Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01966/04.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/20/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:ÓNUS DA PROVA; PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO; VERDADE MATERIAL; DÉFICE INSTRUTÓRIO; ÓNUS DA PROVA;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I – O princípio do inquisitório ou da verdade material, consagrado nos artigos 13º, nº 1 do CPPT e 13º, nº 1 da LGT, determina que os juízes devem realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer, tenham sido alegados e sejam relevantes para a boa decisão da causa.

II – Tendo a AT efetuado as correções que originaram as liquidações em causa com base nos dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita das sociedades identificadas no RIT, os quais se presumem verdadeiros por força do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, cabe à Recorrente o ónus da prova de tudo quanto alega na sua impugnação, que seja contrário ao que subjaz às liquidações.

III - Ocorre nulidade por omissão de pronúncia se, tendo a AT anulado uma parte da dívida, respeitante a juros compensatórios, o Tribunal a quo nenhuma posição tomou relativamente ao pedido de indemnização por prestação indevida de garantia.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:M., SA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO

1.1. M.H., S.A., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 15.22.2017, pela qual foi julgada parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que se refere às liquidações de juros compensatórios no valor de € 2.148,76, e improcedente a impugnação na parte restante, por não provada, mantendo-se a liquidação de IVA n.º 04080359, referente ao ano de 2001, e as restantes liquidações de juros compensatórios.

1.2. A Recorrente M.H, S.A. terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões, após convite do STA à respetiva síntese:
«1. A factualidade vertida em Q) dos factos provados deverá reportar-se à alínea P), e não, como certamente por mero lapso de escrita ali ficou mencionado, à alínea L), pelo que importa proceder à rectificação deste erro material de escrita, nos termos do artigo 614º2 n.º 1 e 2 do CPC.
2. Não foi produzida a prova testemunhal requerida pela Impugnante.
3. Como se referiu no recurso jurisdicional interposto do Despacho de 19.09.2011, cujo teor se dá por reproduzido, existe matéria de facto que é carenciada de prova testemunhal (cfr. artigos 115º nº 1 do CPPT, 265º nº 3, 511º nº 1 e 513º do CPC, e 392º do CC).
4. Perante a alegação da AT segundo a qual a Impugnante/Recorrente teria deduzido indevidamente IVA “a partir de um documento não emitido na forma legal”,
5. a Impugnante/Recorrente alegou a factualidade constante dos artigos 26., 27., 39., 41. a 48., 50., 53., 54., 57., 58., 63., 64., 66., 71., 72., 74. a 76., 78. a 84., 86. a 88., 91., 93. a 96. e 98. a 100. PI, em resposta e mediante prévio convite do Tribunal (através de Despacho de fls. 453),
6. No entanto, através do sobredito Despacho de 19.09.2011, já recorrido nestes autos, o Tribunal a quo entendeu indeferir a produção de prova testemunhal, nos termos do artigo 113º do CPPT.
7. Segundo aquele despacho, a prova que compete à factualidade alegada pelas partes é a prova documental, razão pela qual dispensa a inquirição das testemunhas da Impugnante e da Fazenda Pública.
8. Ora, pelo menos parte da sobredita factualidade é carenciada de produção de prova testemunhal, particularmente do depoimento dos responsáveis pelos registos contabilísticos acima mencionados,
9. de molde a esclarecer o Tribunal que a dedução do IVA em causa não teve por base a cisão-fusão, qualquer “e-mail” ou “fax”, mas, simplesmente, as facturas das obras, emitidas em nome e NIF da Impugnante, pelos empreiteiros das obras realizadas os três imóveis em causa.
10. Pelo menos parte daquela factualidade não é passível de prova documental, e sim de prova testemunhal – para além de que os depoimentos das testemunhas são fundamentais como complemento da prova documental.
11. Nos termos dos artigos 114º do CPPT e 265º nº 3 do CPC, incumbe ao Tribunal realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que deve conhecer – princípio do inquisitório.
12. A produção de prova testemunhal deve ser aceite em todos os casos em Que não seja proibida por lei (cfr. artigo 392º do CC)
13. A sobredita matéria de facto elencada na PI, e a respectiva prova testemunhal, ERAM RELEVANTES PARA A DECISÃO DE MÉRITO SEGUNDO AS DIFERENTES SOLUCÕES PLAUSÍVEIS DE DIREITO.
14. A douta Sentença recorrida OMITIU COMPLETAMENTE ESTA MATÉRIA DE FACTO, padecendo, por isso, de erro de julgamento e défice instrutório.
15. O artigo 113º nº 1 do CPPT permite a dispensa de prova testemunhal quando a questão decidenda for apenas de Direito, ou, sendo-o também de facto, o processo fornecer todos os elementos necessários à decisão.
16. Contudo, isso apenas pode suceder após vista ao Ministério Público, como se extrai do teor daquele nº 1 do artigo 113º do CPPT – o que não foi o caso.
17. Por força do disposto no artigo 115º nº 1 do CPPT, em processo impugnatório devem ser aceites os meios gerais de prova, designadamente testemunhal.
18. Por outro lado, a douta Sentença omitiu a esmagadora maioria da prova documental produzida pela Impugnante/Recorrente.
19. Prova documental, essa, comprovante de matéria de facto que, por isso, deveria ter sido dada por provada – dado que essa prova documental não foi impugnada pela FP.
20. Assim, e para além do mais, ocorreu uma nulidade processual, já que a omissão probatória e factual é susceptível de influir na decisão da causa (cfr. artigo 195º nº 1 do CPC) – que tem como consequência a anulação dos termos subsequentes, designadamente da douta Sentença aqui recorrida (artigos 195º nº 2 do CPC e 98º nº 3 do CPPT).
21. Para além disso, a douta Sentença recorrida, ao omitir a factualidade acima discriminada, padece de erro de julgamento da matéria de facto, por omitir factos relevantes para a decisão de mérito.
22. Conforme prova documental produzida, a Impugnante era anteriormente designada como “M.H.”.
23. Quanto aos períodos de imposto em causa – e, aliás, em relação a todos os períodos de 2001 – a Impugnante auto liquidou sempre crédito de IVA a recuperar, que sempre reportou para os períodos de imposto subsequentes, ao abrigo do artigo 22º nº 4 do CIVA.
24. Não auto liquidou imposto a pagar ou a reembolsar.
25. Ora, não é possível exigir imposto adicional e juros compensatórios quando não está em falta qualquer imposto nos cofres do Estado.
26. Nos períodos mensais de imposto em causa, a correcção efectuada pela AF apenas implica a diminuição do crédito de IVA a recuperar reportável para o período de imposto subsequente, permanecendo a Impugnante em crédito de imposto relativamente a esses períodos de imposto – ainda que, por mera hipótese, se considerasse devida a correcção efectuada pela AT.
27. Dos artigos 82º nº 1, 87º nº 1, 89º nº 1 e 96º nº 1 do CIVA, e 35º nº 1 e 2 da LGT extrai-se que qualquer liquidação adicional de IVA ou juros compensatórios pressupõe que tenha havido (prévia) liquidação de imposto devido e que esta haja sido insuficiente, ou então que o contribuinte haja beneficiado de reembolso superior ao devido.
28. Assim considera a própria AT, designadamente na Informação nº 78-ADP/2015, de 29.09.2015, fls. 13 a 16, da Unidade dos Grandes Contribuintes, averbada de Despachos concordantes da AT de 29.09.2015, cuja cópia aqui se junta como doc. 1.
29. E é este o entendimento dos próprios Serviços do IVA, conforme pontos 27 a 30 do Despacho exarado na informação nº 1309, de 3 de Maio de 2003.
30. Por imposição dos princípios da igualdade, boa-fé, segurança jurídica, protecção da confiança e legítimas expectativas dos contribuintes (artigos 6º e 10º do CPA, 55º da LGT e 266º nº 2 da CRP), a doutrina interpretativa da AT é juridicamente vinculativa para a própria AT, nos termos dos artigos 68º-A da LGT e 55º do CPPT.
