Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00321/14.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/03/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Hélder Vieira
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO; DEMORA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA; DIREITO A DECISÃO FINAL EM PRAZO RAZOÁVEL; ILICITUDE; CULPA; NEXO DE CAUSALIDADE.
Sumário:
I — O atraso na decisão de processos judiciais é ilícito quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelos artigos 20º, nº 4, da CRP, 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 2º, nº 1, do CPTA, e, na verificação dos atinentes pressupostos, é susceptível de gerar responsabilidade civil do Estado.
II — Embora sem excessivos interregnos dilatórios no íter procedimental motivadores de arrastamento da pendência da causa em juízo, provando-se que a demora entre a propositura da acção e a decisão final — um período de 11 anos — teve por base vicissitudes originadas pela selecção da matéria de facto e particularmente a base instrutória, elaborada segundo uma disseminada prática forense ao abrigo do atinente regime ínsito no Código de Processo Civil de 1961, vigente à data, com a reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 329º-A/95, de 12 de Dezembro e Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, mostra-se violado o direito a uma decisão em prazo razoável.
III — A culpa resulta da ilicitude, neste caso, do próprio facto da selecção da matéria de facto e elaboração da base instrutória, ao abrigo de um regime jurídico adjectivo permissivo da mesma, em termos tais que vieram a revelar-se um espartilho no julgamento da causa e deu azo a decisões sucessivamente anuladas e revogadas pelas instâncias superiores e consequente morosidade no alcançar de uma decisão transitada em julgado em tempo razoável de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos.
IV — Quanto ao nexo de causalidade, na vertente de facto, verifica-se o nexo naturalístico, pois o arrastamento da causa em juízo decorrente dos sucessivos julgamentos nas várias instâncias ocorreu por motivos atinentes à matéria de facto seleccionada, maxime da integrante ou omitida da base instrutória; Verifica-se ainda o nexo de adequação, uma vez que em geral e abstracto tal facto — o arrastamento do processo e excessiva demora da justiça em alcançar uma decisão final definitiva — mostra-se apto a provocar os danos não patrimoniais provados. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MCLM
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:
Conceder parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
Recorrente: MCLM e outro
Recorrido: Estado Português
Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a supra identificada acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual por violação do direito a uma decisão em prazo razoável, na qual era pedido, designadamente, a condenação do Estado Português a pagar aos AA, na qualidade de herdeiros de RVM, a quantia de €15.000,00 e a cada um dos AA., por si, a quantia de €8.000,00, a título de compensação pelos elevados danos sofridos.
O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação [ Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.]:
I- “Entendem os AA que existiu o erro na apreciação da prova, designadamente quanto ao facto provado no Ponto 110 dos Factos Provados, assim como no Ponto A) dos Factos Não Provados, discordando ainda com a fundamentação jurídica do Tribunal a quo quanto aos requisitos da Ilicitude e culpa da peticionada Responsabilidade Civil.
II- Entendem os AA que a redacção do Ponto 110 não corresponde ao teor unânime dos depoimentos das Testemunhas e daquela que deveria ser a evidente conclusão e convicção do Tribunal a quo.
III- Isto é, que o Processo n.º 1357/99 se revelou PROCESSUALMENTE complexo – cuja causa e responsabilidade se impunha ao Tribunal Recorrido apurar - e não, que a causa em pleito «tinha um nível de especial complexidade».
IV- Tal resulta dos depoimentos das testemunhas ASF prestado na audiência de julgamento de 08/01/2015 gravado em CD, em formato digital com o programa Cícero, com início às 10:11:13 e fim às 11:29:50, gravado de 00:08:27 até 01:20:41, no excerto entre 00:45:33 a 00:52:07, da Testemunha JC, cujo depoimento prestado foi na audiência de julgamento de 15/01/2015, gravado no sistema cícero de 00:1:58 até 00:22:00, no momento de 00:15:10 a 00:15:24 e no excerto de 00:18:00 a 0018:46 e da Testemunha RF, prestado na audiência de julgamento de 15/01/2015, gravado no sistema Cícero de 00:34:34 a 00:54:11, designadamente no excerto entre os minutos 00:48:26 e 00:53:14.
V- Estas testemunhas referiram, em síntese e nos excertos indicados, que o processo se revelou complexo, e que o núcleo do problema foi a base instrutória que continha omissões, erros e contradições e foi objecto de rectificações, reclamações e aditamentos.
VI- O que foi corroborado pelo depoimento da Testemunha, LP prestado na audiência de julgamento de 08/01/15 gravado em CD, em formato digital com o programa Cícero, gravado de 01:20:44 até 01:36:27, designadamente entre 01.24.13 a 01.24.35, quando referiu que teve de começar por coligir toda a base instrutória e também entre 01:25:12 e 01:26:55, quando explicou por que é que o processo se complexificou, designadamente pelos sucessivos recursos da base instrutória, que não tinha sido por si elaborada, tendo apelado à colaboração das Partes.
VII- E por fim corroborado pelos Acórdãos das Instância Superiores que anularam por duas vezes as Sentenças e ordenaram a repetição do Julgamento, «…por ser flagrante a contradição nas respostas (…) que inviabiliza a decisão jurídica do pleito…», ordenando sucessivas rectificações e aditamentos. – Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
VIII- Assim devia o Tribunal a quo, ter considerado como não provado que a causa em apreço no Processo n.º 1357/99 era de especial nível de complexidade, ou, porventura, poderia o Tribunal ter respondido de forma complementar ao facto, considerando apenas provado que o Processo n.º 1357/99 se mostrou complexo do ponto de vista processual.
IX- Entendem, ainda os Autores que os danos morais dos AA alegados nos artigos 47.º a 65.º da PI deviam ser considerados provados, pelo que entendem que houve erro na apreciação da prova quanto ao ponto A) dos factos não provados.
X- Desde logo, no Processo cível 1357/99 resultou assente e provado, portanto transitado em julgado, que o Sr. RV sofria ansiedade, tristeza e frustração por se sentir um fardo para a família, que o filho aqui Autor deixou de estudar com 16 anos para sustentar a família, que por tal razão se sentia frustrado e revoltado, que a D. MC era terceira pessoa de quem o Sr. R dependia a 100% e por essa razão estava impossibilitada de trabalhar, que a família dependia da ajuda económica e da solidariedade de terceiros, que a tal circunstância familiar lhes causava ansiedade, tristeza e angústia. PELO QUE,
XI- Como factos assentes e definitivos que ficaram naqueles Autos, nestes Autos constituem os mesmos um princípio de prova que o Tribunal a quo não deveria ter ignorado, porque são factos integralmente corroborados pelo depoimento coerente e informado da Testemunha ASF.
XII- Quanto a esta testemunha cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento de 08/01/2015 gravado em CD, em formato digital com o programa Cícero, com início às 10:11:13 e fim às 11:29:50, gravado de 00:08:27 até 01:20:41designadamente, no excerto do seu depoimento entre 00:17:35 a 00:20:33, e 002:3:15 a 00:23:34, a mesma explica que o falecido R sentia ansiedade e tristeza em relação ao desenrolar do processo, porquanto sentia que não veria o desfecho do mesmo, atenta a morosidade do mesmo e a sua saúde precária.
XIII- A referida Testemunha, referiu ainda que ela própria sentia dificuldade em «explicar o inexplicável» à família e em faze-los compreender a razão das anulações e repetições dos julgamentos, tendo presenciado a angústia e desespero que sentiam após cada anulação, em contraste com a alegria e esperança com que tinham recebido a cada Sentença que lhes dava a vitória e o fim do processo.
XIV- A Testemunha referiu ainda que, também de forma directa, testemunhou a desesperança dos Autores e a profunda tristeza após o falecimento do Sr. R, sem que o processo tivesse fim à vista.
XV- A referida Testemunha referiu, por fim, que presenciou e aconselhou directamente os Autores a não desistirem dos seus direitos e se deixarem vencer pelo cansaço da delonga do processo, encorajando-os conjuntamente com a Dr.ª ASN, a não transigir a qualquer custo, pois não entendia não ser justo face a tudo o que todos tinham e estavam a viver.
XVI- E tudo isso consta também do registo do depoimento da Testemunha nos excertos do seu depoimento de 00:22:00 a 00:23:17 e 00:29:54 a 00:37:49, quanto ao sentimento dos Autores em relação à delonga do processo, referindo que estes expressavam sentimentos de frustração e descrédito em relação à Justiça e às sucessivas repetições de julgamento, passando a determinada altura a estar dispostos a abdicar dos seus direitos para a aceitar um acordo a todo o custo, porquanto já não aguentavam mais.
XVII- Resta apenas reafirmar, como também referiu a Testemunha ASF, – do minuto 00:15:15 a 00:15:39 do seu depoimento – os Autores, atenta a situação em que ficaram, quer ao nível económico, quer ao nível emocional e, como parte demandante que eram, tinham todo o interesse em que o processo prosseguisse e cessasse o mais rapidamente possível, pois disso dependia a sua sobrevivência e qualidade de vida.
XVIII- A Testemunha foi clara e peremptória, ao minuto 01:01:27 a 01:03:41 do seu depoimento, ao esclarecer que o processo-crime foi amnistiado e que o Pedido de Indemnização Civil - em seu entender, bem - não prosseguiu nos Autos do extinto Processo-Crime, para dar origem, cerca de 60 dias depois, ao Processo Declarativo Cível n.º 1357/99, pelo que não se entende a afirmação na Sentença de que a testemunha não sabe porque é que o processo-crime não prosseguiu, bem como não se entende de que forma tal se relaciona com o facto dado como provado que o processo-crime tinha terminado por amnistia.
XIX- Entendeu, ainda, o Tribunal a quo que a alegada situação económica desesperada dos Autores, não estava provada em virtude de, no âmbito da Providência Cautelar de Alimentos Provisórios em 1998, a Autora D. MC ter desistido da Instância.
XX- Ora consultado o processo-crime é fácil constatar que a A. desistiu da Instancia da Providência Cautelar por falta de legitimidade processual e não por falta de necessidade económica,
XXI- Isto porque, a angústia, a ansiedade, a desesperança, a impotência, a frustração, a revolta, a tristeza, a incompreensão, a descrença e exaustão, são todos sentimentos profundos e gravosos, muito mais concretos do que a simples «ambiência vivida», sendo atestados e testemunhados nos presentes Autos, como tendo sido experienciados pelos Autores ao longo do arrastar dos Processos subsequentes ao acidente de 31.10.1993, até ao acordo – necessariamente - alcançado em 17.02.2011.
XXII- Esses sentimentos foram presenciados pela Testemunha ASF a que, tendo começado a ter contacto directo e frequente com a família e a realidade dos Autores desde o início do ano de 2002 até à presente data, é, porventura, a pessoa mais informada sobre a vivência pessoal, financeira e emocional dos mesmos, directamente quanto aos últimos nove anos do Processo e, indirectamente, quanto aos primeiros nove.
XXIII- Pelo que, dúvidas não podem subsistir quanto à verificação e prova efectiva constante dos Autos, quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores em consequência directa e necessária da duração desrazoável do Processo em apreço.
XXIV- Não obstante o pormenorizado esclarecimento da Decisão recorrida quanto aos fundamentos da Responsabilidade Extracontratual do Estado nas diferentes vertentes, e designadamente, da responsabilidade por factos ilícitos culposos e da necessidade de verificação cumulativa dos respectivos requisitos enunciados no artigo 483.º do Código Civil, o Tribunal a quo, no entender dos Recorrentes, fez um errado enquadramento jurídico dos factos, porquanto concluiu que nos Autos sub judice não se mostra verificada a ilicitude do facto, nem preenchida a culpa.
XXV- Ora, começou o Tribunal a quo por esclarecer, nos termos do artigo 9.º n.º 1 da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, que a Ilicitude se traduz em acções ou omissões de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
XXVI- Realçando o Tribunal recorrido que «a ilicitude apenas se verifica quando exista por parte da Administração a obrigação de praticar o acto que foi omitido».
XXVII- E esclarecendo, por fim, que no caso em apreço no Autos, está em causa o terceiro vector da tutela jurisdicional, o da tutela da utilidade e eficácia da pronúncia jurisdicional, «decorrendo assim do princípio da tutela jurisdicional efectiva, que a sentença emanada pelo tribunal possua plena concretização, satisfazendo os interesses de quem obteve vencimento na causa, e neste domínio, que a decisão tenha sido prolatada em prazo razoável…».
XXVIII- Isto para concluir o Tribunal Recorrido que desde que o Sr. RV foi interveniente no acidente de viação, em 30.10.1993, os Autores «sempre pugnaram pelo seu direito, nos termos e modo que mais lhe convieram, no tempo processual que entenderam por devido, não se podendo concluir, que o decurso dos processos judiciais durante 17 anos, seja imputável ao Estado Português, isto é, que tenham sido infringidas disposições ou princípios constitucionais, ou a CEDH, e do que tenha advindo a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos dos Autores». ORA,
XXIX- Ao contrário do que parece apontar o Tribunal recorrido, a ilicitude da infracção das normas e princípios constitucionais centra-se em torno do que deve ser entendido como o prazo razoável para a obtenção de uma Decisão definitiva.
XXX- E, nos termos do que vem entendendo a mais recente jurisprudência do STA e do TEDH, esse juízo de razoabilidade temporal deve fazer-se por recurso a uma análise global do conjunto do processo, pois caso a caso deve o Tribunal seguir os critérios definidos pelo TEDH: 1.º A complexidade do Processo; 2.º O comportamento das partes; 3.º A actuação das autoridades do processo; 4.º A importância do objecto do litígio para o interessado;
XXXI- Ao contrário do que resulta da Sentença recorrida, não está em causa saber se os AA foram ou não impedidos de exercer os seus direitos processuais, mas sim se os processos tiveram ou não uma duração considerada razoável, ainda que as partes tenham exercido os seus direitos processuais.
XXXII- Ora, analisando desde logo o Ponto 1.º, como vimos, errou o Tribunal Recorrido ao considerar provado um nível de especial complexidade da causa, conforme o Ponto 110.
XXXIII- É que, quando o TEDH questiona e analisa a complexidade do Processo, fá-lo tendo objectivamente por foco a questão em causa no pleito, a complexidade da causa e essa, como referiram todas as testemunhas e resulta, desde logo dos Autos em questão, é simples.
XXXIV- O processo, tratando-se de um acidente de viação, tinha um nível de complexidade reduzido, estando em causa a análise da prova do preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil, sendo certo que existia ainda uma relação comitente comissário, com a inerente presunção da culpa e inversão do ónus da prova.
XXXV- Em nada dissemelhava o referido Processo dos milhares de processos de responsabilidade civil por acidente de viação que todos os anos dão entrada nos Tribunais.
XXXVI- A grande diferença e que decorre dos Autos, dos Acórdãos e dos depoimentos de todas as Testemunhas, foi que o Processo tornou-se processualmente complexo, tendo como núcleo das divergências e complexidades que deram origem a todos os recursos e incidentes processuais utilizados, o Despacho Saneador e a Selecção da Matéria de Facto.
XXXVII- Esta foi a complexidade específica e concretamente apurada nos Autos, e essa, ao contrário do que afirma o Tribunal Recorrido, é efectivamente da responsabilidade dos respectivos agentes do Estado e, como tal imputável ao Estado.
XXXVIII- No que ao comportamento das partes respeita, não pode o Tribunal a quo apontar qualquer responsabilidade pelo uso regular e legítimo dos meios processuais para reclamar e recorrer das Decisões nulas proferidas, tanto mais, que efectivamente as nulidades se confirmaram sempre e deram origem a anulações, aditamentos e rectificações das sentenças e tendo por base a referida Base Instrutória.
XXXIX- Pelo que, não se verificou, nem o Tribunal o apontou, em nenhum momento dos Autos, nenhum acto dilatório praticado por nenhuma das partes, o qual foi irrepreensível e efectivamente incansável, designadamente na colaboração informal com o Tribunal.
XL- No que se refere ao comportamento das autoridades do Processo, não sendo a responsabilidade pelo mérito das Decisões que está – nem nunca esteve – em crise nos Autos, sempre deveria o Tribunal ter extraído consequências dos factos de que tomou conhecimento efectivo e que revelaram um comportamento deficitário face à normalidade dos actos a praticar, designadamente no que respeita; à iniciativa e desenvolvimento da investigação em sede do processo-crime; o tempo normal para a prolacção de uma acusação pelo crime de ofensas corporais simples; ao tempo razoável para a fase de Instrução do processo-crime; à técnica da elaboração dos instrumentos processuais nucleares de um Processo Cível, como seja, o Despacho Saneador e a Selecção da Base Instrutória; ao tempo razoável para a realização de um julgamento de um processo de acidente de viação; ao tempo razoável para serem apreciados e proferidos os respectivos Recursos;
XLI- O Tribunal Recorrido omite essa análise, porventura, por dela resultar evidente que o comportamento de algumas das autoridades em questão, ficou aquém do que deveria ter sido o comportamento normal face ao que era delas, espectável, perante o caso concreto que lhe foi apresentado.
XLII- No que ao respeita à importância do objecto do litígio para o interessado, também aqui o Tribunal a quo errou na apreciação que fez da matéria que lhe foi presente, porquanto, como vimos, considerou não provada a matéria constante do Ponto A) no que respeita aos danos dos Autores, quando na verdade, decorre evidente de ambos os Processos em apreço e da prova produzida que, a importância para os Autores era nuclear, era a estrutura familiar e a sobrevivência de três pessoas que estava em questão.
XLIII- O Tribunal a quo, entendeu que tal não era evidente, nem resultava indiciado dos documentos dos Autos que analisou…pelo que errou, ostensivamente, errou.
