presente oposição foi deduzida em 13.08.2010 – cf. fls. 2 dos autos;
9. Era o Oponente que geria a empresa tomando todas as decisões necessária ao seu normal funcionamento – facto que resulta dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos;
10. Os clientes da primitiva devedora que eram empreiteiros de construção civil faliram devido à crise e passaram a insolventes, o que levou a que não cumprissem com o pagamento elevados créditos com a primitiva devedora – facto que resulta dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos;
11. O oponente chegou a alienar o seu património particular para solver dívidas sociais – facto que resulta dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos;
Factos não provados
Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa.
**** ***
O tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos, identificados junto de cada um dos factos fixados, pela credibilidade que encerram, por deles resultarem com toda a clareza, bem como ainda pelo facto destes não terem sido postos em causa pelas Partes.
Foram ainda atendidos os depoimentos das testemunhas, J…, M…, N… e S…, pela forma clara, precisa e descomprometida como prestaram os seus depoimentos bem como pelo conhecimento que revelaram ter sobre o funcionamento da sociedade, devedora originária.
A verdade é que todos foram unânimes ao revelar ter havido grandes clientes que, por terem entrado em situação de insolvência, deixaram de ter condições para pagar os trabalhos efectuados pela devedora originária, assim desequilibrando as suas contas e funcionamento.
Uma vez que não foi apenas um cliente a deixar de pagar e que os valores eram muito elevados, acabaram por “arruinar a sociedade”.
IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Por dívidas de IVA dos anos 2002, 2003 e 2004 foi instaurado processo de execução fiscal contra a devedora sociedade “C… Caixilharia de Alumínio, Lda”
Verificada a inexistência de bens penhoráveis no património desta sociedade, foi ordenada reversão da execução contra o sócio gerente, ora Oponente.
Citado para a execução revertida, deduziu oposição alegando, no essencial, a falta de culpa na omissão de pagamento das dívidas tributárias.
Efetuada a inquirição de testemunhas, a MMª juiz do TAF do Porto julgou procedente a oposição e determinou a extinção da execução na parte revertida contra o oponente.
Julgamento com que não se conforma o Exmo. Representante da Fazenda Pública, imputando à sentença erro de julgamento por incorreta apreciação e valoração da matéria factual e errada interpretação dos preceitos legais.
Com relevo para a análise desta questão, o art. 24 n.º1, alíneas a) e b) da LGT, na redação vigente, dispõe o seguinte:
1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
O despacho de reversão imputou responsabilidade ao devedor subsidiário com base na alínea b) do n.º 1 do art.º 24 LGT.
Por força do disposto nesta alínea, o devedor subsidiário está onerado com a presunção de culpa na insuficiência do património social da pessoa colectiva para satisfação das dívidas fiscais.
Sendo uma presunção legal de culpa, ela só pode ser ilidida mediante a prova do contrário (art.º 350º/2 do Código Civil). Não basta a mera contraprova destinada a tornar duvidosa a sua culpa (art.º 346º do Código Civil) exigindo-se antes a demonstração de que a situação de insuficiência se ficou a dever exclusivamente a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um bonus pater familiae no sentido de evitar essa situação (acs. do TCAN n.º n.º 00415/05.8BEBRG de 09-02-2012 (Relator: Irene Isabel Gomes das Neves) e 00021/02 – PORTO de 06-04-2006 Relator: Moisés Rodrigues).
Como refere o ac. do STA n.º 0824/11 de 11-07-2012 I - O facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor na responsabilidade prevista na alinea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade.
II - Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Assim, para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais factores externos no desenvolvimento da actividade social.
Não se exige o sucesso total dessas diligências, pois nem tudo é previsível ou controlável e não cabe aos tribunais avaliar o mérito técnico da gestão desenvolvida pelos gerentes nem as capacidades inatas ou técnicas que cada sujeito é portador.
Mas, sublinhamos, se pretender ilidir a presunção de culpa, não pode deixar de provar que se empenhou no pagamento dos créditos fiscais e/ou na preservação do património societário que há-de, a final, garantir o seu pagamento (o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários – art.º 50º/1 LGT e 601º do Código Civil).
Esta exigência é o que se reputa de «condição mínima» para «desculpabilizar» a falta de pagamento de qualquer imposto.
No caso especial do IVA - bem como nos impostos retidos na fonte-, a falta de pagamento dos tributos tem particular gravidade na medida em que se trata de impostos que resultam de um fluxo monetário na empresa que ao não serem entregues nos cofres do Estado, são «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.
Quando o gestor procede ao «desvio» da destinação das verbas recebidas (estamos a falar do IVA) não pode deixar de indiciar um comportamento censurável, considerando que neste tipo de Imposto, a factura ou documento equivalente constitui como que um cheque sobre o Estado Ac. do TCAS n.º 04170/10 de 26-10-2010 Relator: JOSÉ CORREIA
Sumário: III) -No IVA e na medida em que a factura ou documento equivalente constitui como que um cheque sobre o Estado o legislador adoptou medidas apertadas para evitar a fraude fiscal nelas se filiando o artigo 35.° n.° 5 do CIVA que exige determinados formalismos (formalidades "ad substantiam" cujo incumprimento acarreta a invalidade destes documentos) que a recorrente não cumpriu pois nos documentos tem que constar a espécie de serviço prestado já que conforme a sua natureza a taxa do imposto também é diferente..