31. Ora, não se verificou in casu qualquer autoliquidação de dívida de IVA e a Impugnante não solicitou qualquer reembolso de IVA.
32. Tendo a AT incorrido igualmente em errada quantificação da matéria tributável e do imposto (IVA e JC) – que, como ilegalidades que são, conduzem de igual modo à anulação das liquidações de imposto impugnadas (cfr. artigo 99º a) do CPPT).
33. A douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento e violação das sobreditas disposições legais.
34. Contrariamente ao decidido, as liquidações padecem de erro sobre os respectivos pressupostos de facto e consequente vício de violação de lei.
35. Ao contrário do afirmado no relatório inspectivo, não se verificou qualquer transferência de qualquer crédito de IVA da sociedade “M.C.H. para a Impugnante, muito menos “a título de suprimentos”.
36. Com efeito, nunca a M.C.H. poderia transferir para a Impugnante um saldo de uma conta (IVA a recuperar da Fazenda Pública) que nunca poderia ter recebido, da Impugnante ou de qualquer outro agente económico.
37. Na cisão-fusão, as partes visaram transferir para a M.C.H. apenas a parte do património que, no seio da Impugnante, estava afecto à actividade de comércio a retalho em supermercados e hipermercados,
38. aí formando, dessa forma, uma unidade económica susceptível de ser destacada do património da Impugnante e incorporada no património da M. C. H (cfr. artigo 124º nº 1 b) do CSC).
39. Ficando a Impugnante apenas com o seu património imobiliário, com todos os activos e passivos inerentes e relacionados com esse património imobiliário, alterando a sua actividade (e concomitantemente a sua designação) para o exercício da actividade imobiliária.
40. Contudo, por mero lapso contabilístico das partes, decorrente da elevada complexidade da operação, que envolveu várias sociedades, a M.C.H. acabou por contabilizar na sua contabilidade uma parte do saldo de uma conta (“268 – Devedores e Credores Diversos”) que deveria ter permanecido na contabilidade da Impugnante.
41. Com efeito, a parte do saldo da conta em causa, subdividida por 3 imóveis (imóveis de P…, O…. e F….), representava o montante de IVA que até então havia sido facturado à Impugnante (e por esta suportado) em fornecimentos de bens e serviços respeitantes àqueles imóveis, à data ainda em fase de construção.
42. IVA, esse, que assim estava contabilizado e individualizado por forma a evidenciar os montantes de IVA suportados em relação a cada um dos imóveis,
43. com o propósito da Impugnante exercer no futuro o seu direito de dedução ou reembolso desse IVA por referência a cada um dos imóveis quando se reunissem as condições legais para o efeito.
44. Com efeito, o valor em causa representava IVA a recuperar do Estado, registado individualmente e afectado a cada um dos imóveis em causa (“afectação real”, portanto), conforme prescrito pelos artigos 12º nº 4 e 5 do CIVA e 5º nº 1 do DL 241/86, de 20/9.
45. O procedimento contabilístico seguido pela Impugnante representava o cumprimento escrupuloso da lei e as necessidades de controlo interno rigoroso da totalidade de custos e proveitos imputáveis a cada um dos imóveis em construção.
46. A AT não é capaz de invocar uma única disposição legal que contrarie ou coloque em crise os procedimentos contabilísticos e declarativos seguidos pela Impugnante ao nível do IVA.
47. A complexidade e grandeza dos valores envolvidos foi de tal ordem que exigem necessidades acrescidas de controlo interno rigoroso.
48. Estavam em causa sociedades em relação de coligação com sociedades cotadas na Bolsa, objecto de supervisão, designadamente pela CVM, e de revisão legal de contas, com investidores extra grupo, a quem têm de ser prestadas contas fidedignas e detalhadas.
49. O direito de dedução deste IVA suportado a montante apenas seria exercido se e quando se reunissem as condições legais para o efeito (e dentro do prazo limite previsto no nº 2 do artigo 91º do CIVA), designadamente a conclusão da construção dos imóveis e a realização das correspondentes operações imobiliárias a jusante com liquidação de IVA,
50. nos casos em que tal fosse necessário – venda ou arrendamento dos imóveis - mediante renúncia à isenção de IVA, nos termos dos artigos 9º nºs. 30 e 31, 12º nºs. 4 a 7 e 20º nº 1 a) do CIVA e artigos 4º, 5º nº 1 e 7º do DL 241/86, de 20/8.
51. Assim, estamos perante um mero saldo contabilístico representativo de IVA a recuperar do Estado, liquidado pelos fornecedores da Impugnante nos fornecimentos de obras e serviços pela mesma adquiridos para a construção dos ditos imóveis, imóveis estes que permaneceram na titularidade da Impugnante.
52. Por outro lado, em direito tributário vigora o princípio da indisponibilidade, ou seja, os créditos e obrigações tributárias dos agentes económicos não são susceptíveis de transmissão (cfr. artigos 29º e 30º nº 1 c) e nº 2 da LGT).
53. O contribuinte não pode “negociar” o seu direito de dedução de IVA com terceiros.
54. Os créditos de IVA sobre a Fazenda Pública são inclusivamente insusceptíveis de penhora, conforme previsto pelo DL nº 122/88, de 20/4.
55. Pelo que não houve qualquer intenção de “passagem” ou “trânsito” do saldo da referida conta da Impugnante para a M.C.H., fosse antes da fusão, fosse depois.
56. Muito pelo contrário, a intenção foi sempre que esse saldo contabilístico permanecesse na contabilidade da Impugnante, por nesta deverem ficar os activos e passivos relacionados com a actividade imobiliária, como era o caso do saldo contabilístico de IVA a recuperar aqui em causa.
57. É possível e legítimo introduzir alterações contabilísticas a posteriori, mediante operações contabilísticas internas, feitas em cada uma das sociedades, para corrigir erros ou lapsos contabilísticos anteriores – na M.C.H.., crédito da conta 268; na Impugnante, débito da conta 268; em ambas, por contrapartida da conta 25.
58. Com estes lançamentos contabilísticos internos (estornos) em cada uma sociedades repôs-se a legalidade e o registo contabilístico do referido saldo de IVA a recuperar na esfera do ente jurídico de onde nunca deveria ou poderia ter saído – a Impugnante.
59. Não se vislumbra qualquer documento “sob a forma de fax, emitido em 04-02-2000 pela M. dirigido ao actual responsável da M.”.
60. Se a AT porventura se refere ao “e-mail” junto ao relatório como “anexo I”, embora aí se fale de facto em suprimentos, é falso que alguma vez o procedimento contabilístico de rectificação se tenha traduzido em “converter a quantia envolvida em pretensos suprimento”.
61. A conta 25, quer na esfera da Impugnante, quer na esfera da M., não respeita a “suprimentos”, mas sim a “Accionistas (Sócios) – Empr.Grupo – Operações”.
62. Assim, a quantia em causa não foi “convertida” ou “ficcionada” como suprimentos, nem a operação de rectificação em questão envolveu “suprimentos” – que, aliás, nos termos da lei apenas podem ter por objecto dinheiro ou outra coisa fungível, o que manifestamente não era o caso de um mero saldo contabilístico de IVA a recuperar do Estado (cfr. artigo 243º do CSC).
63. O que houve foi uma cisão-fusão da Impugnante na M.; não quaisquer suprimentos ou reembolso de suprimentos da Impugnante à M. ou desta à Impugnante.
64. Fala-se em “suprimentos” no dito e-mail tão só porque se tratou de operações contabilísticas reflectidas entre sociedades relacionadas e pertencentes ao mesmo grupo económico (a M. era a titular da totalidade do capital social da Impugnante).
