Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00772/21.9BEBRG |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 01/13/2023 |
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Tribunal: | TAF de Braga |
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Relator: | Helena Ribeiro |
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Descritores: | OBRAS DE CONSERVAÇÃO; IMÓVEL INSALUBRE; ARTIGO 89.º, N.º2 E 90.º DO RJUE; |
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Sumário: | 1. Os poderes conferidos às câmaras municipais pelo artigo 89.º do RJUE em matéria de conservação do edificado, que não se encontram limitados à circunstância dos imóveis oferecerem más condições de segurança, têm subjacente a prossecução do interesse público, ainda que, porventura, do seu exercício possam resultar benefícios imediatos designadamente para os inquilinos que habitem prédios sem condições de segurança e/ou com más condições de salubridade. É do interesse da comunidade que os imóveis cumpram com os parâmetros de salubridade legalmente previstos, em ordem à sua boa conservação e à garantia de condições saudáveis de utilização. 2. Independentemente das relações existentes entre os proprietários do imóvel insalubre e quem nele habita, ou de quem provocou as deteriorações verificadas nesse imóvel, a entidade municipal pode determinar aos proprietários do mesmo a realização das obras necessárias para estancar essa situação, sendo irrelevante saber se a degradação do imóvel foi ou não provocada por alguém em concreto, no caso, pela própria inquilina, por tal lhe ser facultado pelo n.º2 do artigo 89.º do RJUE. 3. A referência do n.º4 do artigo 90.º do RJUE sobre a necessidade de constar do auto de vistoria a indicação das obras preconizadas para correção das más condições de salubridade do imóvel, para que a câmara municipal possa validamente, nos termos do artigo 89.º, n.º2, do RJUE ordenar ao respetivo proprietário que as realize, pondo assim termo às más condições de salubridade detetadas, tem como fito evitar que a administração municipal extravase o âmbito do que deva considerar-se como obras necessárias à conservação do imóvel em concreto, vedando-lhe a possibilidade de ordenar a realização de obras de quantidade e valor desproporcionais perante as anomalias detetadas. (Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo: I.RELATÓRIO 1.1.AA, titular do NIF ..., e marido BB, titular do NIF ..., residentes na Rua ..., freguesia ... (...), ... ..., instauraram a presente ação administrativa, contra o Município ..., pessoa coletiva de direito público com o NIPC ..., com sede no Largo ..., ... ..., indicando como como contrainteressada CC, titular do NIF ..., residente na Avenida ..., freguesia ..., ... ..., o que fazem para impugnação do despacho que ordenou a execução de obras de conservação a efetuar no edifício destinado a habitação sito na Avenida ..., ..., sua pertença, peticionando a sua anulação . Para tanto, alegam, em síntese, que o auto de vistoria elaborado quanto ao edifício não dá cumprimento às exigências previstas no art.º 90.º do RJUE, em várias dimensões; Ademais, o estado de conservação do prédio em referência não constitui qualquer ameaça à segurança do mesmo ou à vida da contrainteressada, pelo que, ao determinar tais obras, somente se podem destinar a melhorar as condições de habitabilidade e conforto da inquilina, razão pela qual estar-se-ia a prosseguir um fim privado, ao invés de finalidades de interesse público; Para além disso, não existe qualquer equivalência entre o custo das obras impostas pelo réu e a exiguidade da renda que a contrainteressada paga, violando-se, dessa forma, os princípios da proporcionalidade e da boa-fé; Em todo o caso, estaríamos sempre perante uma situação de abuso de direito. 1.2 Citado, o Município contestou, defendendo-se apenas por impugnação. Nega a existência de qualquer vício no ato administrativo e, em concreto quanto ao auto de vistoria, ainda que não se refira ao estado do imóvel segundo a classificação legal, tal formalidade não deve sobrepor-se ao cumprimento material do desiderato legal. Conclui, pugnando pela improcedência total da presente ação. 1.3. Citada, a contrainteressada contestou, defendendo-se por impugnação. Refutou todos os vícios apontados ao ato administrativo por parte dos autores, alegando, em síntese, que estes já beneficiaram de uma redução do preço do imóvel aquando da sua aquisição, precisamente pelo seu estado e pela existência de um contrato de arrendamento (do qual é inquilina) que não pode ser denunciado, e que nunca fizeram qualquer obra de conservação, no intuito claro de deixar o imóvel inabitável; Conclui, pugnando pela improcedência da presente ação administrativa. 1.4. Proferiu-se despacho saneador, dispensou-se a produção dos meios de prova adicionalmente requeridos pelas partes, e determinou-se a notificação daquelas para, querendo, apresentarem as respetivas alegações escritas. 1.5. As partes apresentaram alegações escritas, reiterando as posições que já se encontravam expressas nos respetivos articulados. 1.6. Seguidamente, proferiu-se sentença que julgou a ação improcedente, constando da mesma o seguinte dispositivo: «Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação administrativa totalmente improcedente. ** Condeno os autores no pagamento das custas processuais, por terem ficado integralmente vencidos – cf. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e artigos 6.º, n.º 1, e 13.º, n.º 1, e tabela I-A do RCP. ** Registe e notifique.» 1.7. Os Autores, inconformados com a sentença assim proferida, interpuseram o presente recurso de apelação, que concluem nos seguintes termos: «1.º Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença que julgou a presente ação administrativa totalmente improcedente. 2º - A presente ação visa a anulação do despacho que ordenou a execução de obras de conservação no prédio situado na Avenida ..., da freguesia ..., concelho ..., de que os recorrentes são proprietários. 3º - Invocam os recorrentes na sua petição inicial que o ato administrativo impugnado não obedece aos vários requisitos impostos pelo artigo 90.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (doravante RJUE), nomeadamente, os do seu nº 5. 4º - Porém, a Douta Sentença recorrida conclui “que a violação do disposto no art.º 90.º, n.º 5, do RJUE não tem qualquer influência sobre a decisão administrativa tomada quanto à necessidade de executar as obras, mantendo-se integral o juízo que o Município formulou. medida, impõe-se aplicar a alínea c) do n.º 5 do art.º 163.º do CPA, recusando efeito anulatório àquela violação”, quando, em bom rigor, deveria ter decidido que a violação deste normativo legal atinge a substância do ato administrativo, determinando a sua anulação. 5º - O acto administrativo impugnado é vago, impedindo, claramente, uma aproximação entre o cidadão e a Administração e tornando impossível aos Recorrentes perceberem qual o procedimento que a Ré pretende que aqueles adotem. 6º - O acto administrativo impugnado é omisso quanto à descrição do nível de conservação do imóvel, bem como quanto à descrição e concretização das obras preconizadas no suprimento das alegadas deficiências encontradas. 7º - Compulsado o auto de vistoria, cujo teor consta do ponto 9 dos factos provados, a conclusão que logo se impõe é a de que não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 90.º, n.º 5, do RJUE, e, consequentemente, ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31 de dezembro. 8º - Não se indica qual o nível de conservação do imóvel segundo a escala daquele artigo 5.º, à luz da qualificação das anomalias detetadas, como é imposto pela regulamentação daquele preceito. 9º - A vistoria não deu, por isso, cumprimento à formalidade imposta pelo artigo 90.º, n.º 5, do RJUE, violando, por isso, este normativo legal. 10º - A falta de determinação do nível de conservação do imóvel inquina o acto administrativo de ilegalidade que, por sua vez, determina a sua anulabilidade nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo. 11º - A Douta Sentença recorrida ao concluir que a violação, pela Administração, do disposto no artigo 90.º, n.º 5, do RJUE não atinge a substância do ato administrativo é ILEGAL, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que determine a anulação do acto administrativo causa, o que aqui desde já se requer. Sem prescindir, 12º - Invocam ainda os recorrentes na sua petição inicial que o auto de vistoria não preconiza de forma suficiente as obras de conservação a executar pelos recorrentes. 13º - Todavia, o Tribunal a quo julgou também improcedente esta invocação dos Recorrentes, violando consequentemente o disposto no n.º 4 do citado artigo 90.º do RJUE. 14º - Ora, perante tal auto a questão que de imediato se coloca consiste em saber que obras de reparação e conservação em concreto pretende Ré que os Recorrentes executem? 15º - O Auto de Vistoria em causa é claramente violador do disposto no n.º 4 do citado artigo 90.º do RJUE. 16º - É genérico, e não concretiza as obras que os Recorrentes deverão realizar, omitindo-as. Para além do mais, 17º - Pese embora no Auto de Vistoria não se descreva um único facto que demonstre qualquer situação de ruina do prédio em referência ou de perigo para a segurança das pessoas, a verdade é que a Ré intimou os Recorrentes para a realização das obras necessárias ao restabelecimento das condições de segurança do edifício! (Cf ponto 1 da parte final do oficio que contém o acto administrativo impugnado, cuja cópia se juntou com a PI sob o doc nº ...) 18º - Concretamente, no Auto de Vistoria são apenas referidas humidades nas paredes e falhas no isolamento térmico, pelo que é de todo impossível aos recorrentes compreenderem de que forma o seu imóvel ameaça a ruina ou oferece perigo para a segurança. 19º - Do Auto de Vistoria não resulta, nem se consegue vislumbrar, quais os elementos do imóvel dos Recorrentes que apresentam perigo para a segurança das pessoas. 20º - Em obediência ao mencionado artigo 90.º do RJUE, não podem os recorrentes ser condenados na “execução de obras gerais de reparação e conservação”. 21º - Pois, sobre a Ré impende a obrigação de descrever e pormenorizar as obras preconizadas, o que não fez. 22º - Não contendo o Auto de Vistoria a descrição das obras preconizadas, conforme impõe o aludido artigo 90.º do RJUE, o acto administrativo impugnado é ilegal, devendo, consequentemente, a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a anulação deste acto, o que se requer. Ainda sem prescindir, 23º - O estado de conservação do prédio em referência não constitui qualquer ameaça à segurança do mesmo, nem à vida da contra-interessada. 24º - No Auto de Vistoria são, apenas e tão só, apontadas ao edifício em alusão duas deficiências, a saber: há humidade em algumas paredes, principalmente na cozinha e quartos; e os vão exteriores (portas e janelas) também não asseguram as boas condições de isolamento térmico. 25º - No Auto de Vistoria não está alegado um único facto que demonstre a falta de condições de segurança do prédio sobre o qual impende a decisão de obras. 26º - Nem, em boa verdade, o poderia estar pois não está seguramente em causa uma construção que ameaça ruina. 27º - Pelo que, quaisquer que sejam as obras ordenadas aos Recorrentes, com vista ao das alegadas deficiências, jamais constituem obras necessárias para afastar o perigo para a segurança das pessoas e assegurar a habitabilidade do prédio. 28º - Não existindo qualquer risco/perigo para a segurança e saúde públicas, tais obras só podem destinar-se ao mero melhoramento das condições de habitabilidade e de conforto da inquilina do prédio em referência, aqui Contra-Interessada. 29º - Assim, ao impor-se aos Recorrentes a realização de obras estar-se-ia a prosseguir um fim privado, ao invés de finalidades de interesse público, legalmente acometidas ao Município. 30º - O acto administrativo é, por isso, ilegal, devendo a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a anulação do mesmo acto, o que aqui se requer. Ainda sem prescindir, 31º - Não existe qualquer equivalência entre o custo das alegadas obras gerais impostas pela Ré/Recorrida e a exiguidade da renda que a Contra-Interessada paga aos Recorrentes. 