Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00282/12.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/11/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Paulo Moura
Descritores:PROTESTO PELA REIVINDICAÇÃO; INCIDENTE CAUTELAR NA EXECUÇÃO; AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO;
BEM PENHORADO.
Sumário:I - O Protesto pela Reivindicação é um incidente cautelar que visa assegurar no processo de execução o efeito útil da ação de reivindicação pendente ou a intentar, não de ação de reivindicação já transitada em julgado, pois com o trânsito em julgado já está assegurado o direito de quem se arrogava proprietário do bem penhorado.

II - Não compete ao juiz do processo executivo pronunciar-se sobre os pressupostos da ação de reivindicação intentada ou a intentar.

III – O incidente de Protesto pela Reivindicação não é o meio próprio para discutir a qualidade em que a Recorrente foi citada, para além de também não ser o meio indicado para discutir a propriedade do bem, nem para apreciar o ato de penhora em si mesmo ou qualquer outra vicissitude da execução fiscal.
Recorrente:M.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

M., interpõe recurso da sentença que rejeitou o Protesto pela Reivindicação por falta legitimidade e de interesse em agir da Autora, para o protesto requerido ao abrigo do então artigo 910.º do Código de Processo Civil, por entender que ela já se encontra munida da sentença que visaria acautelar e não é terceiro na Execução Fiscal.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1ª Alude-se ao facto da correlação do Protesto pela Reivindicação com a Ação de Reivindicação dever ser considerada como Incidente e não como Providência Cautelar.
2ª A lei tipifica e nomina vários incidentes, como é o caso daqueles que designa como incidentes da instância, mas outros há que não são nominados e tipificados como tal.
3ª Existirão incidentes anteriores ou posteriores à sentença final, incidentes que suspendem e que não suspendem a marcha do processo principal, incidentes nominados ou inominados, e incidentes civis, laborais e penais.
4ª Com efeito, consideramos que o Protesto pela Reivindicação não apresenta a natureza de providência cautelar, porquanto as providências cautelares aparecem reguladas no Capítulo IV do Código de Processo Civil.
5ª A regra geral constante do artigo 302.º do C.P.C., amplia a tramitação-tipo prevista nos artigos 303.º e 304.º ao processamento de qualquer incidente da instância, e não apenas - como sucedia no Código de Processo Civil - aos incidentes nominados, tipificados e regulados pela lei de processo no Capítulo III, Título I, do Livro III (Cfr. Carlos Francisco de Oliveira Lopes Rego, in "Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1999, pág. 235).
6ª O âmbito do preceituado no artigo 302.° do C.P.C. estava circunscrito, na redacção anterior, aos "incidentes regulados neste capítulo"; na sua actual formulação, a tramitação-tipo, plasmada nos artigos 302.° a 304.°, foi ampliada por forma a abranger o processamento de todo e qualquer incidente, que não apenas aos incidentes da instância nominados, tipificados e regulados pela lei de processo, no capítulo em questão, tendo obtido consagração por essa forma, o que já constituía entendimento prevalente da jurisprudência.
7ª Configurando-se o Protesto pela Reivindicação como um Incidente da Instância, a sua tramitação não é a de um Procedimento Cautelar, pelo que, violou o Tribunal recorrido o artigo 302.º do Código de Processo Civil.
8ª O artigo 910º, nº 2 do C.P.C. alude à relação do protesto com uma ação judicial, sendo que tal ação judicial será, forçosamente, uma ação de reivindicação.
In casu, refere o Exmo. Senhor Juiz que no Protesto pela Reivindicação falhará o pressuposto do interesse em agir, contudo, com isto não podemos concordar, porquanto a recorrente deduziu o Protesto pela Reivindicação com o fundamento, de facto e de direito, que o prédio em causa nos autos é um bem próprio da recorrente, tal como aliás já foi decidido por sentença judicial proferida pelo Tribunal Judicial de Vila Real, no âmbito do processo n.º 1300/09.0TBVRL, 1° Juízo e transitada em julgado em 17 de Fevereiro de 2010 (Cfr. aliás certidão de sentença que oportunamente se juntou as autos).
10ª Em virtude da acção de reivindicação interposta, e já transitada, reconheceu-se como única proprietária do prédio em causa a recorrente, e assim entre o Protesto pela Reivindicação deduzido e a Acção de Reivindicação aludida existe uma verdadeira relação de prejudicialidade, porquanto está em causa nos autos a penhora de um bem que é um bem próprio da recorrente.
11ª Alude a recorrente à excepção da regra do caso julgado, constante do artigo 671.º e 672.º do Código de Processo Civil.
12ª Ora, a regra é que o caso julgado não tem efeito em relação a terceiros, até porque "as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo", de acordo com o artigo 672, n.º 1, do CPC, mas esta regra geral comporta a excecionalidade de certas situações.
13ª Com efeito, a anterior ação de reivindicação a que o Juiz alude na sua douta Sentença produzirá efeitos em relação aos presentes autos apenas na estrita medida em que é a acção de reivindicação essencial para o preenchimento dos requisitos do artigo 910º, n.º 2, I parte, do CPC, até porque não será viável à recorrente intentar nova acção de reivindicação quando já existe caso julgado sobre a matéria, pois o caso julgado de decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo posterior quando o objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) é condição para apreciação do objecto processual posterior (Cfr. Acórdão do STJ de 19.2.1998: BMJ, 474.º-405).
14ª No caso "sub judice", interpondo-se nova Ação Judicial, com o objectivo único de se reconhecer a recorrente como única proprietária do prédio em causa, existindo já decisão transitada sobre esta matéria, verificar-se-á a excepção de caso julgado nos termos do artigo 497.°, n.º 1 do CPC, pois o nosso ordenamento jurídico proíbe a repetição de uma causa, depois da primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (Ac. do STJ, de 3.2.2005: Proc. 04B4009.dgsi.Net).
15ª Para a eficácia do Protesto, a recorrente não terá que propor qualquer nova acção de reivindicação, pois a ação já interposta e transitada cumpre e preenche os requisitos do artigo 910.º do C.P.C.
Sem prescindir,
16ª Se se alegar que não existirá violação do princípio do caso julgado previsto no artigo 671.º e seguintes do C.P.C., e no 497.º, n.º 1 do CPC, por se verificar a falta do requisito de identidade de sujeitos, uma vez que no âmbito do Processo de Execução Fiscal surge como Exequente a Fazenda Nacional, a verdade é que o caso julgado pode produzir efeitos em relação a terceiros, pode ter efeitos reflexos em terceiros juridicamente interessados, ou prejudicados, apenas não o tendo em relação aos juridicamente indiferentes.