65. E jamais a Impugnante pretendia deduzir esse IVA tendo por base o dito “e-mail” (ou “fax”, como lhe chama a AT) – aliás, de conteúdo puramente pessoal e que não obriga ou responsabiliza a Impugnante, designadamente quanto à “definição da transacção” como “suprimentos”.
66. Tão pouco a dita operação de rectificação contabilística visava “aproveitar a possibilidade facultada, na óptica do sujeito passivo, do exercício do direito à dedução do IVA nos termos do artigo 19º do CIVA”.
67. Com efeito, a legitimidade da Impugnante na dedução do IVA em causa advém-lhe do facto das FACTURAS DOS FORNECEDORES (de bens e serviços relativos às sobreditas obras imobiliárias) terem sido emitidas em seu nome e NIF.
68. Facturas, essas, que preenchem todos os requisitos legais para que o IVA nelas liquidado pudesse ser deduzido pelo respectivo destinatário, a Impugnante (artigos 19º e 35º do CIVA).
69. Facturas, estas, que foram na íntegra facultadas aos funcionários da AF que fizeram a fiscalização, mas que estes omitiram no relatório inspectivo.
70. FACTURAS, essas, que, contudo, a Impugnante juntou aos presentes autos em 18.10.2010 e que NÃO FORAM IMPUGNADAS PELA FAZENDA PÚBLICAtodas elas emitidas pelos diferentes fornecedores, em nome e NIF da Impugnante, como resulta facilmente do seu teor.
71. Quem nunca poderia deduzir este IVA era a M., pois aquele respeita a IVA liquidado em facturas emitidas em nome e NIF da Impugnante.
72. Não houve qualquer “dedução importada da M. através de um fax...”.
73. Não está em causa qualquer anulação da operação, rectificação do seu valor tributável, rectificação do IVA ou rectificação dos documentos onde o IVA foi liquidado – mas tão só o estorno contabilístico interno em cada sociedade por forma a repor a situação inicial.
74. A cisão-fusão em causa é operação não sujeita a IVA, nos termos do nº 4 do artigo 3º do CIVA, estando titulada por escritura pública e não dando lugar à emissão de qualquer factura ou “documento equivalente”.
75. O dito lapso contabilístico inicial e a sua correcção posterior são de todo inócuas – daí não decorreu qualquer imposto a favor do contribuinte ou do Estado.
76. Sendo certo que os valores em causa não foram efectivamente deduzidos nos períodos de Fevereiro e Abril de 2001, mas simplesmente acumulados com o demais IVA a recuperar no futuro (a título de reporte para os períodos subsequentes).
77. Com efeito, não foi solicitado reembolso de IVA nem foram realizadas operações a jusante a cujo IVA liquidado aqueloutro IVA pudesse ser deduzido, porquanto o saldo de IVA a deduzir reportado dos períodos anteriores era mais do que suficiente para anular o valor do IVA liquidado a jusante nos períodos de Fevereiro e Abril de 2001.
78. Importa ainda não esquecer o princípio da substância sobre a forma, segundo o qual “as operações devem ser contabilizadas atendendo à sua substância e à realidade financeira e não apenas à sua forma legal” (cfr. POC, aprovado pelo DL nº 410/89, de 21/11, al. f) do capítulo 4 - Princípios Contabilísticos).
79. O direito de dedução do IVA suportado a montante não está dependente ou condicionado por quaisquer fluxos financeiros, nomeadamente dependente do pagamento da factura dos bens ou serviços adquiridos (artigo 19º nº 2 do CIVA).
80. O direito de dedução do IVA suportado a montante, como é o caso, não pode ser prejudicado por razões meramente formais ou declarativas, conforme é Jurisprudência uniforme do TJUE, e mesmo dos Tribunais nacionais.
81. O princípio da neutralidade do IVA constitui o princípio que concretiza a igualdade e neutralidade das empresas perante a tributação do consumo.
82. Em relação ao IVA trata-se do direito e mesmo obrigação de repercutir o imposto (artigo 37º nº 1 do CIVA) – como condição de justiça fiscal e de ausência de distorções concorrenciais.
83. Esta preocupação de neutralidade encontrou reflexo no texto da Sexta Directiva que procurou que a base de tributação fosse objecto de harmonização “a fim de que a aplicação da taxa comunitária às operações tributáveis conduz[isse] a resultados comparáveis em todos os Estados-Membros”.
84. O direito de deduzir o IVA suportado, nas palavras de Wolfram Reiss, é a “trave-mestra” (Herzstück) do IVA e do método subtractivo indirecto em que assenta este imposto – o qual permite libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA suportado nas suas actividades económicas, de modo a que o mesmo incida efectivamente apenas sobre o consumidor final.
85. A absoluta centralidade do princípio do direito de dedução do IVA no funcionamento do IVA obriga a que as normas fiscais sejam interpretadas no sentido em que se consiga a maior neutralidade possível.
86. A AT preferiu escudar-se em argumentos meramente formais, em lugar de tentar vislumbrar a verdade material - em violação dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material (artigo 58º do CIVA).
87. Para além disso, foram violados os princípios da justiça e da proporcionalidade (cfr. artigos 55º da LGT e 266º nº 2 da CRP) - não sendo admissível que a AT se pretenda prevalecer de argumentos meramente formais, postergando a verdade material demonstrada.
88. Os elementos formais do IVA estão ao serviço dos elementos materiais do IVA, e não o inverso – como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência do TJUE.
89. Como é JURISPRUDÊNCIA UNÂNIME, DESIGNADAMENTE DO TJUE, o direito de dedução do IVA suportado a montante apenas pode ser negado caso haja evidência de conluio fraudulento entre as partes intervenientes, tendo em visa a evasão ilegal ou aproveitamento fiscal – o que não é o caso, como é óbvio.
90. Ainda no mesmo sentido – da absoluta necessidade do respeito do direito de dedução do IVA, à luz do direito comunitário – pode ver-se a Informação nº 41, de 19.04.1996, do Gabinete do Subdirector-Geral do IVA, sancionada por Despacho concordante da DGCl/SEAF, de 28.07.1997.
91. Chama-se a atenção para a vinculação legal da AT “às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estiverem em vigor no momento do facto tributário (artigos 68º-A nº 1 da LGT e 55º do CPPT) – por força do princípio geral da boa-fé, da segurança jurídica e da protecção da confiança e das legítimas expectativas dos contribuintes, consignados, designadamente, nos artigos 10º do CPA e 266º nº 2 da CRP.
92. Para se proceder correctamente à qualificação de uma operação para efeitos de IVA é necessário olhar para a materialidade dos factos, para a sua substância económica – e não, como faz a AT, limitando-se aos formalismos.
93. O princípio da prevalência da substância sobre a forma é aliás um princípio basilar do direito fiscal - veja-se designadamente o artigo 11º nº 3 da LGT, do qual decorre que na interpretação das normas fiscais sobre incidência tributária deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
94. O legislador foi sensível a esta realidade, ao estabelecer também no artigo 362 nº 4 da LGT que “a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária”,
95. uma vez que a tributação visa os efeitos económicos pretendidos pelas partes, independentemente da sua forma ou eficácia jurídica (artigo 38º nº 1 da LGT).
96. No caso de fusão, a Jurisprudência nacional tem considerado que os créditos de IVA da sociedade fundida são passíveis de transmissão para a sociedade incorporante, conforme resulta das decisões cujas cópias aqui se juntam agregadamente como doc. 3.
97. A douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento e violação das sobreditas normas e princípios legais.
98. Conforme requerimento apresentado nestes autos em 09.12.2004, a Impugnante/Recorrente requereu, ao abrigo dos artigos 171º do CPPT e 53º da LGT, o reconhecimento do direito de indemnização pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção de garantia bancária destinada a suspender o processo de execução fiscal decorrente das liquidações adicionais de IVA e JC aqui impugnadas.