XLIV- É que, no entender dos Recorrentes é notória, no caso concreto a violação do prazo razoável para a prolacção de uma Decisão Definitiva, pois 17 anos, sem uma Sentença ao nível da 1.ª Instância, não é razoável, mesmo que se pretenda – como fez o Tribunal recorrido – dividir os 17 anos em seis mais onze.
XLV- Confunde o Tribunal a quo o conceito de ilicitude, com a capacidade de resistência e persistência dos Autores à permanente violação dos seus interesses e direitos constitucionais.
XLVI- Ou seja, entendeu o Tribunal a quo que, não tendo os AA sido impedidos de exercer nos processos, crime e cível, qualquer dos seus direitos processuais, apesar de objectivamente se constatar que a duração dos mesmos processos ultrapassou o prazo razoável, não existe qualquer ilicitude, porquanto, no final os AA, acabaram por transigir e receber €350.000.00, valor superior aos €50.000,00 que até já estavam dispostos a receber….
XLVII- TODAVIA,
XLVIII- Esqueceu o Tribunal de relevar e referir que – como decorre do depoimento da Testemunha ASF - os AA estavam tal forma desesperados pela demora do processo que, apesar dos elevadíssimos prejuízos e dos Pedidos formulados nos Autos em questão serem elevadíssimos, estavam dispostos a resolver o processo a todo o custo, prejudicando manifestamente o seu direito a uma indemnização condigna.
XLIX- ORA,
L- Conforme se pode ler no Acórdão do STA de 09.10.2008,P.0319/08, que segue a jurisprudência do TEDH: Se globalmente se houver de considerar excedido o prazo razoável de modo manifesto e indiscutível não há lugar a apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada acto, porque mesmo que mesmo quando se concluísse pelo respectivo cumprimento não se infirmaria a conclusão obtida, antes deveria concluir-se que os meios de resolução daquele conflito pela justiça estadual não são adequados e estruturados devidamente, o que envolve também responsabilidade do estado por deficiente organização.” (sublinhado nosso)
LI- Como vimos, a ilicitude consiste em ter sido ultrapassado o prazo razoável de obtenção de uma decisão, sendo certo que, in casu, estamos perante uma família que dependia economicamente do Pai, vítima do acidente, o qual ficou em estado quase vegetativo com necessidade de ajuda dos restantes familiares e que demorou 17 anos a colocar fim a um processo judicial, o que só aconteceu porque celebrou um acordo;
LII- É por isso, por demais evidente a verificação da ilicitude na conduta do Estado Português, pela ultrapassagem do prazo razoável para a prolacção de uma Decisão Definitiva, tendo com isso violado o direito concreto dos Autores e do falecido Sr. R à obtenção de uma Decisão Judicial justa e útil, nos termos do artigo 20 da CRP e do artigo 6.º da CEDH.
LIII- A culpa, como juízo de valoração da conduta do Estado, prende-se em saber se o este tomou as medidas adequadas para garantir a justiça no prazo razoável.
LIV- Antes de mais, cumpre dizer que o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 01/03/2011, proferido no Processo 0336/10 entendeu que, quando se mostra excedido o prazo razoável é ao Estado que cumpre alegar e provar qualquer causa justificativa do excesso verificado, já que tal constituiu matéria de excepção, cujo ónus de alegação e prova cabe ao Réu.
LV- Na verdade, provando-se que, tal como consta do Acórdão do STA de 09.10.2008,P.0319/08 “globalmente se houver de considerar excedido o prazo razoável de modo manifesto e indiscutível não há lugar a apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada acto, porque mesmo que mesmo quando se concluísse pelo respectivo cumprimento não se infirmaria a conclusão obtida, antes deveria concluir-se que os meios de resolução daquele conflito pela justiça estadual não são adequados e estruturados devidamente, o que envolve também responsabilidade do estado por deficiente organização.”, tal conclusão quanto à ilicitude - os meios de resolução daquele conflito pela justiça estadual não são adequados e estruturados devidamente - traz ínsito o requisito da culpa - responsabilidade do estado por deficiente organização.
LVI- Assim, in casu, cabia ao Estado alegar e provar qualquer causa justificativa do excesso verificado, o que não fez.
LVII- Bem pelo contrário, quanto ao processo-crime veja-se os depoimentos das Exmas Senhoras Juízas que respectivamente explicaram as condições em que trabalhavam.
LVIII- Aqui, chame-se à atenção que já em 1998, a Autora MC dirigiu uma carta ao Presidente da Relação do Porto, alertando para a morosidade processual, e cuja resposta foi relevada como uma verdadeiro Pedido de Aceleração processual, ao contrário do que conclui o Tribunal a quo.
LIX- Quanto ao processo cível, a sua morosidade também não tem qualquer explicação da parte do Estado, sendo certo, que conforme considerou o Tribunal a quo, as partes limitaram-se a usar os direitos processuais que tinham ao seu dispor, pelo que a estas não há que assacar, de certeza, qualquer responsabilidade na morosidade do processo.
LX- POR ÚLTIMO,
LXI- Resta referir que, como bem refere a jurisprudência mais recente, o dano moral in re ipsa é notório e comum e corresponde à violação do direito a uma decisão em prazo razoável, apesar dos Autores terem provado concretamente os danos morais que sofreram com a morosidade da Justiça.
LXII- Isto porque, como se deixou pormenorizadamente demonstrado em sede da matéria de facto, os danos concretamente sofridos pelos Autores resultam dos documentos juntos aos Autos e foram corroborados de forma coerente e expressa pelo depoimento da Testemunha ASF.
LXIII- Errou o Tribunal a quo quando considerou também não verificado o dano no caso em apreço nos Autos.
LXIV- Assim o tendo feito, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 3,º, 7.º, 8.º, 9.º, da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro e do artigo 483.º do Código Civil, violando consequentemente o disposto no artigo 20 da CRP e no artigo 6 da CEDH.
Termos em que, considerando procedente o presente recurso, revogando a Sentença e condenando o Réu ao pagamento da quantia peticionada farão V. Exas JUSTIÇA”.

O Recorrido contra-alegou, em termos que se dão por reproduzidos, e, tendo elaborado conclusões, aqui se vertem:
1 - Em 28 de setembro de 2015, foi proferida sentença na qual o Meritíssimo Juiz de Direito a quo considerou não provada e consequentemente improcedente a ação administrativa comum, de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, baseada em facto ilícito, deduzida contra o Réu/Recorrido e em consequência absolveu-o do pedido contra si deduzido pelos Autores/Recorrentes.
De modo que,
2 - Em face desta sentença absolutória, em 17 de novembro de 2015, os Autores/Recorrentes discordaram do seu teor e impugnaram a mesma para o tribunal ad quem, através do competente recurso ordinário de apelação, o qual versa matéria de facto e de direito.
Na sua opinião,
3 – Entendem que existiu erro na apreciação da prova quanto ao facto provado nº 110, assim, como ao facto não provado ponto A, respetivamente.
Assim,
4 – Ao contrário do que considerou o tribunal a quo quanto ao facto provado 110 que “O processo nº 1.357/99, tinha um nível especial de complexidade” devia ter considerado que “O processo nº 1.357/99 se revelou processualmente complexo” ou quanto muito apenas provado que “O processo nº 1.357/99 se mostrou complexo do ponto de vista processual”.
E,
5 – Por outro lado, ao contrário do que considerou o tribunal a quo quanto ao facto não provado ponto A)Que o Autor RM e os ora Autores, MC e NC sofreram danos de natureza não patrimonial, como consequência direta da invocada violação, quer do seu direito fundamental, quer do direito fundamental do respetivo marido e pai, RV, a uma decisão definitiva em prazo razoável e tempo útil” devia ter considerado este ponto como matéria de facto dada como provada.
Ora,
6 – Quanto à matéria de facto dada como provada sob o nº 110, entendemos que a mesma reflete com total transparência o vertido no depoimento da testemunha MDE, Juiz de Direito titular do Processo Cível nº 1.357/99.
De modo que,
7 – O Meritíssimo Juiz a quo quis dizer foi que “O Processo n.º 1357/99, tinha um nível de especial complexidade” sendo certo que existem processos de natureza meridiamente fácil que se podem tornar complexos (e o contrário também), em virtude das várias vicissitudes que ao mesmo pleito pode ser impressa pelas próprias Partes no âmbito do processual, designadamente na ação cível oriunda de acidente de viação.
Daí,
8 - O Juiz de Direito a quo ter considerado que o Processo Cível nº 1.357/99 teve um nível de especial complexidade, em virtude “do ponto de vista processual, o processo não era simples, e que houve muitos incidentes processuais, o qual tem 12 volumes, com 14 recursos [agravos e apelações], pois havia duas versões [do Autor e do Interveniente] antagónicas dos acontecimentos e que os Advogados não abdicam do uso dos meios processuais, v.g., dos recursos.”
Concretamente,
9 – A Dr.ª MDE referiu que: “em face do que alegavam as partes que queriam vingar a sua pretensão em juízo, sendo a questão do despacho saneador uma vicissitude normal do processo, e que as partes podem sindicar, podem controlar, porque o Processo Civil é um processo de partes, e que podendo as partes reclamar do saneador, e não o tendo feito, que sempre podem fazê-lo logo no início da audiência de julgamento, o que é mais uma vicissitude do processado.”
[gravado na sessão de 09.02.2015, de 00:02:04 até 00:29:08 em CD - fls. 736 do processo físico].
10 – Daí a sem razão dos Autores/Recorrentes sobre esta questão da matéria de facto dada como provada, sob o ponto 110, na douta sentença a quo ora posta em crise.
Quanto à 2ª questão ora sindicada,
11 – Relativamente à matéria de facto dada por não provada, sob o ponto A)
A) Que o Autor RM e os ora Autores, MC e NC, sofreram danos de natureza não patrimonial, como consequência directa da invocada violação, quer do seu direito fundamental quer do direito fundamental do respectivo Marido e Pai, RV, a uma decisão definitiva em prazo razoável e tempo útil”, que no entender dos Autores/Recorrentes deve ser considerado como provado.
E para esse efeito,
12 – Baseia-se fundamentalmente no depoimento da testemunha ASF, advogada dos Autores/Recorrentes no Processo Cível nº 1.357/99.
Porém,
13 - O exame médico de sanidade realizado à vitima no âmbito do Processo de Inquérito nº 5.679/94.8 TDPRT concluiu que “… o R V.P.C. M esteve doente duzentos e oitenta dias e que do acidente resultou desfiguração grave, afetação grave da capacidade de trabalho, das capacidades intelectuais, da capacidade de procriação e da possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos, a linguagem…”.
14 - O que foi corroborado pelo exame médico no âmbito do Processo Cível nº 1.357/99 onde se fixou uma Incapacidade Permanente Geral de 80 %.
15 - E, ainda pelo exame médico de psiquiatria forense realizado no âmbito da Ação Especial de Interdição nº 1.516/98, do 6º Juízo Cível, 3ª Seção do Porto onde considerou o R V.P.C. M como inimputável.[ Cf. fls. 85 do Processo de Inquérito nº 5.679/94.8 TDPRT; fls. 493 do Processo Cível nº 1.357/99 da 4ª Vara, 2ª Seção Cível do Porto e fls. 35 e ss. da Ação Especial de Interdição nº 1.516/98, do 6º Juízo Cível, 3ª Seção do Porto, respetivamente.]
16 - Condição física e psíquica que desde logo afasta irremediavelmente os pretensos danos não patrimoniais eventualmente sofridos pelo Autor R V.P.C. M, para os quais o mesmo não tinha a capacidade de interiorização dos mesmos, face ao estado vegetativo em que ficou após o acidente de viação em que se viu envolvido.
17 - E quanto aos danos não patrimoniais eventualmente sofridos pelos demais Autores/Recorrentes, não deixamos de estranhar que acerca desta matéria e no âmbito da Providência Cautelar de Alimentos Provisórios nº 357/A/1998 por apenso ao Processo Comum Singular nº 357/98 e atualmente identificado sob o nº 5.679/94.8 TDPRT que correu termos na 2ª Seção do 1º Juízo Criminal do Porto na qual a ora Autora/Recorrente [por si e em representação do seu marido] demandou a MPF Companhia de Seguros, SA, pedindo alimentos provisórios, a título de renda mensal, a quantia de 96.000$00, viesse a desistir da mesma, em 09.07.1998, sem motivo atendível, o que revela incúria ou desleixo da própria Autora/Recorrente.[ Cf. ata da audiência de julgamento a fls. 49 da Providência Cautelar nº 1.357/A/1998.]
Sendo certo que,
18 - No âmbito da Providência Cautelar de Alimentos Provisórios nº 1.357-A/99 por apenso ao Processo Cível nº 1.357/1999 na qual a ora Autora/Recorrente [por si e em representação do seu marido] demandava a MPF Companhia de Seguros, SA, pedindo alimentos provisórios, a título de renda mensal, a quantia de 96.000$00, o Meritíssimo Juiz de Direito veio a considerar provado que a culpa do acidente se deveu única e exclusivamente ao comportamento do condutor do velocípede de matrícula 1VNG….. R V.P.C. M, pelo que considerou totalmente improcedente a providência cautelar. [ Cf. sentença da 4ª Vara Cível do Porto a fls. 348 e ss. confirmada pelo acórdão do TR do Porto a fls. 746 e ss.]
E por último,
19 - Não nos esqueçamos que o Processo Cível nº 1.357/1999 terminou com transação judicial, homologada por sentença, nunca se tendo chegado a aferir judicialmente da “ilicitude”, da “culpa” e dos “danos” potencialmente sofridos pelos ora Autores/Recorrentes.
20 - Daí, a sem razão dos ora Autores/Recorrentes porquanto em termos globais, no âmbito do Processo Cível nº 1.357/1999, nunca se chegou a aferir judicialmente da responsabilidade civil extracontratual pelo risco da Ré MPF e dos demais intervenientes processuais e consequentemente dos eventuais danos sofridos pelos ora Autores/Recorrentes.
21 - Esta nossa convicção baseia-se no depoimento oral da testemunha:
- ASF, advogada, gravado na sessão de 08.01.2015, de 00:08:27 até 01:20:41 em CD (fls. 699 do processo físico); e
Da consulta da prova documental inserida em vários processos apensos a estes autos, abaixo discriminados:
- No Processo Cível nº 1.357/1999;
- No Processo de Inquérito nº 5.679/94.8 TDPRT;
- Na Ação Especial de Interdição nº 1.516/98, do 6º Juízo Cível, 3ª Seção do Porto;
- Na Providência Cautelar de Alimentos Provisórios nº 357/A/1998 por apenso ao Processo Comum Singular nº 357/98 e atualmente identificado sob o nº 5.679/94.8 TDPRT que correu termos na 2ª Seção do 1º Juízo Criminal do Porto; e
- Na Providência Cautelar de Alimentos Provisórios nº 1.357-A/99 por apenso ao Processo Cível nº 1.357/1999.
22 – Entendem os ora Autores/Recorrentes que alterada a matéria de facto dada por provada e não provada como acima propõem e nesse pressuposto, verifica-se o preenchimento de todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito a imputar ao Réu - Estado Português, por não ter permitido facultar aos ora Autores/Recorrentes um sistema de justiça operacional que permitisse obter uma decisão judicial em tempo útil.
Porém in casu,
23 – Na presente ação verifica-se que não se encontram reunidos os indicados pressupostos da obrigação de indemnizar, nomeadamente, o facto ilícito, culposo e nexo causal entre aquele (lentidão da justiça na prolação de decisão judicial em prazo razoável e erro na investigação criminal) e o dano.
Desde logo, quanto à ilicitude,
24 - Do cômputo global do prazo que durou o Processo Cível n.º 1.357/99 o mesmo deveu-se - em grande parte – à litigiosidade perene dos próprios Autores/Recorrentes (e demais partes nele envolvidos), com a interposição de requerimentos para as atas e avulsos, reclamações e recursos, ora requerendo determinadas diligências probatórias em si mesmas morosas, como perícias médicas e audição de testemunhas no estrangeiro, para além do número inusitado de testemunhas, o que face ao atual CPC já não era permitido.
O que determinou,
24 - Que todas estas delongas - a maior parte delas – da iniciativa dos próprios Autores/Recorrentes atrasassem substancialmente a prolação da sentença final nesta ação.
Daí que,
25 – Neste recurso, os ora Autores/Recorrentes não tenham identificado as normas legais, regulamentares ou estatutárias ou da praxis de atuação dos operadores judiciários e órgãos auxiliares de justiça que, na sua opinião, terão sido violados.
E,
26 - Não o fizeram, porque de facto, não conseguiram - tal como nós não conseguimos - identificar qualquer norma legal, regulamentar ou estatutária que tenha sido violada pelos operadores judiciários ou órgão auxiliar de justiça.
De modo que,
27 - Ponderada toda a alegação vertida neste recurso não vemos que tenha havido uma ação (ou omissão) ilícita que impusesse aos operadores judiciários e órgãos auxiliares de justiça que tiveram participação no Processo Cível n.º 1.357/99, uma atuação diferente pautada por outros critérios que não aqueles pelos quais acabaram por ter, maxime, a ilicitude da sua atuação, designadamente na produção em “tempo útil” da sentença final.
Pelo que,
28 - Cumpre aqui reforçar que as decisões judiciais que foram revogadas pelos Tribunais Superiores, não significa que se tornem, ipso facto, de ilegais, nem significa que a atuação dos Meritíssimos Juízes recorrido tenham sido culposas, menos cuidadas ou negligentes, fossem levianas ou precipitadas, mas, tão só, que haverá uma visão diferente da mesma factualidade.
O que,
29 - Equivale por dizer que os Meritíssimos Juízes que exerceram a sua função jurisdicional no Processo Cível n.º 1.357/99, pautaram a sua atividade funcional pela diligência e formação técnica exigíveis, segundo critérios de normalidade e com respeito pelos comandos legais, pelo que também não foi violada nenhuma regra de ordem técnica ou o dever de cuidado, configuradores de facto ilícitos, tal como é previsto no artigo 9º, nº 1 do RRCEEDEP.