17ª Tal entendimento funda-se na doutrina, nomeadamente no Prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, l.ª ed., 706), que ensina que “a ideia de que o caso julgado não produz efeitos em relação a terceiros não significa que todos aqueles que não figuram no processo como partes possam ignorar as sentenças proferidas e transitadas nas diferentes acções, agindo como se elas não existissem na esfera das realidades jurídicas.” (sublinhado nosso).
18ª Quanto ao caso sub judicio, parece-nos que quanto aos não intervenientes a sentença transitada em julgado se impõe à Fazenda Nacional, terceira para efeitos jurídicos em relação à Ação de Reivindicação aludida e já transitada, na medida em que a Sentença não causa à Fazenda Nacional qualquer prejuízo jurídico, porque deixa intacta a consistência jurídica do seu direito, embora lhes possa causar prejuízo económico, por ser afectada a solvabilidade do devedor (Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1963, pags. 288 e segs.; Antunes Varela e J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 23 ed., págs. 726 e segs.).
19ª A Fazenda Nacional continuará a ser Exequente e a ter direito, se assim se justificar, à cobrança das dívidas fiscais. Mas não o poderá fazer à custa de bens alheios, não pertencentes à esfera jurídica do executado, ignorando inclusive a sentença referida e já transitada em julgado.
20ª Violou o Tribunal recorrido os artigos 910.º, 671.º, 672.º e 497.º, todos do C.P.C, e o artigo 1311º do Código Civil.
Subsidiariamente, caso assim não se entenda, o que não se concede e ou concebe, mais se dirá o que se segue.
21ª A recorrente sempre poderá intentar nova Acção de Reivindicação, caso se entenda que a ação de reivindicação já transitada se refere a pedido e causa de pedir diferente do presente Protesto pela Reivindicação, porquanto nos presentes autos figuram como credores/exequentes na acção executiva a Administração Tributária.
22ª Não resultou evidente, a contrario do que refere o Exmo Sr. Juiz do Tribunal a quo, que a recorrente não instaurará Ação de Reivindicação se assim for necessário, e se o Tribunal julgar não existir a exceção de caso julgado nos termos já supra explanados.
23ª Por outro lado, quanto à questão levantada pelo Exmo. Sr. Juiz que considera que a recorrente é parte, e não terceira, no Processo de Execução Fiscal, resulta evidente pelo alegado que a recorrente assume a posição de terceira relativamente ao processo de execução.
24ª E tudo porque: a recorrente não consta do título executivo como devedora ~ nem houve reversão da execução contra si, sendo as dívidas, inquestionavelmente, da exclusiva responsabilidade do executado João das Neves; o bem penhorado é um bem próprio da recorrente, pois ela é proprietária e possuidora do imóvel em causa nos autos; a penhora é incompatível com a posse e o direito da recorrente; quando a recorrente foi citada nos termos do artigo 239.º do CPPT, em 26 de Agosto de 2009, já a recorrente era divorciada e havia deduzido Embargos de Terceiro, pelo que à data da citação a recorrente já era divorciada e por isso terceira.
25ª Mais: a recorrente juntou protesto pela reivindicação do imóvel, bem como certidão permanente, escritura de permuta, certidão da sentença judicial proferida pelo Tribunal Judicial de Vila Real, no âmbito do Processo n.º 1300/09.0TBVRL, a recorrente deduziu Embargos de Terceiro, pelo que não pode deixar de se colocar, pelo menos, a forte suspeita de que o prédio em crise pertence totalmente, de facto e de direito, à recorrente.
26ª Quem adquirir um prédio numa venda sob protesto, é como se o fizesse sob a condição de poder vir a ser convencido, em acção de reivindicação posterior, de que a propriedade pertence ao reivindicante e não ao executado, até porque no presente caso não estão a ser garantidos e cumpridos todos os procedimentos que visam garantir a defesa de eventuais direitos de terceiros ao Processo de Execução.
27ª A recorrente, assumindo a posição de terceira relativamente ao processo de execução, protestou pela reivindicação da coisa, e invocou direito próprio incompatível com a venda executiva, por conseguinte não careceu de legitimidade para a dedução de Protesto pela Reivindicação nos termos do artigo 910.º do C.P.C.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve a decisão recorrida na parte aqui impugnada ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, seguindo-se os demais termos legais, assim se fazendo a costumada e boa JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de estar em causa apenas matéria de direito, por isso sendo competente a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e não este Tribunal Central Administrativo Norte.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a Recorrente pode usar o regime do Protesto pela Reivindicação na Execução Fiscal em apreço, sem prejuízo da prévia análise da competência em razão da hierarquia deste Tribunal.

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Tribunal recorrido não autonomizou a matéria de facto, tendo proferido decisão em que referiu a matéria de facto que entendeu pertinente, ao mesmo tempo que dissertava sobre o direito aplicável; o que se compreende, tendo em conta o tipo de decisão proferida (indeferimento liminar).
Para melhor compreensão da decisão, transcreve-se a mesma na íntegra:
«O protesto caracteriza-se por ser um acto jurídico, destinado a dar publicidade de que a coisa que irá ser objecto de venda em execução irá ser reivindicada pelo terceiro protestante, que assim se afirma como titular de direito próprio incompatível com a transmissão do bem em execução, ficando assim prevenidos os eventuais interessados e compradores do litígio em torno da coisa objecto de venda coerciva, dele emergindo, por outro lado, e quando esteja em causa a venda de bens móveis, que a venda e subsequente satisfação do interesse do credor exequente se faça com maiores e especiais cautelas, por forma a salvaguardar também os interesses do reivindicante (2ª parte do art.º 910º, n.º1, do C.P.C. já citado).
Sendo este o escopo e função do protesto, o mesmo tem natureza de providência cautelar (neste sentido veja-se os Acs. do STJ, de 19.01.1973, proc. 064311, e de 29.10.1991, proc. 078997, ambos com sumário disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf), mostrando-se o mesmo subordinado, sendo verdadeiramente instrumental, à acção reivindicativa pendente ou a intentar, relação esta que se mostra revelada pela circunstância de o protesto caducar se a acção de reivindicação não for intentada no prazo de 30 dias após o protesto ter sido lavrado, ou se a mesma vier a estar parada durante 3 meses, por negligência do protestante.
A este propósito cumpre evidenciar que a natureza cautelar assinalada não tem que ver com o estatuto e tramitação processual que deva dar-se ao protesto por reivindicação, mas antes com a sua natureza substantiva, atenta a função jurídica que desempenha.
Dentro desta compreensão, haverá ainda que ter presente que o protesto não se confunde com a acção de reivindicação, não servindo para a apreciação do direito a que o Requerente eventualmente se arrogue, apreciação esta que caberá somente ao juiz titular da acção (que venha a ser) proposta.
