Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00648/24.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/31/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR, ILEGALIDADE CONCRETA;
ACTO ADMINISTRATIVO DE REPOSIÇÃO DE PRESTAÇÕES DE SUBSÍDIO DE DESEMPREGO;
CONCEITO DE AUTOLIQUIDAÇÃO;
Sumário:
I - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.

II - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior.

III - A ilegalidade, em concreto, das dívidas respeitantes a subsídio de desemprego não pode ser discutida em sede de oposição.

IV - Nessas dívidas, o acto sindicado e cuja ilegalidade é questionada pela Oponente, consubstancia uma decisão directa e lesiva, imediatamente impugnável, na medida em que determina a reposição de quantias pagas a título de prestações de subsídio de desemprego, produzindo, desde logo, efeitos na sua esfera jurídica, donde, poderia/deveria a Oponente ter reagido contra o mesmo, mediante a dedução da competente acção administrativa.

V – Ao invés, nas situações de autoliquidação de Segurança Social, o acto de extracção da certidão confirmativa da existência da dívida configura-se como acto de liquidação, donde, não podendo o contribuinte reclamar graciosamente, nem impugnar judicialmente, pode questionar a legalidade do acto tributário em sede de oposição à execução fiscal, subsumindo-se a questão no artigo 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT.

VI – A autoliquidação é efectuada pelo contribuinte. O acto que determinou a reposição de quantias pagas a título de prestações de subsídio de desemprego foi praticado pelo Instituto da Segurança Social, I.P., pelo que não tem a natureza de autoliquidação.

VII – Justifica-se a rejeição liminar de oposição, por não ser subsumível ao disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT, se a executada pretende discutir nesse meio processual a ilegalidade concreta do acto que determinou a restituição de quantias pagas a título de subsídio de desemprego..*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», NIF ...38..., com número da Segurança Social ...51, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 19/06/2024, que rejeitou liminarmente a oposição ao processo de execução fiscal n.º ...............4029, instaurado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS, I.P) – Secção de Processo Executivo de ..., para cobrança coerciva de dívida referente a reposição de quantias auferidas a título de subsídio de desemprego, no valor de €5.721,39.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. A recorrente não concorda com a decisão de rejeição liminar por entender que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei, por estar em causa um acto de liquidação, donde se pode questionar a legalidade do ato tributário em sede de oposição à execução fiscal, subsumindo-se a questão ao invocado artigo 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT.
2. Entende a recorrente que deve alterar-se a decisão proferida, substituindo-a por outra que admita a presente petição inicial de oposição e subsequente tramitação.
3. A recorrente lançou mão da oposição à execução, pois, entre o mais, foi a própria Segurança Social que, em 26.02.2024, ordenou a sua citação pessoal no âmbito do processo n.º ............4029, comunicando-lhe o seguinte - cf. documento com a referência Sitaf 007099093, de 16/06/2024, cujo teor, por brevidade, aqui se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
4. Note-se que é a própria Segurança Social que dá a conhecer à contribuinte que “Poderá requerer o pagamento em prestações até à marcação da venda (1), contestar a execução fiscal (deduzir oposição) no prazo de 30 dias (2) ou requerer dação em pagamento no mesmo prazo (3).
5. Por se tratar de uma situação de autoliquidação de Segurança Social, a qual ordenou a citação da recorrente com a confirmação da existência da dívida, visando a cobrança coerciva da mesma no valor de 5.721,39 €, configurando um acto de liquidação, resulta evidente que a recorrente pode questionar a legalidade do ato tributário em sede de oposição à execução fiscal, subsumindo-se a questão no artigo 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT.
6. Entende, assim, a recorrente que a decisão de rejeição liminar incorreu em erro, pois a causa de pedir é clara e com a oposição o que se pretende é a apreciação da invocada ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, por falta de fundamento, e, por conseguinte, a anulação da quantia exequenda por inexistente.