Como escreve Saldanha Sanches, «…No caso do IVA, a existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado» (Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 274).
Ora, quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem a censurabilidade indiciada, sob pena de não conseguir afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.
Como a figura da culpa só tem sentido quando reportada a omissões ou ações específicas (cfr. Sofia de Vasconcelos Casimiro, in “A responsabilidade dos Gerentes, Administradores e Directores pelas Dívidas Tributárias das Sociedade Comerciais”, Almedina, 2000, pp. 129) esses factos têm de passar, necessariamente, pela alegação de medidas concretas que demonstrem a diligência empreendedora do gestor (ainda que infrutífera) em face das adversidades a que devedora originária ficou exposta.
Essas medidas não podem assentar numa generalização vaga e sem delimitação concreta, quer no tempo quer nos actos empreendidos, precisamente porque as dívidas também foram incumpridas num período concreto e num montante determinado, pelo que a tentativa de afastar a culpa com um ou vários conceitos genéricos e imprecisos (“crise do sector”, “dificuldades financeiras”, “tudo fez para ...”, “empenhou-se de alma e coração...” etc.) denota uma ligeireza probatória injustificada, que não pode deixar de ser votada ao fracasso.
Ora, lendo a petição inicial, a alegação de que “as dificuldades financeiras, relacionadas com o encerramento de muitos dos seus clientes, que exerciam a sua actividade no sector da construção civil e/ou promoção imobiliária, como aconteceu no caso da empresa “P…, Lda. que não pagou uma dívida que ascende a cerca de € 100.000,00, o que originou uma quebra abrupta no volume de negócios da empresa e o esmagamento das margens comerciais (artigos 11 e 12º da douta petição inicial) e por outro lado, o volume de créditos incobráveis, nomeadamente das empresas ascende a mais de € 40.000,00
P…, Lda.;
R… Lda.;
A… Lda.
C… Lda.;
A… & Cª Lda.;
A.. Serviços de Consultadoria e Gestão, Lda.”
Que no acumulado dos últimos anos ascende a mais de € 250.000,00”.
Revela-se insuficiente para desonerar o oponente da presunção de culpa na falta de pagamento, prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 24º da LGT.
Em primeiro lugar, não sabemos em que datas e períodos ocorreram estas dívidas. Não basta dizer que ocorreram no “período a que se reporta a dívida” (art. 11º da pi), porque sabemos que as dívidas de impostos são relativas aos anos de 2002, 2003 e 2004. Isso quer dizer que a dívida ocorreu ao longo destes anos? Ou foi só num dos anos? E nesse caso em qual?
E não é irrelevante saber-se em que data ocorreu a dívida, porque se foi ao longo de três anos, a pergunta que se deve fazer de seguida é porque é que nada fez (ou o que é que fez) para não se atingir tal montante, ou como salientou a Exma. PGA porque não interrompeu a prestação dos seus serviços antes de atingir tais valores.
Mas se a dívida se constituiu num só ano, também seria importante saber que diligências foram feitas para recuperar os créditos.
Importante também, seria sabermos se houve recurso à dedução do imposto a que alude o n.º 8 do art.º 71º do CIVA (correspondente ao actual artigo 78º-A do CIVA), ou não? E se não porquê? O oponente nada diz, mas tal seria mais um elemento esclarecedor para podermos avaliar a sua alegada falta e culpa.
E depois, dizer-se “...que foi solvendo os seus compromissos com enormes dificuldades, por vezes com recurso a disponibilidades financeiras do oponente, que injectou dinheiro na empresa, de forma a permitir a continuação da actividade societária e potenciar a sua recuperação” (arts. 18º e 19º da douta petição inicial) pode pretender demonstrar uma atitude empenhada do Oponente, mas na verdade é uma fórmula tão vaga e genérica como a anterior e não pode ter o alcance desculpabilizante que o Oponente alega e a sentença confirma.
Ao dizer que “injectou” dinheiro na empresa quer dizer que fez suprimentos? Se sim, em que alturas fez tais suprimentos? Quanto do dinheiro pessoal o Oponente “injectou” na empresa? Como comprova isso? É só por prova testemunhal que pretende provar a realização de suprimentos?
A MMª juiz não fixou na sentença a “injeção de dinheiro na empresa”, mas o facto provado n.º 11 é o seu equivalente: “O oponente chegou a alienar o seu património particular para solver dívidas sociais...”
Quando é que foi alienado “esse património particular”?
Que património?
Qual o seu montante?
E para pagar que dívidas?
E quando se diz que os “Clientes da primitiva devedora que eram empreiteiros de construção civil faliram devido à crise e passaram a insolventes, o que levou a que não cumprissem com o pagamento de elevados créditos com a primitiva devedora...” (facto provado n.º 10º), perguntamos:
“Faliram” quando?