Assim, é saliente que a anulação da penhora constante do petitório da Reclamante não pode ser apreciada no âmbito da presente pronúncia, por extravasar por completo o âmbito do protesto previsto no art.º 910º do C.P.C..
Portanto, o objecto de pronúncia que cabe a este Tribunal consiste somente em determinar se deverá ser lavrado o protesto por reivindicação, tendo por referência os pressupostos legais de que o mesmo depende, atento o estatuído no art.º 910º do C.P.C., não se conhecendo do pedido de cancelamento da penhora, por tal se não mostrar compatível com a presente causa.
Compulsado o requerimento apresentado pela Autora, desde logo se verifica não resultar minimamente evidenciado que a Autora se proponha a instaurar qualquer acção de reivindicação relativamente ao bem penhorado na execução fiscal; ao invés, o articulado que apresenta evidencia, pelo contrário, que a Autora considera que o protesto deverá proceder “em virtude de ter sido proposta ação de reivindicação nos termos do amigo 910 do C.P.C., a qual já transitou em julgado e onde provou que o prédio penhorado pertence em exclusivo à Requerente”.
Sendo o articulado verdadeiro acto jurídico, ao mesmo aplicar-se-ão as regras da interpretação da declaração negocial previstas nos artºs 236 ss do Código Civil.
Ora, a literalidade do requerimento inicial não autoriza, nem consente, outro resultado exegético que não o de que o protesto é requerido pela Autora em virtude de se encontrar já munida sentença já transitada relativa a acção de reivindicação, e posto outra interpretação afrontar totalmente o elemento literal que subjaz ao acto interpretando e, como tal, juridicamente não consentida (art.º 238º do C.C.).
Assim, não se destinando o presente protesto a acautelar os eventuais efeitos de acção de reivindicação a propor pela Requerente, e tendo presente que a parte no seu articulado não se propõe a intentar qualquer acção, nem alega que acção alguma se mostre pendente, referindo, ao invés, estar munida de sentença que lhe é favorável, não existe verdadeiro interesse em agir quanto ao protesto, por faltar a possível relação de instrumentalidade entre o protesto e a acção de reivindicação (art.º 910º, n.º2, do C.P.C.), circunstância que se repercute no interesse em agir, o que determinaria, por si só, o indeferimento do requerido.
Sucede, não obstante, que existe outro, e igualmente visível fundamento para a rejeição do protesto que vem requerido.
Efectivamente, como resulta do n.º 1, do art.º 910º do C.P.C., o protesto pela reivindicação da coisa apenas poderá ser requerido por quem seja “terceiro” relativamente à execução em que irá ser efectuada a venda, aferindo-se a qualidade de terceiro pela posição processual que este ocupa no processo (neste sentido, veja-se MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., Lex – Edições Jurídicas, 1997, pág. 188).
Nesta medida, àquele que tenha estatuto de executado não permite a lei que lance mão do mecanismo de protesto em análise, e posto que, com a sua citação para o processo executivo passa a poder interferir, directa e pessoalmente, na relação jurídica processual, adquirindo assim a qualidade de parte em relação aos actos praticados na execução fiscal.
Na situação vertente, e como resulta do doc. 5 junto com o requerimento inicial, bem como de fls. 192 ss da cópia certificada do processo de execução fiscal (doravante PEF) que se encontra apensa aos presentes autos, a Requerente terá sido citada para a execução fiscal, nos termos do disposto no art.º 239º, n.º 1, do C.P.P.T..
Em face dessa citação, e independentemente da legalidade da mesma, a Requerente passou a ter o estatuto processual de co-executada, pelo que, a partir desse momento não é, nem pode ser, tida como terceira relativamente ao processo executivo.
Efectivamente, como salienta o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, Vol. IV, Áreas Editora, 2011, pág. 29) “…nas situações em que há lugar à citação do cônjuge prevista no n° 1 do presente art. 239º, deverá entender-se que, também no processo de execução fiscal, a citação tem o alcance aí indicado de colocar o cônjuge na situação de co-executado, com todos os direitos processuais atribuídos ao executado originário. (Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do STA de 12-5-2004, recurso n° 477/04, e de 25-5-2004, recurso n° 476/04)”.
Esta mesma qualidade de “co-executada” é também expressamente invocada pela própria Autora, no âmbito do recurso n.º 304/09.7BEMDL, nas suas conclusões 29- e 30- do recurso por si apresentado, onde invoca justamente essa qualidade de co-executada para sustentar a convolação em reclamação dos actos do órgão de execução fiscal dos Embargos de terceiro que havia deduzido contra a mesma penhora do prédio urbano identificada no presente protesto (cfr. fls. 273 a 281 do PEF).
Tal pretensão obteve, inclusivamente e nesta parte, provimento junto do Tribunal Central Administrativo do Norte o qual, no sobredito acórdão datado de 22 de Fevereiro de 2012, determinou a convolação peticionada, com fundamento de a Autora ter sido citada para a execução fiscal, nos termos do art.º 239º, n.º 1, do C.P.P.T., passando a ocupar a posição processual de co-executada.
Destarte, haverá que concluir que a Requerente, tendo o estatuto de co-executada, não reúne a qualidade de terceiro relativamente à execução fiscal, pelo que não lhe assiste legitimidade para o protesto por reivindicação previsto no art.º 910º do C.P.C. (em sentido convergente, ainda que relativamente ao processo de execução comum, cfr. Ac. TRP, de 20 de Fevereiro de 2002, rec.º 121, Colectânea de Jurisprudência, Tomo I - 1992, Ano VXII, pág.s 235 a 237).
Pelo exposto, impõe-se concluir pela rejeição do protesto apresentado pela Requerente, por se não mostrarem reunidos os pressupostos previstos no art.º 910º, n.º 1, do C.P.C., que legitimem o seu deferimento, o que aqui se decide.
Soçobrando a sua pretensão, é sobre a Requerente que recai a responsabilidade pelas custas, nos termos do art.º 446º, n.º 1, do C.P.C.».

DECISÃO
Nestes termos, rejeito o protesto por reivindicação apresentado pela Autora, por falta legitimidade e de interesse em agir da Autora, para o protesto requerido.
Custas pela Autora, que decaiu.

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Apreciação jurídica do recurso.

Questão Prévia – Apreciação da competência em razão da hierarquia do TCA Norte.
Segundo a Ilustre Magistrada do Ministério Público, a Recorrente apenas levanta questões de direito, como seja a decisão ter violado os artigos 302.º, 910.º, 671.º, 672.º e 497.º do CPC, assim coo o artigo 1311.º do Código Civil, por isso a competência defere-se à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
No seguimento do que acima se deixou transcrito pelo teor da decisão recorrida, verifica-se que não foi fixada qualquer matéria de facto, mas apenas mencionada alguma factualidade no decorrer do segmento discursivo da sentença.