30 - Não se verificando este pressuposto da responsabilidade civil extracontratual (ilicitude), a pretensão dos Autores/Recorrentes soçobra, sendo desnecessário, porque inútil, proceder-se à apreciação dos demais pressupostos da responsabilidade civil.
Mais importa referir que,
31 - Sobre a repartição do ónus da prova neste tipo de ações é doutrina e jurisprudência corrente e unânime no sentido de ser o Autor/Recorrente, como regra geral, quem terá de provar aqueles requisitos, ou seja, além de incumbir ao Autor a iniciativa de afirmar os factos essenciais ao direito, recai sobre ela, igualmente, por força do disposto no artigo 342º do CC, o ónus de fazer a prova desses factos constitutivos do direito. [ Neste sentido: Ac.s do STA de 20/3/2003 (Pº 0194/02),24/3/04 (Pº 01690/02), 26/9/07 (Pº 0569/06) e de 14/2/2008 (Pº 0749/07) e do STJ de 20/X/05 (Pº 05B2490), in http://www.dgsi.pt]
32 - Entrando agora na análise da situação à luz do artigo 13º do RRCEEDEP, cumpre sublinhar que por força desse dispositivo legal só as decisões jurisdicionais, causadoras de danos, manifestamente inconstitucionais ou ilegais (erro manifesto de direito), ou “injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto (erro grosseiro de facto), dão lugar a responsabilidade civil por erro judiciário.
33 - Assim, para além dessa norma legal pressupor, para a ocorrência de tal responsabilidade, a prolação de uma decisão judicial, não se basta com uma mera ilegalidade da solução jurídica adotada nesta, antes deverá revelar-se como uma decisão que, de modo evidente, crasso e palmar seja contrária à Constituição ou à lei, e por isso desconforme ao direito, e que não possa aceitar-se como uma das soluções plausíveis de direito, enquanto o erro de facto, deverá configurar-se como um clamoroso e arbitrário erro de avaliação dos meios de prova.
Da culpa
34 - É sabido que, só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”, nos termos do artigo 483º, nº 2 do CC.
Ora,
35 - A apreciação da culpa é aferida, segundo o artigo 10º, nº 1 do RRCEEDEP pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
Exige,
36 - O princípio da culpa, um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente por não proceder com o cuidado que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, e representar como possível a realização de um facto que viole a lei, regulamentos e as «leges artis» exigíveis na situação concreta.
Ora,
37 - É preciso que haja um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência, uma imprudência e temeridade inútil, indesculpável, mas voluntária embora não intencional.
E,
38 - Não se presumindo, a mesma, e havendo mostrar-se consubstanciada ou materializada em factos ou atos concretos, a PI é igual e completamente omissa nesse particular.
Com efeito,
39 - A este propósito, os ora Autores/Recorrentes limitam-se, de forma gratuita, a apregoar por erros judiciários a coberto de conclusões, considerações subjetivas e ilações sem o mínimo suporte lógico e racional com a realidade que fundamentou as decisões judiciais em causa.
Sem embargo,
40 - Sempre se repetirá que, como tem vindo a ser entendido de forma repetida e consensual pela jurisprudência, nem todo o erro praticado pelo juiz poderá constituir fundamento de responsabilidade civil, mas, tão só, aquele que, salvaguardada a essência daquela função jurisdicional, seja grosseiro, (aberratio legis), evidente, palmar, indiscutível, e de tal modo grave que torne a decisão judicial uma decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas. [ Ac. do STJ de 20/X/05 (Pº 05B2490), 18/6/06 (Pº 06A1979), 15/2/07 (Pº 06B14565), 8/9/09 (Pº 368/09.3YFLSB) e de 28/2/12 (Pº 825/06.3TVLSB.L1.51) e do Tribunal dos Conflitos de 22/9/2011 (Pº 05/11), todos in http://www.dgsi.pt.]
Por outro lado,
41 - O erro na apreciação dos pressupostos de facto, só releva para efeitos de indemnização quando se verifica um erro clamoroso, erro de avaliação dos meios de prova, o denominado erro grosseiro, no sentido de que terá de traduzir-se na falta de correspondência entre os motivos de facto em que o julgador fundamentou a decisão e a realidade concreta revelada, de forma clara e inequívoca, pelo processo. [ Carlos A. F. Cadilha, ob cit., pág. 211]
E
42 - É bem de ver que assim seja já que é imperioso ter em conta que a ação de julgar não pode ser vista sem estar em confronto com outras normas e princípios constitucionais e legais, mormente, que definem a estrutura do poder judicial, a organização dos tribunais e o estatuto dos juízes, como os artigos 202º, nºs 1 e 2, 203º, 216º, nº 2 da CRP, 3º, nº 2, 4º, nºs 1 e 2, 5º, nº s 1, 2 e 3 do EMJ (Lei 21/85) e 8º do CC, o que acarreta sempre alguma subjetividade impeditiva de uma perfeita conciliação, entre os valores e princípios envolvidos da independência e imparcialidade dos Juízes com o princípio da responsabilidade do Estado por atos ilícitos.
43 - É, pois, manifestamente infundada e despropositada a imputação feita pelos Autores às sobreditas decisões judiciais, como contendo erros grosseiros de facto e de direito.
Do nexo causal entre o facto e o dano
44 - Neste aspeto, porém, como já se deixou antever, não existe uma causalidade direta, nem adequada entre os invocados factos ilícitos e os danos indicados pelos Autores, pelo simples facto de os vícios apontados por eles não terem lesado nenhum direito dos mesmos que estejam contemplados em norma legal que, para tanto, vise a proteção desse direito, nem se revelarem na violação de regras de ordem técnica ou deveres de cuidado.
Depois,
45 - Os Autores/Recorrentes requerem um único pedido indemnizatório, com base em três (3) causas concretas, da autoria de magistrados diferentes, individualizadas e independentes umas das outras, com os factos já prescritos, constituindo cada uma um procedimento autónomo danoso, não se apurando, por isso, qualquer nexo lógico de causa-efeito entre elas, suscetíveis de gerar pretensões indemnizatórias autónomas, sem que se saiba, desde logo, por efeito da dedução de um pedido genérico, quais os prejuízos que estão relacionados com uma ou outra das várias causas invocadas.
Ou seja,
45 - Alicerçam o pedido, sem que a sua procedência dependa da apreciação dos mesmos factos, ou seja, não se verifica na vertente situação de solidariedade passiva ou unicidade da fonte das relações materiais em litígio, dependência entre o pedido ou a conexão substancial entre os fundamentos deste.
E,
46 - A indicação concreta dos prejuízos em função de cada uma daquelas causas de pedir reveste de maior importância, nomeadamente para efeitos de prescrição, caso julgado, coresponsabilização dos diversos magistrados e eventualmente do direito de regresso.
E,
47 - Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a ação naufraga. [ J. Alberto dos Reis, in “Comentário ao C.P. Civil”, Vol. 2º, 1945, pág. 372]
Assim,
48 - Fica, pois, por esclarecer, neste recurso, quais os danos causados por cada uma das causas de pedir.
Posto isto, quanto aos alegados danos
49 - Dir-se-á, só por mera cautela, que, além de não se reconhecer que os alegados danos possam vir a ser considerados como consequência de atuação ilegal do Réu – Estado português, mostra-se infundado e inadequado o pedido quanto a eles, pelo que não pode deixar de se impugnar o pedido dos Autores pois não traduzem nem tem correspondência com os danos eventualmente sofridos.
De acordo,
50 - O preceituado no artigo 496º do CC, apenas são de considerar aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo essa gravidade medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos.
Assim,
51 -Em situações em que se mostre alegado e provado sem mais que determinado sujeito sofreu "desgaste", ou "ansiedade", ou “angústia”, ou “preocupações”, ou “aborrecimentos” em consequência da conduta ilícita e culposa, tal é insuficiente para qualificar os danos como graves para efeitos do n.º 1 do art. 496.º do C. Civil, porquanto é necessário que tais realidades se mostrem objetivamente concretizadas, que a sua amplitude, intensidade e duração se revele descrita e demonstrada, para que o julgador possa levar a cabo a tarefa em foi investido pelo legislador face ao disposto no citado normativo. [ Acórdão do STA de 30/03/2006 (Pº 00005/04.2BEPRT), in http://www.dgsi.pt]
Ou,
52 -… uma simples “angústia e incerteza” não consomem a exigência de gravidade dos danos não patrimoniais merecedora da tutela do direito para efeitos”. [ Ac. do STA de 31/5/05 (Pº 0127/03), do TCAN de 30/3/06 (Pº 00005/04.2BEPRT),in http://www.dgsi.pt]
Acresce que,
53 - Se os pretensos danos derivaram dos riscos próprios e normais da atividade jurisdicional, exercida em benefício da sociedade, designadamente, no que diz respeito ao direito constitucional da administração da justiça, não reconduz à obrigação de indemnizar.
Por todo o exposto,
54 - Não houve, por parte de qualquer magistrado do MP ou magistrado judicial, violação ou omissão de quaisquer preceitos constitucionais, legais, ou regulamentares, ou ainda de regras gerais aplicáveis aos padrões de atuação dos órgãos ou serviços do Estado, que confiram proteção aos Autores, em termos de responsabilidade civil, na sua relação com o Réu – Estado português, pelo que se refutam todos os factos, aspetos e argumentos, assinalados, a esse respeito, na PI.
Daí que,
55 - Justificada e comprovada a legalidade de toda a atuação dos Servidores do Estado, e ficando, consequentemente, por demonstrar a prática de factos suscetíveis da verificação quer da ilicitude quer da culpa por parte de qualquer magistrado, obsta a que o Réu - Estado português seja responsável pelo pagamento de qualquer indemnização, sendo que os invocados prejuízos a existirem, não resultam, de forma alguma, do anátema que os Autores lançam sobre o MP e o Tribunal respetivamente.
56 - Em conclusão, carece totalmente de fundamento o presente recurso pelo que deve ser mantida a sentença proferida no tribunal a quo, designadamente no que concerne à matéria de facto fixada e não fixada, bem como à sua fundamentação.
De modo que,
57 – Não foram violados os artigos 3º, 7º, 8º e 9º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro (RRCEEDEP) e artigo 483º, do CC, bem como o disposto no artigo 20º da CRP e no artigo 6º da CEDH
58 – Devendo, por isso, as razões recursivas serem denegadas in totum.
E consequentemente,
59 – Ser mantida nos seus precisos termos a douta sentença a quo ora posta em crise quanto às matérias de facto e de direito, bem como à conclusão jurídica a que chegou quanto à absolvição do pedido.
Vossas Excelências Venerandos Desembargadores apreciando e mantendo o sentido da douta sentença judicial a quo ora posta em crise pelos Autores/Recorrentes, negando provimento integral ao recurso, farão dessa forma a sã e habitual Justiça!”.

De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, as questões suscitadas [ Tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões, nas quais deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade — artigos 608º, nº 2, e 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil ex vi artº 140º do CPTA.] e a decidir [ Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.], se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece de erro quanto à matéria de facto e de direito, nas concretas questões pontualmente adiante identificadas.
Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA
A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte:
1 – No dia 30 de outubro de 1993, um agente da PSP do Porto participou que RM tinha sido vítima de uma queda quando circulava com a sua motorizada na rua CC – Cfr. fls. 46 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
2 – No dia 31 de outubro de 1993, um agente da PSP do Porto efetuou uma adenda à participação de 30 de outubro de 1993, em que referiu que MCM comunicou que tinha sido informada que o seu marido tinha sido atropelado – Cfr. fls. 47 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
3 – No dia 02 de novembro de 1993, um agente da PSP do Porto efetuou uma participação em que referiu que CM, irmão do RM, informou que o seu irmão tinha sido atropelado por JF – Cfr. fls. 47 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
4 – No dia 24 de março de 1994, a Autora MCM, apresentou na PSP do Porto, denúncia contra JF, com fundamento em que o mesmo, em 30 de outubro de 1993, atropelou o seu marido RM, e fugiu, tendo o Ministério Público delegado a realização de inquérito nessa mesma autoridade policial – Cfr. fls. 2 e 3 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
5 – No dia 23 de junho de 1994, a Autora MCM, assim como JF foram ouvidos na PSP do Porto – Cfr. fls. 12 e 13 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
6 – Depois de cumpridas diligências instrutórias no Inquérito criminal, no dia 19 de junho de 1995, JF foi constituído arguido – Cfr. fls. 70 e 71 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
7 – Depois de corrido o inquérito [designadamente com a inquirição de testemunhas, e a realização de perícias médico-legais], em 05 de março de 1996, foram os autos apresentados ao senhor Procurador da República, que em 09 de janeiro de 1997, acusou JF pelo crime de ofensas corporais por negligência, previsto e punido pelo artigo 148.º, n.º 3 do Código Penal – Cfr. fls. 86 a 88 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
8 - Por ofício datado de 10 de janeiro de 1997, MCM foi notificada pelos Serviços do Ministério Público junto do TIC do Porto, de que tinha sido deduzida acusação contra JF, do que recebeu cópia, e para, em 5 dias, requerer o que tiver por conveniente, o que nada disse – Cfr. fls. 89 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
9 – No dia 27 de janeiro de 1997, MCM constituiu mandatário judicial – Cfr. fls. 91 e 92 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
10 – No dia 19 de fevereiro de 1997, MCM apresentou nos Serviços do Ministério Público junto do TIC do Porto, pedido de indemnização contra MPF, S.A. e JF - Cfr. fls. 95 a 161 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
11 – No dia 21 de fevereiro de 1997, JF apresentou no TIC do Porto, requerimento para abertura de instrução [que gerou o Processo n.º 132/97], o que foi recebido por douto despacho datado de 13 de março de 1997, que determinou a realização de diligências - Cfr. fls. 162 a 168 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
12 – No dia 29 de outubro de 1997, o HGSA deduziu junto do TIC do Porto, pedido de indemnização cível contra DL, Ld.ª, JF e MPF, S.A. - Cfr. fls. 176 a 180 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
13 – Depois de corrida instrução, com a realização de diligências instrutórias junto do TIC do Porto, por douto despacho datado de 04 de fevereiro de 1998, foi entre o mais, designado o dia 27 de abril de 1998, para a realização de debate instrutório - Cfr. fls. 188 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
14 - No dia 11 de março de 1998, MCM apresentou requerimento ao Presidente do Tribunal da Relação do Porto, onde referiu, em suma, que ainda não havia despacho de pronúncia, e que o julgamento iria durar pelo menos 5 anos, que o mesmo [Presidente do Tribunal da Relação do Porto] remeteu ao Juiz Presidente do TIC, por ofício datado de 16 de março de 1998 - Cfr. fls. 191 e 192 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
15 – No dia 27 de abril de 1998, foi levado a cabo debate instrutório no TIC, no Processo 132/97, tendo o arguido JF sido pronunciado pelo crime de ofensas corporais por negligência, previsto e punido pelo artigo 148.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal de 1982, e na versão do CP de 1995, de um crime de ofensa à integridade física por negligência – Cfr. fls. 195 a 198 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
16 – Em 18 de maio de 1998, os autos de instrução criminal, Processo 132/97, foram remetidos aos Juízos Criminais do Porto, para distribuição – Cfr. fls. 201 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
17 – Por douto despacho datado de 17 de junho de 1998, proferido no 1.º juízo criminal do Porto, foi entre o mais designado o dia 15 de junho de 1999 para realização de audiência de julgamento, assim como admitidos os pedidos de indemnização cíveis – Cfr. fls. 202 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
18 – No dia 09 de julho de 1998, a MPF, S.A., deduziu Contestação visando os pedidos cíveis apresentados pelo HGSA, e por MCM – Cfr. fls. 207 a 243 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
19 – No dia 15 de setembro de 1998, JF, deduziu Contestação visando os factos de que vinha acusado – Cfr. fls. 260 a 262 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
20 – Por douto despacho datado de 21 de dezembro de 1998, proferido no 1.º juízo criminal do Porto, entre o demais, os Réus foram absolvidos dos pedidos de indemnização contra si formulados pela MCM e pelo seu filho, do que o seu mandatário foi notificado por carta registada de 06 de janeiro de 1999 – Cfr. fls. 202 e 266 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
21 – No dia 15 de junho de 1999, NLC, curador na ação interposta visando o seu pai, RM, requereu a ratificação de todos os atos processuais praticados por sua mãe [MCM] – Cfr. fls. 282 e 283 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
22 – Por douto despacho datado de 15 de junho de 1999, foi declarado extinto, por efeito de amnistia, o procedimento criminal instaurado, tendo ainda sido determinado o arquivamento dos autos, do que MCM foi notificada nesse dia, por se encontrar presente no Tribunal, assim como o seu mandatário constituído – Cfr. fls. 280, 266 e 300 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
23 – Por douto despacho datado de 21 de setembro de 1999, foi declarada extinta a instância cível, do que foi notificado NALC, na qualidade de curador de RM, que nessa sequência veio alegar e a final requerer a revogação desse douto despacho, por requerimento datado de 06 de outubro de 1999 – Cfr. fls. 297 verso, e 298 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
24 – Por douto despacho datado de 16 de novembro de 1999, procedendo informação da Secretaria datada de 19 de outubro de 1999, foi apreciado o requerimento datado de 06 de outubro de 1999, do que foi notificado o Senhor mandatário constituído - Cfr. fls. 280 verso, 300 e 301 verso dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
25 – O HGSA requereu o prosseguimento dos autos para apreciação de pedido de indemnização formulado, o que foi prosseguido por douta decisão datada de 20 de setembro de 2000 - Cfr. fls. 309, e 318 a 320 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
26 – No dia 18 de fevereiro de 2000, NLC, curador na ação interposta visando o seu pai, RM, por mandatário judicial por si constituído, requereu a consulta do Processo e a emissão urgente de certidões para juntar a processo que corria termos no Tribunal Cível do Porto, o que foi deferido por douto despacho – Cfr. fls. 311 e 314 dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
27 – Em 17 de dezembro de 1999, RM intentou ação ordinária comum contra a MPF, S.A. – Cfr. fls. 2 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
28 – A citação da MPF foi feita em 11 de janeiro de 2000 - Cfr. fls. 82 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
29 – A Contestação foi deduzida pela MPF em 07 de fevereiro de 2000 - Cfr. fls. 83 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
30 – A Réplica foi deduzida pelo Autor em 28 de fevereiro de 2000 - Cfr. fls. 207 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
31 – Em 06 de março de 2000, o filho do Autor, NALC, na qualidade de seu curador provisório, requereu a intervenção principal provocada do condutor do veículo e da proprietária do veículo, o que foi deferido por douto despacho datado de 02 de maio de 2000 - Cfr. fls. 212 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
32 – Os chamados JF e DL, Ld.ª, deduziram Contestação em 07 de junho de 2000 - Cfr. fls. 336 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
33 – Por douto despacho datado de 17 de outubro de 2000, foi designado dia para realização de audiência preliminar - Cfr. fls. 348 – verso dos autos de Processo n.º 1357/1999;
34 – No dia 12 de dezembro de 2000, foi realizada audiência preliminar, que continuou em 12 de janeiro de 2001, tempo em que foi fixada a base instrutória - Cfr. fls. 391 e seguintes, e 400 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
35 – Por douto despacho datado de 25 de fevereiro de 2001, foram, entre o mais, admitidos os meios de prova - Cfr. fls. 433 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
36 – No dia 07 de novembro de 2001, foi realizada perícia médico-legal a RM - Cfr. fls. 488 a 495 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
37 – Por douto despacho datado de 07 de junho de 2002, foi designada data para realização da audiência final, para o dia 29 de outubro de 2002 - Cfr. fls. 517 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
38 – Por requerimento datado de 07 de outubro de 2002, o Autor [representado pelo seu filho, seu curador], requereu que a testemunha EC, que se encontrava a trabalhar na Irlanda, fosse ouvido por teleconferência a partir do Tribunal da sua área de residência, ou do Consulado Português mais próximo, tendo ainda reorganizado a sua prova testemunhal a produzir, num total de 19 [dezanove] pessoas - Cfr. fls. 568 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
39 – Na sequência de requerimento datado de 28 de outubro de 2002, do Interveniente JF, foi adiada a realização da audiência de julgamento para o dia 16 de janeiro de 2003 - Cfr. fls. 658 e 659 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
40 – Por requerimento datado de 11 de novembro de 2002, o Autor [representado pelo seu filho, seu curador], interpôs recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto, visando douto despacho de indeferimento de substituição de testemunha, que foi admitido por douto despacho datado de 25 de novembro de 2002 - Cfr. fls. 687 e 696 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
41 – Por requerimento datado de 10 de janeiro de 2003, o Autor [representado pelo seu filho, seu curador], informou que a testemunha EC, que se encontrava a trabalhar na Irlanda, mudou de residência, e que fosse ouvido por teleconferência como já havia sido requerido - Cfr. fls. 734 e 735 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
42 - No dia 16 de janeiro de 2003, realizou-se audiência de julgamento, tendo previamente o Autor reclamado alteração da base instrutória, o que foi deferido - Cfr. fls. 741 a 745 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
43 - Por requerimento datado de 28 de janeiro de 2003, a Ré MPF interpôs recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto, visando o deferimento da reclamação da base instrutória, que foi admitido por douto despacho datado de 12 de fevereiro de 2003 - Cfr. fls. 783 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
44 - No dia 17 de fevereiro de 2003, realizou-se nova sessão de audiência de julgamento, tendo previamente o Autor peticionado a ampliação do pedido - Cfr. fls. 800 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
45 - No dia 03 de abril de 2003, realizou-se nova sessão de audiência de julgamento, com realização de acareação entre duas testemunhas - Cfr. fls. 895 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
46 - No dia 06 de maio de 2003, realizou-se nova sessão de audiência de julgamento - Cfr. fls. 984 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
47 – Por douto despacho datado de 06 de maio de 2003, foi deferida a ampliação do pedido requerida pelo Autor - Cfr. fls. 988 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
48 - No dia 05 de junho de 2003, realizou-se nova sessão de audiência de julgamento, não tendo sido inquirida por teleconferência, a testemunha residente na Irlanda do Norte, para o que foi designada nova data - Cfr. fls. 1017 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
49 - No dia 28 de outubro de 2003, realizou-se nova sessão de audiência de julgamento, para inquirição por teleconferência, da testemunha residente na Irlanda do Norte, tendo a final sido designado dia para leitura da decisão sobre a matéria de facto - Cfr. fls. 1053 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
50 - No dia 09 de dezembro de 2003, foi proferida decisão sobre a matéria de facto - Cfr. fls. 1060 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
51 - No dia 10 de dezembro de 2003, a Mm.ª Juíza titular do processo aditou factos assentes e retificou a base instrutória, tendo de seguida emitido a sentença, tendo os Réus [MPF, JF e DL, Ld.ª] sido condenados solidariamente a pagar ao Autor a quantia de 288.606,40 euros - Cfr. fls. 1066 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
52 – Por requerimentos datados de 19 de dezembro de 2003 e de 22 de dezembro de 2002, a Ré e o Autor, respetivamente, interpuseram recurso da douta sentença proferida - Cfr. fls. 1088 e 1091 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
53 – Por requerimento datado de 06 de janeiro de 2004, o Autor requereu a retificação de erros materiais da douta sentença proferida - Cfr. fls. 1204 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
54 – Por requerimento datado de 06 de janeiro de 2004, a Ré arguiu a nulidade da resposta à matéria de facto e interpôs recurso - Cfr. fls. 1210 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
55 – Por requerimento datado de 06 de janeiro de 2004, o Interveniente JF requereu a reforma da douta sentença - Cfr. fls. 1218 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
56 – Por requerimento datado de 13 de janeiro de 2004, a Interveniente DL, Ld.ª, interpôs recurso da douta sentença - Cfr. fls. 1244 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
57 – Por douto despacho datado de 05 de março de 2004, foram admitidos os recursos interpostos, assim como retificada a sentença, mas indeferidas as nulidades arguidas pela Ré, do que a mesma interpôs recurso de agravo, que foi admitido por douto despacho datado de 29 de março de 2004 - Cfr. fls. 1251 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
58 – Por douto despacho datado de 23 de junho de 2004, entre o mais, foi ordenada a subida dos autos ao Tribunal da Relação do Porto, com conclusão aberta em 17 de setembro de 2004, após o que foi prosseguida instrução, tendo em 02 de junho de 2005 sido proferido douto despacho - Cfr. fls. 1251 e seguintes dos autos de Processo n.º 1357/1999;
59 – Por douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 15 de novembro de 2005, foi anulada a douta sentença proferida, e determinada a sua substituição, reformulando a quesitação elaborada e a notificação às partes para exercício dos respetivos direitos processuais, ampliando-se ainda a matéria de facto, e confirmada a decisão em torno da invocada prescrição - Cfr. fls. 1703 a 1740 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
60 – Por requerimento datado de 02 de dezembro de 2005, a Ré MPF interpôs recurso de revista do douto Acórdão, para o STA [que não foi admitido por douto despacho datado de 02 de março de 2006], tendo o Autor apresentado esclarecimento para a Conferência - Cfr. fls. 1742 e 1756 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
61 – Por douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 24 de janeiro de 2006, foi decidido pela desnecessidade de prestação de esclarecimento - Cfr. fls. 1771 a 1773 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
62 – O Processo n.º 1357/1999 baixou à 1.ª instância, tendo em 20 de abril de 2006 sido proferido douto despacho visando a base instrutória, do que o Autor, a Ré e o Interveniente JF deduziram Reclamação - Cfr. fls. 1781, 1786, 1795 e 1798 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
63 – Na sequência do douto despacho datado de 07 de junho de 2006, foi realizada audiência de julgamento, na data de 20 de julho de 2006, mediante acordo entre as partes - Cfr. fls. 1855, 1868, e 1900 a 1903 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
64 – Por requerimento datado de 06 de outubro de 2006, o curador do Autor, seu filho, informou os autos que o mesmo tinha falecido no dia 13 de setembro de 2006, tendo sido determinada a suspensão da instância - Cfr. fls. 1919, 1933 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
65 – Por requerimento datado de 31 de outubro de 2006, os sucessores do Autor requereram a sua habilitação, tendo em 08 de novembro de 2006, junto escritura pública de habilitação, na sequência do que, por douta decisão datada de 22 de novembro de 2006, foram os requerentes habilitados - Cfr. fls. 1960 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
66 – Na sequência do douto despacho datado de 05 de janeiro de 2007, foi realizada audiência de julgamento, em 21 de fevereiro de 2007, cuja audiência foi suspensa - Cfr. fls. 1986 e 2040 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
67 – Na sequência do douto despacho datado de 19 de março de 2007, foi realizada audiência de julgamento, em 22 de março de 2007, que teve continuação em 16 de abril de 2007, para inquirição da testemunha na Irlanda do Norte, o que também nesta data não foi possível, tendo sido agendada para o efeito, nova data, em 17 de maio de 2007 - Cfr. fls. 2085, 2095 e 2107 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
68 – Em 17 de maio de 2007, foi realizada audiência de julgamento, tendo entre o mais sido designado o dia 21 de maio de 2007, posteriormente alterado para o dia 22 de maio de 2007, para a leitura da decisão sobre a matéria de facto - Cfr. fls. 2108, e 2114 a 2117 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
69 – Por requerimento dos Autores, datado de 04 de junho de 2007, foi interposto recurso de agravo, o que foi deferido por douto despacho datado de 05 de junho de 2007 - Cfr. fls. 2123 e 2128 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
70 - No dia 19 de junho de 2007, o Mm.º Juiz titular do processo emitiu a sentença devida, tendo a Ré e os Intervenientes sido condenados solidariamente a pagar ao Autor, nas pessoas dos habilitados, a quantia de 282.936,19 euros - Cfr. fls. 2132 a 2143 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
71 – Por requerimentos datados de 02 de julho de 2007, e de 03 de julho de 2007, a Ré, os habilitados do Autor, e o Interveniente JF, respectivamente, interpuseram recurso da douta sentença proferida, que foi admitido por douto despacho datado de 10 de julho de 2007, tendo sido determinada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto, em 20 de novembro de 2007 - Cfr. fls. 2150, 2154, 2159 e 2172 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
72 – Por douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 21 de abril de 2008, foi dado provimento aos recursos interpostos, tendo sido alterada a matéria de facto, absolvidos os Intervenientes e condenada a Ré MPF no pagamento aos Autores da quantia de 162.837,73 euros - Cfr. fls. 2425 a 2454 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
73 – Por requerimentos datados de 07 de maio de 2008 e 08 de maio de 2008, os Autores e a Ré, interpuseram recurso de revista do douto Acórdão, para o STJ, que foi admitido por douto despacho datado de 16 de maio de 2008 - Cfr. fls. 2465 e 2486 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
74 – Por douto Acórdão do STJ, datado de 18 de novembro de 2008, foi decidido determinar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto, para novo julgamento, com os fundamentos enunciados - Cfr. fls. 2638 a 2652 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
75 – Por requerimento do Interveniente JF, datado de 11 de dezembro de 2008, foi invocada a ocorrência de nulidade, que por douto acórdão do STJ, datado de 27 de janeiro de 2009, foi julgado não ocorrer - Cfr. fls. 2664 e 2683 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
76 – O Processo n.º 1357/1999 baixou ao Tribunal da Relação do Porto, em 10 de março de 2009, tendo sido proferido douto despacho datado de 25 de setembro de 2009, que determinou a remessa á 1.ª instância - Cfr. fls. 2652 e 2564 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
77 – Na sequência do douto despacho datado de 25 de setembro de 2009, os Autores reclamaram para a conferência, o que foi indeferido por douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 15 de julho de 2009 - Cfr. fls. 2660 e 2677 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
78 – Por requerimento datado de 24 de julho de 2009, os Autores interpuseram recurso de revista do douto Acórdão, para o STJ, que foi admitido por douto despacho datado de 09 de setembro de 2009, cujo recurso de agravo não mereceu provimento, em 17 de dezembro de 2009 - Cfr. fls. 2665 e 2698 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
79 – Em 13 de dezembro de 2009, na 1.ª instância, foi proferido douto despacho provendo pela marcação de audiência de julgamento e na fixação de base instrutória, para instrução dos autos - Cfr. fls. 2743 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
80 – Por requerimentos do Interveniente JF e dos Autores, de 03 e 04 de dezembro de 2009, foi deduzida reclamação contra a seleção da matéria de facto [e ainda arguida nulidade pelo Interveniente] - Cfr. fls. 2749 e 2759 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
81 – Foi realizada audiência de julgamento, em 28 de janeiro de 2010, cuja audiência foi suspensa - Cfr. fls. 2776 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
82 – Foi realizada audiência de julgamento, em 15 de abril de 2010, que por não comparência de testemunhas [incluindo a testemunha residente na Irlanda do Norte] foi adiada para o dia 27 de maio de 2010, que neste dia também não se realizou, designadamente por indisponibilidade da teleconferência para aquele país - Cfr. fls. 2816, 2829 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
83 – Na sequência do douto despacho datado de 05 de julho de 2010, foi designado para continuação da audiência de julgamento, o dia 16 de fevereiro de 2011 - Cfr. fls. 2831 e 2882 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
84 – Na audiência de julgamento realizada no dia 16 de fevereiro de 2011, os Autores, a Ré e o Interveniente JF alcançaram acordo, envolvendo também o Processo n.º 1977/09.6BEPRET, tendo a Ré MPF acordado no pagamento aos Autores, do valor global de 350.000,00 euros, o que foi homologado por douta sentença, nos precisos termos - Cfr. fls. 2831 e 2882 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
85 - Tendo os Autores sido notificados da conta de custas, dela reclamaram, que por douto despacho datado de 26 de abril de 2011 foi deferida - Cfr. fls. 2916 e 2927 dos autos de Processo n.º 1357/1999;
86 - No dia 08 de setembro de 2009, os Autores, por si, intentaram ação de processo comum ordinária contra a MPF, S.A., JF e DL, Ld.ª, tendo a final da Petição inicial peticionado uma indemnização por danos patrimoniais, a quantia de 300.000,00 euros, por perda do direito à vida de RV, a quantia de 60.000,00 euros, e na indemnização de 60.000,00 euros [30.000,00+30.000,00 euros] por danos morais, a favor da Autora e do Autor – Cfr. fls. 2 dos autos de Processo n.º 1977/09.6TVPRT;
87 – Os demandados foram citados em 09 de setembro de 2009 – Cfr. fls. 35 e seguintes dos autos de Processo n.º 1977/09.6TVPRT;
88 – A Ré MPF deduziu Contestação em 12 de outubro de 2009 – Cfr. fls. 42 e seguintes dos autos de Processo n.º 1977/09.6TVPRT;
89 – O Réu JF deduziu Contestação – Cfr. fls. 105 e seguintes dos autos de Processo n.º 1977/09.6TVPRT;
90 – Em 28 de outubro de 2009, os Autores remeteram documentos ao Tribunal – Cfr. fls. 138 e seguintes dos autos de Processo n.º 1977/09.6TVPRT;
91 – Os Autores deduziram Réplica – Cfr. fls. 249 e seguintes dos autos de Processo n.º 1977/09.6TVPRT;
92 – Em 11 de janeiro de 2010, os Autores remeteram documentos ao Tribunal – Cfr. fls. 262 e seguintes dos autos de Processo n.º 1977/09.6TVPRT;
93 – Em 07 de setembro de 2010, foi realizada audiência preliminar no Processo n.º 1977/09.6TVPRT, onde entre o mais foi proferido despacho saneador, tendo as partes, posteriormente, apresentado os seus requerimentos probatórios – Cfr. fls. 330 a 345 dos autos de Processo n.º 1977/09.6TVPRT;
94 – Por ofício datado de 17 de fevereiro de 2011, foi remetida ao Processo n.º 1977/09.6TVPRT, certidão da sentença proferida no Processo n.º 1357/1999 – Cfr. fls. 420 e seguintes dos autos de Processo n.º 1977/09.6TVPRT;
95 – Por douta sentença proferida no Processo n.º 1977/09.6TVPRT, foi homologada a transação alcançada pelas partes no Processo n.º 1357/1999 – Cfr. fls. 425 dos autos de Processo n.º 1977/09.6TVPRT;
96 – No dia 28 de outubro de 1997, MCM, apresentou no TIC do Porto, providência cautelar visando a concessão de alimentos contra MPF, S.A., – Cfr. fls. 2 dos autos 357/A/1998, apenso ao Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
97 – No dia 09 de julho de 1998, MPF S.A. apresentou Contestação na referida providência cautelar visando a concessão de alimentos – Cfr. fls. 11 dos autos 357/A/1998, apenso ao Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
98 – No dia 09 de julho de 1998, foi realizada audiência de julgamento no 1.º Juízo Criminal do Porto, tendo a MCM declarado desistir da instância da providência cautelar visando a concessão de alimentos – Cfr. fls. 49 dos autos 357/A/1998, apenso ao Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
99 – No dia 16 de dezembro de 1998, MCM intentou no Tribunal Cível do Porto, ação especial de interdição contra RM, que correu termos sob o Processo n.º 1516/98 – Cfr. fls. 2 dos autos 1516/98, apenso ao Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
100 – Na sequência das diligências instrutória levadas a cabo, no dia 23 de maio de 2000, foi proferida douta sentença, pela qual foi decretada a interdição de RM e a nomeação de seu filho, NALC, como seu tutor, no que o mesmo foi investido em 21 de setembro de 2000 – Cfr. fls. 39 e 42 dos autos 1516/98, apenso ao Processo Comum (tribunal singular) n.º 5679/94 [ex 357/98];
101 – No dia 05 de janeiro de 2000, RM, representado pelo seu curador provisório, o seu filho NLC, apresentou no Tribunal Cível da Comarca do Porto, providência cautelar contra MPF, S.A., visando o arbitramento de renda mensal, tendo sido designado para julgamento, o dia 28 de janeiro de 2000 – Cfr. fls. 2 e 9 dos autos 1357/99/A, apenso ao Processo n.º 1357/99;
102 – A Companhia de Seguros MPF S.A. apresentou Contestação na referida providência cautelar – Cfr. fls. 17 a 80 dos autos 1357/99/A, apenso ao Processo n.º 1357/99;
103 – Por douta sentença datada de 28 de janeiro de 2000, proferida em audiência de julgamento, foi julgado da ocorrência da prescrição do direito à indemnização, do que o Requerente deduziu recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que foi admitido por douto despacho datado de 14 de fevereiro de 2000 – Cfr. fls. 82 a 88, e 91 dos autos 1357/99/A, apenso ao Processo n.º 1357/99;
104 – Por douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 13 de novembro de 2000, foi revogada a douta sentença datada de 14 de fevereiro de 2000, e determinada a baixa dos autos para prossecução de termos – Cfr. fls. 206 a 213 dos autos 1357/99/A, apenso ao Processo n.º 1357/99;
105 – Por requerimento da MPF, S.A., foi interposto recurso do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 13 de novembro de 2000, para o STJ, que foi admitido por douto despacho proferido no Tribunal da Relação do Porto, mas que por douto despacho proferido no STJ, datado de 10 de maio de 2001, não foi admitido – Cfr. fls. 256 e 257 dos autos 1357/99/A, apenso ao Processo n.º 1357/99;
106 – Corridas diligências na 1.ª instância, por douto despacho datado de 20 de julho de 2001, foi designado o dia 02 de agosto de 2001 para realização de audiência de julgamento, que continuou em 19 de outubro de 2001, em 27 de novembro de 2011, em 10 de dezembro de 2001, e em 08 de janeiro de 2002 – Cfr. fls. 264, 267, 284 verso, 306, 329, 343, e 346 dos autos 1357/99/A, apenso ao Processo n.º 1357/99;
107 – Por douta sentença datada de 09 de janeiro de 2002, proferida em audiência de julgamento, foi julgado, em suma, que a culpa pelo ocorrência do acidente foi de RM, e que não se encontrava indiciada a existência de obrigação de indemnizar do condutor do veículo automóvel, tendo sido julgado improcedente o pedido de arbitramento – Cfr. fls. 348 a 352 dos autos 1357/99/A, apenso ao Processo n.º 1357/99;
108 – Por requerimento de NLC em representação de RM, datado de 17 de janeiro de 2002, foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que foi admitido por douto despacho datado de 23 de janeiro de 2002 – Cfr. fls. 354, 359 dos autos 1357/99/A, apenso ao Processo n.º 1357/99;
109 – Por douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 30 de setembro de 2003, foi negado provimento ao recurso interposto por NLC em representação de RM, e mantida a douta sentença recorrida, datada de 09 de janeiro de 2002 – Cfr. fls. 746 a 758 dos autos 1357/99/A, apenso ao Processo n.º 1357/99;
110 - O Processo n.º 1357/99, tinha um nível de especial complexidade - Porquanto, sobre esta matéria, todas as testemunhas a tanto inquiridas, assim o depuseram.
Desde logo, referiu a testemunha AF, que houve vários recursos de agravo, e que o “núcleo do problema” foi a base instrutória [do Processo n.º 1357/99], sobre a qual o Advogado inicial dos Autores nesse Processo não apresentou reclamação contra a base instrutória, e que se tivesse sido ela, teria feito reclamação e pedido rectificação da base instrutória, o que, de todo o modo, veio a ser feito, mas apenas já no início da primeira sessão da audiência de julgamento, a que se sucederam rectificações sucessivas da base instrutória, requeridas pelas partes. Referiu ainda esta testemunha, que o Processo n.º 1357/99 revelou-se complexo, principalmente devido ao “centro do novelo” que era a base instrutória, e que o Processo tem 12 volumes, com 14 recursos [agravos e apelações] e que todos os recursos interpostos pelos Autores foram por eles ganhos.
Referiu ainda esta testemunha, que a proposta inicial da MPF foi de 50.000,00 euros e que foi o Juiz da 4.ª Vara Cível que conseguiu que o processo tivesse um desfecho menos mal, e que sempre foi explicado aos Autores, incluindo por ela, porque é que tinham de se repetir atos processuais, e que os Autores queriam aceitar esse valor de 50.000,00 euros no Processo 1357/99, e que ela e a Advogada AN é que os “chamaram à razão”, dizendo-lhes que não era um valor justo, face ao que o RV tinha sofrido, e que foi por causa da confiança que tinham consigo, com os Advogados, é que aceitaram seguir com o processo e não aceitar a proposta da MPF, e que sempre tiveram [os Advogados do Autor] a estratégia de resolver o processo o mais rápido possível.
Por sua vez, também a testemunha JC, Advogado do Interveniente JF, e que teve intervenção no Processo 1357/99, referiu que esteve no Processo até à altura em que foi proferida a primeira sentença, em 10 de dezembro de 2003, e que veio a ser revogada pelo Tribunal da Relação, e que do ponto de vista processual, o processo não era simples, e que houve muitos incidentes processuais, e que sendo Advogado do Interveniente JF, que lhe interessava que a base instrutória “ficasse torta”, que contivesse os erros que tinha, designadamente quanto à culpa, que era omissa.
Referiu ainda a testemunha RF, Advogado que teve procuração conjunta com o Advogado JC, e que nele veio a emitir substabelecimento sem reserva a seu favor no Processo 1357/99, que a técnica da elaboração do despacho saneador teve influência no desenrolar do futuro do processo, e que os erros tiveram a ver com a questão de facto, e não com o direito, pois havia duas versões [do Autor e do Interveniente] antagónicas dos acontecimentos, e que foi ele que fez o recurso para o Tribunal da Relação do Porto da 1.ª sentença emitida no processo 1357/99, e que antes disso, já tinha requerido o aditamento de factos à matéria de facto assente, e que houve decisões de que as partes discordaram e recorreram, havendo atos processuais consequentes agendados em função das agendas dos Magistrados e dos Advogados.
Enfatizou esta testemunha que a causa era complexa, e que os Advogados não abdicam do uso dos meios processuais, v.g., dos recursos, e que quanto aos que intentou [em nome dos Autores], foram sempre julgados procedentes.
Referiu ainda a testemunha IF, Advogada da Companhia de Seguros MPF em três processos intentados pelos Autores [no processo crime, na acção comum intentada pelo Autor RM, e na acção comum intentada pelos Autores, MC e NC], que o Processo era complexo, pois a responsabilidade pelo acidente era discutida, tendo havido muitos incidentes processuais, muitos recursos, em que as partes usaram os seus direitos da forma que acharam mais adequada.
Também neste domínio depôs a testemunha MA, Juíza Desembargadora, que foi titular do Processo 1357/99, e que pese embora já não se recordar do processado, pois referiu que tinha muitos processos e versavam acidentes, enfatizou que todas as decisões têm de ser sindicáveis por via de recurso, e que a tarefa do juiz é centrar-se nos factos, em face do que alegavam as partes que queriam vingar a sua pretensão em juízo, sendo a questão do despacho saneador uma vicissitude normal do processo, e que as partes podem sindicar, podem controlar, porque o Processo civil é um processo de partes, e que podendo as partes reclamar do saneador, e não o tendo feito, que sempre podem fazê-lo logo no início da audiência de julgamento, o que é mais uma vicissitude do processado.
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Fundamentação.
Factos que se consideraram provados, quer pelo facto de os enunciados sob os pontos 1 a 109, terem resultado assentes por consulta dos processos a que os mesmos [pontos] se reportam, tendo o n.º 110 sido dado como provado, na sequência da audiência final, e com fundamento no que nele está enunciado, resultante da convicção por nós formada.
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FACTOS NÃO PROVADOS
A) Que o Autor RM e os ora Autores, MC e NC, sofreram danos de natureza não patrimonial, como consequência directa da invocada violação, quer do seu direito fundamental quer do direito fundamental do respectivo Marido e Pai, RV, a uma decisão definitiva em prazo razoável e tempo útil.
Porquanto, desde logo, como decorre do alegado sob o ponto 78.º da Petição inicial, os Autores referiram que “demonstrarão os concretos danos morais“ sofridos.
Sucede porém que, neste domínio, e em torno da prova testemunhal que arrolaram, nada de relevante resultou provado, ou seja, os Autores não lograram fazer prova cabal sobre os danos morais por si sofridos, quais, e em que medida os afectaram, e em termos de merecerem a tutela do direito.
Na verdade, de todas as testemunhas arroladas pelas partes, apenas a testemunha AF, Advogada, que foi arrolada pelos Autores, referiu que interveio no Processo n.º 1357/99, quando o seu processado já ia a meio, tendo-se pronunciado sobre os processos judiciais, assim como a ambiência sentida pelo RM e pelos agora Autores, mas que o foi de forma e termos a não permitir a formação de convicção diversa, em torno de que danos se verificaram nas suas esferas jurídicas, no âmbito do que se discute nestes autos.
Do que foi a depoimento desta testemunha, retiramos de relevante e no essencial, que a mesma ficou sem saber porque é que o processo-crime não tinha prosseguido [quando é certo que, como resultou provado – Cfr. ponto 22 da matéria de facto assente supra -, o crime imputado a JF foi alvo de amnistia, assim decretada por douta decisão judicial, datada de 15 de junho de 1999]; que os Autores estavam numa situação económica desesperada [quando é certo que em 28 de outubro de 1997, a Autora MC peticionou a adopção de providência cautelar para atribuição de alimentos provisórios, referindo que o NC era o único que trabalhava, quando cerca de um ano volvido, em 09 de julho de 1998, a mesma MC, em audiência de julgamento, veio a declarar desistir da instância - Cfr. pontos 96 e 98 da matéria de facto assente supra]; que a Autora MC tinha que auxiliar o RM, dada a sua incapacidade [o que julgamos ser manifesto, dado que em 07 de novembro de 2001, o INML do Porto fixou ao RM uma Incapacidade Permanente Geral de 80%, e que carecia de ajuda de 3.ª pessoa, matéria que já foi alvo de apreciação e indemnização no âmbito dos Processos cíveis n.ºs 1357/99, e 1977/09 - Cfr. pontos 84 e 94 da matéria de facto assente supra]; que a repetição do julgamento era para os Autores a frustração e o descrédito [sendo tal facto manifesto, por experiência de vida, só que, a repetição de um julgamento, quando devida, sempre decorre da prévia convocação das normas processuais, e é normal que umas pessoas, em função da sua posição no processo – se Autores, se Réus -, sejam mais propensas a sentir frustração e descrédito, caso a repetição do julgamento se faça e não lhes agrade o resultado. Sucede todavia, que a repetição do julgamento também ocorreu, porque o Autor RM recorreu jurisdicionalmente da decisão proferida - Cfr. pontos 51 e 52 da matéria de facto assente supra. Importa ainda referir que no âmbito do Processo cautelar n.º 1357/99/A, foi julgado, ainda que indiciariamente, que a responsabilidade pelo acidente de viação de que o RM foi vítima, era sua - do R -, julgamento esse que foi confirmado por douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em 30 de Setembro de 2003 - Cfr. pontos 103, 104, 105, 106, 107, 108 e 109 da matéria de facto assente supra].
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Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado.

II.2 – DO MÉRITO DO RECURSO
Vertidos os termos da causa e a posição das partes, passamos a apreciar cada uma das questões a decidir pontualmente identificadas.

II.2.1. — Da matéria de facto
No que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, de harmonia com o que tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, o Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto — acórdão do STA, de 19-10-2005, processo nº 0394/05.
Aí se refere, no que aqui releva, que «o art. 690º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655° do C.P.Civil que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância do tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (É pacifico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in “TEMAS DA REFORMA DO PROCESSO CIVIL”, II volume, 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267 e o Acórdão da Relação do Porto de 2003/01/09 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2001/03/27, em Coletânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88). Entendimento semelhante posto em causa no Tribunal Constitucional, por ofensa da garantia do duplo grau de jurisdição, foi considerado conforme à Constituição (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13/10/2001, em Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)».
A este respeito, alude-se ainda no Acórdão deste TCAN, de 08/03/2007, proferido no âmbito do Proc. 00110/06, que «decorre do regime legal vertido nos arts. 140º e 149º do CPTA que este Tribunal conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objeto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal “a quo” se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede. Ora com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12/12, e pelo DL n.º 180/96, de 25/09, foi instituído, de forma mais efetiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto. Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto, sendo certo que da situação elencada (impugnação jurisdicional da decisão de facto - art. 690º-A do CPC) se distinguem os poderes previstos no n.º 2 do art. 149º do CPTA que consagram solução diversa e de maior amplitude da que se mostra consagrada nos arts. 712º e 715º do CPC. Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no art. 149º, n.º 2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do art. 712º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 1º e 140º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objeto ou fundamento de recurso jurisdicional.
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 690º-A do CPC. E continua “É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objeto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
A este propósito e tal como sustentado pelo Prof. Mário Aroso e pelo Cons. Fernandes Cadilha “(…) é entendimento pacífico que o tribunal de apelação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (…). Por analogia de situação, o tribunal de recurso pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. (…) ” (em ob. cit., pág. 743).” (…) “Retomando o que supra fomos referindo sobre a amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso sobre a matéria de facto temos que os mesmos não implicam um novo julgamento de facto, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 690º-A n.ºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Como se consignou nos acórdãos deste TCAN de 06/05/2010, rec. nº 00205/07.3BEPNF e de 22/05/2015, rec. nº 1625/07BEBRG: “Os poderes de modificabilidade da decisão de facto que o artigo 712º do CPC atribui ao tribunal superior envolvem apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e excecionais erros de julgamento e não uma reapreciação sistemática e global de toda a matéria de facto.” “Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida, “salte à vista” do Tribunal de recurso um erro grosseiro da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada».
E como ressalta ainda do sumário do Proc. nº 00242/05.2BEMDL, de 22/02/2013, acolhido por este TCAN em 22/05/2015 no âmbito do rec. nº 840/05.4BEVIS “I. Como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (art. 655º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio. II. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal «a quo», aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal «ad quem».

II.2.1.A – Do facto 110 da matéria assente
Entendem os Autores ter havido erro na apreciação da prova, designadamente, quanto ao facto provado no Ponto 110 dos factos assentes, por não corresponder ao teor unânime dos depoimentos das testemunhas. Pretendem os Recorrentes que se deveria ter considerado como não provado que a causa “tinha um nível de especial complexidade” ou se considere provado apenas que “o processo nº 1357/99 se revelou processualmente complexo”.
No assentamento do facto, logo se lê (nosso sublinhado): “110 - O Processo n.º 1357/99, tinha um nível de especial complexidade - Porquanto, sobre esta matéria, todas as testemunhas a tanto inquiridas, assim o depuseram.
Ora, no que se afigura ser, para os Recorrentes, o cerne da questão da complexidade — a concreta base instrutória —, a testemunha MA, Juiz desembargadora e titular do processo nº 1357/99 na sua fase inicial até à base instrutória, referiu que “em face do que alegavam as partes que queriam vingar a sua pretensão em juízo, sendo a questão do despacho saneador uma vicissitude normal do processo, e que as partes podem sindicar, podem controlar, porque o Processo Civil é um processo de partes, e que podendo as partes reclamar do saneador, e não o tendo feito, que sempre podem fazê-lo logo no início da audiência de julgamento, o que é mais uma vicissitude do processado”.
Tal como referido pela testemunha AF, o processo veio a revelar-se complexo, principalmente devido ao centro do novelo que era a concreta base instrutória, o que é verosímil em face das versões naturalmente de sentido antagónico carreadas ao processo pelas partes e das consabidas consequências paralisantes susceptíveis de ocorrer na sequência da selecção da matéria de facto e elaboração da base instrutória que o regime jurídico adjectivo, ao abrigo do qual foi elaborada, permitia (Código de Processo Civil de 1961, com a reforma de 1995/96, que teve como suporte o Decreto-Lei nº 329º-A/95, de 12 de Dezembro, e o Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro.
Lê-se na sentença recorrida, nesta matéria:
“Desde logo, referiu a testemunha AF, que houve vários recursos de agravo, e que o “núcleo do problema” foi a base instrutória [do Processo n.º 1357/99], sobre a qual o Advogado inicial dos Autores nesse Processo não apresentou reclamação contra a base instrutória, e que se tivesse sido ela, teria feito reclamação e pedido rectificação da base instrutória, o que, de todo o modo, veio a ser feito, mas apenas já no início da primeira sessão da audiência de julgamento, a que se sucederam rectificações sucessivas da base instrutória, requeridas pelas partes. Referiu ainda esta testemunha, que o Processo n.º 1357/99 revelou-se complexo, principalmente devido ao “centro do novelo” que era a base instrutória, e que o Processo tem 12 volumes, com 14 recursos [agravos e apelações] e que todos os recursos interpostos pelos Autores foram por eles ganhos.
Referiu ainda esta testemunha, que a proposta inicial da MPF foi de 50.000,00 euros e que foi o Juiz da 4.ª Vara Cível que conseguiu que o processo tivesse um desfecho menos mal, e que sempre foi explicado aos Autores, incluindo por ela, porque é que tinham de se repetir atos processuais, e que os Autores queriam aceitar esse valor de 50.000,00 euros no Processo 1357/99, e que ela e a Advogada AN é que os “chamaram à razão”, dizendo-lhes que não era um valor justo, face ao que o RV tinha sofrido, e que foi por causa da confiança que tinham consigo, com os Advogados, é que aceitaram seguir com o processo e não aceitar a proposta da MPF, e que sempre tiveram [os Advogados do Autor] a estratégia de resolver o processo o mais rápido possível.
Por sua vez, também a testemunha JC, Advogado do Interveniente JF, e que teve intervenção no Processo 1357/99, referiu que esteve no Processo até à altura em que foi proferida a primeira sentença, em 10 de dezembro de 2003, e que veio a ser revogada pelo Tribunal da Relação, e que do ponto de vista processual, o processo não era simples, e que houve muitos incidentes processuais, e que sendo Advogado do Interveniente JF, que lhe interessava que a base instrutória “ficasse torta”, que contivesse os erros que tinha, designadamente quanto à culpa, que era omissa.
Referiu ainda a testemunha RF, Advogado que teve procuração conjunta com o Advogado JC, e que nele veio a emitir substabelecimento sem reserva a seu favor no Processo 1357/99, que a técnica da elaboração do despacho saneador teve influência no desenrolar do futuro do processo, e que os erros tiveram a ver com a questão de facto, e não com o direito, pois havia duas versões [do Autor e do Interveniente] antagónicas dos acontecimentos, e que foi ele que fez o recurso para o Tribunal da Relação do Porto da 1.ª sentença emitida no processo 1357/99, e que antes disso, já tinha requerido o aditamento de factos à matéria de facto assente, e que houve decisões de que as partes discordaram e recorreram, havendo atos processuais consequentes agendados em função das agendas dos Magistrados e dos Advogados.
Enfatizou esta testemunha que a causa era complexa, e que os Advogados não abdicam do uso dos meios processuais, v.g., dos recursos, e que quanto aos que intentou [em nome dos Autores], foram sempre julgados procedentes.
Referiu ainda a testemunha IF, Advogada da Companhia de Seguros MPF em três processos intentados pelos Autores [no processo crime, na acção comum intentada pelo Autor RM, e na acção comum intentada pelos Autores, MC e NC], que o Processo era complexo, pois a responsabilidade pelo acidente era discutida, tendo havido muitos incidentes processuais, muitos recursos, em que as partes usaram os seus direitos da forma que acharam mais adequada.
Também neste domínio depôs a testemunha MA, Juíza desembargadora, que foi titular do Processo 1357/99, e que pese embora já não se recordar do processado, pois referiu que tinha muitos processos e versavam acidentes, enfatizou que todas as decisões têm de ser sindicáveis por via de recurso, e que a tarefa do juiz é centrar-se nos factos, em face do que alegavam as partes que queriam vingar a sua pretensão em juízo, sendo a questão do despacho saneador uma vicissitude normal do processo, e que as partes podem sindicar, podem controlar, porque o Processo civil é um processo de partes, e que podendo as partes reclamar do saneador, e não o tendo feito, que sempre podem fazê-lo logo no início da audiência de julgamento, o que é mais uma vicissitude do processado.”.
Ora, vista a fundamentação do assentamento do facto em causa e ouvida a gravação dos depoimentos das indicadas testemunhas, impõe-se corroborar a adjectivação de complexidade a que se guindou a causa, pelo que é de descartar a pretensão da não prova do facto.
Verifica-se, se bem interpretamos, que os Recorrentes pretendem colocar a ênfase da complexidade no plano puramente processual e assente na técnica de elaboração da base instrutória que veio a induzir rectificações, reclamações, aditamentos, recursos.
Nessa relevância, poder-se-ia concluir que, por via dessa vertente adjectiva com uma complexidade que aparentemente entendem enxertada por deficiente elaboração da base instrutória, a problemática da complexidade da causa, como factor de maior delonga no julgamento da causa, se deslocaria para o plano do erro judiciário.
Todavia, essa é uma vertente que aqui não está causa. Nem poderia estar, aqui, em causa [artigo 4º, nº 4, alínea a), do ETAF].
No que toca à complexidade de uma causa, a sua determinação não se queda por uma visão maniqueísta, alocando-a apenas e alternativamente a um dos lados do binómio, substantivo ou adjectivo, nem tão-pouco se vislumbra que a sentença recorrida o haja efectuado, como parece vir alegado.
Mesmo em hipotéticas causas de perfil adjectivo linear e matérias de meridiana facilidade de interpretação e aplicação da lei, uma multiplicidade de factores pode vir a carrear complexidade numa concreta situação, que pode aprofundar-se, como no caso presente, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação, cuja complexidade agrega a si os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, ou seja, os factos, a sua ilicitude, a culpa, os danos e o nexo de causalidade, como também da apreciação das atinentes questões de facto pode resultar acrescidos factores de complexidade, desde logo na elaboração da base instrutória (ao tempo), condicionada pela própria causa de pedir e contestação [cfr. artigos 467º, nº 1, alínea d),487 a 490º e 511º, todos do CPC/1961, à data aplicável], e pela intervenção das partes (ou sua omissão), sua extensão e qualidade, na sua conformação definitiva, segundo lógicas antagónicas (artigo 511º, nºs 2 e 3, do CPC/1961). Complexidade decorrente, também, do número de partes envolvidas e sua actuação, fruto das lógicas e interesses antagónicos que as partes nas suas intervenções processuais carreiam, municiadas com meios contraditórios e impugnatórios que podem envolver — e no caso envolveram — várias jurisdições, por via de recurso; A complexidade decorre também de factores atinentes à produção de prova, neste caso testemunhal, e bem assim a morosidade na sua produção, que pode tornar-se uma causa de arrastamento, especialmente da audiência de julgamento, como no caso presente, em que a necessidade de ouvir uma testemunha arrolada pelos Autores, residente na Irlanda do Norte, motivou diversos adiamentos e suspensões da audiência de julgamento; Como também carreiam complexidade e morosidade as alterações subjectivas ou objectivas supervenientes, neste caso, a intervenção de terceiro, a ampliação do pedido, e atinentes procedimentos. (Veja-se a este propósito, entre muitos outros, o acórdão deste TCAN, de 30-03-2006, processo nº 00005/04.2BEPRT).
Não se pode reputar de simples ou desprovida de complexidade uma causa em sede de responsabilidade civil, extracontratual, que, apesar de ter alcançado decisão final, condenatória, em 10-12-2003, ou seja, 3 anos, 11 meses e 23 dias após a sua entrada em juízo (que ocorrera em 17-12-1999), suscitou múltiplos recursos das partes, de despachos e de decisões finais, de agravo e de revista, que sucessivamente revogaram despachos, anularam sentenças e acórdãos das instâncias. Veja-se a matéria de facto assente, v.g. e em síntese: TRP anula a sentença de 10-12-2003 e reformula a quesitação; Em 19-06-2007, a 1ª instância profere nova sentença, condenando réu e interveniente a pagar aos autores 282.936,29€; interposto recurso da sentença, o TRP altera a matéria de facto, absolve o interveniente e condena o réu MPF a pagar aos autores 162.837,73€; interposto recurso de revista, em Novembro de 2008, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que determina a baixa dos autos para novo julgamento, seguindo-se nova fixação da base instrutória, novas reclamações, marcação da audiência de julgamento, realizando-se a mesma já em 2010, tendo sido suspensa em 28/01, adiada em 15/4 por não comparência de testemunha, não realizada em 27/5 por indisponibilidade de teleconferência da testemunha residente na Irlanda e culminando, em 16/02/2011 — dia designado para a realização da audiência de julgamento —, numa transacção, pela qual a Ré MPF acordou em pagar aos Autores o montante de 350.000,00€, o que foi homologado por sentença.
O que foi decidido e assente na matéria de facto foi: “O Processo n.º 1357/99, tinha um nível de especial complexidade”.
Independentemente das razões que motivaram tal complexidade, certo é que, objectivamente, as vicissitudes do processo, especialmente decorrentes do estabelecimento da matéria de facto, pelas vias e mecanismos processuais à data disponíveis, acrescentaram grau ou nível de especial complexidade àquela que a causa aparentava inicialmente.
Não se vislumbra nenhum motivo que permita concluir pela ocorrência de erro grosseiro quanto a esta decisão, a qual não se apresenta como manifestamente infundada, nem se verifica manifesta desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos e particularmente os indicados depoimentos das identificadas testemunhas.
Improcede o fundamento do recurso nesta parte.

II.2.2. — Quanto ao facto ilícito
Insurgem-se os Recorrentes contra o julgamento de não verificação da ilicitude e não preenchimento da culpa, com os fundamentos que das conclusões XXIV a LXIV constam, acima transcritas.
Vejamos.
O atraso na decisão de processos judiciais é ilícito quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelos artigos 20º, nº 4, da CRP, 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 2º, nº 1, do CPTA, e, na verificação dos atinentes pressupostos, é susceptível de gerar responsabilidade civil do Estado.
A determinação da razoabilidade da duração do processo é feita casuisticamente, mediante uma análise em concreto do processo na sua globalidade, segundo critérios que a jurisprudência dos tribunais superiores já estabeleceu.
Assim, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09-10-2008, processo nº 0319/08, perfilhando-se a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), cuja jurisprudência veio a ser reafirmada, nomeadamente, nos acórdãos daquele STA, de 05-05-2010, processo nº 0122/10, de 01-03-2011, processo nº 0336/10, de 21-05-2015, processo nº 072/14), sumariou-se o seguinte:
I - Os tribunais apreciam a violação dos arts. 20º n.º 1 da CRP e 6º §1.º da CEDH preenchendo o conceito de "prazo razoável", isto é, o período de tempo dentro do qual, para aquele processo concreto, considerado na sua globalidade, seria expectável a emissão de uma decisão jurisdicional em tempo útil.
II – Nessa apreciação haverá que considerar todas as coordenadas do caso, como a duração média daquela espécie, a complexidade e ocorrências especiais, os incidentes suscitados, entre outros factores, e que excluir o tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à actuação da parte que pede a indemnização.
III – Se globalmente se houver de considerar excedido o prazo razoável de modo manifesto ou indiscutível não há lugar a apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada acto, porque mesmo quando se concluísse pelo respectivo cumprimento não se infirmaria a conclusão obtida, antes deveria concluir-se que os meios de resolução daquele conflito pela justiça estadual não são adequados e estruturados devidamente, o que envolve também responsabilidade do Estado por deficiência da organização.
IV – Se o prazo for de considerar razoável, sem margem de dúvida, também não importará que num acto, ou mesmo mais, tenha havido ligeiro atraso sem influência no resultado.
V – No caso e se suscitarem dúvidas quanto a concluir que foi ultrapassado, ou não, o prazo razoável, um caminho consiste em analisar o cumprimento dos prazos processuais em cada acto da sequência que o compõe (embora não seja elemento exclusivo a ter em conta).
Segundo este acórdão, na versão sintética vertida no acórdão do STA, de 10-09-2010, processo nº 090/12, há que distinguir as três seguintes situações:
Primeira: Quando é claro e seguro que a duração do processo ultrapassou o prazo razoável, ainda que “o método analítico de cada acto processual” conduzisse à conclusão que não houvera atraso não se poderia infirmar aquela conclusão, porque o Estado sempre teria que “prover à criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização, para atingir o objectivo de administrar a justiça em prazo razoável”;
Segunda: Quando é indubitável que a duração do processo se considera razoável, também não interessa averiguar se num caso ou noutro houve atraso;
Terceira: Quando não é ostensivo que a duração do processo tenha ou não ultrapassado o prazo razoável, já “o critério analítico do cumprimento ou não dos prazos processuais pode desempenhar um papel relevante”.
De acordo com a jurisprudência do TEDH, a duração média – que corresponde à duração razoável – de um processo em 1ª instância é de cerca de 3 anos e a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais (cf. Isabel Celeste Fonseca, in CJA, nº. 72, págs., 45 e 46).
No entender dos Recorrentes, “é notória, no caso concreto a violação do prazo razoável para a prolacção de uma Decisão Definitiva, pois 17 anos, sem uma Sentença ao nível da 1.ª Instância, não é razoável, mesmo que se pretenda – como fez o Tribunal recorrido – dividir os 17 anos em seis mais onze.”.
Mas esta perspectiva de prazo global de 17 anos não é correcta para a verificação da ocorrência, ou não, de violação do direito a uma decisão final em prazo razoável, em face da multiplicidade dos meios de tutela, simultânea ou sucessivamente utilizados.
Vejamos, passo a passo.
No caso em apreço, recorda-se que o acidente ocorreu em 30-10-1993.
Em 24-03-1994, a Autora MCM apresentou denúncia na PSP do Porto contra JF, com fundamento em que este, em 30-10-1993, havia atropelado o seu marido RM e fugido. Tendo corrido inquérito criminal com a constituição de arguido em 19-06-1995 (1 ano, 2 meses e 25 dias após a denúncia) e acusação em 09-01-1997 (1 ano, 6 meses e 20 dias após a constituição de arguido e 2 anos, 9 meses e 15 dias após a denúncia), veio a ser declarado extinto, na sequência de amnistia, em 15-06-1999 (2 anos, 5 meses e 6 dias após a acusação).
Em 19-02-1997, MCM apresentou nos Serviços do Ministério Público junto do TIC do Porto pedido de indemnização contra MPF, SA e JF e em 21-12-1998 (1 ano, 10 meses e 2 dias após apresentação do pedido), foram os réus absolvidos dos pedidos de indemnização contra si formulados pela MCM e pelo seu filho.
Ora, se é certo que, desde a denúncia, até à extinção por amnistia, aqueles autos demoraram cerca de 6 anos, certo é também que a acusação ocorreu 2 anos, 9 meses e 15 dias após a denúncia e o pedido de indemnização na sequência formulado foi decidido em 1 ano, 10 meses e 2 dias, sendo de concluir pela sua razoabilidade temporal e afastar a verificação da ilicitude neste segmento.
Em 17-12-1999 RM intentou a acção ordinária comum nº 1357/1999 contra a MPF, SA.
Nesta acção, o filho do autor, na qualidade de curador provisório, veio a requerer a intervenção principal do condutor e da proprietária do veículo, respectivamente JF e DL, Ld.ª.
Em 10-12-2003 (3 anos, 11 meses e 23 dias após a entrada da acção em juízo), foi proferida decisão final, com condenação dos réus a pagar aos autores a quantia de 288.606,40€.
Por ambas as partes foram interpostos recursos, que vieram a culminar em acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15-11-2005, de anulação da sentença e, designadamente, de reformulação da base instrutória e ampliação da matéria de facto.
A Ré MPF interpôs recurso de revista, não admitido, tendo os autos baixado à 1ª instância, seguiu-se despacho com incidência ainda na base instrutória, a que se seguiram vicissitudes processuais, designadamente, reclamação da base instrutória e respectiva decisão, suspensão da instância por falecimento do Autor sinistrado, habilitação de herdeiros e decisão sobre a mesma, tendo vindo a ser designado, em 05-01-2007 o dia 21-02-2007 para a realização da audiência de julgamento, a qual veio a ser suspensa. Na sequência do despacho de 19-03-2007, foi realizada audiência de julgamento, em 22-03-2007, que teve continuação em 16-04-2007, para inquirição da testemunha na Irlanda do Norte, o que também nesta data não foi possível, tendo sido agendada para o efeito, nova data, em 17-05-2007.
Assim, em 17-05-2007 realizou-se a audiência de julgamento, tendo entre o mais sido designado o dia 21-05-2007, posteriormente alterado para o dia 22 do mesmo mês, para a leitura da decisão sobre a matéria de facto.
Em 04-06-2007, foi interposto recurso de agravo pelos autores, o que foi deferido por douto despacho datado de 05-05-2007.
Com data de 19-06-2007, o Juiz titular do processo emitiu sentença de condenação da ré e intervenientes a pagar aos autores, solidariamente, a quantia de 282.936,19€.
Donde, uma segunda sentença de condenação dos Réus foi alcançada ao fim de 7 anos, 6 meses e 2 dias após a propositura da acção e 1 ano, 7 meses e 4 dias após a anulação da primeira decisão final.
Ambas as partes, activas e passivas, interpuseram recursos daquela decisão final no início de Julho de 2007 para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), ao qual o recurso subiu em 20-11-2007.
Por acórdão de 21-04-2008, o TRP dá provimento aos recursos interpostos, tendo sido alterada a matéria de facto, absolvidos os Intervenientes e condenada a Ré MPF no pagamento aos Autores da quantia de 162.837,73€.
Deste acórdão, por requerimentos 07 e 08 de Maio de 2008, os autores e a ré interpuseram recursos de revista para o STJ, o qual, por acórdão de 18-11-2008, determinou a baixa dos autos ao TRP, para novo julgamento.
Após conhecimento de nulidade invocada pelo interveniente JF, julgada não verificada por acórdão do STJ, 27-01-2009, o processo nº 1357/1999 baixou ao TRP, em 10-03-2009, tendo sido determinado, por despacho, a remessa á 1.ª instância, confirmado, em sede de reclamação para a conferência, por acórdão de 15-07-2009.
Em 24-07-2009, os autores interpuseram recurso de revista desse acórdão, admitido pelo STJ em 09-09-2009, não tendo merecido provimento, por acórdão de 17-12-2009.
Na 1.ª instância, entretanto, em 13-12-2009 foi proferido despacho com marcação de audiência de julgamento e fixação de base instrutória, tendo aquela sido realizada em 28-01-2010 e, no decurso de suspensão, foi reatada em 15-04-2010, vindo a ser adiada, por não comparência de testemunhas (incluindo a testemunha residente na Irlanda do Norte), para o dia 27-05-2010, sendo que, também neste dia não se realizou, designadamente por indisponibilidade da teleconferência para aquele país. Assim, por despacho de 05-07-2010, foi designado o dia 16-12-23011 para continuação da audiência de julgamento.
Finalmente, na audiência de julgamento realizada no dia 16-02-2011, os autores, a ré e o interveniente JF alcançaram acordo, envolvendo também o Processo n.º 1977/09.6BEPRET, tendo a Ré MPF acordado no pagamento aos Autores, do valor global de 350.000,00 euros, o que foi homologado por sentença.
Quanto à acção nº 1357/99, parcelarmente, com as vicissitudes que de permeio se verificaram e a matéria de facto assente dá conta, verifica-se o seguinte:
— Decorreram 3 anos 11 meses e 23 dias entre a data da propositura da acção e a primeira decisão final, a qual veio a ser anulada;
— Decorreu 1 ano 11 meses e 5 dias entre a data dessa primeira sentença e a data da decisão que a anulou, por acórdão do TRP;
— Decorreu 1 ano, 7 meses e 4 dias desde a data desse acórdão e a da segunda sentença condenatória proferida pela 1ª instância;
— Decorreram 10 meses e 2 dias entre a data desta segunda sentença da 1ª instância e a data do acórdão do TRP que deu provimento aos recursos dela interpostos e decidiu condenar os RR;
— Decorreram 6 meses e 27 dias entre a data do referido acórdão do TRP e a data do acórdão do STJ que determinou novo julgamento;
— Decorreram 2 anos, 2 meses e 28 dias entre a data desse acórdão do STJ e a da sentença homologatória do acordo que pôs termo ao processo.
Certo é que desde a entrada da acção em juízo e até à decisão final homologatória do acordo decorreram 11 anos, 1 mês e 29 dias, muito para além do prazo razoável para obtenção de uma decisão final, a que aludem os artigos 6º da CEDH e 20º, nº 4, da CRP, impondo-se no caso a desconsideração analítica do cumprimento dos prazos de procedimento, que, aliás, não denotam excessivos interregnos dilatórios motivadores do arrastamento da pendência da causa em juízo.
Mas, então, o que contribuiu para o atraso global verificado nesta acção?
Os Recorrentes identificam a fonte contributiva ao apontar a base instrutória, isto apesar de todos os intervenientes no processo — partes e juiz — terem, no desenho adjectivo aplicável, participação activa na sua elaboração, como veremos de seguida.
Os factos em crise ocorreram no período de vigência do Código de processo Civil de 1961, com a reforma de 1995/96, que teve como suporte o Decreto-Lei nº 329º-A/95, de 12 de Dezembro, e o Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro.
Entretanto, a Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, introduziu profundas alterações ao Código, com particular incidência, para o que importa aqui considerar, na selecção da matéria de facto. Com João Correia, As linhas orientadoras da Reforma do Processo Civil, in O Novo Processo Civil, Caderno I, CEJ, pág. 55, e nossos sublinhados, «Destacaria aqui, pela sua matricial relevância, o fim da patológica especificação e do perverso questionário, a programação da audiência final, o elenco dos temas essenciais de prova, em suma, a combinação nuclear do contraditório, da oralidade e da gestão processual, com consequências que nada têm de paralisantes e, bem ao invés, assumem especial função catalisadora a montante e a jusante da sua reunião e realização».
Na verdade, valendo-nos do discurso de Paulo Pimenta, Os Temas da prova, in O Novo Processo Civil, Caderno I, CEJ, págs. 227 e sgts, vejamos mais de perto, embora de forma abreviada, por truncagem do texto original, o que motivou a alteração do CPC de 1961, nesta matéria. Lê-se naquele texto, quanto à selecção da matéria de facto no CPC de 1939 e no CPC de 1961, que «É consensual o entendimento de que o processo civil, em virtude de ter por objecto relações jurídicas privadas, está fortemente marcado pela ideia de dispositivo.
Se a relação jurídica privada, por princípio e pela sua natureza, se encontra na disponibilidade das partes, essa disponibilidade tenderá a reflectir-se na relação processual correspondente.
Tradicionalmente diz-se que a disponibilidade do processo pelas partes se manifesta em três planos: no impulso processual; na definição do objecto do processo; na definição dos limites da sentença.
Quanto ao impulso processual, a acção cível só começa mediante a iniciativa concreta de uma das partes e persiste enquanto essa for a vontade das partes, sendo que estas podem pôr-lhe termo, definindo mesmo as condições em que tal acontece (por desistência, por confissão ou por transacção).
Quanto ao objecto do processo, é direito e é encargo das partes aportar ao processo os factos que sustentam as respectivas pretensões, em termos tais que o tribunal, na decisão a proferir, só pode tomar em consideração os factos alegados (e provados) pelas partes.
Quanto aos limites da sentença, o pedido formulado pela parte define o conteúdo possível da sentença, não podendo o tribunal condenar em quantidade superior ou em coisa diversa da peticionada.
Consequentemente, num sistema processual civil pautado pelo princípio dispositivo, a actuação do juiz é essencialmente passiva, porquanto, na decisão a proferir, apenas deverá basear-se nos factos alegados pelas partes. Sobre estas recai, consequentemente, o ónus de alegação dos factos a considerar pelo juiz.
Mas a passividade do juiz não se fica por aí. Com efeito, às partes compete ainda a iniciativa da prova dos factos alegados, cabendo ao juiz um mero papel de fiscalização relativamente à actividade instrutória, finda a qual é, então, proferida decisão sobre os factos provados e não provados.
O processo civil português foi marcado, ao longo de décadas, por uma peça processual – o questionário –, a elaborar pelo juiz, depois de finda a fase dos articulados.
Tal como previsto no art. 515º do CPC de 1939 e no art. 511º do CPC de 1961, findos os articulados e quando o processo houvesse de prosseguir, o juiz deveria proceder ao saneamento fáctico da causa.
Assim, tomando por referência os factos articulados pelas partes, o juiz faria uma primeira triagem dos factos conforme interessassem ou não à decisão da causa. Depois, quanto aos que interessassem à decisão da causa, o juiz deveria agrupá-los em duas categorias, conforme pudessem já ter-se como demonstrados ou ainda carecessem de demonstração.
A primeira categoria era a “especificação”, aí sendo vertidos os factos considerados confessados, admitidos por acordo das partes ou provados por documentos. A segunda categoria era o “questionário”, albergando os factos alegados que, por serem controvertidos, teriam de ser provados. Tais factos eram elencados sob a forma de quesitos, com subordinação a números.
(…)
Se atentarmos no CPC de 1939, vemos que as diligências destinadas à produção de prova só podiam recair sobre os factos “constantes do questionário” (art. 517º), sobre cada um dos factos “especificados no questionário” não podiam ser inquiridas mais de cinco testemunhas (art. 636º), as testemunhas eram interrogadas sobre os factos “incluídos no questionário” que tivessem sido articulados pela parte que a ofereceu (art. 641º) e, por fim, no julgamento da matéria de facto, o tribunal, de entre os “factos mencionados no questionário”, declarava quais julgava ou não provados (alínea g) do art. 653º).
No CPC de 1961, o regime era similar, pois as diligências destinadas à produção de prova só podiam recair sobre os factos “constantes do questionário” (art. 513º), sobre cada um dos factos “incluídos no questionário” não podiam as partes produzir mais de cinco testemunhas (art. 633º), as testemunhas eram interrogadas sobre os factos “incluídos no questionário” que tivessem sido articulados pela parte que a ofereceu (art. 638º) e, no julgamento da matéria de facto, o tribunal, de entre os “factos quesitados”, declarava quais julgava ou não provados (art. 653º 2).
Deste modo, o que estava no questionário era para ser considerado, pois se aí tinha sido levado é porque tinha interesse para decisão da causa. O que não estava no questionário não era para ser considerado, pois se aí não estava é porque não tinha sido oportunamente alegado, logo era matéria excluída da cognição do tribunal.
Assim colocadas as coisas, o questionário entroncava plenamente em conhecidos brocardos como “iudex judicare debet secundum allegata et probata partium” ou “quod non est in actis (partium) non est in mundo” ou ainda “da mihi facta, dabo tibi ius”.
O sistema mostrava-se, pois, perfeito. Esta perfeição era, todavia, aparente. Na verdade, o processo funcionava em circuito fechado.
O mesmo é dizer que o “descobrimento da verdade” (art. 264º do CPC de 1939) ou o “apuramento da verdade” (art. 264º.3 do CPC de 1961) de que falava a lei correspondia a uma verdade formal, a uma verdade processual.
Tal como estava estruturado, o sistema processual civil português assentava na pressuposição (ou ficção) de que a realidade da vida a que se reportava cada concreta lide tinha sido suficiente e adequadamente vertida nos respectivos articulados.
Por isso, ainda que, na pendência da causa, houvesse a percepção de alguma desconformidade entre o alegado e a realidade das coisas, a resposta do sistema era de indiferença, vedando-se a entrada dessa realidade nos autos.
Tudo a pretexto de que ónus de alegação recaía sobre as partes e a pretexto de que o tribunal só podia “servir-se dos factos articulados pelas partes” (art. 664º do CPC de 1939 e de 1961).
A expressão máxima dessa indiferença do sistema face à realidade estava exactamente no questionário e no modo como era entendido.».
Quanto à selecção da matéria de facto em face da Reforma do CPC de 1995/96, pretendeu-se maior flexibilidade e generalidade na enunciação das questões de facto a provar. Lê-se ainda no discurso de Paulo Pimenta publicado na ob. Cit.: «(…) Na sequência do que antecede, é possível dizer que, em meados da década de 90 do século XX, havia um consenso generalizado quanto à necessidade de abandonar as figuras da especificação e do questionário, havendo igualmente consenso sobre a inconveniência de a delimitação da instrução ocorrer apenas à entrada da audiência final.
(…)
Atentando na redacção do CPC decorrente da Reforma de 1995/96, em particular nos n.ºs. 1, 2 e 3 do art. 264º, no n.º 2 do art. 265º, no art. 266º e na alínea b) do n.º 1 e nos n.ºs. 2 e 3 do art. 508º, bem assim na alínea f) do n.º 2 do art. 650º, é patente o corte com o passado intentado pelo legislador.
(…)
Ora, a Reforma de 1995/96, embora, aqui e ali, tenha ficado um pouco aquém do que era expectável, deu sinais bens claros no sentido de que o quotidiano forense não deveria manter-se.
(…)
Cerca de 15 anos decorridos sobre o início dos efeitos da Reforma de 1995/96, apesar das significativas alterações introduzidas no código, o quotidiano forense pouco ou nada mudou.
A selecção da matéria de facto continua a ser realizada como sempre, continua a haver quesitos, o âmbito e os limites da produção de prova são os de sempre, o uso dos poderes cognitivos pelo tribunal raramente se espraia pelos n.ºs. 2 e 3 do art. 264º, e o julgamento da matéria de facto continua a ser uma réplica da velha “resposta aos quesitos”.
Por inerência, se a lei foi alterada em 1995/96 e se isso significava que a base instrutória não se reconduziria ao questionário, mas se tudo se mantém essencialmente igual, os defeitos e as perversões que se apontavam ao questionário hão-de dirigir-se agora à base instrutória. Se o questionário era um espartilho, a base instrutória um espartilho é.» (nosso sublinhado).
No âmbito do regime proposto e que veio a integrar as alterações ao Código de Processo Civil pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, conclui o citado Autor Paulo Pimenta, na ob cit, designadamente: «O regime proposto implica a superação de um sistema que, durante muitas décadas, funcionou em circuito fechado, um sistema indelevelmente marcado pelo “círculo de ferro com que a lei apertava a matéria de facto atendível na decisão”, na insuspeita apreciação de Antunes Varela.
O regime proposto cria efectivas e reais condições para que a sentença a proferir nas acções cíveis realize a justa composição do litígio, por via da adequação da decisão à realidade extraprocessual.».
Não pode, pois, deixar de se concluir que o regime jurídico aplicável, à data, com vista à selecção da matéria de facto foi modificado por forma a permitir ultrapassar as dificuldades resultantes de uma disseminada e perversa prática forense, de que a situação dos presentes autos se afigura paradigmática na vertente em crise.
Ora, tal como foi considerado pelo Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão de 09-10-2008, processo nº 0319/08, cuja jurisprudência veio a ser reafirmada, v.g., nos acórdãos daquele Tribunal de 05-05-2010, processo nº 0122/10, de 01-03-2011, processo nº 0336/10, de 21-05-2015, processo nº 072/14, “(…) É de sublinhar neste ponto que em alguns casos de claro excesso do prazo razoável poderia porventura o método analítico de cada ato processual e respectivo prazo conduzir à conclusão de que não houve atrasos, mas nem assim se pode infirmar a conclusão do excesso injustificado porque a ser assim teria o Estado que prover a criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização, para atingir o objectivo de administrar a justiça em prazo razoável”.
No presente caso, foi isso mesmo que o Estado veio a fazer, o que diz bem do anterior regime jurídico adjectivo e sua disseminada prática como espartilho e factor, no caso presente, da crescente complexidade da causa e da morosidade em alcançar em prazo razoável uma decisão final transitada em julgado.
Ocorre, pois, violação dos citados artigo 20º, nº 4, da CRP e do artigo 6º, nº 1, da CEDH, pois, outrossim, e tal como vertido no acórdão do STA, de 01-03-2011, processo nº 0336/10, «o exercício pelos interessados dos direitos processuais que a lei lhes confere, como o direito ao contraditório, a deduzir incidentes e a reclamar e recorrer nos termos da lei, das decisões que lhes são desfavoráveis proferidas no processo, não exclui, naturalmente, a responsabilidade do Estado, a não ser que deles seja feito um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo», o que não se provou, sendo certo que o prazo razoável para decidir um litígio judicial não pode deixar de garantir a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos intervenientes.
Procedem os fundamentos do recurso nesta questão.
Vejamos, desde já e em face do disposto no artigo 149º do CPTA, o aspecto subjectivo da ilicitude, tendo presente que, como se sabe, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por actos ilícitos culposos, constitui jurisprudência pacífica do STA que a responsabilidade civil extracontratual da Administração por actos de gestão pública assenta em pressupostos idênticos aos enunciados no artigo 483º do Código Civil, e que são, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Neste tipo de situações, e tal como no citado acórdão do STA, de 09-10-2008, processo nº 0319/08, “a culpa resulta da ilicitude” e, neste caso, do próprio facto da selecção da matéria de facto e elaboração da base instrutória, ao abrigo de um regime jurídico adjectivo permissivo da mesma, em termos tais que vieram a revelar-se um espartilho no julgamento da causa e deu azo a decisões sucessivamente anuladas e revogadas pelas instâncias superiores e consequente morosidade no alcançar de uma decisão transitada em julgado em tempo razoável de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos.
Por conseguinte, verifica-se também o requisito da culpa.

II.2.3. — Os danos não patrimoniais: Do não provado facto A)
Entendem os Recorrentes que os danos morais alegados nos artigos 47º a 65º da petição inicial (PI) deviam ser considerados provados, pelo que alegam erro na apreciação da respectiva prova.
Na sentença recorrida, foi assente como não provado “Que o Autor RM e os ora Autores, MC e NC, sofreram danos de natureza não patrimonial, como consequência directa da invocada violação, quer do seu direito fundamental quer do direito fundamental do respectivo Marido e Pai, RV, a uma decisão definitiva em prazo razoável e tempo útil.”. O fundamento, em síntese, é o de que “… neste domínio, e em torno da prova testemunhal que arrolaram, os Autores não lograram fazer prova cabal sobre os danos morais por si sofridos, quais, e em que medida os afectaram, e em termos de merecerem a tutela do direito”.
Vejamos.
Os Recorrentes indicam o depoimento da testemunha ASF, Advogada, com conhecimento directo dos processos, que acompanhou até 2011 e desde cerca de 1995/1996, altura em que, em fase de estágio profissional, o seu patrono era o Advogado da causa dos Autores.
A depoente conheceu os Autores, RM (falecido) e os ora Recorrentes MC, cônjuge, e NC, filho, com os quais teve múltiplas reuniões no âmbito das causas em juízo, e cuja situação de vida, por essa via, acompanhou.
O seu relato é pungente em alguns momentos, na descrição da situação pessoal do Autor RM em face de uma situação que descreve como económica e emocionalmente desesperada.
O Autor RM, que à data do acidente tinha 34 anos de idade e era a fonte do rendimento familiar, ficou incapacitado para o trabalho. A MC passou a cuidar dele, em casa, e o filho NC — menor de 16 anos à data do acidente, e maior de 18 ou 19 quando a depoente o conheceu —, que passou a trabalhar, como fiel de armazém, passou a ser o suporte da economia da casa.
O Autor RM denotava ansiedade quanto a um desfecho tardio, “que já não era para ele”, numa alusão ao seu eventual falecimento (precocemente, entenda-se), e tanto ele como a família transmitiam um descrédito total na justiça, pela demora, pela incompreensão das decisões — “era um passo em frente e dois atrás” —, sendo que, como relata a testemunha, “foram vários picos emocionais, «finalmente, ganhámos isto…», e depois sobrevinha a anulação do julgamento, era a frustração, o descrédito, a angústia da família e particularmente do senhor R, que manifestava tristeza, ele chorava”.
Relata que, por vezes, era difícil explicar aos Autores as decisões judiciais, sendo necessárias várias reuniões para que estes compreendessem o que estava a acontecer, o que dizia a decisão judicial, o que tinha sido anulado, o que se tinha de fazer, o que era preciso rectificar, porque era preciso reclamar da selecção da matéria de facto, porque era preciso recorrer, e daí a vontade, que a certa altura os Autores manifestaram (a partir do acórdão que ordenou novo julgamento), de desistir da luta judicial, pois, como diziam, «já não dá mais», «eu não aguento mais isto», «eu quero prosseguir com a minha vida», «já não aguento mais vir a tribunal», «não aguento mais repetir o julgamento».
Ora, pelo depoimento desta testemunha ficamos convictos de que, efectivamente, o arrastamento desta causa em juízo decorrente dos sucessivos julgamentos nas circunstâncias relatadas na matéria de facto trouxeram aos Autores estados de ansiedade, angústia e tristeza, num sofrimento que se agudizou em 2008, na sequência do acórdão do STJ, de 18-08-2008, que determinou a ampliação da matéria de facto, ordenando a baixa do processo para novo julgamento e os levou quase a desistir de lutar judicialmente, não fora o ânimo que os seus advogados lhes incutiram, na promessa de prosseguir até ser feita justiça, que, acreditavam, seria favorável aos Autores.
Assim, no respeito embora pela relevância dos princípios da oralidade e da imediação, numa livre apreciação da prova, impõe-se, todavia, no presente caso, o dever de modificar a matéria de facto quanto ao dano não patrimonial, porquanto se afigura manifesta a desconformidade da não prova do facto com os meios de prova disponibilizados nos autos, designadamente o depoimento da testemunha ASF, cuja idoneidade e credibilidade não é abalada pela fundamentação da decisão quanto à não prova do facto, nem a força probatória do seu depoimento é beliscada pelo facto de ser a única testemunha a depor sobre a matéria, pois longe vão os tempos do “unius testimonium non esse credendum” do direito romano justinianeu ou do medieval “testis unus, testis nullus”.
Assim, ao invés de não provado, como em A) dos factos não provados, assenta-se como facto provado que “111) - Decorrente da pendência da acção indemnizatória identificada em 27) supra, mormente quanto às ocorrências no processo após a anulação da sentença identificada em 51) do probatório e sua anulação por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, identificado em 59), o Autor RM e os ora Autores, MC e NC, sofreram angústias, ansiedades, tristeza e frustração”.
Procedem os fundamentos do recurso nesta matéria.

Vejamos o demais (artigo 149º do CPTA).
Quanto ao nexo de causalidade, esta manifesta-se no juízo de imputação objectiva do dano ao facto de que emerge.
O artigo 563º do Código Civil preceitua que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Tem a jurisprudência entendido que, de acordo com a doutrina da causalidade adequada que o artigo 563º do Código Civil consagra na sua formulação negativa, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, no plano naturalístico, que ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado (nexo naturalístico) e, depois, que, em geral e em abstracto, seja apto a provocar o referido dano (nexo de adequação), ou, nas palavras de Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, Almedina, 7.ª edição, págs. 889, nota 2, e 899, a condição deixará de ser causa do dano, sempre que, “segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano”.
Em face do exposto, e sem mais delongas porque já suficientemente explanado acima, é de concluir, quanto à vertente de facto, verificar-se o nexo naturalístico, pois o arrastamento da causa em juízo decorrente dos sucessivos julgamentos nas várias instâncias, ocorreu — como dos mesmos se retira — por motivos atinentes à matéria de facto seleccionada, maxime da integrante ou omitida da base instrutória; Verifica-se ainda o nexo de adequação, uma vez que em geral e abstracto tal facto — o arrastamento do processo e excessiva demora da justiça em alcançar uma decisão final definitiva — mostra-se apto a provocar os referidos danos não patrimoniais.
Quanto ao montante indemnizatório a título de reparação dos danos não patrimoniais foi peticionado pelos Autores: “…deve o Estado Português ser condenado a pagar aos AA, na qualidade de herdeiros de RVM, a quantia de €15.000,00 e a cada um dos AA, por si, a quantia de €8.000,00, a título de compensação pelos elevados danos morais sofridos.”.
Vejamos, socorrendo-nos do enquadramento vertido no acórdão do STA, de 11-05-2017, processo nº 01004/16.
XXXIX. É certo que para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) [cfr. arts. 562.º, 563.º e 566.º do CC].
XL. O dever de indemnizar compreende não só os danos patrimoniais, mas também os danos não patrimoniais, importando quanto a estes atender, no plano interno, também ao regime legal que decorre do art. 496.º do CC.
XLI. Decorre deste preceito que na fixação da indemnização deve atender-se aos “danos não patrimoniais” que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito [n.º 1], sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso [n.º 3].
XLII. Resulta, assim, que o julgador nacional, para a decisão a proferir no que respeita à concreta valoração pecuniária dos “danos não patrimoniais” em questão, em cumprimento do normativo legal que o manda julgar e de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei, interpretada nos termos e à luz do que se mostra a conformação dada no caso pelo «TEDH» como referido supra, e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada.
XLIII. Tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofridos com a lesão do seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável.
XLIV. A lei não enuncia ou enumera quais os “danos não patrimoniais” indemnizáveis antes confiando aos tribunais, ao julgador, o encargo ou tal tarefa à luz do que se disciplina no citado art. 496.º, n.º 1, do CC.
XLV. E, no quadro da matéria aqui ora em discussão, este Supremo Tribunal tem jurisprudência firme e consolidada no sentido de que os “… danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na atuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso …”, na certeza de que se “… a parte que invoca a lesão alegar e procurar provar mais danos do que os comuns, mas não conseguir provar que os sofreu, nem por isso fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante, salvo quando se provar que em concreto, mesmo este, não ocorreu …” [cfr. jurisprudência iniciada pelo Ac. deste Supremo de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, seguida e aprofundada pelo seu Ac. de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08, e sucessivamente reiterada, nomeadamente, nos Acs. de 09.07.2009 - Proc. n.º 0365/09, de 01.03.2011 - Proc. n.º 0336/10, de 15.05.2013 - Proc. n.º 01229/12, e de 14.04.2016 - Proc. n.º 01635/15].
XLVI. Extrai-se da fundamentação expendida no referido Acórdão de 09.10.2008 [Proc. n.º 0319/08] e no âmbito daquilo que aqui ora releva que “… para que haja obrigação de indemnizar será necessário que se demonstre a existência da generalidade dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, inclusivamente o nexo de causalidade entre o atraso na tramitação do processo e os danos patrimoniais ou não patrimoniais invocados. (…) A possibilidade de a mera ofensa de um direito fundamental ser geradora da obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais, é imposta pelo próprio artigo 22.º da CRP (…) admite a possibilidade de indemnização por tais violações independentemente de prejuízos (danos materiais) …”, sendo que “… não se trata de um «dano automático», decorrente da constatação de uma violação de um direito fundamental …” já que “… para haver obrigação de indemnizar por atraso indevido na administração da justiça é necessário demonstrar que existe ilicitude no atraso, dano reparável e nexo de causalidade adequada. (Podem encontrar-se na mais recente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, casos em que, apesar de afirmar que ocorreu violação do art. 6.º, § 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por ser excedido o «prazo razoável», entendeu que não haver lugar a indemnização por danos morais decorrentes dessa violação, por o prejuízo moral invocado ter outra causa, o que significa, assim, que a indemnização por danos morais decorrentes não é automática, dependendo da existência de nexo de causalidade entre o atraso e os danos morais que se consideram provados. (…) A título de exemplo, podem ver-se os seguintes acórdãos: (…) - de 9.1.2007, proferido no caso Køíž contra República Checa, processo n.º 26634/03 (…) e de 9.1.2007, proferido no caso Mezl contra República Checa, processo n.º 27726/03 …”.
XLVII. Para, de seguida, afirmar que “… o TEDH vem entendendo que é de presumir - embora se admita prova em contrário - que da violação do direito à obtenção em prazo razoável da decisão judicial que regule definitivamente o caso que submeteu a juízo resulta um dano moral. (…) Esta jurisprudência do TEDH foi adotada pelo STA. Esta jurisprudência, foi reiterada no acórdão deste STA de 28.11.07, rec. P. 308/07, salientando-se a propósito da densificação do conceito de danos morais indemnizáveis para efeitos do art 6.º § 1.º da CEDH, o seguinte: (…) «… Reconhecida a importância da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, devemos, então, porque interessa ao caso sujeito, ter em conta a posição dessa instância europeia quanto a danos morais, por falta de decisão em prazo razoável, que encontramos assim resumida no ponto 94 do acórdão n.º 62361, de 29 de março de 2006 (caso Riccardi Pizzati c. Itália): (…) (i) O Tribunal considera que o dano não patrimonial é a consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável e presume-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada; (…) (ii) O Tribunal considera, também, que esta forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até, nenhum dano moral, sendo que, então o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente. (…) Quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no art. 41.º da Convenção fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo. (…) Por vezes o Tribunal entende que a constatação da violação é bastante para reparar o dano moral …” e que a jurisprudência daquele Tribunal “… relativamente aos danos morais suportados pelas vítimas de violação da Convenção, não restringe a dignidade indemnizatória aos de especial gravidade e, em casos de ofensa ao direito a uma decisão em prazo razoável, tem entendido que a constatação da violação não é bastante para reparar o dano moral …”, razão pela qual “… estando em causa uma violação do art. 6.º, § 1.º da Convenção e a sua reparação, em primeira linha, ao abrigo do princípio da subsidiariedade, pelo Estado Português, a norma do art. 496.º/1 do C. Civil haverá de interpretar-se e aplicar-se de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH (vide ponto 80 do acórdão de 29 de março de 2006, proferido no processo n.º 64890/01, no caso Apicella c. Itália) …”.
XLVIII. Este entendimento corresponde, aliás, ao que havia sido reafirmado pelo «TEDH» no seu acórdão de 10.06.2008 [c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», § 54], supra citado, quando refere que “… o ponto de partida do raciocínio das jurisdições nacionais na matéria deve ser a presunção sólida, ainda que elidível, nos termos da qual a duração excessiva de um processo ocasiona um dano moral. Bem entendido, em determinados casos, a duração de um processo não gera senão um dano moral mínimo, ou nem sequer qualquer dano moral. O juiz nacional deverá então justificar a sua decisão motivando-a suficientemente (Scordino c. Itália (n.º 1) [GC], supra, § 204) …”, constituindo jurisprudência uniforme e que vem sendo sucessivamente reiterada.
XLIX. A fixação do quantum debeatur relativo à indemnização a arbitrar pelos danos não patrimoniais mostra-se uma tarefa árdua e difícil, que envolve sempre margem de controvérsia, posto que o seu montante, como supra já aludimos, deve ser “fixado equitativamente” [cfr. n.º 3 do citado art. 496.º do CC].
L. Não se trata de uma atividade arbitrária já que convoca e impõe a emissão dum juízo que terá de levar em consideração na sua fundamentação a ponderação da gravidade dos danos, os fins gerais e especiais prosseguidos pela indemnização neste âmbito e a prática jurisprudencial em situações similares.
LI. Assim, e desde já, quanto a este ponto socorrendo-nos nesta sede daquilo que tem sido a jurisprudência do «TEDH» firmada quanto aos fatores que importa atender e considerar no juízo de equidade definidor do valor a arbitrar pelos danos não patrimoniais extrai-se: i) consideração da duração do processo, que deve ser feita levando em conta os anos que o mesmo esteve pendente, apurando-se no seu conjunto e não isoladamente por cada ano de demora/atraso; ii) a importância do litígio e seu impacto na esfera jurídica da parte [especial relevância para as ações laborais, sobre o estado e capacidade das pessoas, sobre pensões, relativas à saúde ou à vida das pessoas]; iii) o comportamento da parte durante o processo; iv) o levar em consideração o próprio nível de vida do país; v) e conduz à redução do montante a arbitrar o serem apuradas condutas que hajam importado ou contribuído para o retardamento do processo, o facto da participação no procedimento ter sido curta ou breve, o facto do litígio e sua decisão assumir pouca importância na esfera jurídica e patrimonial da parte, ou ainda o facto desta já ter obtido/recebido quantia em dinheiro destinada a indemnizar a lesão do direito a uma decisão judicial em prazo razoável [cfr., entre outros, Ac. do «TEDH» de 10.11.2004 (c. «Musci v. Itália», § 27)].
LII. E quanto aos montantes que concretamente têm sido fixados pelo «TEDH» no quadro de petições dirigidas contra o Estado Português, aqui também R., invocando a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, ressaltam, nomeadamente, as condenações de:
- 4.000,00€ [no Ac. daquele Tribunal de 27.10.2009, no c. «FAV », §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 04 anos e 09 meses para uma só instância];
- de 3.500,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 13.04.2010, no c. «FA n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 07 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição];
- de 28.000,00 € [para um A.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 43.000,00 € do que foi o montante arbitrado ao mesmo na ação indemnizatória interna] e de 11.000,00 € [para outros dois AA.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 21.000,00 € do que foi o montante arbitrado aos mesmos na ação indemnizatória interna] [no Ac. daquele Tribunal de 12.04.2011, no c. «DL e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 06 meses e 19 dias, numa só instância];
- de 1.200,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 20.09.2011, no c. «FA n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 08 anos, 08 meses e 12 dias para três instâncias percorridas];
- de 7.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.10.2011, no c. «FA n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 06 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 05 meses e 01 dia para duas instâncias, e 09 anos e 14 dias para quatro instâncias];
- de 16.400,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 31.05.2012, no c. «SCM&V n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 05 meses e 03 dias, para três instâncias, e 04 anos, 03 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de 14.400,00 € (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de 2.000,00€ (relativa aos danos pelo atraso na outra ação)];
- de 5.000,00 € [para uns requerentes] e de 4.800,00 € [para outros requerentes] [no Ac. daquele Tribunal de 16.04.2013, no c. «AIHAN e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 01 mês e 01 dia, para três instâncias, 18 anos, 04 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 03 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 05 meses e 12 dias numa só instância];
- de 15.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 30.10.2014, no c. «SCM&V e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 09 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - 5.200,00 €];
- de 3.750,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.06.2015, no c. «LPFP », §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 09 anos e 07 meses, para três instâncias];
- de 11.830,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 29.10.2015, no c. «VMN », §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 09 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição].
LIII. Já no plano interno e quanto aos litígios que concretamente têm sido julgados por este Supremo e os montantes fixados nas condenações do Estado Português por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável resulta, nomeadamente, o seguinte:
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 28.11.2007 (Proc. n.º 0308/07) - relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18.01.1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias];
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 09.10.2008 (Proc. n.º 0319/08) - relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias];
- 10.000,00 € [no Ac. do STA de 09.07.2009 (Proc. n.º 0365/09) - relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15.07.1983 e que perdurou até 30.10.2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância];
- 10.000,00 € [para um A.] e 5.000,00 € [para cada um dos dois outros AA.] [no Ac. do STA de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) - relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13.12.1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias];
- 3.550,00 € [para um A.] e 1.500,00 € [para o outro A.] [no Ac. do STA de 15.05.2013 (Proc. n.º 01229/12) - relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19.02.2003 só foram julgados em 18.10.2006, isto é, cerca de 03 anos e 08 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância];
- 4.000,00 € [no Ac. do STA de 14.04.2016 (Proc. n.º 01635/15) - relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07.07.1999 e concluído em 18.01.2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 04 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a A. interveio, após ter atingido a maioridade];
- 4.800,00 € [para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 30.03.2017 (Proc. n.º 0488/16) - relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30.04.2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»].”.

Vejamos em concreto.
O autor RM veio a falecer no dia 13-09-2006, depois da primeira sentença proferida no processo em 10-12-2003, que foi de condenação dos réus a pagar-lhe €288.606,40, da qual ele e os réus recorreram e na sequência dos quais aquela sentença foi anulada por acórdão do TR Porto, de 15-11-2005.
À data do seu falecimento a acção corria em juízo há 6 anos, 8 meses e 26 dias.
Quanto aos seus herdeiros e ora Recorrentes, essa situação prolongou-se, após percorridas as três instâncias por mais de uma vez, até ao termo do processo, por transacção homologada por sentença de 16-02-2011, no âmbito da qual a Ré, acordou em pagar-lhes €350.000,00, montante que envolveu ainda um outro processo pendente.
No entanto, do quadro factual apurado resulta que durante o período em causa o Autor RM e os ora Autores, MC e NC sofreram angústias, ansiedades, tristeza e frustração pelo arrastamento da causa, constatando-se, assim, que esses danos não patrimoniais a reparar não excedem o comum destas situações já que os Autores não lograram fazer prova de dano não patrimonial superior ou em concreto agravado, mas deve relevar-se a sua expectativa de encontrar uma solução de justiça que entendiam ser-lhes devida e que assumia uma importante relevância nas suas vidas com especial impacto a nível da sua economia familiar, mais premente relativamente ao Autor RM, pela sua consciência, que veio a concretizar-se, da possibilidade do seu falecimento precoce.
Tudo ponderado, os pedidos formulados devem ser atendidos mas os montantes reduzidos, porque o atraso havido na acção de indemnização caracteriza excesso do que é razoável, mas não é um caso extremo, e sobretudo porque o dano não patrimonial a reparar não excede o comum destas situações.
Dentro destes parâmetros e em juízo de equidade que não tenda para a indemnização meramente simbólica, considera-se ajustado fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais aos Autores, na qualidade de herdeiros de RM, o montante de €8.000,00, e a cada um, por si, o montante de €5.000,00.
Nada mais se mostra peticionado.
***
III.DECISÃO
Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
a) revogam a decisão recorrida;
b) condenam o Réu Estado Português a pagar aos Autores, na qualidade de herdeiros de RM, o montante de €8.000,00, e a cada um, por si, o montante de €5.000,00.
Custas por ambas as partes, na medida do decaimento, sem prejuízo da dispensa de pagamento de que os Autores beneficiem.
Notifique e D.N.
Porto, 03 de Novembro de 2017
Ass. Hélder Vieira
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Joaquim Cruzeiro