7. Tal causa de pedir é fundamento legal de oposição nos termos do artigo 204.º do CPPT, sendo inequívoco o direito da recorrente ao exame e julgamento da oposição apresentada cujo desfecho deve culminar na respetiva anulação.
8. A decisão de rejeição liminar prolatada pelo Tribunal a quo não deve manter-se na ordem jurídica sendo a pretensão da recorrente susceptível de apreciação neste meio processual.
9. Foi a própria Segurança Social que informou a recorrente da possibilidade de deduzir oposição judicial para a execução anunciada e cujo acto de liquidação lhe foi dado a conhecer.
10. Em suma, deve ser proferida decisão no sentido de se proceder à admissão liminar da presente petição inicial de oposição e subsequente tramitação.
Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.ª Ex.a , deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que deve revogar-se a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que admita liminarmente a presente petição inicial de oposição e subsequente tramitação.”

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao rejeitar liminarmente a presente oposição, por não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT e por ser manifesta a improcedência da mesma.
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III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Para decidir liminarmente, o tribunal recorrido alinhou a seguinte factualidade:
“Para tanto tenha-se em consideração que ante o teor da petição inicial e do requerimento e documentos juntos na sequência de despacho de aperfeiçoamento em sede liminar, resultam demonstrados os seguintes factos:
1. Em 25.09.2023 foi projetada decisão de indeferimento de concessão de benefício de desemprego, do requerimento de 12.10.2022 da ora Oponente, pelo Instituto de Segurança Social IP, Centro Distrital de ..., por “não ter sido considerado em situação de desemprego involuntário (…)” – fls. 82-89 SITAF.
2. A Oponente remeteu exposição em audição prévia em 06.10.2023 – fls. 82-89 SITAF.
3. A Oponente recebeu em data não apurada a nota de reposição n.º 12260227, datada de 09.10.2023, remetida pelo Núcleo de prestações indevidamente pagas do Instituto de Segurança Social IP, Centro Distrital de ..., relativa ao valor de 6.314,57€, de prestações de subsídio de desemprego consideradas indevidamente recebidas, entre 10/2022 e 09/2023 – cfr. fls 74 e sgts SITAF.
4. Na nota de reposição n.º 12260227 indicaram-se os prazos de 10 dias úteis para responder, juntando documentos, 15 dias para reclamar para o autor do ato, de 3 meses para recorrer hierarquicamente e de 3 meses para impugnar contenciosamente, com indicação de que a Reclamação não suspende o prazo para recorrer para o Tribunal cfr. fls 74 e sgts SITAF
5. Em data não apurada, a Oponente recebeu a notificação datada de 08.11.2023, informando do teor do despacho de 03.11.2023, que indeferiu a sua alegação referente à nota de reposição n.º 12260227 – cfr. fls. 90-93 e sgts SITAF.
6. Em 03.12.2023 apresentou recurso hierárquico em que pediu fosse decidida a (re)atribuição do subsídio de desemprego, por reunir as condições legalmente previstas e requer a restituição dos subsídios de que se viu privada de receber desde que viu cessada a sua atribuição – fls. 94-95 e 96 e segts SITAF.
7. O processo de execução n.º ...............4029 foi instaurado na Secção de Processo Executivo de ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP contra a ora Oponente, para cobrança de dívida de subsídio de desemprego, no valor 5.721,39 €, incluindo juros de mora e custas processuais, dos períodos de 10/2022 a 09/2023 – fls. 4- 8 e 13-14 SITAF.
8. No processo de execução n.º ...............4029, foi remetida a citação n.º 24CIT379671 à Oponente, recebida em 26.02.2024 e lida em 29.02.2024, no valor de 5.721,39 € (capital: 5.560,59 € + juros: 41,09 € + custas: 119,71 €), com indicação da proveniência da dívida do Instituto da Segurança Social, I.P.; de que o valor da garantia a prestar para suspender a execução é de 7.151,74 € e de que além do mais pode ser deduzida Oposição à execução no prazo de 30 dias, com os fundamentos previstos n artigo 204.º do CPPT – fls. 104-105 SITAF.
9. Em 27.03.2024 foi apresentada a presente Oposição à execução n.º ...............4029 – fls. 11-12 SITAF.”

2. O Direito

O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) - entendido na sua dimensão positiva de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo - e inútil qualquer instrução e discussão posterior.
Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado – cfr., por exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/02/2011, proferido no âmbito do processo n.º 765/10.
Vejamos, agora, se no presente caso estão verificados os requisitos para a rejeição liminar da petição inicial, ou seja, se o seguimento do processo não tem razão alguma de ser e seja desperdício manifesto de actividade judicial - cfr. ALBERTO DOS REIS in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, vol. II, pág. 373.
Na petição de oposição, a alegação reconduz-se exclusivamente à invocação da ilegalidade do acto que determinou a decisão de reposição/restituição das prestações que lhe foram pagas a título de subsídio de desemprego; e à invocação de que, na ausência de decisão no recurso hierárquico facultativo que apresentou da decisão administrativa que determinou a reposição, não podia ter sido instaurada a execução. Com base nestes dois fundamentos, pediu a extinção da execução.
No que tange ao segundo fundamento, o tribunal recorrido decidiu que para a cobrança coerciva da dívida ficar suspensa, em virtude de recurso hierárquico [ou da interposição de acção administrativa], com vista à apreciação da legalidade da decisão que determinou a reposição do subsídio que deu origem à dívida, a dedução do meio administrativo ou judicial da discussão da legalidade da decisão em causa teria que apresentar efeito suspensivo em relação à eficácia do acto - decisão de indeferimento de benefício e determinação da reposição do valor dos subsídios em causa, cuja anulação era pretendida. O que não sucede [cfr. artigos 50.º, n.º 2 do CPTA, 169.º e 199.º do CPPT]. Tendo, por isso, considerado manifesto que a parte da alegação da Oponente relativa à impossibilidade de instauração de execução enquanto está pendente recurso hierárquico facultativo deduzido em relação ao acto, não poderia determinar a procedência do pedido de extinção da execução, formulado nesta Oposição à execução.
Compulsadas as alegações do presente recurso, bem como as respectivas conclusões, verificamos que quanto ao julgamento de considerar manifesta a improcedência deste segundo fundamento, referente à pendência de recurso hierárquico, a Recorrente nada disse, tendo somente concentrado a sua discordância, nesta sede recursiva, quanto à parte do julgamento “a quo” relativa à impossibilidade de discutir a legalidade da dívida.
Portanto, a fundamentação da sentença recorrida concernente à alegada inexigibilidade da dívida não se mostra atacada neste recurso, tendo, por isso, nessa parte, transitado em julgado.
Nestes termos, resta-nos aferir a correcção do julgamento “a quo” quanto ao fundamento integrado pela Oponente na alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT:
“(…) Isto dito, a alegação da Oponente, apenas poderia erigir-se em fundamento válido de Oposição à execução fiscal, ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, se a lei não assegurasse meio judicial de impugnação ou recurso contra o referido ato. O que não se verifica. Pois, para conhecimento de eventual ilegalidade de que enferme o procedimento administrativo ou a decisão em que este culminou de restituição das prestações de subsídio de desemprego é meio processual de reação judicial previsto na Lei, a ação administrativa, para cujo conhecimento é competente o Juízo Social, da área Administrativa do Tribunal Administrativo e Fiscal de .... Não sendo a mesma subsumível em qualquer das outras alíneas do artigo 204.º do CPPT, onde se estabelecem, taxativamente os fundamentos de oposição à execução. (…)
Note-se que a Segurança Social tem competência tributária, no que se refere às contribuições e cotizações para a Segurança Social. Todavia, não são prestações com esta natureza que estão em execução no processo executivo a que vem deduzida a presente Oposição [cfr. no sentido exposto e adotado, entre diversa jurisprudência, atenta a sua clareza, confrontem-se as fundamentações dos acórdãos do STA de 17.02.2022, no processo 1419/20.6BELSB, por mais recente e a jurisprudência do mesmo STA neste citada; e, ainda o acórdão do mesmo STA de 27.11.2019, processo 0104918.2BELRS, disponível em www.dgsi.pt].
Não sendo o fundamento alegado admissível para este meio processual, ante o elenco taxativo do artigo 204.º do CPPT, a ser admitida a Oposição, o pedido não pode em sede de mérito vir a ser julgado procedente, com base em fundamento não admissível. (…)”
A Recorrente pretende demonstrar que o fundamento apresentado na sua oposição é subsumível na alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, tendo ensaiado convencer o tribunal quanto à natureza da dívida em causa, afirmando tratar-se de autoliquidação: “Por se tratar de uma situação de autoliquidação de Segurança Social, a qual ordenou a citação da recorrente com a confirmação da existência da dívida, visando a cobrança coerciva da mesma no valor de 5.721,39 €, configurando um acto de liquidação, resulta evidente que a recorrente pode questionar a legalidade do ato tributário em sede de oposição à execução fiscal, subsumindo-se a questão no artigo 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT.”
Para tanto, alega ter sido a própria Segurança Social a indicar-lhe a possibilidade de utilização deste meio processual – cfr. pontos 3 e 9 das conclusões do recurso.
Porém, facilmente se compreende que tal argumento é absolutamente inócuo para abalar a decisão recorrida, dado que caberia à Oponente seleccionar os fundamentos (taxativos) que se mostram elencados no artigo 204.º do CPPT, devendo enquadrar a sua situação concreta em algum deles. Na eventualidade de constatar a impossibilidade de subsunção do seu caso concreto em alguma das alíneas do artigo 204.º do CPPT, então, deveria fazer uso de outro meio processual mais ajustado.
In casu, a Recorrente não se conforma com a rejeição liminar proferida pelo tribunal recorrido, uma vez que a mesma se fundou, parcialmente, na circunstância das causas de pedir aduzidas para suportar o pedido formulado não serem enquadráveis no artigo 204.º do CPPT, fundando-se as suas pretensões em ilegalidade, em concreto, da dívida exequenda.
Decorre da decisão recorrida que a sindicância da legalidade da liquidação da dívida exequenda só pode ocorrer nas circunstâncias muito estritas da alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, isto é, apenas quando não esteja legalmente previsto qualquer meio judicial de impugnação da decisão de liquidação, o que no caso concreto não é alegado, nem se descortina.
Vejamos, então.
De facto, se estivesse em causa, como pretende, agora, fazer crer a Oponente, situação de autoliquidação de cotizações ou contribuições à Segurança Social, a questão atinente à discussão da ilegalidade em concreto não poderia, sem mais, ser afastada.
Todavia, subjaz ao processo de execução fiscal em apreço decisão administrativa de reposição de prestações de subsídio de desemprego.
Efectivamente, secunda-se o entendimento do Tribunal a quo, relativamente à questão atinente à ilegalidade da dívida exequenda, porquanto a mesma não pode, de facto, ser discutida em sede de oposição ao processo executivo.
Concretizando.
Com efeito, a alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT permite que a oposição tenha por fundamento a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.
“Casos em que a lei não assegura meios de impugnação dos actos de liquidação são aqueles em que se permite a extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação”.
São, portanto, as situações em que o título é uma mera nota informal que não integra nenhum acto administrativo ou em que não há propriamente um acto de liquidação anterior à execução.
Ora, in casu, encontrando-nos perante dívidas emergentes de recebimento, alegadamente, indevido de subsídio de desemprego, a extracção das certidões de dívida tem na sua génese o respetivo acto tributário de liquidação.
Vide o Acórdão do STA, de 28/10/2020, proferido no processo n.º 0539/13, do qual transcrevemos a seguinte passagem:
“ (…) [a] Recorrente começa por retomar a sua linha de defesa nesta sede, insistindo (conclusões a) a v)) na questão da falta de fundamentação do acto administrativo, sustentando que não pode considerar-se fundamentada a referida revogação, colocando em crise a ideia (apontada na decisão recorrida) de que tal matéria não podia ser objecto de tutela no âmbito de acção de oposição judicial, mas sim no processo de acção administrativa especial, hoje acção administrativa.
A oposição à execução fiscal assume a natureza de contestação à pretensão do exequente de cobrança coerciva da dívida tributária, apenas podendo ser deduzida com invocação dos fundamentos legais taxativos (art. 204º nº 1 do CPPT), sendo que nos termos da alínea h) do nº 1 do art. 204º do CPPT é fundamento de oposição à execução fiscal a “ilegalidade da liquidação da dívida exequenda”, mas logo aí se ressalva que a discussão da legalidade da liquidação só é possível quando “a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação”.
Pois bem, é jurisprudência uniforme dos tribunais tributários, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo, que não é possível discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação que deu origem ao tributo, nem a legalidade do acto administrativo que esteja na origem da dívida exequenda, uma vez que a lei assegura meio judicial de impugnação desses actos. Salienta ainda a jurisprudência que não se equipara à ausência de meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto aquela em que o executado não foi oportunamente notificado para exercer o direito de impugnar; nesta situação, a falta de notificação apenas determinará a não abertura do prazo para exercer o direito de impugnação e já não a possibilidade de transferir a discussão da legalidade da liquidação do meio próprio para a oposição à execução fiscal - Ac. do S.T.A. de 16-01-2019, Proc. nº 011/16.4BEAVR 0654/16, www.dgsi.pt.
Assim, como se refere no aresto agora apontado, as únicas situações que se acolhem à fatti species da referida alínea são aquelas em que a dívida exequenda não tenha origem em acto tributário ou acto administrativo prévio.
Nesta sequência, podemos concluir, (…) que a oposição não é o meio processual adequado à discussão da legalidade da decisão de revogação no que diz respeito à aprovação da candidatura do projecto POPH, uma vez que a lei garante meio de impugnação desse acto, qual seja a então acção administrativa especial, hoje acção administrativa, impondo-se ainda sublinhar que a Recorrente aponta (art. 8º da petição inicial) que foi notificada em 16-11-2011 da tal decisão de revogação. (…)”
De sublinhar, ainda, que os aludidos fundamentos quanto a estas dívidas decorrentes de prestações de desemprego, não se subsumem em qualquer outra das alíneas contempladas no citado artigo 204.º do CPPT.
É nossa convicção que o vertido na conclusão 5.ª das alegações do recurso se prende com a ideia de possibilidade de discussão da legalidade da dívida exequenda na oposição quando esteja em causa autoliquidação, tendo por base, entre outros, o expendido no Acórdão do STA, de 14/06/2012, proferido no âmbito do processo n.º 0443/12:
“(…) Nessas situações, com carácter de autoliquidação, apenas poderá configurar-se o acto de extracção da certidão confirmativa da existência da dívida como «acto de liquidação» para os efeitos previstos na alínea h) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT (Nos termos do art. 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT, é fundamento de oposição à execução fiscal «Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação».). Na verdade, nesses casos, não pode o contribuinte reclamar graciosamente nem impugnar judicialmente, sendo que apenas poderá questionar a legalidade do acto tributário em sede de oposição à execução fiscal Neste sentido, o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 7 de Dezembro de 2004, proferido no processo com o n.º 749/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Julho de 2005 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2004/32240.pdf, págs. 1808 a 1812, também disponível emhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d14b5ab43579fc9780256f70005b8d00?OpenDocument.) (…)” (destaques e sublinhados nossos).
Assim, antes de mais, importará aferir da natureza das dívidas em apreço, aquilatar se as mesmas configuram ou não autoliquidações, daí retirando a consequente subsunção (ou não) na alínea h), e inerente possibilidade de discussão da legalidade em concreto da dívida exequenda.
A doutrina e a jurisprudência referem-se à autoliquidação para aludir ao acto cuja iniciativa pertence ao contribuinte, por disposição legal, consubstanciando-se na apresentação de uma declaração, o que pressupõe as necessárias operações de qualificação (identificação do "an debeatur") e quantificação (aferição do "quantum debeatur") necessárias para avaliar o montante de imposto a pagar ou a restituir, normalmente acompanhada do respectivo meio de pagamento (cfr. Acórdão do STA-2.ª Secção, de 07/05/2003, rec. n.º 316/03; Acórdão do TCA Sul-2.ª Secção, 06/04/2017, proc. n.º 887/11.1BELRA; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. Edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.405; Manuel M. Pires Fernandes, Glossário de Direito Fiscal, Dislivro, 2007, pág.48; Paulo Marques, A Revisão do Acto Tributário, Cadernos do IDEFF, nº.19, Almedina, 2015, pág.156). – cfr. Acórdão do STA, de 03/02/2021, proferido no âmbito do processo n.º 02683/14.5BELRS.
Portanto, segundo o critério orgânico ou da qualidade do sujeito competente para a realizar, existe a liquidação administrativa levada a efeito pela AT e a liquidação efectuada pelos particulares, que abrange a denominada autoliquidação e a liquidação por terceiro ou liquidação em substituição – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 30/06/2009, proferido no âmbito do processo n.º 3132/09.
A autoliquidação, que é efectuada pelo contribuinte, não constitui um acto administrativo e, por isso, não é impugnável directamente, daí a possibilidade de discussão da sua legalidade em sede de oposição judicial.
No nosso caso, existe, como vimos, um acto administrativo que determinou a restituição de prestações de subsídio de desemprego – cfr. ponto 1 a 5 do probatório.
Logo, é ostensivo não estarmos perante uma liquidação realizada pelo sujeito passivo, seja ele o contribuinte directo, o substituto legal ou o responsável legal. Sendo evidente a existência de um acto prévio praticado pela AT, pelo Instituto da Segurança Social, I.P., não estamos em presença de qualquer autoliquidação.
Falecendo este argumento basilar do recurso e atendendo a tudo quanto ficou explicitado, é notório que a Recorrente não poderá discutir a legalidade da dívida no presente meio processual (porque a lei assegura outro – acção administrativa), não sendo a situação concreta subsumível ao disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT.
Nesta conformidade, o recurso não pode ser provido, devendo manter-se a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
II - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior.
III - A ilegalidade, em concreto, das dívidas respeitantes a subsídio de desemprego não pode ser discutida em sede de oposição.
IV - Nessas dívidas, o acto sindicado e cuja ilegalidade é questionada pela Oponente, consubstancia uma decisão directa e lesiva, imediatamente impugnável, na medida em que determina a reposição de quantias pagas a título de prestações de subsídio de desemprego, produzindo, desde logo, efeitos na sua esfera jurídica, donde, poderia/deveria a Oponente ter reagido contra o mesmo, mediante a dedução da competente acção administrativa.
V – Ao invés, nas situações de autoliquidação de Segurança Social, o acto de extracção da certidão confirmativa da existência da dívida configura-se como acto de liquidação, donde, não podendo o contribuinte reclamar graciosamente, nem impugnar judicialmente, pode questionar a legalidade do acto tributário em sede de oposição à execução fiscal, subsumindo-se a questão no artigo 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT.
VI – A autoliquidação é efectuada pelo contribuinte. O acto que determinou a reposição de quantias pagas a título de prestações de subsídio de desemprego foi praticado pelo Instituto da Segurança Social, I.P., pelo que não tem a natureza de autoliquidação.
VII – Justifica-se a rejeição liminar de oposição, por não ser subsumível ao disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT, se a executada pretende discutir nesse meio processual a ilegalidade concreta do acto que determinou a restituição de quantias pagas a título de subsídio de desemprego.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido, na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Porto, 31 de Outubro de 2024
[Ana Patrocínio]
[Cristina Travassos Bento]
[Maria do Rosário Pais]