Prova a “falência” por meio de testemunhas? Não há documentos?
E quanto eram os “elevados créditos” não pagos à primitiva credora?
Em que data foram constituídos?
Foram reclamados esses créditos?
Houve algum pagamento?
Ou seja, o que foi alegado de modo algum é suficiente para ilidir a presunção de culpa na falta de pagamento do imposto devido. A prova fixada seguiu também o mesmo sentido vago e genérico, como podemos ver dos factos provados n.ºs 10º e 11º.
A MMª juiz concluiu que da factualidade apurada
“...resulta que o oponente demonstra que no período a que as dívidas se reportam a primitiva devedora esteve com dificuldades financeiras devido ao facto dos seus clientes, sobretudo empreiteiros na área da construção civil, terem falido devido à crise na construção civil e, pelo facto de se tornarem insolventes, não terem efectuado os pagamentos devidos pelo trabalho prestado.
As testemunhas ouvidas em tribunal depuseram no sentido de comprovar esta falta de pagamento por parte dos clientes da primitiva devedora referindo, ainda, que o oponente chegou a alienar património para pagar dívidas.
Torna-se manifesto que a Administração Tributária nada conseguiu provar, nem sequer alegou a culpa do oponente na dissipação ou insuficiência do património, limitando -se a fazer a prova da gerência nominal ou de direito, o que é manifestamente insuficiente para a imputação da dívida tributária ao responsável subsidiário.
Resuma do que vem dito, que a presente oposição, pelos motivos supra aduzidos, terá que proceder.”
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com esta conclusão. Deixando tantas interrogações por esclarecer, de modo nenhum os factos provados permitem extrair a conclusão a que a MMª juiz “ a quo” chegou.
Isto para já não falarmos nos meios de prova oferecidos, que praticamente se cingiram à prova testemunhal. É claro que nesta matéria, como em tantas outras, são admissíveis os meios gerais de prova (art. 115º/1 do CPPT), mas se nos exercícios de 2002, 2003 e 2004 a devedora originária acumulou créditos não pagos que “ascendem a mais de € 250.000,00”, declarou (ou deveria ter declarado) esse valor à AT, no âmbito das suas obrigações declarativas (art.º 112º na redação aplicável correspondente ao actual art. 117º do CIRC) pelo que não vislumbramos nenhuma razão para não juntar tal (ou tais) declarações.
Do mesmo modo, se realizou suprimentos (ou solveu “dívidas sociais”) deveria ter junto documento comprovativo, ou o extrato de conta, de onde constasse a realização dos suprimentos, ou a demonstração do pagamento de tais dívidas sociais.
Havendo documentos comprovativos, deveriam estes ter sido juntos para a demonstração dos respectivos factos, e não apenas a mera prova testemunhal, reconhecidamente sujeita a lapsos ou equívocos de memória, percepções distorcidas ou mesmo erradas que diminuem a sua fiabilidade.
E com isto não estamos a dizer que só a prova documental seria credível para a demonstração dos factos alegados, mas sim que havendo documentos comprovativos, a prova testemunhal teria de ser prestada com a mesma minúcia e rigor, que muito dificilmente se alcança com este meio probatório.
E não podemos esquecer que ao contrário do que sustenta a MMª juiz a fls. 7 e 9 da sentença, não é a AT que deve provar a culpa do gerente na insuficiência do patrimónioEmbora um pouco contraditoriamente a MMª juiz refira, mais à frente, também a fls. 9 da sentença, que “Ora, o oponente obrigava a primitiva devedora e as dívidas venceram-se e deviam ser pagas no período da sua gerência, daí que a reversão foi feita nos termos do disposto no art. 24º, nº 1 alínea b) da LGT, cabendo ao oponente o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o património da primitiva devedora se tornou insuficiente para o pagamento das dívidas, entretanto, revertidas”.
, porque tendo a reversão sido operada nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 24º da LGT, é o revertido que está onerado com a presunção de culpa. Isto quer dizer que a AT beneficia da presunção de culpa do responsável subsidiário, pelo que nessa medida está dispensada de provar os factos que a ela conduzem (Art. 350º/1 do Código Civil).
É o responsável, revertido, que tem o encargo de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento; não lhe basta criar a dúvida, deverá provar factos de onde claramente se retire que não foi por sua culpa que a dívida tributária deixou de ser paga.
Em nosso entender esses factos não foram devidamente alegados, e a prova alcançada não é suficiente para demonstrar não lhe ser imputável a falta de pagamento.
Como tal, a Oposição deverá improceder.
Na douta petição inicial é também alegada a ilegitimidade do oponente para a execução porque a devedora originária dispõe de bens e direitos de crédito que ascendem a um valor muito superior ao reclamado na execução.
Ou seja, o oponente está a pôr em causa a fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal (art. 23º/2 LGT).
Mas tais factos não foram provados e o Recorrido expressamente declara não impugnar a matéria de facto considerada provada (Conclusão 2), pelo que da simples alegação não se podem extrair quaisquer consequências jurídicas.
V DECISÃO.
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição.
Custas pelo recorrido.
Porto, 2 de março de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
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