32º - Quaisquer obras que venham a ser executadas num edifício centenário, como é o dos Recorrentes, sempre terão de ser de grande envergadura, e, consequentemente, os respectivos custos sempre ultrapassarão os € 15.000,00 (quinze mil euros), a que acresce o IVA à taxa legal em vigor. 33º - É por demais evidente o desequilíbrio e a desproporção entre o sacrifício imposto aos Recorrentes/Senhorios com a execução das obras e os benefícios que os mesmos colhem das ínfimas rendas. 34º - É também óbvia a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular do alegado direito, a contra-interessada, e o sacrifício imposto aos Recorrentes pelo seu exercício. 35º - Essa desproporcionalidade é nítida, abusiva e intolerável, violando os princípios da proporcionalidade. 36º - O princípio da proporcionalidade, legalmente consagrado no artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo, impõe-se como parâmetro orientador de toda a actuação administrativa. 37º - In casu, é na vertente da proporcionalidade em sentido estrito, ou da proibição do excesso, que está violado o princípio da proporcionalidade. 38º - Pois, a medida é demasiado onerosa, para os Recorrentes, em confronto com o benefício que dela se pretende retirar. 39º - Resulta do ponto 3. dos factos provados que o imóvel em alusão encontra-se arrendado à aqui Contra-Interessada há mais de 50 (cinquenta) anos, por referência à presente data. 40º - Está também provado em 4. (dos factos provados) que a Contra-Interessada/arrendatária paga, actualmente, a irrisória renda mensal de € 25,50 (vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos). 41º - E que a realização de quaisquer obras num prédio centenário orçará em valor sempre superior a € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescido de IVA, o que à taxa legal em vigor perfaz o preço nunca inferior a € 18.450,00 (dezoito mil, quatrocentos e cinquenta euros). 42º - Este valor corresponde a 723 (setecentos e vinte e três) meses de renda. 43º - Seriam assim necessários mais de 60 (sessenta) anos de rendas para que os Recorrentes/senhorios lograssem recuperar o investimento na reabilitação do imóvel!!! 44º - O que vale por dizer que, jamais os Recorrentes irão recuperar o capital investido nas ditas obras, não só por causa do vinculismo que caracteriza o inquilino, como também porque no decurso dos aludidos 60 (sessenta) anos outras obras irão ser necessárias realizar. 45º - Quaisquer que sejam as obras impostas aos Recorrentes no prédio em referência sempre serão de montante desproporcionadamente superior ao rendimento reflectido na renda mensal paga pela Contra-Interessada/inquilina. 46º - A renda paga é extremamente diminuta e não permite recuperar o capital que será necessário para a realização das “obras gerais”. 47º - É, por isso, manifesto o desequilíbrio entre o benefício que para os Recorrentes advém do arrendamento celebrado, relativamente ao sacrifício que lhes é imposto com a adopção da decisão administrativa. 48º - Pelo que, pedir aos Recorrentes tal dispêndio constitui uma exigência injusta, desproporcional, intolerável e inaceitável. 49º - Face às actuais inovações, quer nos materiais empregues, quer nas técnicas de construção, a realização de obras, sejam elas quais forem, seguramente que irá conferir ao prédio em causa características que ele não tinha aquando da celebração do aludido contrato de arrendamento, designadamente, melhores condições de conforto, isolamento térmico e salubridade. 50º - A Douta Sentença recorrida violou assim o disposto no artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo, devendo ser revogada e substituída por outra que determine a anulação do acto administrativo, o que se requer. Por fim, e sem prescindir, 51º - Do conjunto do Auto de Vistoria e dos ofícios da Ré, nem sequer se concede se as deficiências ali apontadas (“humidade em algumas paredes, principalmente na cozinha e quartos; os vão exteriores (portas e janelas) também não asseguram as boas condições de isolamento térmico”) resultam ou não da acção ou omissão da arrendatária/Contra-Interessada, pelo incumprimento do dever de uso prudente do locado (artigo 1043.º do Código Civil), ou se resultam da vetustez do prédio ou até se já existiam à data do arrendamento. 52º - Não resulta, nem se consegue saber, se o dever, se é que o existe, de eliminação das humidades e reparação das condições de isolamento térmico recai sobre os senhorios/Recorrentes ou sobre a inquilina/Contra-Interessada. 53º - O tribunal a quo ao impor aos Recorrentes um sacrifício patrimonial maior do que aquele que lhes poderia ser exigido violou os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade, consagrados nos artigos 3.º, 7.º e 8.º do CPA. 54º - Procedendo o presente recurso, revogando-se a Douta Sentença recorrida, substituindo-se por outra que decida pela anulação do acto administrativo de “Obras de Conservação a efectuar no edifício de habitação (Arrendada), sito na Av. ... - ...”, notificado aos Recorrentes em 06.01.2021, junto com a PI sob o doc. n.º ..., farão V. Excelências inteira e sã JUSTIÇA. 55º - A Douta Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 89º e 90.º do RJUE, 5.º do Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31 de dezembro, e 3.º, 7.º e 8.º do Código do Procedimento Administrativo. TERMOS EM QUE, Deve dar-se provimento ao presente recurso, anulando-se e revogando-se a Douta Sentença do Tribunal a quo, substituindo-se por outra que decida pela anulação do acto administrativo impugnado (“Obras de Conservação a efectuar no edifício de habitação (Arrendada), sito na Av. ... - ...”). Assim farão V. Excelências inteira e sã JUSTIÇA» 1.8. O Réu contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: «a) Na presente lide impugnam os Recorrentes o ato administrativo que consta da notificação efetuada através do ofício n.º ...3 de 05.01.2021, n.º informático 799128, processo n.º ...20, que lhes impõe a realização de obras de conservação, no edifício de que são proprietários, sito na Avenida ... – .... b) Porquanto, segundo os Recorrentes enferma de vícios que determinam a sua invalidade. c) Desde logo, alegam que foi omitida por completo a determinação do nível de conservação do imóvel, de acordo com o estabelecido no n.º 5 do art.º 90.º; d) Contudo, sendo certo que do ato administrativo não constam as classificações que se impunham pelo n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31 de dezembro, a verdade é que, tal falta nada acrescentaria em termos de conteúdo informacional que os interessados devessem ter conhecimento. e) Em bom rigor, trata-se pois de um mero vício formal que em nada influiu no sentido da decisão, pois que, com ou sem classificação a necessidade de obras sempre se impõe. f) Pelo que, tal como decidiu e bem a douta sentença, é de aplicar o princípio do aproveitamento do ato previsto no artigo 163.º n.º 5 c) do CPA. g) Já no que concerne à alegada não concretização das obras de conservação preconizadas, supostamente preterindo o artigo 90.º n.º 5 do RJUE, outro não podia ser o entendimento senão o gizado em sede de sentença. h) Pois que, o auto de vistoria menciona a existência de várias paredes com humidade, principalmente as da cozinha e quartos, ordenando uma revisão geral, ou seja, uma intervenção no sentido de arranjar todas as potenciais fontes de infiltração. i) Referindo também as más condições de isolamento térmico, do que resulta também óbvio que o que os Recorrentes teriam de fazer seria uma substituição das caixilharias. j) Portanto, é um exagero interpretativo e tendencioso, alegarem os Recorrentes que o auto não lhes determina as obras a executar. k) Já que como referiu e bem a douta sentença “Aquilo que o auto não serve, como refere a contrainteressada, é de caderno de encargos, mapa de quantidades, plano de trabalhos, etc.” l) No que diz respeito à alegada falta de justificação da ameaça de ruína, há que recordar que as obras foram determinadas não em virtude da ameaça de ruína, mas sim por falta de condições de salubridade. m) O que é perfeitamente legal, na medida em que o art.º 89.º do RJUE nos n.º 2 e 3 trata de duas situações distintas: perigo de ruína e falta de condições de salubridade, pelo que, estando em causa a primeira, apenas os requisitos desta devem ser observados, o que não foi senão o que sucedeu. n) Ademais, por não tendo sido referido nenhum facto que demonstre a falta de condições de segurança do prédio, alegam os Recorrentes que a imposição das obras consubstancia apenas a prossecução de um fim privado em benefício da Contrainteressada, entendimento que jamais poderá prevalecer. o) Já que, no caso presente, o interesse público consubstancia-se na conservação do estado do imóvel, p) E se este apresente falta de condições de salubridade, não configura senão a prossecução única do interesse público a determinação de realização de obras, ainda que tal ato, consequentemente, venha a favorecer a inquilina, aqui contrainteressada. q) Por fim, também quanto à suposta violação do princípio da proporcionalidade e do abuso de direito, é de acompanhar o decidido em sentença, pois que a alegação dos Recorrentes é, uma vez mais, tendenciosa e forçada. r) Na verdade, a questão da baixa renda paga pela inquilina, é manifestamente alheia à presente lide e sobretudo á jurisdição administrativa, dado ser uma questão privada. s) A Câmara Municipal, apenas se limitou a zelar pelo interesse público patenteado nas regras urbanísticas e, bem assim, a ordenar a reposição da salubridade do imóvel nos termos que lhe são investidos pelo artigo 89.º n.º 2 do RJUE. TERMOS EM QUE, devem as alegações e conclusões dos Recorrentes ser julgadas improcedentes e, em consequência, ser negado provimento ao Recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Assim se fazendo JUSTIÇA!» 1.9. A Contrainteressada contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões: «I. Nas suas alegações de recurso os Recorrentes limitam-se, em justa medida, a reeditar a argumentação expendia na sua P.I., ou seja, o vício de omissão do nível de conservação do imóvel, alegado noutra dimensão a pretexto da falta de descrição e concretização das obras preconizadas no suprimento das alegadas deficiências encontradas, a suposta falta de justificação da reposição das condições de segurança do edifício, a violação do princípio da proporcionalidade e, por fim, a falta de rebate critico da responsabilidade pela execução de tais obras. II. O que, estribado nos dizeres do Recorrentes, consubstancia uma violação dos imperativos legais a que tal acto administrativo devia obedecer, ou seja, ao consagrado nos vários pontos do art. 90.