Por outro lado, nas suas alegações de recurso, a Recorrente refere que na data da citação para a Execução Fiscal, era terceira por já estar divorciada do executado, situação esta que, para além de alegação carece de prova.
Por sua vez, as questões de direito a analisar, não estão dissociadas da matéria de facto que possa integrar esse regime jurídico, pelo que não tendo sido fixada na decisão qualquer matéria de facto, este tribunal de recurso poderá ter de se substituir ao tribunal recorrido na fixação da factualidade pertinente para a análise da causa.
Termos em que, se considera ser este Tribunal Central Administrativo Norte o hierarquicamente competente para apreciar o recurso.
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Em face do acima ficou referido, considera-se necessário dar por assente alguma matéria de facto; o que se fará de seguida.
A)
Foi instaurada a Execução Fiscal n.º 2496200401503588, contra a sociedade «M., Lda.», para cobrança de dívidas de IVA, IRC, coimas fiscais e juros de mora, à qual foram apensados outros processos executivos. (processo de execução fiscal apenso - PEF)
B)
Por despacho de 05/11/2008, do Chefe do Serviço de Finanças foi ordenada a reversão das dívidas em execução contra o gerente da executada J., o qual foi citado em 13/11/2008. (fls. 117, 119 a 121 do PEF)
C)
Aos 03/02/2009, foi lavrado Auto de Penhora do prédio urbano – terreno para construção – sito na Av. (…), registado na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 2850, inscrito na Matriz predial urbana da freguesia de (...) – Sé, sob o artigo 6356, com o valor patrimonial de € 347.110,00. (Auto de fls. 126 do PEF)
D)
Em 04/02/2009, foi elaborado ofício para citação da Recorrente, nos termos do n.º 1 do art. 239.º e para os efeitos do Código de Procedimento e Processo Tributário e do artigo 825.º do Código de Processo Civil, na qualidade de cônjuge do executado, no processo de execução fiscal n.º 2496200401503588 e apensos, por dívidas de IVA, IRC e Coimas dos anos de 2001 a 2006, com a indicação de quer foi penhorado o prédio urbano inscrito na Matriz predial urbana da freguesia e concelho de (...) sob o artigo 6356, conforme fotocópia do auto de penhora junto, tendo o respetivo aviso de receção sido assinado em 09/02/2009, por terceira pessoa. (fls. 129 e 130 do PEF)
E)
Em 28/07/2009, a Recorrente arguiu na execução fiscal a nulidade processual do ato tendente à sua citação, com fundamento no facto de não ter tido conhecimento da mesma, por não lhe ter sido comunicada por quem a recebeu. (fls. 167 a 170 do PEF)
F)
Mediante despacho proferido em 28/07/2008, pelo Chefe do Serviço de Finanças Adjunto, foi determinada a realização de nova citação, em virtude de o aviso de receção através do qual se pretendia fazer a citação da Recorrente, não ter sido assinado pela destinatária, mas pelo marido J., o que obrigava a dar cumprimento ao disposto no artigo 241.º do Código de Processo Civil, não o tendo sido. (fls. 173 do PEF)
G)
Em 29/07/2009, foi elaborado ofício para citação da Recorrente, nos termos dos artigos 220.º e 239.º do Código de Procedimento e Processo Tributário e do artigo 825.º do Código de Processo Civil, na qualidade de cônjuge do executado, no processo de execução fiscal n.º 2496200401503588 e apensos, por dívidas de IVA, IRC e Coimas dos anos de 2001 a 2006, com a indicação de quer foi penhorado o prédio urbano inscrito na Matriz predial urbana da freguesia e concelho de (...) sob o artigo 6356, conforme fotocópia do auto de penhora junto, tendo o respetivo aviso de receção sido devolvido ser qualquer assinatura. (fls. 192 e vº PEF)
H)
Em 20/08/2009, foi emitido Mandado de citação em nome da Recorrente para que se procedesse à sua citação na qualidade de cônjuge do executado, revertido na execução fiscal. (fls. 196 PEF)
I)
Em 26/08/2009, foi emitida Nota de citação por afixação na porta da residência da Recorrente, sita na Quinta (...), em Vila Real. (fls. 199 a 204 PEF)
J)
Mediante carta registada datada de 27/08/2009, o Serviço de Finanças notificou a Recorrente do seguinte: Serve a presente carta para comunicar a V. Exª que foi efetuada a sua citação no dia 26.08.2009, por meio de Nota de Citação afixada na porta do seu domicílio fiscal, em virtude de não ter encontrado na referida morada ao procura-la para efectuar essa diligência. (fls. 205 do PEF)
K)
Em 10/08/2009, a Recorrente deduziu Embargos de Terceiro, invocando que o prédio penhorado, em apreço nos autos, era apenas da sua propriedade. (fls. 207 a 225 do PEF)
L)
Os Embargos de Terceiro foram rejeitados por não se considerar a Recorrente terceira, em virtude de ter sido considerada citada para a execução fiscal em 26/08/2009, mas foi ordenada a convolação em Reclamação de Decisão do Órgão de Execução Fiscal – vide acórdão do TCA Norte de 22/02/2012. (a fls. 273 a 281 do PEF)
M)
No dia 12/08/2009, na Conservatória do Registo Civil de Sabrosa, a Recorrente divorciou-se por mútuo consentimento, tendo apresentado como Relação de Bens Comuns do Casal o Prédio urbano composto de parcela de terreno para construção, designado por Lote 55, sito em (…), descrito na CRP de (...) sob o n.º 2850 e inscrita na matriz sob o artigo 6353, com o valor patrimonial de € 83.996,50. (fls. 10, v.º e 11 do proc. físico; fls. 14/16 do pdf doc. da pág. 1 do SITAF)
N)
A Recorrente intentou ação de reivindicação contra J., relativamente ao prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção, Lote 55, sito em Rica Fé, Vale de Álvaro, freguesia de (...) (Sé), inscrito na Matriz predial urbana sob o artigo 6356, descrito na Conservatória do registo predial de (...) sob o n.º 2850, peticionado que fosse considerada dona e legítima possuidora, na totalidade e em exclusividade do prédio e que o mesmo era um seu bem próprio; ação que não foi contestada. (fls. 18/31 e 32/34 do proc. físico; pág. 1 do SITAF)
O)
Mediante sentença proferida em 12/01/2010, pelo Tribunal Judicial de Vila Real, foi julgada procedente a ação de reivindicação intentada pela Recorrente, que transitou em julgado em 17/02/2010 (fls. 32/34 e certidão de fls. 12 do proc. físico; pág. 1 do SITAF)
P)
Em 08/08/2012, a Recorrente, ao abrigo do artigo 910.º do CPC, deduziu protesto pela reivindicação na execução fiscal (fls. 3 do proc. físico; fls. 3 do pdf de pág. 1 do SITAF)
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Para melhor compreensão do regime do Protesto pela Reivindicação, transcreve-se o respetivo preceito, na redação em vigor à data dos factos, que era a do artigo 910.º do anterior Código de Processo Civil, sendo que o atual regime previsto no artigo 840.º apenas difere do anterior em relação à impossibilidade de entrega dos bens móveis, enquanto antes podia haver essa entrega. Assim, no que concerne a bens imóveis (que é o que aqui está em causa) o regime mantém-se igual, por isso a doutrina e a jurisprudência tirada do atual artigo 840.º, é válida para o então artigo 910.º do CPC, que se passa a transcrever.