99. Ora, a douta Sentença recorrida não emitiu qualquer pronúncia sobre esta questão.
100. Nem a sua apreciação estava prejudicada pelas soluções dadas às demais questões.
101. Sendo que a AT, na pendência dos presentes autos, anulou parcialmente as liquidações de JC, por vício de violação de lei – conforme resulta da factualidade provada e dos demais sinais dos autos –, pelo que, ao menos neste segmento, a Impugnante/Recorrente teria sempre aquele direito indemnizatório.
102. Assim, a douta Sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 125º nº 1 do CPPT, 608º nº 2 e 615º nº 1 d) e nº 4 do CPC.
103. Uma vez que as liquidações padecem dos aludidos erros de facto e de Direito, a Impugnante/Recorrente tem direito ser indemnizada pela totalidade dos encargos incorridos com a garantia que foi forçada a prestar em decorrência destas mesmas liquidações, nos termos dos sobreditos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., declarando a nulidade e/ou revogando a douta Sentença recorrida, julgando a presente Impugnação integralmente procedente, com a consequente anulação das liquidações aqui impugnadas e reconhecendo à 1mpugnante/Recorrente o direito de ser indemnizada pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção da garantia bancária em questão, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA.
Mais se requer a subida do recurso interposto do sobredito Despacho de 19.09.2011, que indeferiu a prova testemunhal.».

1.3. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4. O DMMP junto deste Tribunal emitiu parecer em concordância com o emitido pelo M.ºP.º junto do STA, este último com o seguinte teor:

«I. Objecto do recurso.
1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo TAF do Porto, que julgou improcedente a ação de impugnação intentada contra o ato de liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios, no valor de € 43.546,09, € 5.743,23 e € 1.678,78 euros, respetivamente.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por considerar que o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 113º do CPPT, e violação do disposto nos artigos 511º, nº1, e 513º, ambos do Código de Processo Civil.
Para o efeito alega que «a M.C.H. acabou por contabilizar na sua contabilidade uma parte do saldo de uma conta (“268 – Devedores e Credores Diversos”) que deveria ter permanecido na contabilidade da Impugnante» e que «estamos perante um mero saldo contabilístico representativo de IVA a recuperar do Estado, liquidado pelos fornecedores da Impugnante nos fornecimentos de obras e serviços pela mesma adquiridos para a construção dos ditos imóveis, imóveis estes que permaneceram na titularidade da Impugnante».
Mais alega que «mesmo a admitir-se, por mera hipótese, como legítima a correcção efectuada, nem assim existiria imposto em falta que legitimasse qualquer liquidação adicional de IVA ou, muito menos, qualquer liquidação de juros compensatórios».
Conclui, assim, que «a douta Sentença padece de erro de julgamento e défice instrutório, com o consequente erro omissivo no julgamento da matéria de facto - decorrente da indevida dispensa da prova testemunhal e indevida omissão da prova documental produzida pela Recorrente, uma e outra absolutamente relevantes para a decisão de mérito». E que «tendo sido negada a produção de prova testemunhal oportuna e legitimamente requerida pela Impugnante/Recorrente, ocorreu uma nulidade processual, já que essa omissão é susceptível de influir na decisão da causa (cfr. artigos 195º nº 1 do CPC)»,
Mais acrescenta que «...não é possível que se esteja a exigir imposto adicional e juros compensatórios quando não está qualquer imposto em falta. É que, nos períodos de imposto em causa, a correcção efectuada pela AF apenas implica a diminuição do valor do reporte, i.e. traduz-se numa mera diminuição do crédito de IVA a recuperar reportável para o período de imposto subsequente».
E termina pedindo a revogação da sentença.
II. Análise do Recurso.
A questão que se vem suscitada pela Recorrente consiste em saber, em primeiro lugar, (i) se a sentença incorreu em erro de julgamento, ao ter dispensado a produção de prova testemunhal, impedindo desse modo a recolha de elementos probatórios para a comprovação dos factos pertinentes à decisão da causa; E em segundo lugar, (ii) se tendo no período em causa o sujeito passivo registado crédito de imposto a seu favor, haveria ou não lugar a liquidação adicional de IVA e liquidação de juros compensatórios.
1. QUANTO À PRIMEIRA QUESTÃO: ERRO DE JULGAMENTO.
1.1 Para se decidir pela improcedência da ação considerou o tribunal “a quo” que o único documento de suporte para fundamentar a dedução do IVA que foi objeto de correção por parte da Administração Tributária é um documento interno (email), o qual não reúne os requisitos enunciados no nº5 do artigo 35º do CIVA. Concluiu, assim, o tribunal “a quo” que «Não tendo sido exibidos tais documentos de suporte e baseando-se, além do mais, toda a operação em movimentos contabilísticos sustentados por documentos de suporte internos que não cumprem o disposto nos artigos 19º nº 2 e 35º nº5 do CIVA, a mesma é legalmente inadmissível».
Mais se acrescenta que «em reforço da tese propugnada pelo Relatório de Inspeção Tributário, acresce que, e como é ali referido, além da referência explicita aos suprimentos concedidos e obtidos entre a M. e a Impugnante no documento constante do anexo 1, o RIT refere o pagamento efetuado pela M. à Impugnante através de cheque do B…, com o nº 1403282, indiciando-se na realidade a inexistência de qualquer intenção em regularizar IVA dedutível».
1.2 Na sentença recorrida deu-se como assente a este propósito que a AT (cuja fundamentação consta do relatório dos SIT, superiormente sancionado), considerou que “em 2001, a empresa deduziu IVA no montante de esc. 8.730.208$00 (€ 43.546,09), a partir de um documento não emitido na forma legal de acordo com o estatuído no art. 35º do CIVA, pelo que nos termos do nº2 do art. 19º do mesmo Código, não confere direito à dedução o imposto mencionado no referido documento”.
Para tanto invocou a AT que os Serviços de Inspeção constataram, pela análise de documentação eletrónica trocada entre a “M.C.” e a “M.H”, que na sequência de uma troca de registos contabilísticos aquando de uma anterior operação de fusão-cisão, ambas as empresas decidiram regularizar a situação através da transferência para a segunda dos valores da “conta 268“, que haviam por engano transitado para a primeira e que respeitava a valores de IVA suportado com a construção de imóveis, transferência essa que foi realizada como se de suprimentos se tratasse e tendo como contrapartida a emissão de cheque a favor da M.C.
Para se decidir pela improcedência da ação nesta parte o tribunal “a quo” teceu as seguintes considerações:
«... constata-se que o documento interno (e-mail), enviado pela M.C. à Impugnante, consubstancia na realidade, o documento de suporte do IVA deduzido pela Impugnante e de onde constam ainda as operações contabilísticas internas de regularização de IVA entre empresas do mesmo grupo mas sem observância dos requisitos enumerados no nº 5 do artigo 35º do CIVA (nomeadamente não contém os nomes e identificações fiscais do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto, especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, preços líquidos de imposto, etc), sendo que pendia sobre a Impugnante, aquando da realização da inspeção tributária e não a posteriori, o ónus de demonstração de que o(s) documento(s) de suporte do IVA por si deduzido naquele período havia(m) respeitado o supra citado preceito legal.
Não tendo sido exibidos tais documentos de suporte e baseando-se, além do mais, toda a operação em movimentos contabilísticos sustentados por documentos de suporte internos que não cumprem o disposto nos artigos 19º nº 2 e 35º nº5 do CIVA, a mesma é legalmente inadmissível» (sublinhados nossos).
Ou seja, o tribunal “a quo” confirmou o entendimento da Administração Tributária, vertido no relatório dos Serviços de Inspeção, no sentido de que a impugnante e aqui Recorrente assentou a dedução do IVA objeto de correção em documentos internos, que não reúnem as caraterísticas exigidas pelos artigos 19º nº 2 e 35º nº5 do CIVA, para efeitos dessa dedução.
1.3 Nas suas alegações de recurso a Recorrente assenta a sua divergência com esse entendimento no argumento de que a correspondência trocada entre a “M.C” e a “M.H.” se destinou apenas a corrigir um erro contabilístico. Que o IVA deduzido respeita a bens e serviços fornecidos à “M.H.E.” respeitantes à construção de imóveis, que aquando da cisão-fusão ainda se encontravam na fase de construção e que passaram para o seu ativo, e que encontra suporte na documentação (faturas) exibida aos serviços de fiscalização.
Mais alega que “existe matéria e facto relevante para a apreciação de mérito que é carenciada de prova testemunhal” que ofereceu, mas que o tribunal dispensou, motivo pelo qual conclui que a sentença padece de erro de julgamento e défice instrutório.
1.4 A questão que se coloca é de saber se se impunha ao tribunal “a quo”, em face dos elementos vertidos na petição inicial e tendo em consideração a causa de pedir e o pedido formulado pela impugnante, alargar a base factual em ordem ao conhecimento do vício imputado ao ato tributário sindicado.
Decorre da petição inicial – artigo 83º e seguintes – que a impugnante e aqui Recorrente invocou como causa de pedir o facto de o imposto deduzido (IVA) respeitar a bens e serviços utilizados na construção de imóveis que com a operação cisão-fusão passaram para a sua esfera jurídica e constar de faturação emitida em seu nome. E que os valores em causa não foram deduzidos em Fevereiro e Abril de 2001, mas acumulado com o demais IVA a recuperar no futuro.
Ora, o tribunal “ a quo” não fixou qualquer matéria de facto a este respeito, pois limitou-se a reproduzir o relatório dos Serviços de Inspeção e as informações dos Serviços Tributários. Por outro lado a conclusão retirada pelo tribunal “a quo” de que não foram «...exibidos tais documentos de suporte e baseando-se, além do mais, toda a operação em movimentos contabilísticos sustentados por documentos de suporte internos ....» não tem qualquer suporte na matéria de facto fixada1.
1 Sendo certo que os Serviços de Inspeção também não fazem no relatório qualquer alusão à falta de exibição de faturação a respeito desse imposto, pois centram-se apenas na correspondência trocada entre as duas empresas e nas operações contabilísticas das contas 25 e 268.
Assim sendo, afigura-se-nos que, independentemente das irregularidades que possam ter sido cometidas nas operações contabilísticas realizadas pelas duas empresas, impunha-se que o tribunal “a quo” esclarecesse se o valor do IVA em causa e inscrito na conta 268 respeitava ou não a bens e serviços fornecidos no âmbito da construção dos imóveis que tinham passado para esfera jurídica da impugnante e se estas operações estavam ou não suportadas em faturas que reuniam os requisitos do artigo 35º do CIVA (atual 36º) e em que período o mesmo foi declarado à AT para efeitos de dedução (ou de reporte).
Entendemos, assim, que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, por défice instrutório, que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua revogação, julgando-se prejudicado o conhecimento das demais questões, e determinando-se a baixa dos autos para efeitos de ampliação da matéria de facto, e realização das diligências que se afigurarem necessárias a essa ampliação.».
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Dispensados os vistos prévios, nos termos do artigo 657º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de défice instrutório, bem como de erro de julgamento e de nulidade, por omissão de pronúncia quanto ao pedido de indemnização pela prestação e manutenção de garantia indevida.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
A) A Impugnante é uma sociedade anónima e para efeitos de IVA, encontrava-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal pelo exercício da atividade de “Compra e Venda de bens imobiliários” – cfr. Relatório de inspeção junto ao PA apenso;
B) Por despacho da Direção de Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária, foram emitidas as ordens de serviço nº 03/1/293 e 03/1/294, ambas de 03.10.2003, para realização de procedimento de inspeção externa à Impugnante, abrangendo o IVA dos exercícios de 2000 e 2001 - cfr. fls. 60 do PA apenso aos autos;
C) O procedimento inspetivo teve início em 07-10-2003 – cfr. Fls 60 do PA apenso aos autos;
D) Foi elaborado projeto de Relatório de Inspeção Tributário o qual foi notificado ao contribuinte para efeitos de exercício do direito de audição prévia em 03.03.2004 - Cfr. fls. 14 do Relatório de inspeção tributário– fls 71 do PA apenso aos autos;
E) A Impugnante não exerceu o direito de audição aquando da notificação do projeto de relatório, cfr. fls. 14 do Relatório de inspeção tributário – fls 71 do PA apenso aos autos;
F) Em 23.03.2004, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributário – fls 56 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por reproduzido, e que se transcreve em parte:
“(...)
Da presente acção inspectiva ao exercício de 2001 decorreram as situações seguidamente resumidas
a) Em 2001, a empresa deduziu I.V.A. no montante de 8.730.208$00 (€43.546,09), a partir de um documento não emitido na forma legal de acordo com o estatuído no artº 35º do C.I.V.A., pelo que nos termos do nº 2 do artº 19º do mesmo Código, não confere direito à dedução o imposto mencionado no referido documento.
(...)
III-2 – 1. Imposto s/ o Valor Acrescentado
(...)
IVA transferido da “M.C.” a título de suprimentos.
Como já foi referido neste relatório, no ponto III-1_1, a empresa agora sob inspecção, emergiu como consequência de um processo de cisão – fusão, segundo o qual a antiga M.H.E., S.A., cuja actividade declarada era a de comércio a retalho em supermercados e hipermercados, passou a ter como objecto social a promoção, desenvolvimento e gestão imobiliária, compra e venda, arrendamento, administração e gestão de imóveis próprios ou alheios e revenda dos adquiridos para esse fim e ainda a exploração de centros comerciais.
Em consequência da citada operação de cisão-fusão, foram transmitidos todos os activos e passivos bem como todos os direitos e obrigações inerentes à actividade transferida.
Em consequência da inscrição da cisão-fusão no registo comercial efectuado de acordo com o artº 112º do mesmo código, extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade.
(...)
Neste caso, tudo quanto havia sido deliberado consta dos balanços para o fim efectuados, estando definido quais os activos e passivos a transitar para as novas sociedades.
Ora, durante a nossa fiscalização deparámos como o facto de ter sido transitada da M.I.E. para a M.C.H. uma conta de cariz activo, a 268.
As referidas empresas vieram a constatar não ser essa sua intenção. Isto é, as empresas concluíram à posteriori da cisão fusão ter havido um lapso na passagem da referida conta.
A questão que analisámos, é a de que após a inscrição no registo comercial (artº 112 C.S.C) surgem novas sociedades impedindo-se assim de alterar o que já está devidamente enquadrado. Trata-se de um processo não reversível.
A conta 268 continha valores de I.V.A referentes a imóveis que se encontravam em construção, na antiga sociedade.
È neste contexto que no decorrer da nossa auditoria, deparámos, com a seguinte situação:
- Detectámos existir um documento sob a forma de fax, emitido em 04-02-2000 pela M.C.H. dirigido para o actual responsável da M.H.I.
Este Fax referia, que, por lapso tinha transitado para a M.C.H, aquando da cisão-fusão, a onta 268 cujo conteúdo era o I.V.A ainda não deduzido pela H.E.
Tudo se passaria como de uma concessão de suprimentos efectuada pela M.C. à M.H.I se tratasse, isto é, efectuar-se-iam os seguintes lançamentos:
Na M.C.H.
Débito 25
Crédito 268
Na M.H.I.
Débito 268
Crédito 25 (suprimentos obtidos da M.C.H)
Os edifícios em questão, respectivas quantias envolvidas com cada um são os seguintes:
F…. II 62.484 contos
O …..14.317 “
P…..9.582 “
Os dois primeiros considerados no ponto concerne à mesma problemática no exercício de 2000.
A solução proposta através do Fax que já referenciámos, era a de transferir o valor da aludida conta 268 da M.C.H. para a .M.H.I com o fim de aproveitar a possibilidade que lhe é facultada, consagrada no artigo 19º do C.I.V.A.
Porém, e como já referimos no ponto III-1-1, é o nº 2 do mesmo artigo que vem impedir esta operação quando refere, que “só confere direito à dedução, o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal.
Esta forma legal, remete-nos para o nº5 do artigo 35º do mesmo código que define quais os requisitos que deverão constar das facturas ou documentos equivalentes.
Ora, a dedução importada da M.C.H. através de um Fax não preenche quaisquer daqueles requisitos, conforme se poderá atestar pela fotocópia do citado documento que como referimos faz parte do nosso relatório.
Toda a operação é sustentada através de movimentos contabilísticos efectuados em documentos suporte internos.
(...)
DEDUÇÂO
Na conta 24322105 Estado OEP – Iva dedutível Imobilizado a débito:
DATA 30/04/2001 Doc. 52000038 6.858.125$
DATA 28/02/2001 Doc. 52000011 1.872.083$
Diferença para o valor mencionado no Fax: 851.792$
Esta diferença, tem o mesmo cariz que a verificada no edifício F… II.
A operação é finalizada com o pagamento pela M.H.I. através do cheque nº 1403282 do Banco …., à M.C.H., do montante envolvido nesta transacção e que foi ficcionado como um suprimento.
Ora se, se trata de um suprimento como a empresa decidiu, nunca se poderia pôr a hipótese de estarmos em presença de I.V.A. dedutível.
É a própria empresa que define a transacção.
Logo, o I.V.A. que foi assim considerado pela empresa não reúne os condicionalismos estatuídos no artº 19º do C.I.V.A. e assim não poderá ser deduzido pela M.H.I.
Neste caso, a correcção proposta ascende a 8.730.208$00 (€ 43.546,09) de IVA, subdividindo-se em 6.858.125$00 deduzido indevidamente em Abril de 2001 e 1.872.083$00 também indevidamente deduzido em 28 de fevereiro de 2001.
(...)
V. Direito audição - fundamentação
O sujeito passivo foi notificado em 3 de Março de 2004, para que em prazo legalmente estipulado exercer o direito de audição, que lhe é conferido pelos artigos 60º da Lei Geral Tributária e do Regime Complementar de Procedimentos da Inspecção Tributária, sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção que lhe foi entregue naquela data.
Dado que não exerceu o referido direito, mantêm-se as correcções inicialmente propostas.
Propostas
Propomos que sejam efectuadas correcções em de I.V.A. conforme indicado a seguir:
Correcção Total
Em sede de I.V.A.2000:70.988.980$00 (€354.091,54)
Em sede de I.V.A.2001:8.730.208$00 (€43.546,09)
Em sede de I.V.A.TOTAL GERAL:79.719.188$00 (€397.637,63)
(...)”
G) Em 05-04-2004 foi proferido despacho do Diretor de Serviços relativo às conclusões do relatório de inspeção Tributário do seguinte teor:

1. Concordo com as conclusões do relatório.
2. Remetam-se os autos de notícia ao S.F. competente.
3. Notifique-se o contribuinte”
- fls 56 do PA apenso aos autos;
H) A Impugnante foi notificada do Relatório de Inspeção Tributário por carta registada com aviso de receção datada de 05.04.2004 - cfr. fls. 26 do PA apenso aos autos;
I) Foram efetuadas em 06.04.2004 as seguintes liquidações:
ImpostoPeríodoNº LiquidaçãoValor (€)Data Limite Pag.
IVA200104080335943.546,0930.06.2004
J.Compensatórios0102040803571.678,7830.06.2004
J.Compensatórios0104040803585.743,2330.06.2004
- Doc. de fls. 16 a 21 dos autos (Doc.s nºs 1, 2 e 3, juntos com a PI e fls 20 a 24 do PA apenso aos autos;
J) Em 18.08.2004 foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) nº 180520040106…. em virtude do não pagamento voluntário das liquidações identificadas em I) - cfr. 75 a 81 dos autos;
K) Em 29.09.2004, nos supra referidos autos do PEF a Impugnante deu conhecimento Serviço de Finanças da … - órgão de execução fiscal, nos termos e para os efeitos do art. 169º nº 4 do CPPT, que apresentou impugnação contra as liquidações relativas à divida exequenda tendo ainda requerido, ao abrigo dos arts. 52º nº 1 e 212º do CPPT, a suspensão daquele processo (cfr. fls. 82 dos autos);
L) Por ofício do órgão de execução fiscal datado de 26.10.2004, foi a Impugnante notificada nos termos do art. 169º nº 1 do CPPT para apresentar garantia no valor de € 639.174,00 (cfr. fls. 84 dos autos);
M) Em 08.11.2004 a Impugnante prestou junto do órgão de execução fiscal garantia bancária no valor de € 639.174,00 (cfr. fls. 88 dos autos);
N) Em 18-11-2007 pelo Chefe de Divisão da Representação da Fazenda Pública foi proferido o seguinte despacho:

1. Mantenho o acto tributário de liquidação adicional nº 040803359, no valor de €43.546,09; e
2. Revogo parcialmente a liquidações de juros compensatórios, passando a subsistir pelos seguintes valores:
2.1. Liquidação nº 04080357, pelo valor de € 1.130,78;
2.2. Liquidação nº 04080358, pelo valor de € 4.142,47;
Dê cumprimento ao disposto nos nº 3 e 5 do artº 112º do CPPT.”
O) Pelo ofício nº 87354 datado de 14-11-2007 foi o mandatário do Impugnante notificado do despacho proferido em J). – fls 102 do PA apenso aos autos;
P) A Impugnante e M.C.H. acordaram retificar contabilisticamente as contas 268 de cada uma das sociedades mediante operações contabilísticas internas (artigo 71º da petição inicial).
Q) - Para regularização das contas referidas em L), foi emitido documento interno (email) pela M.C.H com destino à Impugnante, com o seguinte conteúdo:
“(...)
Em 04.02.2000, foi acordado como o Dr. … proceder (no exercício de 2000, dado que o de 1999 já estava fechado) à correcção do IVA relativo ao imobilizado (edifícios) que, no âmbito da Cisão-Fusão efectuada em Junho/99, por lapso transitou para M. na conta 268 quando devia ter permanecido em MH, da seguinte forma:
Em M.C.H. Débito 25 (suprimentos concedidos a MH)
Crédito 268
Em M.H.I Débito 268
Crédito 25 (suprimentos obtidos de M.C.H.)
Com os fechos dos projectos de investimento será transferido para a 24.
Os valores em causa são os seguintes:
F…. II 62.484 contos
O… 14.317
P… 9.582
Em M.C.H. vamos efectuar esta correcção em Fevereiro/2000. Julgo que havia toda a conveniência em M.H.I. fazer esta correcção no mesmo mês.”
- cfr. documento junto ao Anexo 1 do RIT, ínsito a fls. 74 do PA apenso aos autos;
R) Foi efetuado pagamento pela M.C.H. à Impugnante, do valor referido na operação referida no documento junto ao Anexo 1 do RIT – fls. 41 do PA apenso aos autos – através de cheque do Banco… com o nº 1403282 – cfr. RIT, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, e fls 101 do PA apenso aos autos.
S) Dá-se por reproduzida a informação que consta no PA apenso e que se transcreve em parte:
“(...)
8. Quanto à alegação de não existir imposto em falta que legitime qualquer liquidação adicional e, consequentemente, qualquer liquidação de juros compensatórios, verifica-se que:
Nos períodos de imposto a que se reporta a correcção - Fevereiro e Abril de 2001, a impugnante apurou nas respectivas declarações periódicas, créditos de imposto nos valores de 4 024 504,67 € e de 4 016 763,66 € respectivamente ( pelos Serviços do IVA foram apurados, para estes períodos de imposto, créditos de imposto de 4 013 689,65 € e de 4 005 948,64), cfr. extracto a fls. 82 e 83 dos autos.
Até ao período de imposto de Dezembro de 2001 apurou créditos de IVA (de valores superiores ao valor da correcção em causa), que foram sucessivamente reportados para períodos seguintes, cfr. extractos a fls. 84 a 91 dos autos.
Na declaração periódica de Dezembro de 2001, foi apurado imposto a pagar, no valor de 15 199,76 € (pelos Serviços do IVA foi apurado um imposto a pagar de 26 014,79 €), cfr. extractos a fls. 91 dos autos).
(..)
Não obstante ser reconhecida a indisponibilidade dos créditos e obrigações tributárias dos agentes económicos relativamente a terceiros, a impugnante e a M.C.H. procederam à correcção daquele lapso, recorrendo a uma série de registos contabilísticos, a fim de ser reposta “... a legalidade e o registo contabilístico do referido saldo de IVA a recuperar na esfera do ente jurídico de onde nunca deveria ou poderia ter saído - a Impugnante” (cfr. ponto 72. da petição).
Tais registos que envolvem, em ambas as empresas, a conta 26-subconta 268 e a conta 25, e que têm subjacentes meros documentos internos, foram efectuados tendo por base um documento que constitui o Anexo 1 ao Relatório de Inspecção, a fls. 74 dos autos. (cfr. consta explicitado do ponto III -2.1.1. do Relatório de Inspecção, a fls. 67 a 71 dos autos).
Do referido documento (designado pelos Serviços de Inspecção como “fax”, mas que a impugnante afirma tratar-se de um “mail”, facto este que não tem, no entanto, qualquer relevância para a apreciação da legitimidade da dedução do IVA em causa), extrai-se ter sido acordado entre a impugnante e a empresa M.C.H proceder à correcção do IVA suportado relativo a imobilizado, movimentando, para esse efeito, as contas 25 e 268 em ambas as empresas, nos moldes aí indicados (o que se encontra, aliás, reconhecido pela impugnante na petição inicial) Constando, ainda, do mesmo documento: “Com os fechos dos projectos de investimento será transferido para a 24.”
Em 29/02/2000, a impugnante procedeu ao débito da conta 26 por contrapartida de um crédito na conta 25, tendo por base o documento interno n.º 54000005.
Em 28/02/2001 e 30/04/2001, creditou a conta 26 pelos valores de 9 337,91 € e 34 208,18 €, respectivamente, debitando a conta 24 / subconta 24322105 - “Iva dedutível de Imobilizado”, tendo por base os documentos internos 52000011 e 52000038.
Em Fevereiro e Abril de 2001 exerceu o direito à dedução dos valores de 9 337,91 € e 34 208,18 €, respectivamente, registados na conta 24 nos moldes atrás referidos.
10. Ora, tal como se encontra referido no Relatório de Inspecção, o documento que serviu de base à dedução do IVA no valor total de 43 546,09 €, não constitui documento de suporte para efeitos do exercício do direito à dedução, nos termos do disposto no n.º2 do art.º 19.º do Código do IVA, na medida em que não contém os requisitos legalmente previstos no art.º 35.º do mesmo Diploma.
O mesmo se verificando relativamente aos documentos internos que suportam os registos contabilísticos efectuados (docs. n.ºs 52000011 e 52000038).
E, assim sendo, conclui-se ser legítima a correcção ao IVA deduzido pela impugnante em Fevereiro e Abril de 2001, no valor total de 43 546,09 €, sendo, consequentemente, de manter o acto tributário de liquidação de IVA n.º 04080359, de 06/04/2004, naquele montante.
11. Importa salientar que de tudo o que é alegado pela impugnante resulta que esta, para a correcção de um lapso cometido na transferência do saldo da conta 268, para a empresa M.C.H, no âmbito do processo de fusão-cisão, saldo esse que, alegadamente, respeitaria a IVA a deduzir pela impugnante, procedeu a registos contabilísticos traduzidos pelos documentos a que já atrás se aludiu, exercendo, dessa forma, a dedução de imposto no valor de 43 546,09 €.
12. Acresce referir que sendo o próprio documento interno, a fls. 74 dos autos, a fazer referência expressa à forma como deveriam ambas as empresas proceder à correcção do IVA relativo ao imobilizado (edifícios):
o Na M.C.H., debitando a conta 25, a título de “suprimentos concedidos a M.H.I e creditando a conta 268;
o Na M.H.I, aqui impugnante, creditando a conta 25, a título de “suprimentos obtidos de M.C.H. “ e debitando a conta 268, vem agora a impugnante alegar que, contrariamente ao afirmado pelos Serviços de Inspecção Tributária, é falso que alguma vez o procedimento contabilístico de rectificação se tenha traduzido em “converter a quantia envolvida em pretensos suprimentos”, que nos termos da lei só apenas podem ter por objecto dinheiro ou outra coisa fungível que manifestamente nunca poderia ser o caso de um saldo contabilístico de IVA a recuperar do Estado.
(..)”
_ fls 97 PA apenso aos autos;
*
FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal fundou-se no posicionamento das partes, assumido nos respetivos articulados e, na análise crítica dos documentos e informações oficiais juntos aos autos não impugnadas, bem como no processo administrativo em apenso, conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.».

Em conformidade com o requerido na conclusão 1 do presente recurso, passamos a retificar o ponto Q) da factualidade provada, nos termos que seguem:
Q) - Para regularização das contas referidas em P), foi emitido documento interno (email) pela M.C.H.com destino à Impugnante, com o seguinte conteúdo:
(…).

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Do déficite instrutório
A Recorrente começa por invocar a existência de défice instrutório, seja por não ter sido produzida a prova testemunhal que arrolou na petição inicial, seja por não ter sido admitida a esmagadora maioria da prova documental por si apresentada e não impugnada pela Fazenda Pública.
Por Despacho de 19.09.2011 foi determinado que não se procederia à inquirição de testemunhas, tendo a Recorrida interposto recurso contra o mesmo, o qual veio a ser mantido por acórdão deste TCAN de 30.04.2019 – fls. 1089 a 1093 do suporte físico dos autos -, por se entender que a relevância do exposto pela Recorrente se prende com sentença e a possibilidade de a mesma estar inquinada por erro de julgamento quanto à matéria de facto. Ou seja, estando a questão da necessidade de produção da prova não admitida igualmente suscitada recurso da decisão final, é neste que deve ser apreciada.
E, de facto, a Recorrente ataca a sentença também com base em défice instrutório e erro no julgamento, sendo que, nas conclusões 2 a 17 do presente recurso, não se conforma com a não admissão da prova testemunhal por si arrolada, que refere ter indicado para prova do alegado nos «artigos 26., 27., 39., 41. a 48., 50., 53., 54., 57., 58., 63., 64., 66., 71., 72., 74. a 76., 78. a 84., 86. a 88., 91., 93. a 96. e 98. a 100. PI», entendendo que, «pelo menos parte da sobredita factualidade é carenciada de produção de prova testemunhal, particularmente do depoimento dos responsáveis pelos registos contabilísticos acima mencionados, de molde a esclarecer o Tribunal que a dedução do IVA em causa não teve por base a cisão-fusão, qualquer “e-mail” ou “fax”, mas, simplesmente, as facturas das obras, emitidas em nome e NIF da Impugnante, pelos empreiteiros das obras realizadas os três imóveis em causa. Pelo menos parte daquela factualidade não é passível de prova documental, e sim de prova testemunhal – para além de que os depoimentos das testemunhas são fundamentais como complemento da prova documental.».
Pese embora seja mencionado no RIT que dos ativos e passivos transitados, de acordo com os balanços efetuados para efeitos de cisão-fusão, consta a conta onde se menciona o IVA respeitante às faturas das obras dos prédios sitos em O…., P… e F… (cfr. pág. 6, parágrafo 5º do RIT) – a qual teria sido transmitida para a M.C.H., o certo é que a Recorrente alega, nos pontos 39 e 41 a 48 da P.I. que tal balanço e a transmissão de tal conta não correspondem à vontade das partes e, não obstante as diversas operações contabilísticas realizadas, a dedução de IVA por si realizada foi efetuada com base nas faturas relativas àquelas obras.
Esta factualidade é fulcral na sua impugnação, pretendendo a Recorrente demonstrar que o IVA impugnado não é devido, pois, contrariamente ao que resulta do RIT, a dedução por si efetuada foi-o com base em documentos legais (faturas respeitantes às mencionadas obras e devidamente contabilizadas) e não sustentada em meros documentos internos e sem forma legal.
Uma vez que tal matéria (vontade das partes aquando da realização do negócio) é passível de prova testemunhal e a factualidade alegada é relevante para a decisão da causa e constitui matéria controvertida, não tendo sido realizadas as diligências de prova requeridas nem quaisquer outras tendentes a esclarecer os factos, em articulação com o conjunto dos documentos apresentados, não se mostra adequadamente cumprido o poder/dever previsto nos artigos 13.º, n.º 1 do CPPT (Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja licito conhecer) e 99.º, n.º 1, do CPPT (O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”) de inquisitório e de busca da verdade material.
E não se diga que a questão da vontade das partes aquando da realização do negócio não é matéria controvertida, porquanto, como se lê no artigo 24º da contestação «Alega a impugnante que, por mero lapso contabilístico das partes, foi transferido para a MCH uma parte do saldo da conta “268 – Devedores e Credores Diversos”, que deveria ter permanecido na contabilidade da impugnante, uma vez que respeitava a IVA a recuperar que até então tinha sido suportado por esta e relativos a imóveis que permaneceram na titularidade da impugnante». Tal asserção, a nosso ver, não corresponde à aceitação do facto alegado, inexistindo qualquer outra menção no articulado da Fazenda Pública que possa ser qualificada como tal. É que, sendo embora despiciendo dizê-lo, resulta do artigo 110º, nº 6, do CPPT a inexistência do ónus de impugnação especificada por parte da Fazenda Pública, contrariamente ao que se passa no processo civil (cfr. artigo 574º, do CPC), daí que a falta de impugnação expressa do facto alegado não implica a sua aceitação – neste sentido o acórdão do TCAS de 19.02.2015, rec. 05336/12, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/07BA10AED2EA3F1780257DF80040E565.
Acresce que, como pertinentemente salienta o DMMP e constitui o cerne da impugnação, decorre do artigo 83º e seguintes da petição inicial que Recorrente invocou como causa de pedir o facto de o imposto deduzido (IVA) respeitar a bens e serviços utilizados na construção de imóveis que, apesar da operação cisão-fusão se mantiveram na sua esfera jurídica, e constar de faturação emitida em seu nome, sendo que os valores em causa não foram deduzidos em fevereiro e abril de 2001, mas acumulado com o demais IVA a recuperar no futuro.
Porém, quanto a esta matéria, nada consta do probatório, seja como provado ou como não provado, para além do que se refere no relatório dos Serviços de Inspeção e nas informações dos Serviços Tributários. Por outro lado, a conclusão retirada pelo tribunal a quo de que não foram «(…) exibidos tais documentos de suporte e baseando-se, além do mais, toda a operação em movimentos contabilísticos sustentados por documentos de suporte internos (…)» não tem qualquer suporte na matéria de facto fixada, sendo certo que os Serviços de Inspeção também não fazem no relatório qualquer alusão à falta de exibição de faturação a respeito desse imposto, pois centram-se apenas na correspondência trocada entre as duas empresas e nas operações contabilísticas das contas 25 e 26.
Assim, importa também proceder à ampliação da matéria de facto, se necessário mediante a prévia aquisição de prova, no sentido de esclarecer se o valor do IVA em causa e inscrito na conta 268 respeitava ou não a bens e serviços fornecidos no âmbito da construção dos imóveis acima referidos e integrados na esfera jurídica da impugnante, bem como se estas operações estavam ou não suportadas em faturas que reuniam os requisitos do artigo 35º do CIVA (atual 36º) e em que período o mesmo foi declarado à AT para efeitos de dedução (ou de reporte). Ademais, releva saber se esse IVA foi o efetivamente “devolvido” à impugnante e qual a procedência do IVA por ela deduzido nos meses de fevereiro e abril de 2001.
Acresce dizer que também os pontos 71, 79, 99 e 100 se afiguram com relevo para a decisão da causa e, por isso, também devem ser objeto de prova testemunhal, na medida em que ali se alega um acordo das partes para retificar o erro contabilístico, a inexistência de intenção de converter aquele saldo contabilístico em suprimentos e que nos meses de fevereiro e abril não foi deduzido o IVA em causa, explicitando-se o porquê.
Assim, é forçoso concluir que se verifica o alegado défice instrutório e, por força do estatuído no artigo 662º, nº 2, alínea c), do CPC, aqui aplicável por força do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, deve a sentença ser anulada, ordenando-se a baixa dos autos à 1.ª instância para produção da prova testemunhal requerida e outra que o tribunal a quo entenda pertinente, e posterior prolação de nova sentença, se a tanto nada obstar.
Importa esclarecer que, tendo a AT efetuado as correções que originaram as liquidações em causa com base nos dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita das sociedades identificadas no RIT, os quais se presumem verdadeiros por força do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, cabe à Recorrente o ónus da prova de tudo quanto alega na sua impugnação, não lhe podendo ser vedado tal direito.
Em face do exposto, resulta prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, com exceção da invocada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia quanto ao pedido de reconhecimento do direito a indemnização pela totalidade dos encargos com a prestação e manutenção de garantia bancária, considerando a Recorrente que tal pedido devia ter sido apreciado quanto aos juros compensatórios anulados por iniciativa da AT e que justificaram a extinção parcial da instância, por inutilidade superveniente da lide.
Preceitua o artigo 125º, nº 1 do CPPT que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.».
No mesmo sentido estabelece a alínea d) do nº 1 do artigo 615º CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT, ao estatuir que «É nula a sentença quando: (…) d) O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)».
Este vício está relacionado com a norma que disciplina as “Questões a resolver - ordem de julgamento” (cf. artigo 608º nº 2 do CPC) da qual resulta que o juiz «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Portanto, esta nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal não tome posição sobre alguma questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. (Cfr. acórdãos do STA n.ºs 574/11 de 13.07.2011 e 01200/12 de 12.02.2015 e do TCAN nos acórdãos n.ºs 01903/12.5 BEBRG de 26.09.2013, 1481/08.0BEBRG de 10.10.2013, 02206/10.5BEBRG de 16.10.2014 e 03589/04 - Aveiro).
No caso que nos ocupa, em 9/12/2004 a ora Recorrente apresentou requerimento aos autos informando ter-lhe sido instaurado processo executivo por falta de pagamento das dívidas fiscais impugnadas no valor de €50.968,10 e que, notificada para esse efeito, prestou garantia bancária no montante de € 639.174,00, pedindo que lhe seja reconhecido o direito a ser indemnizada pela totalidade dos prejuízos incorridos com a prestação e manutenção da mesma, até ao seu efetivo levantamento.
Ora, não obstante a própria AT ter anulado uma parte da dívida, respeitante a juros compensatórios, o Tribunal a quo nenhuma posição tomou relativamente a tal pedido indemnizatório, o que se impunha, na medida em que a impugnação era parcialmente favorável à impugnante.
É, pois, manifesto que ocorre a arguida nulidade por omissão de pronúncia e, tendo em conta que já está determinada a baixa dos autos à 1ª instância para prolação de nova sentença, não importa conhecer em substituição da questão não apreciada, a qual deverá ser oportunamente conhecida naquele Tribunal.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, declarar a sentença parcialmente nula e, no mais, anulá-la, ordenando a baixa dos autos à 1ª instância, conforme supra exposto.

Custas a cargo da Recorrida, que sai vencida neste recurso, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC, que não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 20 de janeiro de 2022

Maria do Rosário Pais
Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ana Patrocínio