º, do RJUE. III. Duma leitura atenta da douta sentença ressuma, desde logo, evidente a falta de razão que assiste aos Recorrentes, estando as suas alegações desligadas da legislação em vigor e mesmo do entendimento jurisprudencial nesta temática, não merecendo, por isso, qualquer censura ou reparo a douta sentença. IV. Com efeito, a falta do requisito de descrição do imóvel no auto de vistoria não tem a virtualidade de inquinar/abalar a descrição do estado do imóvel e muito menos de gerar a sua ilegalidade, nulidade nos dizeres dos Requerentes. V. A preterição desse requisito, de natureza formal, não contende com a validade material do acto administrativo e nem suscita quaisquer dúvidas sobre a inevitável premência de serem executadas as obras ali preconizadas, fim almejado enfim pelo acto colocado em crise sob a égide do interesse público. VI. Ilação legal essa que a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” escalpelizou em sede de fundamentação com elevada profundidade e excelso rigor técnico que estão imunes a qualquer crítica e, por conseguinte, em perfeitas condições para se estabilizarem no mundo jurídico. VII. No que tange ao vício atinente à falta de descrição e concretização das obras necessárias para debelar as deficiências constatadas cumpre, tão-somente, referir que a sentença recorrida discorreu de forma inteligível, sustentada e fundamentada sobre a inexistência do mesmo, argumentário esse ao qual se adere e que aqui se dá por reproduzido por mera parcimónia processual. VIII. Pois, está à saciedade espelhado no referido auto emanado da entidade administrativa quais são as obras necessárias para repor o imóvel nas condições mínimas de salubridade. IX. Não se assumindo necessário, nessa lógica, justificar que o imóvel esteja em situação de iminente ruína ou ofereça perigo para a segurança das pessoas, isto porque essa imposição só é imperiosa em casos de demolição, o que não é aqui o caso. X. É patente que todos os patologias que o imóvel enferma estão, sem excepção, cabalmente concretizadas e descritas no auto, não suscitando dúvidas do que se impõe aos Recorrentes fazer ao nível de obras. XI. Cumpre, ainda, dar enfoque ao facto da sentença colocada em crise ter desconstruído a tese dos Recorrentes, da P.I. entenda-se, quanto ao facto de o valor apontado como necessário para tal estar assente apenas numa alegação dos Recorrentes e sem que exista sequer um orçamento que a pudesse suportar, o que arrasta a mesma para o domínio da pura especulação e contende com a apreciação da violação do princípio da proporcionalidade de que se querem valer. XII. Constituindo, a todos os níveis, um exercício inútil estar a atentar no valor de renda pago face ao suposto valor das obras. XIII. Pois, o acto administrativo tem que ser alheio a relação de natureza privada, não cumprindo ao Município estar a tecer comentários ou ajuizar da sua eventual (des) proporcionalidade, tanto mais que há mecanismos de correcção das rendas de que os Recorrentes se poderiam fazer valer caso o entendessem que se justifica. XIV. O único foco do município na prática de tal acto reside apenas na sua legalidade e no cumprimento da Lei, ao que o acto administrativo deu cabal e perfeito cumprimento. XV. Não obstante, é curial salientar que aquando da compra do imóvel por parte dos Recorrentes o arrendamento já existia há várias décadas, pelo que não podiam estes retirar dividendos desse facto com a inevitável depreciação do valor aquisitivo do imóvel e agora vir candidamente nesta sede invocar a desproporcionalidade desse facto face à obrigatoriedade de terem que realizar obras de conservação, as quais tinham a obrigação de prever como é óbvio e dispensa mais individualização. XVI. Os Recorrentes bem sabem, ou têm a obrigação de saber, o que vai dar ao mesmo, que as obras de conservação, sejam ordinárias sejam extraordinárias, recaem no âmbito do contrato de arrendamento a que estão vinculados sobre si - artigo 1074.º, n.º 1, C.C. - , pelo que é deveras despropositado estarem a defender que a sentença não se debruçou sobre essa questão e que tal tem influencia na validade da decisão. XVII. Deste modo, resulta clarividente que não podem merecer qualquer acolhimento os fundamentos aventados pelos Recorrentes, pois a decisão do Tribunal “a quo” está devidamente fundamentada e decidida de acordo com a Lei aplicável a este caso. XVIII. Não merecendo, assim, qualquer censura ou reparo, sendo pois de manter a mesma com a consequente improcedência do recurso. TERMOS EM QUE Deve ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, manter-se a douta sentença recorrida. Assim se fará, inteira e sã, JUSTIÇA.» 1.10. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer uma vez que o parecer junto aos autos é relativo a outro processo, razão pela qual se ordenou o seu desentranhamento e a respetiva remessa aos autos a que respeita. 1.11.Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento. * II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO. 2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT. Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”. 2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a dita sentença padece de erro quanto ao julgamento da matéria de direito nela realizado pela 1ª instância, o que passa por saber: a.se a sentença recorrida violou: (i) o disposto no n.º5 do artigo 90.º do RGEU ( falta de indicação do nível de conservação do imóvel); (ii) o disposto no n.º4 do artigo 90.º do RGEU ( falta de pormenorização das obras de conservação do imóvel a realizar pelos proprietários/senhorios). b.se a sentença recorrida, ao impor a realização das obras de conservação nos termos do auto de vistoria, configura a prossecução de um interesse privado; c.se a sentença recorrida viola o princípio da proporcionalidade, ao considerar que as obras a realizar se impõem aos Autores, não obstante a falta de equivalência entre o custo dessas obras e o baixo valor de renda mensal pago pela Contrainteressada; d. se a sentença recorrida errou ao impor aos autores a realização de tais obras sem aquilatar se a responsabilidade do estado do prédio é ou não imputável à atuação da inquilina. ** III. FUNDAMENTAÇÃO A.DE FACTO 3.1. A 1.ª Instância julgou provados os seguintes factos: 1. Os Autores são donos do prédio urbano, destinado a habitação, composto de casa de dois pavimentos, dependência e quintal, sito na Avenida ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial de ... sob o artigo ...20.º, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...62/...; 2. Tal imóvel é habitado pela aqui contrainteressada; 3. Com efeito, tal imóvel foi dado em arrendamento, em 01.09.1968, a DD, então marido da aqui contrainteressada, data a partir da qual esta o passou a habitar; 4. A renda inicialmente acordada foi de seiscentos escudos, cifrando-se atualmente em € 25,50 (vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos) mensais; 5. No dia 13.09.2018, a aqui contrainteressada apresentou, junto dos serviços municipais, exposição escrita, na qual se pode ler, nomeadamente, o seguinte: “(...) A requerente é arrendatária do imóvel sito na Av.ª ..., cujos proprietários são AA e BB, residentes na Rua ..., freguesia ... (...), concelho .... O referido imóvel está em mau estado de conservação, tem infiltrações pelo telhado (que está a necessitar de uma intervenção urgente), as portas e janelas em madeira estão apodrecidas, não sendo possível abrir ou fechar as mesmas, os estores estão em mau estado de conservação, existe uma porta que tem um vidro partido, entre outros problemas existentes. Os senhorios foram confrontados com este problema, mas recusam-se a fazer as devidas obras de recuperação e manutenção do imóvel. Além disso os senhorios não autorizam que a arrendatária faça as devidas obras necessários no imóvel. Em face ao exposto, vem a requerente requerer a V.ª Ex.ª se digne mandar proceder a uma vistoria urgente ao imóvel, afim de se verificar in loco a existência deste problemas que tornam imóvel inabitável. (...)”; Cf. documento de fls. 8 do processo administrativo; 6. Na sequência da apresentação dessa exposição, em 02.10.2018, os serviços municipais de ... elaboraram informação, nos seguintes termos: “(...) 2 – Para que seja possível dar andamento ao processo, terá que ser efectuada uma vistoria prévia, nos termos do disposto nos artigos 89º e 90º do Decreto-Lei n.º 555/99, com a redação em vigor, ao edifício em causa, a fim de verificar as suas condições de segurança e salubridade. 3 – Para que a vistoria prévia possa ser realizada, e por forma a serem observadas as formalidades legalmente determinadas pelo artigo 90º do citado diploma legal, deverá ser proferido despacho que ordene a realização da vistoria referida. 4 – Na sequência de tal despacho, ordenar a notificação do reclamante e do reclamado, da realização da vistoria, com a antecedência e na forma legalmente prevista. (...)”; Cf. documento de fls. 24 do processo administrativo; 7. Sobre esta informação recaiu despacho de concordância do Sr. Vereador da Câmara Municipal ..., em 08.10.2018 – cf. documento de fls. 24 do processo administrativo; 8. Por ofício ...0.10.2018, com a referência DPUA – 11522, foi comunicado o despacho referido no ponto anterior à ora autora, bem como que a vistoria ao imóvel seria realizada em 19.10.2018, pelas 11 horas – cf. documento de fls. 26 do processo administrativo; 9. A referida vistoria realizou-se em 19.10.2018, e dessa diligência foi lavrado documento escrito intitulado “Auto de Vistoria”, no qual se pode ler nomeadamente o seguinte: “(...) 4. Foi feita a inspecção visual da casa de habitação, tendo-se constatado o seguinte: 4.1. Trata-se de um edifício de dois pisos, com paredes exteriores em alvenaria de pedra, cuja construção aparenta ser anterior à vigência do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU). 4.2. Há humidade em algumas paredes, principalmente da cozinha e quartos. 4.3. Os vãos exteriores (portas e janelas) também não asseguram as boas condições de isolamento térmico. 4.4. Foi possível constatar que o edifício não tem sido objeto de obras de conservação, por parte dos proprietários, como está estipulado no n.º 1 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com a redação em vigor. 5. Face ao observado, será necessário proceder à execução de obras gerais de reparação e conservação do edifício, de modo a eliminar a humidade das paredes e a colmatar as deficientes condições de isolamento térmico. Assim, nos termos do disposto no artigo 10.º do RGEU e no n.º 2 do artigo 89.º do RJUE, os proprietários do prédio deverão ser notificados para proceder à execução dessas obras, consideradas necessárias, nomeadamente uma revisão geral do telhado e das caixilharias. (...)”; Cf. documento de fls. 28 do processo administrativo; 10. Em 31.10.2018, pelo Sr. Vereador da Câmara Municipal ... foi proferido o seguinte despacho: “Concordo, homologo o auto de vistoria.” – cf. documento de fls. 29 do processo administrativo; 11. A 15.05.2020, e após informação dos serviços de fiscalização segundo a qual os Autores não haviam realizado as “obras de conservação”, os serviços municipais elaboraram informação no sentido de comunicar aos Autores que era intenção do Município mandar proceder à realização das obras impostas pelo acima referido auto de vistoria; sobre essa informação recaiu despacho de concordância da Sr.ª Vereadora da Câmara Municipal ..., em 08.06.2020 – cf. documento de fls. 74 do processo administrativo; 12. Por ofícios de 19.06.2020, com as referências ...15 e ...16, foi dado conhecimento aos Autores daquele despacho, sendo-lhes concedido o prazo de 10 dias úteis para, querendo, apresentarem a sua pronúncia – cf. documentos de fls. 75/76 do processo administrativo; 13. O que os Autores fizeram, apresentando requerimento escrito para o efeito – cf. documentos de fls. 79 a 89 do processo administrativo; 14. Após o que, pelos serviços do Município, foi elaborada nova informação, em 11.09.2020, do seguinte teor: “(...) Matéria de Facto - O processo em epígrafe deu entrada nos serviços municipais através de uma exposição efetuada pela requerente, CC, sobre o estado de conservação da habitação onde reside e da qual é arrendatária e da consequente vistoria realizada cumpre-nos elucidar o seguinte: - A vistoria à referida habitação foi realizada em 19 de Dezembro de 2018, de acordo com o Despacho de 8 de Outubro de 2018, efetuado pelo Sr. Vereador Eng.º EE, no uso das suas competências delegadas e subdelegadas pelo despacho n.º ...18 do Sr. Presidente da Câmara de ..., FF, nos termos do n.º 2 do Artigo 90.º do Decreto Lei 555/99, de 16 de Dezembro, com a redação atualizada, adiante designado por RJUE, assim como nos termos da alínea b) do n.º l do Artigo 2.º e dos Artigos 3.º e 8.º deste último diploma legal. - Do auto de vistoria consta, passando a citar: - “Há humidade em algumas paredes, principalmente na cozinha e quartos; Os vãos exteriores (portas e janelas) também não asseguram as boas condições de isolamento térmico”; - “Foi possível constatar que o edifício não tem sido objeto de obras de conservação, por parte dos proprietários, como está estipulado no n.º 1 do Artigo 89º do Decreto Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, com a redação em vigor”; - “Face ao observado, será necessário proceder à execução de obras gerais de reparação e conservação do edifício, de modo a eliminar a humidade das paredes e colmatar as deficientes condições de isolamento térmico”; - Sucede que, se perante as “deficiências apontadas” no auto de vistoria é competência da Câmara Municipal a sua resolução ou se estamos perante “um assunto do foro privado”: - Ora, determina o n.