«ARTIGO 910.º (Cautelas a observar no caso de protesto pela reivindicação)
1 - Se, antes de efectuada a venda, algum terceiro tiver protestado pela reivindicação da coisa, invocando direito próprio incompatível com a transmissão, lavrar-se-á termo de protesto; nesse caso, os bens móveis não serão entregues ao comprador senão mediante as cautelas estabelecidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 1384.º e o produto da venda não será levantado sem se prestar caução.
2 - Se, porém, o autor do protesto não propuser a acção dentro de 30 dias ou a acção estiver parada, por negligência sua, durante três meses, pode requerer-se a extinção das garantias destinadas a assegurar a restituição dos bens e o embolso do preço; em qualquer desses casos o comprador, se a acção for julgada procedente, fica com o direito de retenção da coisa comprada, enquanto lhe não for restituído o preço, podendo o proprietário reavê-lo dos responsáveis, se houver de o satisfazer para obter a entrega da coisa reivindicada.»
De forma a apreender melhor o regime do Protesto pela Reivindicação, citemos alguns autores que se pronunciaram sobre o tema.
Desta forma, o Prof. Alberto do Reis na sua obra Processo de Execução, 2.º vol., Coimbra Editora (reimpressão 1985), analisa o regime a partir da pág. 452 e ss., ainda que por referência aos artigos 910.º e 911.º do CPC de 1939, verifica-se identidade dos regimes. Assim, a págs. 453, 454, 455, 456, 460, 463, 465 e 466 diz:
«Violação da propriedade. O proprietário dos bens penhorados não se socorreu dos embargos de terceiro – meio mais simples – ou porque não estava na posse dos bens, ou porque deixou passar o prazo legal (art. 1037.º).
Nem por isso fica desarmado. Pode, em qualquer altura, fazer valer o seu direito de propriedade, propondo acção de reivindicação dos bens penhorados.
Quando dizemos «em qualquer altura», queremos significar que a lei não fixa prazo para a propositura de tal acção. Mas é evidente que a acção será ineficaz se o proprietário ficar inerte durante o lapso de tempo necessário para o comprador dos bens os adquirir por prescrição.
(…)
Pelo facto de ter sido proposta acção de reivindicação não se segue que deva ser suspensa a execução sobre os bens, objecto da acção. Não é caso de aplicar o artigo 284.º. A execução continua a correr e os bens serão vendidos se, na altura da venda, a acção ainda não estiver decidida.
O que é natural e razoável é que do facto da pendência da acção seja dado conhecimento aos possíveis pretendentes à compra e sobretudo ao arrematante ou comprador.
Suponhamos que a acção já está em juízo à data em que se anuncia a venda e que o facto é conhecido no processo de execução. Pela mesma razão pelo que nos éditos e anúncios se há-de fazer menção de que está pendente de recurso a sentença exequenda (art. 890.º § 2.º), deve neles fazer-se saber que está pendente acção de reivindicação de determinados bens penhorados.
Se a acção foi proposta depois de anunciada, mas antes de efectuada, a venda, é claro que deve o autor ser admitido a dar conhecimento do facto no processo executivo. Assim como lhe é lícito fazer lavrar termo de protesto pela reivindicação (art. 910.º § único), por maioria de razão lhe deve ser permitido fazer constar que já propôs acção reivindicatória.
Não é necessário neste caso lavar-se termo: basta um simples requerimento em que se dê notícia da pendência e se pela a leitura no acto de venda. Para que o juiz deva deferir, importa que o requerimento seja instruído com certidão comprovativa do facto alegado.
Efectuou-se a venda; posteriormente foi julgada procedente a acção de reivindicação. É claro que a venda fica sem efeito; o comprador tem de restituir ao proprietário os bens reivindicados; entra em actividade a alínea e) do artigo 909.º.
Note-se que esta alínea está redigida em termos de ser aplicável tanto ao caso da acção de reivindicação proposta contra o comprador depois de realizada a venda, como ao caso da acção proposta, antes da venda, contra o exequente ou o executado. O que a alínea pressupõe é que a cousa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono. Estes dizeres ajustam-se aos dois casos.
Quando a acção tenha sido proposta antes da venda contra o exequente ou o executado, a eficácia da venda fica naturalmente dependente da sorte da acção; o comprador só se tornará proprietário se vier a apurar-se que o direito de propriedade pertencia ao executado, isto é, se a acção for julgada improcedente.
No caso da acção proceder, o comprador tem de largar os bens, porque, demonstrado o direito de propriedade do reivindicante, é claro que nenhum direito foi transmitido ao comprador.
A sentença proferida a favor do reivindicante na acção proposta contra o exequente ou executado constituirá caso jugado contra o comprador.
Vencida a acção pelo autor, o comprador fica na posição de evicto, visto que é privado dos bens que adquirira. Está-se perante o fenómeno jurídico da evicção (Cód. Civil, art. 1046.º).
(…)
111. Providências cautelares. No primeiro período do artigo 911.º determina-se que, tendo o proprietário feito o protesto a que se refere o § único do artigo antecedente não serão entregues ao comprador os bens mobiliários senão mediante as cautelas estabelecidas nos n.os 2.º e 3.º do artigo 1423.º e não se levantará o produto da venda sem se prestar caução.
(…)
Convém distinguir duas hipóteses:
1.ª O protesto de reivindicação diz respeito a bens imobiliários;
2.ª Os bens que o protestante se propõe reivindicar são mobiliários.
Na 1.ª hipótese não há providência alguma a tomar em benefício do reivindicante.
Com efeito o artigo 911.º manda adoptar as cautelas estabelecidas nos n.os 2 e 3 do artigo 1423.º. Ora, lendo com atenção este artigo, verifica-se o seguinte:
1) A cautela do n.º 1 respeita ao caso de os bens serem imobiliários;
2) A do n.º 2, ao caso de os bens serem papéis de crédito sujeitos a averbamento;
3) A do n.º 3, ao caso de se tratar de quaisquer outros bens, e portanto de bens mobiliários que não consistam em papéis de crédito.