º 2 do Artigo 89.º do RJUE que se na sequência da vistoria se verificar a existência de um risco para a segurança ou salubridade do edifício, a Câmara Municipal pode determinar a execução das obras de conservação necessárias, notificando o proprietário para o efeito, (sublinhado nosso) - Acresce ainda que, se na sequência da vistoria se verificar que as construções ameaçam a ruína ou oferecem perigo para a saúde pública e para a segurança da pessoas, a Câmara Municipal pode determinar a demolição total ou parcial das construções (n.º 3, do Artigo 89.º do RJUE). - No entanto, se o proprietário, após ter sido devidamente notificado, não iniciar as obras que lhe sejam determinadas ou não as concluir dentro dos prazos que lhe forem fixados, a Câmara Municipal toma posse administrativa do imóvel e procede à execução coerciva das obras por conta do infrator, nos termos do plasmado nos Artigos 91.º, 107.º e 108.º do RJUE. - Preconiza ainda, o Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados, aprovado pelo Decreto Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, na redação dada pela Lei nº 79/2014 de 19 de Dezembro, com a redação atualizada, que regra geral, cabe ao senhorio efetuas as obras necessárias à manutenção do estado de conservação do prédio arrendado, nos termos dos Artigos 1074º e 1111º do Código Civil, bem como da legislação urbanística aplicável, nomeadamente do regime jurídico da Urbanização e edificação e do regime jurídico da reabilitação urbana. (sublinhado nosso) - Porém, no caso de o senhorio não efetuar as obras a que está obrigado, o Município ou a entidade gestora da operação de reabilitação urbana podem intimá-lo à sua realização, bem como proceder à sua realização coerciva. Pelo supra exposto, somos da opinião de concluir o seguinte: 1 – Deverá ser determinado pela Câmara Municipal a realização pelo proprietário das obras necessárias ao restabelecimento das condições de segurança e salubridade do edifício e caso este não as realize de as executar coercivamente, por conta do infrator (Artigos 89.º, 91.º, 107.º e 108.º do RJUE). 2 - Se notifique o infrator segundo o disposto no nº1 alínea a) o Art.º 112º do Código de Procedimento Administrativo, o requerente por carta registada, dirigida para o seu domicílio ou no caso de este ser o escolhido para o efeito, para outro domicílio por si indicado. 3 - Prazo este de 10 dias previsto no Art. 86º n º 2 do CPA. (...)”; Cf. documentos de fls. 91/92 do processo administrativo; 15. Sobre esta informação recaiu despacho de concordância da Sr.ª Vereadora da Câmara Municipal ..., em 23.11.2020 – cf. documento de fls. 92 do processo administrativo; 16. Deste despacho, e da respetiva informação sobre a qual foi aposto, foi dado conhecimento aos autores por ofício de 05.01.2021, com a referência ...3 – cf. documento de fls. 93/94 do processo administrativo; * II – Factos Não Provados Que assumam relevo para a decisão a proferir, não subsistem factos que o Tribunal tenha considerado não provados. * III.B.DE DIREITO DOS ERROS DE JULGAMENTO SOBRE O MÉRITO 3.2. O presente recurso de apelação vem interposto da sentença proferida pela 1.ª Instância que julgou improcedente a ação intentada pelos AA., ora Apelantes, com o propósito de obterem a anulação do despacho que lhes ordenou a execução de obras de conservação no prédio situado na Avenida ..., da freguesia ..., concelho ..., de que são proprietários e de que a Contrainteressada é arrendatária, destinadas a conferir-lhe condições de salubridade. Na petição inicial, os AA. assacaram ao ato impugnado diversos vícios, que se reconduzem à inobservância dos vários requisitos impostos pelo artigo 90.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (doravante RJUE), nomeadamente, os requisitos previstos nos n.ºs 4 e 5, violação do artigo 89º do mesmo diploma, violação do princípio da proporcionalidade, prossecução do interesse privado e abuso de direito. A decisão recorrida julgou não verificados os vícios que os AA. assacaram ao ato impugnado- com exceção da violação do n.º5 do artigo 90.º do RJUE, que considerou contudo inoperante por aplicação da teoria do aproveitamento do ato administrativo-, tendo consequentemente indeferido a sua pretensão anulatória e confirmado a validade do despacho que lhes ordenou a realização de obras de conservação no aludido imóvel. Os Apelantes, não se conformam com o assim decidido impetrando ao aresto recorrido erros de julgamento sobre a matéria de direito por ter mantido o despacho impugnado. Vejamos se lhes assiste razão. b.1. da violação do n.º5 do artigo 90.º do RJUE e artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31/12 3.3.Prima facie, nas conclusões de recurso formuladas sob os pontos 3.º a 11.º, os Apelantes impetram à sentença in crisis erro de julgamento em matéria de direito, com fundamento na violação do disposto no n.º5 do artigo 90.º do RJUE e artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31/12. Para tanto, argumentam que alegaram na p.i. que o despacho que ordenou a execução de obras de conservação no prédio situado na Avenida ..., da freguesia ..., concelho ..., de que são proprietários, não obedece aos vários requisitos impostos pelo artigo 90.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (doravante RJUE), nomeadamente, os do seu nº 5. Porém, o Tribunal a quo, pese embora tenha concluído pela violação do disposto no n.º5 do artigo 90.º do RJUE decidiu que essa violação « não tem qualquer influência sobre a decisão administrativa tomada quanto à necessidade de executar as obras, mantendo-se integral o juízo que o Município formulou. medida, impõe-se aplicar a alínea c) do n.º 5 do art.º 163.º do CPA, recusando efeito anulatório àquela violação”. Ora, na perspetiva dos Apelantes, o Tribunal a quo deveria antes concluído e decidido que «a violação deste normativo legal atinge a substância do ato administrativo, determinando a sua anulação», uma vez que, o ato administrativo impugnado é «vago, impedindo, claramente, uma aproximação entre o cidadão e a Administração e tornando impossível aos Recorrentes perceberem qual o procedimento que a Ré pretende que aqueles adotem», conquanto é omisso em relação à descrição do nível de conservação do imóvel, bem como quanto à descrição e concretização das obras preconizadas no suprimento das alegadas deficiências encontradas. Invocam que coligido o auto de vistoria, verifica-se que nele não vem indicado o nível de conservação do imóvel segundo a escala do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31/12, à luz da qualificação das anomalias detetadas, como é legalmente imposto. E assim, concluem que a vistoria não deu cumprimento à formalidade imposta pelo artigo 90.º, n.º 5, do RJUE, violando, por isso, este normativo legal, sustentando que a falta de determinação do nível de conservação do imóvel inquina o ato administrativo de ilegalidade que, por sua vez, determina a sua anulabilidade nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo. Contrariamente ao que foi decidido, sustentam que a violação do disposto no artigo 90.º, n.º 5, do RJUE, atinge a substância do ato administrativo e é ilegal, o que impedia que fosse aplicado o princípio do aproveitamento dos atos administrativos . Como tal, a sentença recorrida deve revogada e substituída por outra que determine a anulação do ato administrativo. 3.3.1.Antecipamos que, perscrutado o teor da sentença recorrida, não vemos que assista razão aos Apelantes quando advogam que a verificada violação do n.º5 do artigo 90.º do RGEU atinge a substância do ato impugnado, de tal modo que no caso não pode haver lugar à aplicação do mecanismo do aproveitamento do ato administrativo. A esse respeito, não podemos deixar de sublinhar que o discurso fundamentador da sentença recorrida é consistente e não deixa espaço para dúvidas relativamente à correção do julgamento realizado. Lê-se na sentença recorrida, que se transcreve: «O art.º 90.º do RJUE, citado pelos autores como tendo sido violado pela entidade administrativa, está intimamente ligado ao artigo 89.º do mesmo diploma. Com efeito, como se lê no n.º 1 daquele art.º 90.º, “As deliberações referidas nos n.os 2 e 3 do artigo 89.º são precedidas de vistoria a realizar por três técnicos a nomear pela câmara municipal, dois dos quais com habilitação legal para ser autor de projeto, correspondentes à obra objeto de vistoria, segundo o regime da qualificação profissional dos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos.” Tais deliberações são as seguintes: (i) determinar a execução de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético; (ü) ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas. No caso concreto que nos ocupa, esta segunda hipótese está afastada, dado que apenas está em causa a execução de obras de conservação (i. e., não foi ordenada qualquer demolição). E diz-nos, então, o n.º 1 do art.º 90.º do RJUE que é precedida de uma vistoria, a realizar por três técnicos a nomear pela câmara municipal. Atendendo à alegação dos autores, interessa-nos em especial o teor dos números 4 a 6 do referido art.º 90.º, referentes aos requisitos a observar no auto de vistoria; tais disposições são do seguinte teor: “4 - Da vistoria é imediatamente lavrado auto, do qual constam obrigatoriamente a identificação do imóvel, a descrição do estado do mesmo e as obras preconizadas e, bem assim, as respostas aos quesitos que sejam formuladas pelo proprietário. 5 - A descrição do estado do imóvel, a que se refere o número anterior, inclui a identificação do seu estado de conservação, apurado através da determinação do nível de conservação do imóvel de acordo com o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31 de dezembro, e na respetiva regulamentação. 6 - O auto referido no n.º 4 é assinado por todos os técnicos e pelo perito que hajam participado na vistoria e, se algum deles não quiser ou não puder assiná-lo, faz-se menção desse facto.” Nesta medida, e pelo teor do n.º 4 transcrito, temos então que o auto de vistoria deve fazer constar vários elementos, um deles eventual, que são: (i) a identificação do imóvel; (ii) a descrição do seu estado; (iii) as obras preconizadas; e (iv) se existirem quesitos formulados pelo proprietário, a resposta dada aos mesmos (sendo este o elemento eventual, porque o proprietário não é obrigado a formular quesitos, tratando-se de uma faculdade que a lei lhe confere). No que, concretamente, diz respeito à descrição do estado do imóvel, o n.º 5 do art.º 90.º do RJUE, também ele transcrito, acrescenta que deve incluir “a identificação do seu estado de conservação, apurado através da determinação do nível de conservação do imóvel de acordo com o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31 de dezembro, e na respetiva regulamentação.” Surge, aqui, a remissão para o DL n.º 266-B/2012, de 31.12, diploma que estabelece o regime de determinação do nível de conservação dos prédios urbanos ou frações autónomas, para os efeitos previstos em matéria de conservação do edificado (também para outros fins, que não nos interessam – pelo menos, diretamente). E que é aplicável ao RJUE, pelo menos para este efeito, dado o teor da remissão referida. Essa remissão, todavia, não é feita em bloco, dado que apenas se remete para o artigo 5.º daquele DL. E, então, atentemos ao que nos diz este artigo, epigrafado “níveis de conservação”: “1 - Os níveis de conservação refletem o estado de conservação de um prédio urbano ou de uma fração autónoma e a existência, nesse prédio ou nessa fração, de infraestruturas básicas. 2 - Os níveis de conservação constam do seguinte quadro:
Mas nem só para o art.º 5.º transcrito remete o RJUE; também remete para a “respetiva regulamentação” do DL n.º 266-B/2012, de 31.12. Essa regulamentação, no caso, será ainda a que decorre da Portaria n.º 1192-B/2006, de 03.11, atendendo ao n.º 2 do art.º 8.º daquele DL, desconhecendo-se a publicação da nova Portaria a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo. É nesta Portaria (ainda que com as necessárias adaptações) que se encontram os critérios gerais de avaliação do estado do imóvel, o modo de determinação dos níveis de anomalia, a fórmula de cálculo do índice de anomalias, etc... Por exemplo, em matéria de níveis de anomalia existem as seguintes classificações: muito ligeiras; ligeiras; médias; graves; e muito graves. Portanto, o que se conclui do art.º 90.º, n.º 5, do RJUE e da respetiva remissão é que, além da descrição do estado do imóvel propriamente dita, deve ainda incluir-se a identificação do estado de conservação, à luz daquela escala, ou seja, se é péssimo, mau, médio, bom ou excelente. Voltando ao caso concreto. Lendo o auto de vistoria – cujo teor, na parte que nos interessa, consta do ponto 9 dos factos provados – a conclusão que se impõe é a de que, com efeito, não foi dado cumprimento ao disposto no art.º 90.º, n.º 5, do RJUE, e, consequentemente, ao art.º 5.º do DL n.º 266-B/2012, de 31.12. Ou seja, não se indica qual o nível de conservação do imóvel segundo a escala daquele art.º 5.º, à luz da qualificação das anomalias detetadas, como é imposto pela regulamentação daquele preceito. É feita – verdade – uma descrição do imóvel quanto ao seu estado, mas não correspondente àquelas disposições legais, ou seja, a classificação segundo a indicada tabela. Por isso mesmo, aquilo que é possível dizer é que a vistoria não deu integral cumprimento à formalidade imposta pelo art.º 90.º, n.º 5, do RJUE. A violação, pela Administração, do disposto no art.º 90.º, n.º 5, do RJUE é um vício formal, i. e., não atinge a substância do ato administrativo, mas preteriu uma determinada imposição do procedimento. Mas existindo o vício – formal – a questão que, de seguida, se coloca (ou melhor, que o próprio Município, em contestação, coloca) consiste em saber se aquela formalidade (a indicação do estado do imóvel segundo a escala prevista no art.º 5.º do DL n.º 266-B/2012) pode ser degradada em não essencial, rejeitando-se-lhe, dessa forma, o vigor anulatório. Sobre o assunto, é certo que a jurisprudência vinha reconhecendo, já há muito, essa tese de degradação de formalidade essencial em não essencial; particularmente, em situações em que o conteúdo do ato seria inelutavelmente o mesmo. Ideia, esta, traduzida no brocardo latino segundo o qual utile per inutile non vitiatur, ou princípio do aproveitamento do ato administrativo. Com o CPA de 2015, essa jurisprudência ganhou consolidação legal, encontrando-se hoje previstas várias situações em que é possível afastar o efeito anulatório – cf. art.º 163.º, n.º 5, do CPA. Perante isto. Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, em anotação ao art.º 90.º do RJUE [cf. “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado”, 4.ª Edição, Almedina, 2016, pp. 607/608] dizem o seguinte: “2. Se for necessária a vistoria prévia, e esta tiver sido preterida ou do auto não constarem as menções previstas no n.º 4, estaremos perante uma situação de preterição de formalidades, na medida em que a definição pela vistoria das obras necessárias a executar deve ser revestida de um grande número de cautelas e decorrer de forma participada, tendo em consideração as suas implicações na esfera jurídica do particular. A preterição deste tipo de formalidades determina, em regra, apenas a anulabilidade da decisão final da câmara, mas admitimos que, em certas circunstâncias, a mesma implique a violação de princípios fundamentais da atividade administrativa (como os da proporcionalidade e da proteção da confiança dos particulares) e ofenda o conteúdo essencial de um direito fundamental de um modo de tal forma grave que inquine o ato final de nulidade.” Ora, a questão que nestes autos se coloca é esta: não estamos perante a omissão da vistoria (ou sequer da elaboração do auto); também não estamos perante uma situação de omissão absoluta da descrição do estado do imóvel (diga-se que também não pode subscrever-se a alegação dos autores quando consideram vaga a descrição do imóvel; o auto faz constar tratar-se um imóvel de dois pisos, com alvenaria em pedra, denotando construção antiga, como se retira da referência a aparentar ter sido construído antes do RGEU; e, de seguida, faz a descrição que importa, ou seja, as anomalias detetadas, dado que é essa a descrição que interessa); somente não foi incluída a classificação que consta do art.º 5.º do DL n.º 266-B/2012, de 31.12. Esta não indicação, porém, não tem qualquer influência, sequer, no conteúdo do ato em causa. Na verdade, aquilo que o legislador determina é simplesmente que, havendo lugar à vistoria para os efeitos do art.º 89.º do RJUE, se aproveite a mesma para incluir a classificação do estado de conservação do imóvel. Essa classificação, por seu lado, não tem influência alguma para a decisão final. Nem sequer prejudica a possibilidade de ser feita aquela classificação nos termos gerais, prescritos pelo Decreto-Lei n.º 166-B/2012, de 31.12. Aliás, não vemos sequer disposição legal no RJUE que determine que o Município só possa ordenar a realização das obras em função da classificação obtida pelo imóvel (o que sucederia, por exemplo, se estabelecesse que apenas poderia ser ordenada a execução de obras em imóveis classificados entre péssimo e médio). Ou seja, se o Tribunal anular o despacho somente com base nesta circunstância, a consequência prática é nenhuma: o resto do conteúdo do ato (a ordem de execução das obras) fica incólume, porque o vício, além de meramente formal, nem sequer afeta essa parte do ato; e a entidade demandada só teria de mandar completar o auto de vistoria, com a alusão ao grau de conservação segundo aquela escala legal. O que significa que, não vindo sequer negado que o edifício em causa apresenta humidades nas paredes, em especial da cozinha e dos quartos, e a caixilharia que não garante o devido isolamento térmico, com ou sem indicação da classificação, continuariam os autores obrigados a executar as obras. Mediante este circunstancialismo, aquilo que se pode dizer é que não há qualquer dúvida que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo. Aliás, o próprio Município assim o assume, de forma expressa – nem podia ser de outra forma, porque com ou sem classificação legal do estado de conservação, a necessidade das obras é a mesma. Noutros termos: com este vício, o Tribunal nem sequer chega a apreciar a valoração que foi feita pela Administração; não entra, de nenhuma forma, nesse espaço valorativo, porque o vício não colide com o conteúdo do ato administrativo nessa parte. Fica incólume. Poderia até discutir-se se não estamos perante duas decisões distintas: a que determina a necessidade das obras; e a que classifica o grau de conservação. Assim sendo, na perspetiva deste vício (que é a única que importa), aquilo que se retira é que o mesmo nem sequer chega a inquinar a parte do ato que descreve o estado do imóvel quanto às anomalias detetadas, porque com isso não se confunde a classificação do estado de conservação. A preterição dessa formalidade não respeita, sequer, à valoração que foi feita sobre a necessidade das obras, nem quanto a ela tem algum tipo de influência. Consiste, no fundo, no simples incumprimento, por parte da Administração, de uma obrigação legal (classificar o estado de conservação aquando da vistoria), mas não de uma condição inerente à ordem de executar as obras, deixando este juízo valorativo, que é autónomo, perfeitamente incólume e que, como tal, seria sempre mantido. Numa frase: a formalidade preterida nem influência tem, ou pode ter, no conteúdo material da decisão que ordena a execução das obras. Assim sendo, é de concluir que a violação do disposto no art.º 90.º, n.º 5, do RJUE não tem qualquer influência sobre a decisão administrativa tomada quanto à necessidade de executar as obras, mantendo-se integral o juízo que o Município formulou. Nesta medida, impõe-se aplicar a alínea c) do n.º 5 do art.º 163.º do CPA, recusando efeito anulatório àquela violação. Como se decide.» Não se questiona que foi violado o disposto no n.º5 do artigo 90.º do RJUE na medida em que no auto de vistoria -vide ponto 9 do elenco dos factos assentes- não vem indicado o nível de conservação do imóvel segundo a escala do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31/12, à luz da qualificação das anomalias detetadas, como é legalmente imposto. O que acontece é que, bem vistas as coisas, a indicação dessa classificação não acrescentaria qualquer informação que se revelasse essencial aos destinatários do despacho impugnado para conhecerem, quer os pressupostos em que esse ato assentou, quer as obrigações em matéria de execução de obras de conservação que foram ordenadas. Tal como foi compreendido pelo Tribunal a quo, essa omissão reconduz-se singelamente à preterição de uma mera formalidade legal que no contexto do ato impugnado não teve qualquer repercussão no sentido do despacho que foi proferido. A este talhe, dir-se-á que as referidas obras, em face do estado do imóvel em questão, com ou sem classificação, não deixam de ser obras necessárias para que o mesmo ofereça condições de salubridade. Como tal, a verificada violação do disposto no artigo 90.º, n.º 5, do RJUE, não tem qualquer influência sobre a decisão administrativa tomada quanto à necessidade de executar tais obras, que seriam as mesmas, caso tivesse sido escrupulosamente observado. E sendo assim, bem andou a 1.ª Instância em não se quedar por uma atitude formalista, anulando pura e simplesmente o despacho impugnado, mas antes lançando mão do mecanismo previsto no artigo 163.º, n.º5 do CPA que permite ao juiz, oficiosamente, verificados os requisitos legais de que depende a aplicação do princípio do aproveitamento dos atos administrativos inválidos, manter o ato administrativo quando a sua repetição sem a violação das formalidades detetadas nada acrescentaria ao conteúdo da decisão administrativa, levando à sua reedição em termos substancialmente iguais. No caso em análise, é categórico que a anulação do ato impugnado com tal fundamento e a sua posterior repetição, com a indicação no auto de vistoria das classificações que se impunham pelo n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31 de dezembro, nada acrescentaria quanto à já constatada imprescindibilidade de realização de obras de conservação no imóvel propriedade dos Apelantes e locado á Contrainteressada, não alijando a responsabilidade dos Apelantes na sua execução. Note-se que os Apelantes não questionam a verdade do auto de vistoria na descrição das anomalias que detetou no imóvel sua propriedade e a necessidade de tais anomalias serem corrigidas como condição para que o mesmo passe a ter condições de salubridade. O que questionam é a falta de indicação pormenorizada em relação às obras que terão de realizar para debelar o estado em que o imóvel se encontra em termos de salubridade, cerzindo a esse respeito que dos termos que constam do auto de vistoria não conseguem perceber quais são essas obras, mas que, conforme bem evidenciado pelo senhor juiz a quo na sentença recorrida, não passa de uma afirmação sem fundamento. O que é certo é que, neste conspecto, a consequência inevitável da anulação do ato impugnado, seria apenas a inclusão da indicação da classificação constante do artigo 5.º do D.L. n.º 266-B/2012, de 31/12, mas essa indicação nada acrescentaria ao conteúdo do ato do ponto de vista substancial, uma vez que nada revelaria quanto aos pressupostos e alcance da decisão administrativa que já não sejam evidenciados pelo seu atual conteúdo, redundando antes num exercício inútil. A anulação da decisão administrativa impugnada em resultado da preterição da identificada formalidade, seria no caso, uma decisão inadequada ante a possibilidade do seu aproveitamento nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º5 do CPA. Termos em que soçobra o invocado fundamento de recurso, impondo-se confirmar a sentença recorrida neste questionado segmento, que se mantém invicta. * b.2. da violação do disposto no n.º4 do artigo 90.º do RGEU ( falta de pormenorização das obras de conservação do imóvel a realizar pelos proprietários/senhorios). 