E como o artigo 911.º só manda observar as cautelas mencionadas nos n.os 2.º e 3.º do artigo 1423.º, isto é, omitiu intencionalmente a cautela do n.º 1 desse artigo, impõem-se a conclusão de que, sendo imobiliários os bens, não há que tomar precaução alguma destinada a pôr o proprietário ao abrigo de qualquer risco.
Que razão teria a lei para deixar, neste caso, desprotegido o proprietário?
A razão é óbvia. Nenhum risco sério corre o proprietário em tal hipótese. Se ele reivindica bens imobiliários, como estes bens não se somem nem se ocultam, tem a segurança de que, se vencer, os bens reivindicados lhe serão entregues.
(…)
112. Extinção das providências. Como bem se compreende, as garantias autorizadas pela 1.ª parte do artigo 911.º têm como suporte a acção de reivindicação, visto serem organizadas sob a perspectiva do êxito de tal acção. Daí vem que as vicissitudes da acção reivindicatória não podem deixar de exercer influência decisiva sobre as providências adoptadas.».

Por seu turno, o Prof. Rui Pinto, na obra A Ação Executiva (reimpressão 2020), ed. AAFDL, escreve a págs. 775 e 776, o seguinte:
«II. Protesto pela reivindicação
1. A ação de reivindicação não é uma ação incidental, como sabemos. Em consequência, a reivindicação deduzida na pendência da ação executiva não tem efeito suspensivo da marcha da execução dos bens a que se refere, ao contrário do que o artigo 347.º garante aos embargos de terceiro que sejam recebidos.
Por essa razão, a lei prevê no artigo 840.º um mecanismo de proteção do terceiro reivindicante: o protesto pela reivindicação. Trata-se de um incidente cautelar, destinado a assegurar o efeito útil da ação de reivindicação, cuja propositura esteja iminente ou até já pendente, deduzida antes da venda executiva do bem, por quem não é parte na causa, invocando a titularidade de direito próprio incompatível coma a transmissão.
O incidente não impede a venda executiva, com os efeitos previstos no artigo 824.º CC, mas procura salvaguardar a sua responsabilidade, para a eventualidade de a ação de reivindicação vier a ser vitoriosa.
2. O protesto é feito por termo no processo, que será lavrado.
Dir-se-ia que se o protesto tiver de ser apreciado implicaria algum tipo de juízo antecipatório da viabilidade da futura ação de reivindicação. Por isso, seria rejeitado se esta logo se afigurasse como manifestamente improcedente.
No entanto, tem-se dito que “não é o momento em que se faz o protesto pela reivindicação que o reclamante tem que alegar os fundamentos do seu direito à revindicação como não é nessa altura que o juiz há de apreciar da existência ou não de tais requisitos” (RP 14-2-1995/ 9420955 (ARAÚJO BARROS)). Tal parece ser a melhor leitura da letra da lei: basta fazer o protesto e fazê-lo acompanhar de certidão de pendência de reivindicação, atual ou dentro do prazo de 30 dias.
Sendo admitido o protesto, o despacho do juiz determinará que os bens que sejam móveis não serão entregues ao comprador ou adjudicatário. Por outro lado, o produto da venda de qualquer bem, imóvel ou móvel, não será levantado por credor que deva ser pago, sem que este preste caução.
Portanto, como bem nota LOPES-CARDOSO, quanto aos bens mobiliários “pode haver (…) duas cauções: uma prestada pelo credor (…), para receber o preço; outra prestada pelo comprador ou adjudicatário para receber os bens”.
3. O terceiro tem, então, um prazo de 30 dias para propor a ação de reivindicação, se ainda não a propôs, sob pena de o adquirente poder requerer a extinção das garantias destinadas a assegurar a restituição dos bens e o embolso do preço ao credor que haja recebido o produto da venda.
Naturalmente que a ação de reivindicação em si mesma poderá ser sempre colocada depois desse prazo, mas o ato processual do protesto já praticado no processo executivo pode perder a sua eficácia. O prazo de 30 dias é, pois, um prazo de natureza processual, sujeito ao artigo 138º.
Idêntica cominação pode ter lugar se a ação de reivindicação pendente estiver parada por negligência do autor, durante três meses.
4. Como já escrevemos, se a ação de reivindicação for julgada procedente, como a venda ou adjudicação fica sem efeito, o terceiro pode reclamar o bem de volta ou pedir para si o preço da alienação, como previsto no artigo 839º nºs 1 al. d) e 3.
Mas à reclamação do bem por parte do dominus pode o adquirente por venda ou adjudicação opor direito de retenção da coisa comprada, enquanto lhe não for restituído o preço que pagara. Tal está-lhe garantido no artigo 840º nº 2 segunda parte.
Nessa eventualidade, o proprietário pode reaver o preço dos responsáveis, se houver de o satisfazer para obter a entrega da coisa reivindicada.
5. Por força do artigo 841º, mesmo que os bens já tenham sido vendidos sem prévio protesto pela reivindicação, o terceiro ainda pode protestar até à entrega dos bens móveis ou até ao levantamento do produto da venda. Não pode é deixar de reivindicar os bens.
Portanto, deverão ser aplicadas as mesmas medidas cautelares.».

Por sua vez, no livro A Ação Executiva Anotada e Comentada, de Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo (juízes de direito nas execuções cíveis), 3.º edição, Almedina, abril de 2021, em anotação ao atual art. 840.º do Código de Processo Civil, referem a págs. 572, o seguinte:
«O n.º 1 acautela o direito de algum terceiro, que se ache com direito à reivindicação da coisa a ser vendida, tem de apresentar protesto pela reivindicação da mesma, antes do ato de venda. Este protesto, no caso de bem imóvel, dá lugar a que seja lavrado termo de protesto que constitui, no fundo, um documento comprovativo de que esse terceiro apresentou o protesto pela reivindicação antes de ser feita a venda, reclamada pelo titular de direito próprio, incompatível com a transmissão. Quando estejam em causa bens imóveis, lavra-se o termo de protesto que será entregue ao protestante, mas a venda realiza-se na mesma. Caso os bens a vender sejam móveis e face ao perigo de dissipação dos mesmos (o que não sucede naturalmente com os bens imóveis), não são entregues ao comprador e o produto da venda apenas é levantado se for prestada caução – por apenso à execução e seguindo o regime próprio previsto nos artigos 913.º a 915.º.
Verifica-se, pois, que o protesto pela reivindicação configura uma medida cautelar que o interessado usará para precaver a sua posição relativamente ao bem em causa e tendo como referência a ação de reivindicação que intentará (designadamente ao nível da prova que terá de fazer nessa ação).
Contudo, caso o protestante (o autor do protesto, na letra da lei) se mantiver passivo na instauração da ação de reivindicação, não o fazendo no prazo de 30 dias a contar da apresentação do seu protesto, ou se, propondo-a, a ação se mantiver parada por mais de três meses por negligência sua, pode ser requerido o levantamento das garantias destinadas a assegurar a restituição dos bens (designadamente a caução) e o embolso do preço.
Caso o comprador veja julgada procedente a ação de reivindicação, fica investido no direito de retenção da coisa comprada, enquanto não lhe for restituído o preço.»
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Compete apreciar a validade dos fundamentos pelos quais foi indeferida a possibilidade da Recorrente apresentar Protesto pela Reivindicação.
O primeiro fundamento vertido na decisão recorrida sustenta-se na consideração de que a Requerente nada acautela na execução, por referir que não se propõe intentar ação de reivindicação ou tenha ação pendente, por isso refere que não se destinando o presente protesto a acautelar os eventuais efeitos de acção de reivindicação a propor pela Requerente, e tendo presente que a parte no seu articulado não se propõe a intentar qualquer acção, nem alega que acção alguma se mostre pendente, referindo, ao invés, estar munida de sentença que lhe é favorável, não existe verdadeiro interesse em agir quanto ao protesto, por faltar a possível relação de instrumentalidade entre o protesto e a acção de reivindicação (art.º 910º, n.º 2, do C.P.C.), circunstância que se repercute no interesse em agir, o que determinaria, por si só, o indeferimento do requerido.
Contrapõe a Recorrente que o Protesto pela Reivindicação não apresenta a natureza de providência cautelar, configurando-se antes como um incidente da instância, referindo-se o n.º 2 do artigo 910.º do CPC (atual artigo 840.º) à relação do protesto com uma ação judicial de reivindicação, sendo que em virtude de ação judicial de reivindicação já transitada em julgado, foi a Recorrente reconhecida como proprietária do prédio penhorado, existindo uma verdadeira relação de prejudicialidade, por estar em causa a penhora de um bem que é próprio Recorrente e produz efeitos em relação aos presentes autos, na medida em que é a ação de reivindicação essencial para o preenchimento dos requisitos do artigo 910.º, n.º 2, 1.ª parte, até porque não será viável intentar nova ação de reivindicação quando já existe caso julgado sobre a matéria, por isso a ação já interposta e transitada em julgado preenche os requisitos do artigo 910.º do CPC.
Apreciando.
No seguimento do que acima se deixou transcrito por referência à doutrina que se pronunciou sobre o regime do protesto pela reivindicação, somos a concluir que, este regime está apenas previsto para as situações em que o interessado ou tem pendente ação de reivindicação ou ainda a vai intentar. O regime não prevê que possa ser usado para as situações em que o interessado já tenha do seu lado o direito que se arroga, por força de sentença já transitada em julgado.
Conforme refere o Prof. Rui Pinto acima citado: Trata-se de um incidente cautelar, destinado a assegurar o efeito útil da ação de reivindicação, cuja propositura esteja iminente ou até já pendente, deduzida antes da venda executiva do bem, por quem não é parte na causa, invocando a titularidade de direito próprio incompatível coma a transmissão.
O incidente não impede a venda executiva, com os efeitos previstos no artigo 824.º CC, mas procura salvaguardar a sua responsabilidade, para a eventualidade de a ação de reivindicação vier a ser vitoriosa.
Por sua vez, o Prof. Alberto dos Reis refere que o regime do protesto pela reivindicação serve para dar conhecimento na execução de que alguém se arroga titular do bem penhorado, mas a execução não deve ser suspensa, precisamente por ainda não se saber o destino da ação de reivindicação que está pendente ou a intentar. Mais refere o ilustre Professor que, relativamente aos bens imóveis não há cautela alguma a tomar em benefício do reivindicante, uma vez que tratando-se de imóvel, o mesmo não se dissipa, pelo que fica assegurada a sua entrega. Ainda que esta doutrina tenha sido tirada da redação dos artigos 910.º e 911.º, dada pelo Código de Processo Civil de 1939, a mesma mantém-se válida para a situação que aqui nos interessa, que é a referente a um bem imóvel.
Por seu turno, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo referem que o protesto pela reivindicação configura uma medida cautelar para precaver a posição do interessado na ação de reivindicação a intentar.
Ora, o efeito útil da ação de reivindicação já se encontra assegurado, na medida em que essa ação já transitou em julgado. Significa isto, que já se sabe quem é o proprietário do bem imóvel, pelo que já nada há que acautelar em relação à dúvida sobre a propriedade do bem.
Veja-se, ainda sobre este assunto, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19/01/1973, proferido no processo n.º 064311; de 29/10/1991, tirado no processo n.º 078997, citados na decisão recorrida (e sumário disponível em www.dgsi.pt), assim como o Acórdão do mesmo STJ de 10/10/1989, proferido no processo n.º 078997 (também em www.dgsi.pt), cuja parte do sumário com interesse para a questão aqui em análise se transcreve:
I - O protesto pela reivindicação da coisa vendida tem a natureza de uma providência cautelar que não dispensa a acção respectiva.

Interpretando o que tem escrito a doutrina e decidido a jurisprudência, verifica-se que para as ações transitadas em julgado que decretaram definitivamente quem era o proprietário, o meio processual adequado são os Embargos de Terceiro, caso o bem tenha sido penhorado. É que o regime do protesto pela reivindicação é uma forma de acautelar até ao desfecho da ação de reivindicação, o hipotético direito do reivindicante sobre o bem.
Se o interessado já tem assegurado pela via judicial que o bem é seu, então já ninguém tem que estar a aguardar o desfecho de qualquer outra ação judicial. Desta forma, não é possível acautelar o que acautelado está.
Ocorre, assim, a falta de um prossuposto processual para usar o regime do protesto pela reivindicação, que é o da provisoriedade da tutela judicial, na medida em que o direito que se arroga, já está definitivamente estabelecido. Daí que a sentença recorrida tenha referido não haver interesse em agir, pois que se a interessada já tem assegurada, pela via judicial, a tutela jurídica do bem, já não carece de nova tutela judicial.
Para além disso, estando já assegurada através de sentença transitada em julgado, em ação de reivindicação de propriedade, que o bem em apreço é propriedade de determinada pessoa, caso haja venda do imóvel em apreço, a mesma fica sem efeito, por aplicação do regime do então artigo 909.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (atual artigo 839.º do CPC).
Em face do exposto, conclui-se que o regime do Protesto pela Reivindicação é um incidente cautelar que visa assegurar no processo de execução o efeito útil da ação de reivindicação pendente ou a intentar, não de ação de reivindicação já transitada em julgado, pois com o trânsito em julgado já está assegurado o direito de quem se arrogava proprietário do bem penhorado.