3.4. Os Apelantes dissentem da sentença recorrida por nela se ter julgado improcedente a invocação da violação do disposto no n.º4 do artigo 90.º do RJUE, quando, como alegaram na p.i., o auto de vistoria não preconiza de forma suficiente as obras de conservação a executar pelos mesmos, ficando aqueles sem saber que obras de reparação e conservação em concreto pretende a Ré sejam executadas. Ademais, referem que não obstante o auto de vistoria não descrever um único facto que demonstre qualquer situação de ruína do prédio em referência ou de perigo para a segurança das pessoas, o Apelado intimou-os para a realização das obras necessárias ao restabelecimento das condições de segurança do edifício, pelo que, também por este prisma, ficam sem saber quais os elementos do referido imóvel que apresentam perigo para a segurança das pessoas. Concluem que não contendo o auto de vistoria a descrição das obras preconizadas, conforme impõe o aludido artigo 90.º do RJUE, o ato administrativo impugnado é ilegal, devendo, consequentemente, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a anulação deste ato- vide conclusões 12.ª a 22.ª das alegações de recurso. Mas sem razão. Os argumentos que os Apelantes aduzem para justificar a existência de erro de julgamento da sentença recorrida ao julgar improcedente a violação do n.º4 do artigo 90.º do RJUE, foram precisamente os mesmos invocados na p.i como fundamento de invalidade do despacho impugnado. E esses fundamentos foram ampla e profundamente ponderados pelo Tribunal a quo, de tal forma que a decisão recorrida merece a nossa total aquiescência. Lê-se na sentença recorrida, a este respeito, a seguinte fundamentação: « Com efeito, é certo que o art.º 90.º, n.º 4, do RJUE exige que do auto de vistoria constem as obras preconizadas, ou seja, os trabalhos propostos para resolver a situação detetada. E é exatamente isso que acontece. A parte final do auto de vistoria diz assim: “(...) os proprietários do prédio deverão ser notificados para proceder à execução dessas obras, consideradas necessárias, nomeadamente uma revisão geral do telhado e das caixilharias”. Refira-se que o auto de vistoria menciona a existência de várias paredes com humidade, principalmente as da cozinha e quartos. Conjugando essa informação com aquela que consta da parte final do auto, torna-se perfeitamente possível saber aquilo que os autores têm de fazer. Em primeiro lugar, uma revisão geral ao telhado, no sentido de garantir o correto escoamento das águas, evitando a sua infiltração na habitação. De facto, a entidade demandada até poderia ter sido mais exigente, impondo, por exemplo, a substituição integral do telhado. Mas não o fez, ordenando somente uma revisão geral, ou seja, uma intervenção no sentido de arranjar todas as potenciais fontes de infiltração. Não nos parece que estivesse obrigada a mais do que isso, designadamente a identificar que telhas devem der substituídas, que rufos devem ser arranjados, que caleiras devem ser repostas, etc... Mais claro, ainda, é o auto quanto à necessidade de substituir caixilharias. O ponto 4.3 do auto de vistoria refere de forma expressa que os vãos exteriores (portas e janelas) também não asseguram as boas condições de isolamento térmico. Conciliando esta descrição com a sobredita parte final do auto, não restam dúvidas sobre aquilo que os autores têm de fazer: substituir as caixilharias dos vãos exteriores (portas e janelas). Portanto, e concluindo, o auto de vistoria preconiza de forma suficiente as obras de conservação em causa: revisão geral do telhado e da caixilharia. Não se limita a dizer que os autores devem fazer obras de conservação, ao contrário do alegado. Nem são os autores que têm de adivinhar o que fazer (por exemplo, não lhes é imposto qualquer trabalho de alvenaria), na medida em que o auto é claro ao fixar aqueles trabalhos. Aquilo que o auto não serve, como refere a contrainteressada, é de caderno de encargos, mapa de quantidades, plano de trabalhos, etc. É aos autores que compete, agora, operacionalizar esses trabalhos. Intercalado nesta alegação, os autores vêm ainda invocar que a partir do auto é de todo impossível perceberem de que forma o seu imóvel ameaça ruína, ou oferece perigo para a segurança. Parece existir aqui uma certa confusão. Na verdade, o art.º 89.º do RJUE separa, nos seus n.ºs 2 e 3, duas situações, que trata de forma distinta (e às quais já se aludiu acima). Apenas no caso do n.º 3 se utilizam os conceitos de “ameacem ruína” e “ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas”, os quais servem de base à decisão de ordenar a demolição total ou parcial das construções. Ora, nada disso sucede no caso concreto, porque não foi ordenada qualquer demolição, mas apenas a execução de obras de conservação. É, por isso, natural que do auto de vistoria os autores não retirem qualquer conclusão sobre a ameaça de ruína ou o perigo para a segurança de pessoas, já que não está em causa qualquer decisão de demolição, antes de aplicando o disposto no n.º 2 do art.º 89.º do RJUE, ou seja, a execução de obras de conservação. Por isso mesmo, não se exigia que do auto constasse qualquer referência à ameaça de ruína ou ao perigo para a segurança das pessoas. Em face do exposto, improcede a alegada violação do art.º 90.º do RJUE, nesta concreta dimensão de não indicação das obras preconizadas.» A sentença recorrida, como resulta da sua leitura, é muito clara na dilucidação das razões pelas quais o Senhor juiz a quo considerou inexistir o referido vício. Vejamos. Consta do teor do auto de vistoria, a que se alude no ponto 9 da fundamentação de facto da sentença recorrida, as seguintes menções: «4. Foi feita a inspecção visual da casa de habitação, tendo-se constatado o seguinte: 4.1. Trata-se de um edifício de dois pisos, com paredes exteriores em alvenaria de pedra, cuja construção aparenta ser anterior à vigência do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU). 4.2. Há humidade em algumas paredes, principalmente da cozinha e quartos. 4.3. Os vãos exteriores (portas e janelas) também não asseguram as boas condições de isolamento térmico. 4.4. Foi possível constatar que o edifício não tem sido objeto de obras de conservação, por parte dos proprietários, como está estipulado no n.º 1 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com a redação em vigor. 5. Face ao observado, será necessário proceder à execução de obras gerais de reparação e conservação do edifício, de modo a eliminar a humidade das paredes e a colmatar as deficientes condições de isolamento térmico. Assim, nos termos do disposto no artigo 10.º do RGEU e no n.º 2 do artigo 89.º do RJUE, os proprietários do prédio deverão ser notificados para proceder à execução dessas obras, consideradas necessárias, nomeadamente uma revisão geral do telhado e das caixilharias. (...)”; Coligido o auto de vistoria em causa, o mesmo é claro quanto à existência de várias paredes com humidade, principalmente as da cozinha e quartos, constando do mesmo a indicação para a necessidade de serem realizadas obras de revisão geral do telhado e da caixilharia, ou seja, uma intervenção no sentido de reparar todas as potenciais fontes de infiltração de humidade no imóvel. Em face do referido auto de vistoria, afigura-se-nos que os Apelantes estavam em condições de apreender quais eram/são as obras a realizar, uma vez que ali se refere expressamente a necessidade da realização de obras de revisão geral do telhado e das caixilharias. Ademais, tais obras serão sempre as que se revelem necessárias para eliminar e impedir a continuação dos vícios e patologias que o edifício apresenta e que afetam a sua salubridade. Parece-nos insofismável que qualquer destinatário colocado na situação em que se encontravam os Apelantes, perante o teor daquele auto de vistoria, e a situação do imóvel, não poderiam invocar, de forma convincente, que desconheciam quais as obras a realizar para pôr termo à falta das apontadas condições de salubridade do imóvel em questão. Sempre se dirá, ademais, ser uma decorrência da normal experiência de vida do comum das pessoas, que por via de regra, a humidade nas habitações tem como causa recorrente a existência de problemas ao nível dos telhados ou cobertura dos prédios, e bem assim, do estado em que se encontram as caixilharias, designadamente, quando se trate de um imóvel já com vários anos de existência, como é o caso. A referência que consta do n.º4 do artigo 90.º do RJUE sobre a necessidade de constar do auto de vistoria a indicação das obras preconizadas para correção das más condições de salubridade do imóvel, para que a câmara municipal possa validamente, nos termos do artigo 89.º, n.º2, ordenar ao respetivo proprietário que as realize, pondo assim termo às más condições de salubridade detetadas, tem como fito evitar que a Administração Municipal extravase o âmbito do que deva considerar-se como obras necessárias à conservação do imóvel em concreto, vedando-lhe a possibilidade de ordenar a realização de obras de quantidade e valor desproporcionais perante as anomalias detetadas. Mas, como bem observou o Senhor Juiz a quo « “Aquilo que o auto não serve, como refere a contrainteressada, é de caderno de encargos, mapa de quantidades, plano de trabalhos, etc.”». No caso, esse limite, não foi, de todo, ultrapassado. Relativamente à invocação da omissão no auto de vistoria da indicação das razões pelas quais o imóvel em causa ameaça ruína, também falha razão aos Apelantes, uma vez que, a decisão que lhes ordenou a realização das obras de conservação não foi determinada por qualquer ameaça de ruína do referido imóvel, mas exclusivamente por razões relativas à falta de condições de salubridade do mesmo. Há aqui, claramente, uma confusão por parte dos Apelantes, que também foi notada pelo Senhor Juiz a quo. De qualquer modo, sempre se dirá que nos termos do n.º2 do artigo 89.º do RJUE « a câmara municipal pode a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a execução de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético». ( sublinhado nosso). Ou seja, como flui do teor literal deste preceito legal, o poder conferido às câmaras municipais para determinarem a realização de obras de conservação não se encontra limitado à circunstância dos imóveis oferecerem más condições de segurança. Assim, caso se verifique, como ocorreu in casu, que o imóvel vistoriado detém más condições de salubridade, pode a câmara municipal ordenar a realização das obras de conservação necessárias a dotar o mesmo de adequadas condições de salubridade, ainda que o mesmo não ofereça problemas de segurança. Na situação vertente, as obras de conservação cuja execução foi ordenada aos Apelantes não têm como justificação nenhuma necessidade de dotar o imóvel locado à Contrainteressada de condições de segurança, mas apenas a imprescindibilidade de o mesmo ser dotado de condições de salubridade, pelo que, também sob este prisma, a referida invocação não tem qualquer fundamento. Termos em que improcedem os apontados fundamento de recurso. ** b.3. do erro de julgamento decorrente de a sentença recorrida, ao impor a realização das obras de conservação nos termos do auto de vistoria, configurar a prossecução de um interesse privado. 3.5.Nas conclusões de recurso que os Apelantes formulam sob os pontos 23.ª a 30.º , impetram à sentença recorrida erro de julgamento, por entenderem que as obras de conservação que lhes foram determinadas realizar no imóvel sua propriedade, tendo em conta não se ter provado que o estado de conservação do referido imóvel constituía qualquer ameaça à segurança do mesmo, nem à vida da Contrainteressada, traduzem a prossecução de um interesse privado. Alegam que não existindo qualquer risco/perigo para a segurança e saúde públicas, tais obras só podem destinar-se ao mero melhoramento das condições de habitabilidade e de conforto da inquilina do prédio, pelo que, impor-se-lhes a realização de obras estar-se-á a prosseguir um fim privado, ao invés de finalidades de interesse público, legalmente acometidas ao Município, sendo, por isso, uma atuação ilegal, devendo a sentença ser revogada e substituída por outra que determine a anulação do mesmo ato. Novamente, sem qualquer razão, conforme bem se explanou e decidiu na sentença sob escrutínio, na qual se escreveu a seguinte fundamentação: « Da prossecução de um fim privado – beneficiação da contrainteressada/inquilina Seguidamente, os autores dizem que o estado de conservação do prédio não constitui qualquer ameaça à segurança do mesmo, nem à vida da contrainteressada, não constando do auto qualquer facto demonstrativo da falta de condições de segurança – nem tal poderia suceder, porque não está em causa um prédio que ameace ruína. E, nesse pressuposto, os autores concluem assim: “tais obras só podem destinar-se ao mero melhoramento das condições de habitabilidade e de conforto da inquilina do prédio em referência, aqui Contrainteressada”. Também aqui, sem razão. Em abstrato (e dado que os autores não propõem qualquer conformação jurídica para esta alegação) poderemos estar perante o vício de desvio de poder, previsto no art.º 161.º, n.º 2, al. e), do CPA, conducente à nulidade do ato administrativo. Como é sabido, é um vício que ocorre quando certo ato administrativo é praticado para benefício de um interesse privado, e não para a prossecução do interesse público, que constitui a primordial tarefa da Administração pública. Mas nada disso se compagina, sequer, no caso dos autos. Tanto quanto se alcança, os autores não questionam o que consta do auto de vistoria, i. e., a existência de humidade nas paredes (em especial, da cozinha e quartos), e que a caixilharia não assegura o bom isolamento térmico. Mas dizem que a ordem de executar estas obras apenas se destina ao melhoramento das condições de habitabilidade e de conforto da inquilina. Ora, acontece que o art.º 89.º, n.º 2, do RJUE, que se aplica in casu, diz que as obras se podem justificar pela (i) correção e más condições de segurança ou de salubridade, ou (ii) melhoria do arranjo estético. Este último caso não colide com a situação que nos ocupa, mas o primeiro sim. Uma habitação com humidade nas paredes, em especial da cozinha e dos quartos, não garante as condições decentes de salubridade, ou seja, não contribui para a saúde ou para a higiene. O mesmo sucede com a questão do correto isolamento térmico pela caixilharia existente, que não garante as devidas condições de salubridade. As obras determinadas justificam-se, assim, pelo cumprimento do disposto no art.º 89.º, n.º 2, do RJUE, e pela garantia do interesse público na conservação dos imóveis em estado que garanta a respetiva salubridade, em particular tendo por base a sua específica função (neste caso, conclui-se forçosamente pelo arrendamento, habitacional – factos provados em 2 e 3). E não se veja qualquer favorecimento apenas pela circunstância de ter sido a inquilina, aqui contrainteressada, a iniciar o procedimento [facto provado 5], dado que é o n.º 2 do art.º 89.º do RJUE que assim o permite, ao referir-se a “requerimento de qualquer interessado”. Tomando conhecimento da situação, e vinculado que está ao princípio da legalidade, restava ao Município atuar no sentido de cumprir aquilo que a Lei determina, neste caso pela previsão do art.º 89.º, n.º 2, do RJUE. Portanto, e em suma, as obras em causa destinam-se apenas a repor as mínimas condições de salubridade da edificação (evitar infiltrações/humidades e assegurar o devido isolamento térmico), não constituindo o ato qualquer espécie de favorecimento à contrainteressada, somente para melhorar as condições de “conforto”. Deste modo, improcede igualmente esta alegação/vício.» Como bem se expendeu na sentença in crisis, os Apelantes não questionam a existência das patologias verificadas no seu imóvel que vêm mencionadas no auto de vistoria, pelo que, é seguro que o imóvel dos Apelantes tem problemas de salubridade que importa sejam corrigidos através da realização de obras de conservação. Os poderes conferidos às câmaras municipais pelo artigo 89.º do RJUE em matéria de conservação do edificado, têm subjacente a prossecução do interesse público, ainda que, porventura, do seu exercício possam resultar benefícios imediatos designadamente para os inquilinos que habitem prédios sem condições de segurança e/ou com más condições de salubridade. É seguro que nos termos do n.º2 do artigo 89.º do RJUE, as câmaras municipais, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, podem determinar a realização de obras nos edifícios que apresentem falta de condições de salubridade, como sucede com o imóvel dos Autores, cumpridos para o efeito os trâmites procedimentais previstos na respetiva legislação. A jurisprudência é pacífica neste sentido. Veja-se, em concordância, o que se sumariou em Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24/04/2014, proferido no processo n.º 08063/11: «I - As competências previstas no artigo 89º, n.º 2, do RJUE, são competências próprias da Câmara, que se fundam no interesse público na conservação dos edifícios, do património edificado do Município, interesse que pode concorrer com o dos particulares, ora inquilinos, mas que não se confunde nem sobrepõe com os interesses próprios destes». O facto de as obras de conservação em análise, não terem na sua génese a existência de um qualquer problema de segurança do imóvel arrendado à Contrainteressada, mas uma situação de insalubridade desse imóvel não exclui o dever de a câmara municipal ordenar a realização de obras para corrigir as más condições de salubridade do imóvel, nem essa obrigação sofre qualquer reconfiguração pelo facto de a iniciativa de denúncia sobre a falta de condições de salubridade e da necessidade de realização de obras partir de uma denuncia da arrendatária. Sabe-se que a maior parte das vezes, a indicação sobre a existência de más condições de salubridade dos imoveis chegam ao conhecimento das câmaras municipais através de requerimentos subscritos, ou pelos vizinhos do imóvel insalubre, ou por iniciativa dos respetivos arrendatários, sem que daí, resulte qualquer desvio de poder quando essa mesma administração municipal decida atuar, e uma vez realizada a vistoria a que se reporta o n.º1 do artigo 90.º do RJUE, conclua pela necessidade de realização de obras no imóvel visado, ordenando a sua execução ao respetivo proprietário. O artigo 89.º, n.º 2 do RJUE é categórico na concessão às câmaras municipais do poder de ordenarem a realização de obras de conservação do edificado em ordem a garantir condições de salubridade. Em tais situações, é indiscutível que há um interesse público a acautelar, qual seja, o « interesse na própria conservação dos edifícios, do património edificado do Município, interesse que pode concorrer com os dos particulares, ora inquilinos, mas que não se confunde nem sobrepõe com os interesses particulares destes.» - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24/04/2014, proferido no processo n.º 08063/11. Em suma, não estando em causa que o imóvel dos Apelantes possui más condições de salubridade, e sendo certo que as obras a realizar pelos Apelantes, que lhe foram determinadas pela Apelada, são apenas aquelas destinadas a eliminar o estado de insalubridade em que se encontra o imóvel arrendado à Contrainteressada, a ordem para que executem as obras de conservação necessárias, traduz o exercício de um poder público em ordem à satisfação do interesse público e não a tutela de um qualquer fim ou interesse de natureza privada, designadamente, um beneficio concedido à arrendatária. É do interesse da comunidade que os imóveis cumpram parâmetros de salubridade legalmente previstos, em ordem à sua boa conservação e à garantia de condições saudáveis de utilização- cfr. Acs. do STA n.º 424/06, de 22.11.2006, n.º 991/08, de 23.09.2009, nº 298/10, de 05.05.2011, do TCAS n.º 314/04, de 28.10.2004 e n.º 7133/11, de 06.02.2014, todos in www.dgsi.pt). Ademais, a responsabilidade pela conservação dos imóveis é uma obrigação que onera a esfera jurídica dos proprietários de imóveis, estejam eles arrendados ou não. Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, improcede o invocado fundamento de recurso, impondo-se a confirmação da sentença recorrida. ** b.4. do erro de julgamento decorrente da violação do princípio da proporcionalidade atendendo à falta de equivalência entre o custo das obras de conservação ordenadas e o valor de renda paga pela Contrainteressada. 3.6. Os Apelantes, conforme invocam nas conclusões de recurso que formulam sob os pontos 31.º a 50.º, sustentam a que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 7.º do CPA, dado não existir qualquer equivalência entre o custo das alegadas obras gerais impostas pela Ré/Recorrida e a exiguidade da renda que a Contrainteressada lhes paga. Para tanto, vaticinam que quaisquer obras que venham a ser executadas num edifício centenário, como é o seu, sempre serão de grande envergadura, e, consequentemente, os respetivos custos sempre ultrapassarão os € 15.000,00 (quinze mil euros), a que acresce o IVA à taxa legal em vigor, sendo como tal evidente o desequilíbrio e a desproporção entre o sacrifício que lhes é imposto com a execução das obras e os benefícios que os mesmos colhem das ínfimas rendas que auferem, no montante de 25,50€ por mês. Neste enquadramento, sustentam ser óbvia a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pela Contrainteressada e o sacrifício que lhes é imposto, sendo essa desproporcionalidade nítida, abusiva e intolerável. Vejamos. O respeito pelo princípio da proporcionalidade no contexto de qualquer atuação da Administração Pública, decorre desde logo do artigo 266.º, n.º 2 da CRP e do artigo 7.º do CPA, disposição esta de acordo com a qual: “1. Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos. 2. As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar.” Trata-se de um princípio que constitui um critério geral de toda a atuação administrativa, não se impondo apenas nas decisões que colidam com os direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares. Significa tal que « o princípio vale não apenas como instrumento de tutela dos particulares perante decisões desproporcionadas da Administração que os afetam mas também como instrumento de tutela das posições da própria Administração nas relações estabelecidas com os particulares na medida em que o viola uma decisão que seja desproporcionadamente favorável àqueles em detrimento do equilíbrio de interesses que deve nortear toda a atividade administrativa»- cfr. Luís Cabral de Moncada, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado, 3.ª Edição, pág.95-96. O princípio da proporcionalidade assume especial relevância nas situações em que a Administração tem, na sua atuação, margem de escolha, conquanto limita a oportunidade ou mérito das escolhas administrativas, embora sem reduzir a zero a discricionariedade. No caso de comportamentos estritamente vinculados, o mesmo é consumido pelo princípio da legalidade. Conforme se enuncia na sentença recorrida, o princípio da proporcionalidade divide-se em três subprincípios ou dimensões, cujas designações vão doutrinalmente variando; em termos clássicos, essas dimensões correspondem à adequação, à necessidade e à proporcionalidade em sentido estrito ( veja-se na doutrina, a título de exemplo Vasco Pereira da Silva). Nesse sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05/05/2011, proferido no processo n.º 0289/10, no qual se escreveu que: “A doutrina e a jurisprudência têm afirmado que o princípio da proporcionalidade se manifesta em três dimensões essenciais: a da adequação – destinada a ajustar a medida ao fim visado e, portanto, a alcançar-se uma relação justa entre a medida e a finalidade - a da necessidade - destinada a procurar de entre as medidas possíveis a que seja menos gravosa para o atingido - e a do equilíbrio – que exige que haja uma correta valoração entre os sacrifícios que a medida vai provocar e as vantagens que dela se retiram (Vd. F. Amaral, in Curso de Direito Administrativo, pg. 127 e seg.s e Acórdãos deste STA de 21/06/2000 (rec. 38.663), de 19/03/1999 (rec. 30.896 e de 24/10/1991 (rec. 26.570).).». – cfr. também Ac. do STA de 24/02/2010, processo n.º 01171/09. Esta última dimensão, mais não é do que a proporcionalidade em sentido estrito, que exige que, mesmo sendo a medida adequada e necessária, se tenha de averiguar se vale a pena o sacrifício em que a mesma consiste, para obter o resultado pretendido; impõe, portanto, que se ponderem os interesses em presença. As duas últimas dimensões encontram, hoje, expressão no n.º 2 do art.º 7.º do CPA, já transcrito. Sobre estas dimensões, veja-se, por exemplo, Diogo Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo – volume II”, 3.ª Edição, Almedina, 2016, pp. 111/114 (sendo que o autor designa o último subprincípio por “equilíbrio”). De notar ainda, que de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, vertida no Acórdão de 06/03/2007, proferido no processo 01143/06 a violação do princípio da proporcionalidade « deve ser clara, ou seja devem existir elementos que possibilitam uma “afirmação segura e positiva da existência de tal violação”… “Não terá de ser um controle limitado pela constatação da existência de violação grosseira ou manifesta de princípios jurídicos, pois a violação não grosseira ou manifesta não deixa de ser ilegal, mas terá de ser um controle limitado pela possibilidade de afirmação segura e positiva da existência de tal violação”.». No mesmo sentido veja-se o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 12/04/2019, proferido no processo n.º 00165/17.2BEPRT. No caso em análise, os Apelantes não têm razão quando pretendem que o ato administrativo impugnado é ilegal, e que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por violação do princípio da proporcionalidade, decorrente de auferirem uma renda de baixo valor mensal como contrapartida pela cedência da utilização do imóvel em causa à Contrainteressada, e as obras a executar importarem um valor nunca inferior a €15.000,00, acrescido de IVA. Antes de mais, consideramos útil atender á fundamentação que consta da sentença recorrida: «(…) embora compreendendo a tese perfilhada pelos autores quanto à desproporção entre o valor das obras e o valor da renda mensal, não vemos razão para considerar que a decisão administrativa viole o princípio da proporcionalidade. Desde logo, cumpre aqui salientar que o Município não toma parte na relação privada que se estabelece entre os autores e a contrainteressada, sendo alheio às condições contratuais vigentes entre os mesmos. Por outro lado, a finalidade prosseguida pelo Município é eminentemente pública e, como está vinculado ao princípio basilar da legalidade, resta-lhe aplicar e cumprir a lei, no caso observando o disposto no art.º 89.º, n.º 2, do RJUE. No exercício dessa sua função pública, não pode ficar dependente das condições contratuais acordadas entre privados. De seguida, veja-se que o dever de conservação dos edifícios é imposto aos seus proprietários, com ou sem arrendamento do prédio; isso mesmo se conclui da leitura do art.º 89.º, n.º 1, do RJUE. Portanto, mesmo que o Município nada ordenasse, aquele dever de conservação já existia. E a intervenção municipal apenas se justifica quando o proprietário não cumpre aquele dever – noutros termos, se a conservação do edificado fosse espontaneamente garantida, como a lei impõe, o Município nem sequer tinha de ordenar a execução de quaisquer obras. Além disso, e sem prejuízo do acabado de dizer, mas também daí decorrente, a sujeição a obras de conservação, de acordo com o RJUE (é disso que falamos nestes autos) não está dependente do proveito económico que o proprietário (ou outro titular de direito real que assim o determine) retira do seu prédio. Até poderia suceder que o prédio se encontrasse cedido em comodato, ou até em simples cedência precária, e mesmo assim o Município não ficaria impedido de ordenar o cumprimento da legislação urbanística. Finalmente, importa também salientar que o Município preconizou apenas as obras que se mostram necessárias: uma revisão geral ao telhado (sem exigir, sequer, a sua substituição) e da respetiva caixilharia. Não exigiu obras profundas ou estruturais, mas obras minimamente indispensáveis à garantia de salubridade do prédio para o fim a que se destina. O mesmo é dizer: adotou uma postura de adequação e necessidade, bem como equilibrada, por só ter imposto os trabalhos estritamente necessários, de modo a compatibilizar a lesão do património dos autores com o interesse – público – da conservação do edificado, garantindo a sua salubridade (e, por inerência, a sua segurança, prevenindo maiores danos que, por exemplo, possam ser causados pelas infiltrações). Sobre situação com algumas semelhanças, poderá anotar-se o acórdão do TCA Norte de 12.04.2019, proferido no processo n.º 00165/17.2BEPRT (aliás, referido em contestação). Inexiste, por isso, a alegada violação do princípio da proporcionalidade.» Sobre este tema, dir-se-á que embora não deixe de impressionar o baixo valor da renda que é paga pela Contrainteressada, a verdade é que essa realidade não limita o poder da câmara municipal de ordenar, nos termos do artigo 89.º, n.º2 do RJUE, as obras de conservação adequadas a eliminar as más condições de salubridade de um imóvel, impondo a sua execução aos Apelantes proprietários, esteja esse imóvel arrendado ou não. Como bem se colhe do já citado Acórdão deste TCAN de 12/04/2019, proferido numa situação com contornos similares « haja, ou não, relação locatícia, a lei impõe ao proprietário obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos (art.º 89º, n.º 1, do RJEU); mesmo situados fora da relação pública, as regras da relação privada, como se sabe, ditam lhe (senhorio) incumbir em primeira linha essas obras para assegurar o gozo da coisa locada. Depois, também não podemos esquecer que O Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados habilita (e desde há bastantes anos) à realização dessas obras, por sua iniciativa e com disciplina repercutiva no sinalagma, na forma como o legislador, dentro da sua liberdade conformadora, entendeu dar concordância prática aos interesses dos sujeitos na relação. A consideração destes outros lugares do sistema jurídico, a nosso ver, importando a fragilidade argumentativa brandida pela recorrente, não permite acolher a tese de que faz defesa.» A decisão administrativa impugnada, proferida ao abrigo do disposto no n.º2 do artigo 89.º do RJUE é alheia às condições contratuais do arrendamento, acordadas entre os Apelantes e a Contrainteressada, pelo que, como esta última alega, é a todos os níveis, apendicular estar a considerar o valor de renda pago pela Contrainteressada com o valor que os Apelantes poderiam, em abstrato, despender com a realização de tais obras. Ao município apenas se impõe, em tais situações, agir de acordo com a legalidade, e não aquilatar das condições contratuais estabelecidas entre os proprietários do imóvel e a respetiva inquilina. Se mesmo no atual quadro legal são inúmeras as situações em que o património edificado se apresenta em mau estado de conservação por esse país fora, é caso para questionar como seria o panorama arquitetónico das nossas cidades se a administração municipal não dispusesse de mecanismos legais de pressão/imposição aos proprietários em ordem a que preservem o edificado nas condições normais de conservação, como sucederia se a sua intervenção estivesse condicionada à rentabilidade dos imoveis por parte dos seus proprietários, como seria o caso, de estarem impedidos de ordenar obras de conservação aos proprietários em relação a imoveis arrendados por valores baixos. A tese dos Apelantes, no limite, conduziria a que, como bem nota a Contrainteressada, se admitisse que mesmo que uma habitação se transmute ao longo dos anos, por falta de qualquer manutenção, num lúgubre casebre ou mesmo numa verdadeira ruína, caso o dividendo económico que os proprietários retiram não se mostre consentâneo, aqueles estariam dispensados de realizarem quaisquer obras de conservação. Por fim, sempre se dirá que os Apelante tinham, como têm, vários mecanismos de correção das rendas que recebem dos quais poderiam lançar mão. Termos em que, sem necessidade de outas considerações, se impõe confirmar a sentença recorrida, julgando improcedente o invocado fundamento de recurso ** b.5. do erro de julgamento resultante de não se perceber se as obras resultam ou não de uma conduta imputável à inquilina. Por fim, os Apelantes assacam à sentença recorrida erro de julgamento por do auto de vistoria e do conjunto dos ofícios da Ré não se extrair se as deficiências ali apontadas (“humidade em algumas paredes, principalmente na cozinha e quartos; os vão exteriores (portas e janelas) também não asseguram as boas condições de isolamento térmico”) resultam ou não da ação ou omissão da arrendatária pelo incumprimento do dever de uso prudente do locado (artigo 1043.º do Código Civil), ou se resultam da vetustez do prédio ou até se já existiam à data do arrendamento. Sem razão. Não se ignora que decorre do disposto no artigo 89.º-A do RJUE a proibição de provocar ou agravar uma situação de falta de segurança ou de salubridade, ou de provocar a deterioração do edifício ou prejudicar o seu arranjo estético, a qual recai sobre o proprietário, mas também sobre qualquer pessoa singular ou coletiva, ou seja, também sobre o inquilino. Tal como tivemos oportunidade de nos pronunciarmos no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06/03/2015, proferido no processo n.º 01552/11.5BEPRT, do disposto no artigo 89.º-A do RJUE « não decorre qualquer restrição aos poderes que o art.º 89.º, n.º2 confere à Administração Municipal, nem isenta o proprietário do imóvel degradado, da responsabilidade pela execução das obras que lhe sejam impostas nos termos desse preceito legal». Ora, na situação em apreço, é indiscutível que as obras de conservação foram ordenadas aos Apelantes no âmbito do artigo 89.º, n.º2 do RJUE e como tal, em ordem à prossecução do interesse público posto a cargo do Apelado, por ter verificado, na sequência da vistoria realizada ao imóvel em causa, que aquele carecia de adequadas condições de salubridade e que, por isso, se impunha que fossem realizadas as obras necessárias a corrigir essas anomalias. No caso, não estão em causa outros interesses que não a proteção do interesse público, posto que as obras ordenadas são necessárias a dotar o imóvel dos Apelantes de condições de salubridade que não tem. Neste enquadramento, salta á vista a irrelevância das relações existentes entre os Apelantes e a Contrainteressada ( inquilina). Como referimos no Acórdão deste TCAN, de 06/03/2015, por nós relatado: «Importa não esquecer que atendendo ao disposto nos artigos 89.º e ss do RJUE, a Administração Municipal pode, em qualquer momento, ordenar a realização de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança ou de salubridade, podendo atuar, quer a requerimento dos interessados, quer oficiosamente, por sua própria iniciativa, bastando para tal que o prédio em causa reclame obras de conservação, de forma a estancar a situação de perigo para a segurança e salubridade. Dir-se-á ainda, que a obrigação de executar as obras de conservação necessárias à reposição das condições de salubridade do imóvel será sempre do proprietário dado tratar-se de uma obrigação propter rem ou ob rem, isto é, que decorre automaticamente do estatuto de proprietário.» Estando em causa o interesse público da salubridade, afetado pelo inadequado estado de conservação do referido imóvel, constatado em auto de vistoria, como sucedeu no caso, independentemente das relações existentes entre os proprietários do imóvel em causa e quem nele habita, ou de quem provocou as deteriorações verificadas no imóvel, a Ré podia determinar aos Apelantes, na sua qualidade de proprietários do referido imóvel, a realização das referidas obras, independentemente de saber se essa degradação do imóvel foi ou não provocada por alguém em concreto, no caso, pela própria inquilina, por tal lhe ser facultado pelo n.º2 do artigo 89.º do RJUE. Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso. ** IV-DECISÃO Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmam a sentença recorrida. * Custas pelos apelantes (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC). * Notifique. * Porto, 13 de janeiro de 2023 Helena Ribeiro Nuno Coutinho Ricardo de Oliveira e Sousa |