Termos em que improcede o alegado no recurso sobre a possibilidade de deduzir Protesto pela Reivindicação com base em sentença já transitada em julgado.
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Alega subsidiariamente a Recorrente, que para o caso de não se entender que a ação de reivindicação já transitada em julgado satisfaz os requisitos legais para deduzir o protesto pela reivindicação, então sempre poderá intentar nova ação de reivindicação, caso se entenda que a ação já transitada se refere a pedido e causa de pedir diferente do presente Protesto pela Reivindicação, porquanto nos presentes autos figuram como credores/exequentes na ação executiva a Administração Tributária.
Relativamente a este aspeto, compete referir, conforme ensina a doutrina e tem decidido a jurisprudência, que não é no processo executivo que tem de se aferir os pressupostos da ação de reivindicação, sejam os processuais, sejam os substantivos.
Veja-se sobre o assunto o Acórdão da Relação do Porto de 14/02/1995, proferido no processo n.º 9420955 (em www.dgsi.pt), cujo sumário é o seguinte:
I - O protesto para reivindicação, nos termos do artigo 910, n.º 1 do Código de Processo Civil, tem de ser feito por termo, não o podendo ser por requerimento.
II - Não é no momento em que faz o protesto pela reivindicação que o reclamante tem que alegar os fundamentos do seu direito á reivindicação ( só terá que o fazer na acção que vier a intentar contra todos os interessados: exequente, executado, credores com garantia real e adquirente dos bens ), como não é nessa altura que o juiz há-de apreciar da existência ou não de tais requisitos.
Em face do exposto, apenas resta dizer que não compete ao juiz do processo executivo pronunciar-se sobre os pressupostos da ação de reivindicação intentada ou a intentar, pelo que sobre a alegação subsidiária nada mais há a dizer.
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Alega, por fim, a Recorrente que deve ser considerada terceira na execução fiscal, na medida em que não consta do título executivo como devedora, não houve reversão contra si, sendo as dívidas da exclusiva responsabilidade do revertido, o bem penhorado é bem próprio da Recorrente, sendo a penhora incompatível com a sua posse e direito.
Mais refere que quando foi citada já estava divorciada e havia deduzido embargos de terceiro, por isso sendo terceira, para além de que juntou certidão judicial de que o prédio é seu, pelo que, não deixa de se colocar, pelo menos a forte suspeita de que o prédio em apreço lhe pertence.
Relativamente a este aspeto, a sentença referiu que a Recorrente não se pode considerar terceiro na execução fiscal, uma vez que para a mesma já foi citada, passando a deter a qualidade de parte, por isso não podendo lançar mão do regime do Protesto pela Reivindicação, por este apenas ser permitido a terceiros.
Apreciando.
No seguimento do que acima se deu por assente, verifica-se que a Recorrente foi considerada citada para a execução fiscal na qualidade de cônjuge do executado revertido, em 26/08/2009.
Ora, a própria Recorrente declarou, para efeitos de divórcio por mútuo consentimento, em 12/08/2009, que o imóvel em apreço nos autos era um bem comum, sendo que apenas em 17/02/2010, tal bem foi, por sentença, considerado um seu bem próprio. Portanto, na data da citação, nada constava nos autos de execução fiscal de que o bem penhorado não fosse bem comum do casal.
Por sua vez, no que concerne à invocação de que é terceira e até deduziu Embargos de Terceiro, verifica-se que por Acórdão deste Tribunal, acima narrado, foi decidido que a mesma havia sido citada, não podendo ser considerada terceira na execução fiscal, tendo até os embargos sido convolados noutra forma processual.
Resulta, ainda que a Recorrente foi citada como cônjuge do executado revertido, sendo que este incidente não é o meio próprio para discutir a qualidade em que a Recorrente foi citada, para além de que também não é o local indicado para discutir a propriedade do bem, nem para apreciar o ato de penhora em si mesmo ou qualquer outra vicissitude da execução fiscal.
Desta forma, não se podendo considerar a Recorrente como terceiro na execução fiscal, não pode lançar mão do regime do protesto pela reivindicação previsto no então artigo 910.º do Código de Processo Civil e atualmente no artigo 840.º do mesmo diploma.
Veja-se sobre o assunto, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/05/1998, tirado no processo n.º 98A1228 (www.dgsi.pt), cujo sumário segue:
I- Só padece da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º, do CPC, a falta absoluta de fundamentação da decisão; tratando-se de despacho inserto em acta, a fundamentação pode não ser explícita e basta que ela resulte do seu contexto.
II- O cônjuge executado que citado para a execução nos termos do artigo 825.º do CPC, depois de penhorado bem comum do casal, não tiver deduzido oposição de modo oportuno e eficaz, não goza de legitimidade, na altura da venda, para o acidente de protesto pela reivindicação, previsto no artigo 910.º, n.º 1, do citado Código.
Veja-se, ainda, o Acórdão da Relação do Porto de 27/11/2012, proferido no processo n.º 78/09.1TBVLP-C.P1 (www.dgsi.pt), cujo sumário segue:
I - Numa acção executiva, deve lavrar-se termo de protesto de reivindicação por um terceiro da propriedade de um bem penhorado ainda que este já tenha sido vendido, em cumprimento do disposto nos arts. 910.º e 911.º do C.P.C.
II - O protesto de reivindicação da propriedade de um bem penhorado na execução não implicará a suspensão a instância executiva, nem a paralisação das diligências tendentes à sua venda. Mas obstará a que o bem seja entregue sem que fique garantido o seu valor, designadamente através do depósito do preço à ordem da execução, o qual não haverá de ser levantado antes de decidida a reivindicação (arts. 1384.º, n.º 1, al. c) e 910.º e 911.º do C.P.C.).
Em face ao exposto, também nesta parte o recurso deve soçobrar.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I - O Protesto pela Reivindicação é um incidente cautelar que visa assegurar no processo de execução o efeito útil da ação de reivindicação pendente ou a intentar, não de ação de reivindicação já transitada em julgado, pois com o trânsito em julgado já está assegurado o direito de quem se arrogava proprietário do bem penhorado.
II - Não compete ao juiz do processo executivo pronunciar-se sobre os pressupostos da ação de reivindicação intentada ou a intentar.
III – O incidente de Protesto pela Reivindicação não é o meio próprio para discutir a qualidade em que a Recorrente foi citada, para além de também não ser o meio indicado para discutir a propriedade do bem, nem para apreciar o ato de penhora em si mesmo ou qualquer outra vicissitude da execução fiscal.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Porto, 11 de novembro de 2021.

Paulo Moura
Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos