Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00929/13.6BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2025
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:CLÁUSULA GERAL ANTI ABUSO; N.º2 DO ARTIGO 38º DA LGT;
SOCIEDADE POR QUOTAS, TRANSFORMAÇÃO;
SOCIEDADE ANÓNIMA; ALIENAÇÃO DAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS;
Sumário:
I. A aplicação da cláusula geral anti-abuso, prevista no n.º 2 do artigo 38º da LGT, prevê a verificação cumulativa dos seguintes elementos em que se decompõe o artigo 38º nº 2 da LGT -meio, resultado, intelectual, normativo e sancionatório.

II. A opção do sujeito passivo pela solução acompanhada de menores encargos fiscais no âmbito do planeamento fiscal, consiste na minimização dos impostos a pagar de um modo legítimo e lícito. não constitui, por si, qualquer abuso, o que afasta desde logo a verificação do “elemento resultado” e “elemento normativo”

III. É o caso da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima ainda que tivesse sido motivada exclusivamente por finalidades fiscais (“elemento intelectual”), não é condenável face ao ordenamento jurídico tributário então vigente, na medida em foi o próprio legislador que optou por tributar as mais-valias resultantes da alienação das quotas e não tributar as mais-valias resultantes da alienação das ações.

IV. A interpretação do artigo 38º nº 2 da LGT sufragada e aqui aplicada, não é suscetível de consubstanciar qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da legalidade, nem do princípio do acesso ao Direito.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Maioria
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 24.11.2021, que julgou procedente a impugnação intentada por «AA» e mulher, «BB», (Recorridos) anulando a liquidação adicional de IRS do ano de 2009 e respectivos juros compensatórios, cujo valor a pagar, após estorno com a liquidação anterior, foi de € 26.714,74, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(…)
a) O presente recurso jurisdicional tem por objeto a douta sentença proferida nos presentes autos, na sequência da liquidação adicional de IRS do ano 2009 e respetivos juros compensatórios, cujo valor a pagar, após estorno com a liquidação anterior, foi de €26.714,74, tendo os então Impugnantes, ora Recorridos, peticionado a sua procedência e a anulação da liquidação, que culminou na procedência da ação, decidindo que não estavam verificados os requisitos legais para aplicação da cláusula geral anti abuso, prevista no art. 38.º n.º 2 da LGT.
b) Ora, a Fazenda Pública não pode conformar-se com a procedência da impugnação por entender que se encontram reunidos todos os pressupostos para aplicação da clausula geral anti abuso, prevista no nº2 do art.º 38.º da LGT.
c) E por outro lado, o Tribunal “a quo” baseou-se numa decisão proferida pelo CAAD, no proc. nº106/2014-T, interposto pelos restantes sócios da [SCom01...], Lda”, cuja decisão não transitou em julgado em virtude da Representação da Fazenda Pública, junto do Tribunal Central Administrativo Sul, ter impugnado tal decisão, que deu origem, ao proc. Proc.º08129/14.
d) Tendo já sido proferida decisão naqueles autos de proc. 08129/14, em 25.11.2021, cuja decisão foi favorável à AT, tendo determinado: “(…) julgar procedente a presente Impugnação e anular, por vício de omissão de pronúncia, o Acórdão proferido no processo arbitral n.º 106/2014-T, ordenando a remessa dos autos ao CAAD para apreciação da omitida questão de inconstitucionalidade”.
e) Ora, como se demonstrará, os requisitos legais exigidos legalmente para a aplicação da clausula geral anti abuso, prevista no nº2 do art.º38.º da LGT, foram cumpridos, e se os mesmos tivessem sido realmente tidos em conta conduziriam logicamente a decisão diversa da que foi tomada, ou seja, a Recorrente entende que demonstrou todos os requisitos necessários à aplicação da dita cláusula geral anti abuso.
f) Portanto, a Recorrente demonstrará, neste recurso que os fundamentos apresentados na sentença não suportam uma decisão de procedência do pedido, quer em termos de facto, porquanto os fundamentos a mesma não tem em conta todos os factos dados como provados na douta sentença e por outro lado, em termos de direito, o Tribunal “ a quo” fez uma interpretação errada do disposto no nº2 do art.º38.º da LGT, ao exigir uma prova “diabólica” à AT, manifestamente impossível de demonstrar, e violadora dos princípios constitucionais consagrados na Constituição da Republica Portuguesa (CRP), o que é manifestamente ilegal.
g) Sendo certo que a conjugação da norma acima referida com a alínea b) do n.º3 do art.º63.º do CPPT apenas determina que a fundamentação da aplicação daquela clausula geral anti abuso, além da exigência da descrição do negócio ou ato, e normas de incidência, apenas exige que a AT demonstre de que “ (…) a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais.”
h) Ora, a decisão arbitral do CAAD na qual se baseou a sentença sob recurso, começa por fazer uma resenha histórica da Clausula geral anti abuso e indicar as razões de lei que levaram ao surgimento destas normas: “ (…) É justamente com vista a prevenir o abuso de comportamentos “extra legem” que surgem as normas gerais antiabuso, também denominadas normas antifraude à lei fiscal ou anti abuso do direito à utilização de formas jurídicas para ilidir o Imposto ( NUNO DE SÁ GOMES, op. Cit., página 68)”.
i) Referindo, ainda, a fundamentação da decisão arbitral do CAAD, no qual o Tribunal “a quo” concordou inteiramente que “Na sua essência, a cláusula geral anti abuso mais não é do que uma consagração, no direito fiscal, da figura jurídica do abuso de direito, prevista no artigo 334º do Código Civil, no sentido de abuso do direito ao planeamento ou à poupança fiscal. No sistema fiscal português a cláusula geral anti abuso foi introduzida pela Lei nº 87- B/98, de 31 de Dezembro, encontrando-se actualmente prevista no artigo 38° nº 2 da Lei Geral Tributária”. ( fls. 75 da douta sentença).
j) Estando também referido na douta sentença a fls. 75 que “(…) enquanto que na simulação existe um negócio real, que corresponde à vontade do contribuinte, e um negócio simulado, na cláusula geral anti-abuso todos os actos praticados são efectivamente reais e pretendidos pelas partes, não sendo nunca simulados ou ocultos*. Por outro lado, enquanto que na simulação o negócio simulado é nulo, o negócio que subjaz à aplicação da cláusula geral anti abuso é sempre um negócio lícito e válido*. Aliás, na esteira do defendido por DIOGO LEITE DE CAMPOS e JOÃO COSTA ANDRADE, para que o direito tributário censure actos ou negócios jurídicos, determinando a sua ineficácia para efeitos fiscais, será necessário que tais actos ou negócios sejam válidos no âmbito do ramo do direito em que se situam. Se forem inválidos, então (em princípio) o problema da sua invalidade não se porá em direito fiscal, por tais actos, em que o direito fiscal tem de assentar, não produzirem efeitos "por si mesmos" (“Autonomia Contratual e Direito Tributário (A Norma Geral Anti-Elisão)", Almedina, 2008, página 11). (*negrito nosso)
k) Ora, não há dúvidas perante a doutrina acima enunciada e relatada na douta sentença que os atos subjacentes e eventualmente suscetíveis de aplicação da clausula geral anti abuso são atos efetivamente reais e pretendidos pelas partes, sendo lícitos e válidos.
l) A Recorrente não ignora as sucessivas decisões no âmbito do CAAD sobre esta questão da aplicação da cláusula geral anti abuso em operações de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas, seguidas da venda das participações sociais, mormente no que respeita ao chamado elemento normativo, no entanto parece-nos que tal interpretação é ilegal, por se fazer uma interpretação errada da norma, ao exigir a prova cabal dos tais “meios artificiosos ou fraudulentos” para demonstrar que o contribuinte com a outorga do negócio licito pretendeu a eliminação ou redução do imposto.
m) Esta interpretação dada pelo Tribunal “a quo” ao disposto no art.º 38.º nº 2 viola o quadro constitucional vigente, nomeadamente o princípio da legalidade quanto à atribuição de benefícios fiscais, o princípio da igualdade e o princípio da capacidade contributiva que neste se funda.
n) Ora, estando em causa uma exclusão de tributação, portanto, a questão a decidir coloca-se no âmbito da concessão de um benefício fiscal, pelo que somente no caso de ser prosseguido o interesse público subjacente à concessão do benefício pode considerar-se existir uma atuação intra legem. Assim, só será legítima uma opção legislativa no sentido da não tributação de uma determinada realidade, leia-se, forma ou operação jurídica, quando no caso concreto se prossiga aquela determinada vantagem económica que legitima a perda de receita fiscal correspectiva.
o) A utilização de uma norma de exclusão de tributação, construindo uma estrutura por forma a poder atuar formalmente de acordo com a lei, mas logrando única ou predominantemente a poupança fiscal, é agir ao arrepio do espírito da norma, isto é, em abuso de direito, tal como alguns doutrinários defendem e que foram citados na sentença sob recurso.
p) A propósito dos princípios consagrados na CRP e face ao teor do disposto no art. 38°, n° 2 da LGT, não podemos deixar de estranhar a citação de BERGERÉS feita no acórdão arbitral e citado agora pela sentença sob recurso de que «[o] abuso de direito não condena a habilidade fiscal, mesmo que esta conduza a construções jurídicas pouco ortodoxas», perspetiva que irremediavelmente compromete o princípio constitucional da capacidade contributiva, como o da igualdade, em que o referido princípio da capacidade contributiva se funda.
q) Sendo certo que a redação do nº2 do art.º 38.º da LGT está intrinsecamente ligada à redação da alínea b) do nº3 do art.º 63.º do CPPT, quando refere a AT deve demonstrar “(…) que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais”.
r) E essa prova foi feita pela AT.
s) É doutrinariamente reconhecido que o disposto no nº2 do art.º38.º da LGT consagra vários requisitos cumulativos para a sua aplicação e que são os seguintes, de uma forma simplista: o elemento meio, o elemento resultado, o elemento intelectual, elemento normativo e o elemento sancionatório.
t) Quanto ao elemento meio, o Tribunal “ a quo” refere na sentença que “(…) os atos e negócios jurídicos praticados pelos Requerentes revestem uma forma perfeitamente usual, típica e adequada ao efeito pretendido, não se vislumbrando qualquer utilização de artificio ou fraude para alcançar tal efeito”, referindo ainda que “ No caso dos autos apenas estão em causa dois/negócios: a transformação da sociedade por quotas em anónima e a subsequente venda de ações, atos e negócios esses perfeitamente usuais no nosso ordenamento jurídico”.
u) Ora, a Recorrente, respeitosamente, não pode concordar com tais fundamentos, em primeiro lugar conforme inicialmente foi dito pelo Tribunal “a quo” e sustentado por diversos doutrinários que citou, os atos subjacentes e eventualmente suscetíveis de aplicação da clausula geral anti abuso são atos efetivamente reais e pretendidos pelas partes, não sendo simulados ou ocultos, sendo lícitos e válidos.
v) Os que os diferencia é o comportamento anómalo e abusivo, não estando conformes com a substância da realidade económica que lhe está subjacente, sendo certo que no procedimento que aplicou a clausula geral anti abuso constam diversos factos que indiciam que efetivamente a Transformação da sociedade por quotas em anónima, naquele momento, e a subsequente venda das respetivas ações operou-se de forma a isentar os ora Recorridos do pagamento das mais valias e isto é revelador nos seguintes factos: “A transformação da sociedade [SCom01...], Lda. em sociedade anónima ocorreu por escritura pública, datada de 2009-07-09. Apenas cinco dias após esta operação, ou seja, em 2009-07-14 todos os detentores do capital (com exceção da [SCom01...] SGPS, SA que detinha 5% do capital), incluindo os sujeitos passivos, alienaram a totalidade das participações que detinham na [SCom01...], SA. Por sua vez, um dia depois (2009-07-15), o capital da [SCom01...] SGPS, SA foi vendido, também na sua totalidade, a um novo investidor- «CC», NIF ...28.
Embora a venda das ações na [SCom01...], SA fosse apenas concretizada em 14 de julho de 2009, em 24 de junho de 2008 já tinham sido celebrados contratos promessa de cessão de quota (uma vez que nesta data ainda se tratava de uma sociedade por quotas) entre os sujeitos passivos e a empresa adquirente ([SCom01...] SGPS, SA). Aquando da celebração dos contratos promessa foram emitidos da conta n.º ...0 da Banco 1..., titulada pela [SCom01...] SGPS, SA, o cheque n.º ...58, no valor de € 44.524,49, a favor de «AA» e o cheque n.º ...57 também no montante de € 44.524,49, a favor de «BB», a título de sinal e princípio de pagamento.
No mesmo sentido, e na mesma data (2008-06-24), [SCom01...] SGPS, SA, na qualidade de adquirente, celebrou com os restantes sócios contratos promessa de cessão de quotas, no sentido de adquirir a totalidade do capital da, então, [SCom01...], Lda”. – nº 10 do ponto 3.1 da sentença sob recurso.
w) Ou seja, como concluiu e bem a Inspeção Tributária, perante os factos apurados no procedimento inspetivo para aplicação da clausula geral anti abuso: “(…) verifica-se que não existia, por parte dos sócios, qualquer necessidade de acautelar os negócios da empresa ou de captar novos capitais, na medida em que já tinham prometido alienar a totalidade das participações, já tendo inclusive recebido uma parte do valor negociado que, no caso concreto dos sujeitos passivos corresponde a cerca de 35,85% do preço global do negócio) que detinham na [SCom01...], SA, deixando, deste modo, de ter qualquer participação no capital, o que veio efetivamente a acontecer cinco dias após a transformação da empresa em sociedade anónima, ou seja, em 2009-07-14.
x) E como refere também na Informação que sustentou a aplicação da clausula geral anti abuso “(…) as sociedades anónimas caracterizam-se, geralmente, pela sua grande dispersão do capital, verificando-se, na situação em análise, que aconteceu exatamente o oposto: concentração do capital na [SCom01...], SA, que, por sua vez passa a ser detido, na sua totalidade, por um único acionista”. – nº10 do ponto 3.1 da sentença.
y) Por outro lado, outro dos motivos invocados no relatório elaborado pela gerência da [SCom01...], SA, no âmbito da transformação da sociedade e dando cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 132 do CSC, que motivaram a alteração da forma societária, foi a alegada “(…) dinâmica empresarial que seria mais expedita com a forma jurídica de sociedade anónima e que a burocracia em que se move uma sociedade anónima seria inferior à das sociedades por quotas”.
z) Ora, também aqui não se percebe o alcance de tais motivos, uma vez que, como o objetivo final era a venda das participações, e conforme consta do probatório da sentença, no nº10 do ponto 3.1, “(…) os sócios já nada teriam a ver com a dinâmica empresarial. Por sua vez, as sociedades por quotas (tipo de sociedade adoptado inicialmente pela [SCom01...], SA) caracterizam-se pela sua simplicidade de forma e das obrigações em geral, quer internas, quer perante terceiros, não só em termos de responsabilidade social, como também ao nível da sua própria administração (funcional e organizacional). De facto, as sociedades anónimas gozam de uma estrutura mais complexa e dispendiosa. A título meramente exemplificativo, refere-se o facto de estas sociedades serem obrigadas, nos termos do art,º 278 do CSC, a ter um órgão de fiscalização (conselho fiscal, fiscal único ou revisor oficial de contas) (Ao contrário do que acontece com as sociedades por quotas que apenas são obrigadas a ter um conselho fiscal ou ROC se, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 262 do CSC, durante dois anos consecutivos ultrapassarem dois dos três limites aí definidos, o que, no caso concreto da [SCom01...], Lda. não se verificava).
aa) Outra das razões indicadas no aludido relatório justificativo da transformação foi do ponto de vista financeiro e fiscal a situação de cada sócio ficava melhor acautelada no futuro, no entanto, a inspeção Tributária também refutou este argumento, referindo: “Do ponto de vista financeiro, a situação de cada sócio já tinha sido definida aquando da celebração do contrato promessa de cessão de quota, celebrado em 24 de junho de 2008. Na verdade, nos respetivos contratos consta o preço global da transação, os valores a pagar pela aquisição da quota e as respetivas datas de pagamento. Pelo facto, a transformação da empresa em sociedade anónima em nada veio alterar as condições pré-estabelecidas no contrato promessa para a cessão da quota. Do ponto de vista fiscal, é de facto claro e inequívoco que a transformação da [SCom01...], Lda., em sociedade anónima conduziu à obtenção, parte dos sujeitos passivos, de vantagens fiscais que, de outro modo, não teriam sido alcançadas, Na verdade, o que se verifica é que com esta operação os sujeitos passivos obtiveram uma poupança fiscal (a não tributação de mais-valia resultante da alienação das partes sociais (…)”. – Consta do nº10 do ponto 3.1 do probatório da douta sentença.
bb) Sendo certo que o curto espaço de tempo que mediou entre a transformação e a alienação das participações sociais resulta da matéria factualmente provada, pois a transformação ocorreu em 9-7-2009 e a venda das participações ocorreu em 14-7-2009, somente cinco dias depois. – pontos nºs 6 e 7 da matéria de facto dada como provada.
cc) Portanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira provou que a transformação da sociedade e posterior alienação das participações não teve subjacente qualquer motivo de cariz económico, mas apenas e só a intenção de elisão fiscal, beneficiando assim, os Recorridos, de uma verdadeira poupança fiscal.
dd) Sendo certo que o Tribunal “a quo” não deu como provado ter existido apenas e só razões económicas e financeiras, antes da venda das quotas, na decisão de transformação da sociedade por quotas [SCom01...], Lda. em sociedade anónima, [SCom01...] S.A., – vide ponto 3.2 da douta sentença (Factos não provados).
ee) Os factos apurados em sede de procedimento para aplicação da clausula geral anti abuso e que foram transcritos para o probatório da douta sentença, nos nºs 10, 11, 13 e 13 do ponto 3.1 da douta sentença, são demonstrativos de um comportamento anómalo e abusivo, por parte dos Recorridos, não estando conformes com a substância da realidade económica.
ff) Ao não ter decidido pela improcedência do pedido e em especial quanto ao elemento meio, incorreu o Tribunal “a quo” em erro de julgamento, quer de facto, quer de direito.
gg) E quanto ao elemento resultado, diz o Tribunal “a quo” que “(…) dúvidas não restam de que os actos e negócios jurídicos praticados pelos Requerentes conduziram à obtenção de uma vantagem fiscal.
De facto, a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima e a subsequente alienação das participações sociais detidas nesta última conduz à aplicação de um regime fiscal mais favorável, já que, enquanto que a alienação da quota é considerada uma mais-valia tributada nos termos do disposto no artigo 10º nº 1 a) do Código do IRS, a alienação da participação social é uma mais-valia excluída de tributação.
hh) No entanto, conclui que “não se poderá considerar, sem mais considerações, abusiva a opção do contribuinte pela via menos onerosa. Com efeito, e seguindo BERGERÉS (M. C. BERGERÉS, apud NUNO DE SÁ GOMES, op. cit, página 71) "nenhum princípio do direito fiscal implica que as escolhas dos contribuintes se façam pela via mais tributada. O contribuinte pode perfeitamente erigir uma construção jurídica que desemboque numa tributação relativamente moderada. O abuso do direito não condena a habilidade fiscal, mesmo que esta conduza a construções jurídicas pouco ortodoxas".
ii) Ora, a Recorrente não se pode conformar com esta conclusão do Tribunal “a quo” no que diz respeito à falta do elemento resultado, elemento exigível para a aplicação da Clausula Geral anti abuso, tendo em conta que, quanto a este elemento basta apenas demonstrar que o sujeito passivo logrou, pelos seus atos, a verificação de uma certa vantagem fiscal, que não seriam alcançadas total ou parcialmente, sem a utilização desses meios.
jj) Neste sentido o doutrinário citado na informação que sustentou a aplicação da clausula geral anti abuso, que refere: “Este pressuposto visa a vantagem fiscal como fim da atividade do contribuinte. De acordo com Courinha (2004, página 172), "as situações de vantagem fiscal devem entender-se, para efeitos da CGAA, como qualquer situação pela qual, em virtude da prática de determinado actos, se obtém uma carga tributária mais favorável ao contribuinte do que aquela que resultaria da prática dos actos normais e de efeito económico equivalente, sujeitos a tributação". Na opinião do mesmo autor "neste elemento resultado, importa apenas demonstrar que o sujeito logrou, pelos seus actos (...), a verificação de uma certa vantagem fiscal e a equivalência dos efeitos económicos com aqueles do acto normal tributado" [Courinha (2004, página 176)].- nº10 do ponto 3.1 da douta sentença.
kk) Sendo certo que, como já foi referido, a citação BERGERÉS indicada na sentença, de que «[o] abuso de direito não condena a habilidade fiscal, mesmo que esta conduza a construções jurídicas pouco ortodoxas», compromete irremediavelmente o princípio constitucional da capacidade contributiva, como o da igualdade, em que o referido princípio da capacidade contributiva se funda.
ll) Não sendo sequer viável o seu enquadramento nas normas em causa, o nº2 do art.º38.º da LGT e a alínea b) do nº3 do art.º63.º do CPPT, uma vez que da redação destas normas apenas é exigível que se faça prova, quanto a este elemento resultado, da vantagem fiscal alcançada pela utilização dos meios que, sem os quais a não alcançariam.
mm) Constando da Informação a que alude o nº10 do ponto 3.1 da douta sentença, as explicações pormenorizadas da vantagem fiscal de que os Recorridos beneficiaram, que se transcrevem: “ Na verdade, sem o recurso à operação de transformação da sociedade, a mais-valia resultante da alienação das partes sociais estaria sujeita a imposto, nos termos gerais, como rendimento da categoria G de IRS, não beneficiando da exclusão de tributação, prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 10 do CIRS (apenas aplicável às ações detidas pelo seu titular durante mais de doze meses), como de seguida se demonstra e quantifica. De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 4 do art.º 10 do CIRS, o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição. Por sua vez, a alínea f) do art.º 44 do mesmo diploma estabelece que o valor de realização e o valor da contraprestação o que, no presente caso, corresponde a € 120.186,40 por cada sujeito passivo (€ 240.372,80 no total). No que respeita ao valor de aquisição, este corresponde, nos termos da alínea b) do art.º 48 do CIRS, ao custo documentalmente comprovado ou, na sua falta, ao respetivo valor nominal. Tendo as partes sociais sido adquiridas aquando da constituição da [SCom01...], SA pelo seu valor nominal de € 1.250,00 para cada uma das quotas (no total € 2.500,00), este será o valor de aquisição. Desta forma, o valor da mais-valia (ganho) ascende, no total, a € 237.872,80, como se evidencia no quadro seguinte:
(…)
Caso a quota detida pelos sujeitos passivos tivesse sido alienada sem que tivesse havido a transformação da [SCom01...], Lda. em sociedade anónima, estava-se perante uma operação com idêntico fim económico, mas com a tributação da mais-valia, em sede de IRS. Na realidade, a exclusão da tributação aplicava-se apenas nos casos de alienação onerosa de ações detidas pelo seu titular durante mais de doze meses, tal como previa a alínea a) do n.º 2 do art.º 10 do CIRS.
A mais-valia sujeita e não isenta de IRS ascenderia, então, a € 237.872,80, sendo tributada à taxa de 10%, prevista no n.º 4 do art.º 72 do CIRS (No período de tributação de 2009, a taxa em vigor para a tributação das mais-valias provenientes da alienação onerosa de partes sociais era de 10%. Presentemente e, com a redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro (em vigor desde 2012-01-01), a taxa ascende a 26,5%). Neste sentido, resultaria um imposto a pagar de € 23.787,28 (€ 237.872,80 x 10%).
Assim sendo, verifica-se que na ausência do ato jurídico de transformação da empresa em sociedade anónima, obter-se-ia um resultado económico equivalente (a alienação das partes sociais que correspondia ao objetivo final pelo mesmo preço de venda e nas mesmas condições), a que não corresponde uma equivalente oneração tributária (tributação da mais-valia à taxa especial de 10%, em detrimento da eliminação total da sua tributação). Aliás, nos próprios contratos promessa de cessão de quota celebrados, em 2008-06-24, entre os sujeitos passivos e a [SCom01...] SGPS, SA (6ª cláusula) constava que caso a sociedade [SCom01...], Lda. viesse a ser transformada em sociedade anónima o contrato mantinha a sua eficácia, mantendo-se todas as suas cláusulas em vigor, nomeadamente aquelas que respeitavam aos montantes e datas de pagamento do preço devido.
O contorno da lei permitiu, então, aos sujeitos passivos atingir os efeitos económicos e financeiros equivalentes - a venda da participação na [SCom01...], SA - sem serem tributados, prejudicando apenas uma terceira pessoa - o Estado. Torna-se pois claro que existiu uma efetiva vantagem fiscal. É ainda de referir que a alínea b) do n.º 3 do art.º 22 do CIRS dispõe que não obstante as mais-valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais serem tributadas à taxa prevista no n.º 4 do art.º 72 do diploma citado (10%), o sujeito passivo pode optar pelo englobamento destes rendimentos nos restantes rendimentos auferidos no ano pelo agregado familiar. No entanto, tendo em consideração o rendimento colectável, em 2009, do agregado familiar se fosse feita esta operação, o imposto adicional em falta ascenderia a € 95.761,50 (rendimento colectável seria de € 295.771,55). Esta opção revela-se claramente desfavorável aos sujeitos passivos, pelo que, na presente análise, se considerou a taxa especial de tributação de 10%, consagrada no n.º 4 do art.º 72 do CIRS.”
nn) O Tribunal “a quo” incorreu, também, quanto ao elemento resultado, em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto decidiu contra os factos apurados em sede judicial, nomeadamente o que consta do procedimento para aplicação da clausula geral anti abuso e que consta da matéria dada como provada na sentença, bem como interpretou erradamente as normas acima referidas, ou seja, impunha-se decisão diversa da adotada pela decisão recorrida.
oo) E quanto ao elemento intelectual verificamos também que a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” também não atendeu às razões enunciadas pela Inspeção Tributária, e que estão devidamente comprovadas os autos, pelo que a Recorrente não se conforma com a mesma.
pp) Ora, neste elemento intelectual o Tribunal “a quo” reconhece que “o reduzido período temporal que mediou entre a transformação da sociedade e a alienação das respectivas participações sociais por parte dos Requerentes legitima a suspeita, por parte da AT, de que a transformação teve como objectivo excluir a alienação efectuada da tributação em sede de maisvalias (…). No entanto concluiu, o Tribunal “a quo”, que não bastava, para inferir da intenção dos Recorridos, a prova do curto hiato temporal que mediou entre a transformação da sociedade e a venda das participações, impondo-se à AT a prova de que, efetivamente, a transformação da sociedade teve por objetivo evitar o pagamento de mais-valias por parte dos Requerentes.
qq) Todavia, a Administração Tributária demonstrou que a escolha do meio, e a concretização dele, no momento em que se efetivou, foi “ essencial ou principalmente dirigida à eliminação dos impostos”, conforme está demonstrado numa das Informações que sustentou a aplicação da clausula geral anti abuso, em que refere que: A intenção dos sujeitos passivos no sentido de eliminar a carga tributária resultante da alienação onerosa da sua participação na [SCom01...], SA ficou, desde logo, patente aquando da celebração dos contratos promessa de cessão de quota, em junho de 2008, que previa expressamente que caso ocorresse a transformação desta empresa em sociedade anónima todas as cláusulas do contrato se manteriam em vigor. Ou seja, independentemente da prática do ato jurídico de transformação da sociedade, as partes sociais seriam alienadas com as condições definidas nos contratos promessa.” - nº10 do ponto 3.1 da douta sentença.
rr) Sendo certo que, conforme foi dito, o Tribunal “a quo” acompanhou “(…) neste aspecto a Administração Tributária, pese embora tenha resultado provado esta exigência por parte do investidor - cfr. facto provado I) -, a verdade é que não se poderá defender, sem mais, que a transformação da sociedade "[SCom01...], L.da" em sociedade anónima não pudesse vir a ser operada pela sua adquirente "[SCom01...], SGPS, S.A.".
Com efeito, nada nos autos indicia que a exigência por parte do investidor tivesse de ser concretizada previamente à aquisição, por parte da "[SCom01...], SGPS, S.A." da totalidade das quotas representativas do capital social da "[SCom01...], Lda".
Se, como resultou provado, o investidor exigiu, para a concretização do negócio de aquisição da totalidade do capital social da "[SCom01...], SGPS, S.A." que a sociedade por esta integralmente detida - "[SCom01...], L.da" - fosse uma sociedade anónima, tal transformação da sociedade poderia ter ocorrido após a alienação, por parte dos Requerentes, à "[SCom01...], SGPS, S.A." das quotas representativas do capital social da "[SCom01...], L.da". Por outras palavras, acaso os Requerentes tivessem vendido as quotas que detinham no capital social da "[SCom01...], L.da" à "[SCom01...], SGPS, S.A." e os sócios desta, previamente à alienação do seu capital social ao investidor, tivessem promovido a transformação da sociedade "[SCom01...]. L.da" em sociedade anónima, ainda assim se teria cumprido a exigência efectuada pelo investidor.
Aliás, como bem defende a Requerida, sintomático da inexistência de tal necessidade é o facto de nem o Relatório justificativo da transformação, nem o parecer elaborado pelo ROC se referirem a tal, necessidade.
Incumbia, assim, aos Requerentes carrear para os autos os factos necessários à prova de que a exigência por parte do investidor teria de ser cumprida previamente à alienação do capital social da "[SCom01...], L.da" por parte dos Requerentes.
Não o tendo feito, não pode este tribunal dar como provadas as razões económicas da transformação*”.(*NEGRITO E SUBLINHADO NOSSO)
ss) No entanto, apesar destas considerações constantes na douta sentença, de reconhecer que não ficaram provadas as razões económicas da transformação, acabou o Tribunal “a quo” por decidir que a escolha do meio não foi "essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos", prova essa que, no julgamento que fez, entendeu que a AT não demonstrou a verificação do elemento intelectual.
tt) Ora, a prova tem de ser apurada em função dos elementos objetivos por meio dos quais é externada, sob pena de se exigir à AT uma verdadeira probatio diabólica, o que seria inconstitucional por violação do princípio do acesso ao Direito vertido no artigo 20° da CRP, resultando numa incomportável restrição do direito de defesa da Administração.
uu) Ou seja, o que se verifica, é que o Tribunal “a quo” reconhece que as razões económicas da Transformação não estão comprovadas, no entanto, considera que a AT não comprovou o elemento intelectual, numa manifesta contradição entre fundamentos da decisão, resultando uma incongruência e indevida fundamentação na sentença sob recurso, decidindo também contra todos os factos apresentados pela inspeção tributária e que demonstram tal elemento.
vv) Incorreu, portanto, o Tribunal “a quo” em errado julgamento da matéria factual e de direito, violando o princípio do acesso ao direito vertido no art.º20.º da CRP, tendo em conta que a AT cumpriu com as exigências do nº2 do art.º38.º da LGT e al. b) do nº3 do art.º63.º do CPPT), tendo feito prova do elemento intelectual.
ww) E quanto ao elemento normativo, o Tribunal “a quo” na decisão sob recurso refere que “(…) é necessário encontrar, no ordenamento jurídico-tributário e como condição sine qua non de aplicação da clausula anti abuso, os sinais inequívocos de uma intenção de tributar (…)”
xx) Ora, com o devido respeito, pela decisão tomada pelo Tribunal “a quo”, no entanto, conforme já dissemos e repetimos, na sentença sob recurso não foram considerados e valorizados como relevantes para a decisão da causa todas as provas factuais demonstradas pela AT e que constam do relatório de inspeção tributária, matéria dada como provada no probatório da sentença – nºs 10, 11, 12 e 13 do ponto 3.1 da sentença.
yy) Ora essa “intenção de tributar” está refletida nos autos, conforme está devidamente explicado no RIT, que refere “(…) devemos relembrar que a ratio legis da exclusão de tributação prevista no n.º 2 do art. 10.º do Código do IRS - na redação do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31/10, em vigor à data da alienação das ações - era o de dinamizar o mercado bolsista sem, contudo, promover a especulação de curto prazo. Mas esta exclusão de tributação não se destina, obviamente, a permitir que situações originariamente excluídas do seu âmbito de aplicação, como a que se encontra sob análise, por via de um esquema constituído por uma cadeia de negócios jurídicos como os relatados nesta informação acabe por beneficiar desse regime de exclusão fiscal”.
zz) Ou seja, há um nítido aproveitamento, através de meios artificiosos, do regime de exclusão tributária, o que não pode deixar de merecer censura normativo-sistemática. - Neste sentido, o entendimento que tem vindo a ser seguido pelo Tribunal Central Administrativo Sul nos acórdãos n.º 04255/10 de 15/02/2011, e n.º 05104/11 de 14/02/2012.
aaa) E conforme referem as duas informações transcritas nos nsº10 e 12 do ponto 3.1 do probatório da sentença: “Uma reprovação ou censura desta natureza não pode deixar de merecer uma situação como a presente em que a alienação de quotas de uma sociedade comercial, negócio jurídico com substância económica equivalente ao do celebrado, cujo ganho proveniente das mais-valias geradas seria tributada nos termos do disposto na aI. b) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, com abuso das formas jurídicas consubstanciado na operação de transformação da [SCom01...] LDA. numa sociedade anónima, passando a girar sob a firma [SCom01...] S.A. o que determinou a transformação das quotas originais em ações ao portador porquanto só as mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de doze meses são suscetíveis. de obterem enquadramento fiscal no regime de exclusão fiscal consagrado na aI. a) do n.º 2 do art. 10.° do Código do IRS (CIRS), na redação em vigor na data da alienação das ações”.
bbb) Ao não ter decidido pela verificação do elemento normativo, errou também aqui o Tribunal “a quo”, incorrendo num vicio de erro de julgamento de facto e direito.
ccc) E quanto ao elemento sancionatório, considerando a Recorrente que estão todos os elementos verificados que permitem a aplicação da clausula geral anti abuso, será de aplicar este elemento, concluindo-se, assim, ser possível, por recurso à aplicação da clausula geral anti abuso prevista no nº2 do art.º38.º da LGT, conjugada com o art.º63.º do CPPT, sancionar com eficácia, para efeitos tributários, os atos e negócios jurídicos praticados pelos Recorridos, mantendo a liquidação de IRS – mais valias, de 2009, no nosso ordenamento jurídico.
ddd) E o Tribunal “a quo” apesar de levar ao probatório a matéria factual que demonstra a existência dos pressupostos que legitimaram a atuação da AT, evidenciando todos os requisitos exigíveis para a aplicação da clausula geral anti abuso, prevista no nº2 do art.º38.º da LGT, e que constam dos nºs 10, 11, 12 e 13 do probatório da sentença ( Informações que sustentaram o procedimento para aplicação da clausula geral anti abuso e consequente Relatório de Inspeção Tributária que deu origem às liquidações impugnadas) o mesmo Tribunal não deu a devida força e valorização às provas que devia ter dado.
eee) Entende, pois, a Recorrente, com todo o respeito pela douta decisão judicial e reconhecendo a análise efetuada pela Mmª Juíza do Tribunal “a quo”, que existiu erro de julgamento na apreciação da prova e de aplicação do direito, porquanto fazendo errónea apreciação da matéria de facto, do mesmo passo violou as normas legais acima referidas, bem como a interpretação que deu das mesmas constitui uma clara violação de alguns princípios consagrados na nossa Constituição da Republica Portuguesa ( princípio da legalidade quanto à atribuição de benefícios fiscais, o princípio da igualdade e o princípio da capacidade contributiva que neste se funda , bem como violação do princípio do acesso ao Direito vertido no artigo 20° da CRP, resultando numa incomportável restrição do direito de defesa da Administração Tributaria).
fff) E o erro de julgamento, de facto ou de direito, somente pode ser banido pela via de recurso, conforme é mencionado no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, no proc. 06235/12, de 15-01-2013.
ggg) Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso devendo o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada, com todas as consequências legais, só assim se fazendo JUSTIÇA.
Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença, substituindo-a por acórdão que julgue a impugnação improcedente, como é de inteira
JUSTIÇA»
1.2. Os Recorridos («AA» e «BB»), notificados da apresentação do presente recurso, apresentaram contra-alegações, das quais constam as seguintes conclusões:
«(...)
A)- A transformação da sociedade por quotas [SCom01...], LDA em sociedade anónima, com a designação de [SCom01...], SA teve como finalidade, não só, a transformação societária, mas também motivos económicos e financeiros que se prendem com a lógica do negócio (cfr. artigos 10º a 12º destas alegações);
B)- A transformação societária é legal, não sendo inadequada, incoerente ou inapropriada, tem vantagens económicas, financeiras, partilha de saberes, experiência dos sócios e partilha de responsabilidade de gestão. (cfr. artigos 13º e 14º destas alegações);
C)- IN CASU, o acto de transformação e posterior venda das acções não se assumem como negócios “ essencial ou principalmente dirigidos” à evitação fiscal, sendo bastante para o confirmar o “ elemento normativo”, bem se sabendo que é o legislador que opta por tributar a venda das quotas, e por não tributar a venda das acções, nos termos do artigo 10º, nº 1, alínea b) do CIRS, e artigo 10º, nº 2 do CIRS, redacção do DL nº 228/2002, de 31 de Outubro, respectivamente (cfr. Saldanha Sanches, J.L…, Os limites …, pág. 180, artigos 56º a 60º da p.i., e artigos 14º a 16 destas alegações);
D)- O âmbito de aplicação da CGAA pressupõe a verificação dos requisitos:
1)-Elemento meio; 2)- elemento intelectual; 3)- elemento normativo e, 4)-elemento resultado,
Que, IN CASU, não se verificam, como demonstrado (cfr. artigos 18º a 22º destas alegações);
E)- O Tribunal, numa decisão muito bem fundamentada da Srª Juíza, fez uma correcta interpretação da norma 2ª plasmada no artigo 38º da LGT, considerando não verificados os requisitos legais da aplicação da chamada “Cláusula Geral Anti abuso”, que aqui se dão por reproduzidas (cfr. págs 79 a 85 da sentença);
F)- Em questão idêntica já apreciada pela CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa) no processo 106/2014-T, o Tribunal concorda com aquela pronúncia, pois os fundamentos e a factualidade tida em conta são idênticos à dos presentes autos, fazendo valer aqui, também, o disposto no artigo 8º, nº 3 do Código Civil, para que não haja, para uma questão equivalente, tratamento diferente;
G)- A transformação societária, nos moldes e com os fundamentos explanados, nomeadamente na petição inicial, muito embora conduzam a um benefício fiscal, decorrente da lei, como vimos, não pressupõe qualquer forma artificiosa ou fraudulenta na obtenção de uma qualquer vantagem fiscal, como demonstrado, e, também, nestas alegações, razão pela qual não se aplica, IN CASU, o art.º 38.º, n.º 2 da LGT-CGAA (cfr. Doc.2)
H) - Não tem razão a AT quando considera que o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, quer de facto, quer de direito, pois fundamenta os seus ditames em meros palpites e opiniões, sustentados no RIT – Relatório de Inspecção Tributária – que não são demonstrativos de critérios objectivos, exigidos pelo artigo 76º, nº 1 da LGT (cfr. artigos 20º a 22º e 28º a 34º destas alegações);
Termos em que se requer a Vossas Excelências, se dignem negar provimento ao Recurso da Fazenda Pública (AT), uma vez que a liquidação adicional de IRS/2009 impugnada padece de vício de forma e do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, e, em consequência, manter-se na ordem jurídica a decisão recorrida, com as consequências solicitadas na petição inicial.»
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 766 e ss. do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
1.5. As questões suscitadas pela recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT) são as de aferir do erro de julgamento de facto (errada valoração) e erro de julgamento de direito em que incorreu o Tribunal a quo ao julgar não verificados os pressupostos para o acionamento da cláusula geral anti abuso prevista no artigo 38º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), mais considera que se mostra violado o principio do acesso ao direito vertido no art.º20.º da CRP, do princípio da legalidade quanto à atribuição de benefícios fiscais, o princípio da igualdade e o princípio da capacidade contributiva que neste se funda na interpretação que discorre dos autos do artigo 38º , n.º 2 da LGT.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 De facto
2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Factos Provados:
1. Em 14-11-2005 foi constituída uma sociedade, designada “[SCom01...] Lda.”, com o objecto social de “compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e administração de imóveis”, com o capital social de € 50.000,00, distribuído por 15 quotas com os seguintes titulares e valores nominais:
Sócios Valores nominais
[SCom02...], Lda.€ 2.500,00
[SCom03...], Lda.€ 2.500,00
[SCom04...], Lda.€ 2.500,00
[SCom05...], Lda.€ 2.500,00
[SCom06...], Lda.€ 2.500,00
[SCom07...], Lda.€ 2.500,00
[SCom08...], Lda.€ 2.500,00
«DD»€ 2.500,00
«EE»€ 2.500,00
«FF»€ 2.500,00
«GG»€ 2.500,00
«AA»€ 1.250,00
«BB»€ 1.250,00
[SCom09...], Lda.€ 10.000,00
«HH»€ 10.000,00
A gerência ficou atribuída a «HH», «DD» e «II», obrigando-se a sociedade com a intervenção de dois gerentes, precedida de deliberação da assembleia geral tomada por 60% dos votos representativos da totalidade do capital social (cfr. contrato de sociedade, de fls. 30 e ss. do processo físico);
2. Em 24-06-2008 os Impugnantes celebraram, cada um, um contrato promessa de cessão das quotas que detinham na sociedade a que se refere o ponto anterior à sociedade [SCom01...] SGPS, S.A., esta representada pelos seus administradores «JJ», «HH» e «KK», cujo teor se dá aqui por reproduzido, de acordo com os quais os ora Impugnantes prometiam vender à dita sociedade as quotas que detinham na [SCom01...], Lda. pelo valor de € 120.186,40 cada, acrescido do valor dos suprimentos de € 4.008,25, num total, para cada um, de € 124.194,64, a pagar da seguinte forma:
a) € 44.524,49, a título de sinal e princípio de pagamento, que os promitentes vendedores declararam já ter recebido;
b) € 25.000,00 até ao dia 30-04-2009;
c) € 25.000,00 até ao dia 30-04-2010;
d) € 29.670,15 até ao dia 30-04-2011 (fls. 42 a 49 do processo físico);
3. As cláusulas 6ª dos contratos que antecedem têm o seguinte teor: “1) Fica igualmente estabelecido e é reciprocamente aceite que caso a sociedade indicada na cláusula 1ª [[SCom01...], Lda.”] venha a ser transformada em sociedade anónima, o presente contrato manterá a sua plena eficácia, passando o contrato prometido a ter por objecto as acções que o Primeiro Contratante passar a deter em consequência de tal transformação, não podendo em qualquer caso, tais acções representar uma percentagem do capital social inferior à percentagem do capital social actualmente corresponde à quota prometida ceder.
2) Na situação prevista no número anterior, todas as cláusulas de presente contrato se manterão em vigor, com as necessárias adaptações, nomeadamente aquelas que respeitam aos montantes e datas de pagamento do preço devido.” (fls. 44 e 48 do processo físico);
4. A gerência da sociedade “[SCom01...], Lda.” elaborou, em 22-06-2009, um “Relatório Justificativo da Transformação”, com o seguinte teor: “Ex.mos Sócios
Nos termos do Art.º 132 do Código das Sociedades Comerciais apresentamos a V. Exas as razões principais que nos motivaram a propor a transformação da Sociedade por Quotas
[SCom01...], Lda.
Contribuinte N.º: ...84
Com sede: Rua 1, ... ...
Na sociedade anónima
[SCom01...], S.A.
Contribuinte N.º: ...84
Com sede: Rua 1, ... ...
1. Com o desenvolvimento da economia nacional, nomeadamente na área da saúde, a dimensão da empresa irá necessariamente aumentar pelo que julgamos que os negócios sociais serão melhor acautelados, sobretudo pela imagem e confiança que nos mercados nacionais e estrangeiros gozam as Sociedades Anónimas;
2. A própria dinâmica empresarial que se quer expedita será mais facilitada com a forma jurídica de Sociedade Anónima;
3. Nos pontos de vista financeiro e fiscal a situação de cada sócio fica melhor acautelada no futuro;
4. A captação de novos capitais, necessários à actividade da empresa, se pretender expandir-se será mais facilitada;
5. A burocracia em que se move a Sociedade Anónima é inferior à das Sociedades por Quotas;
6. O Balanço que servirá de base à transformação refere-se a 31 de Maio de 2009, devidamente aprovado em Assembleia Geral e que expressa a realidade financeira da empresa, não tendo havido modificações significativas no seu património até hoje. (…)” (fls. 51 e ss. do processo físico);
5. No dia 08-07-2009 reuniu a assembleia geral da sociedade [SCom01...], Lda., espelhada na Acta n.º 7, que aqui se dá por reproduzida, na qual foi deliberado, por unanimidade dos sócios, entre outras situações, a transformação em sociedade anónima, bem como a aprovação do contrato de sociedade, anexo à acta, de acordo com o qual a sociedade adopta a designação de “[SCom01...], S.A.”, com o capital social de € 50.000,00, dividido em 10.000 acções no valor de € 5,00 cada, e o mesmo objecto social, tendo sido nomeados para o Conselho de Administração «II» (Presidente), «DD» (Vogal) e «HH» (Vogal) (fls. 60 a 67 do processo físico);
6. No dia 09-07-2009 foi celebrada escritura pública de transformação em sociedade anónima da sociedade “[SCom01...], Lda.”, passando a mesma a designar-se de “[SCom01...], S.A.”, tendo cada um dos sócios ficado a deter o número de acções correspondentes à quota que possuía, mediante a conversão das suas quotas em acções de valor nominal de € 5,00 cada uma (fls. 68 e ss. do processo físico);
7. Em 14-07-2009 os ora Impugnantes alienaram as acções de que eram proprietários na sociedade “[SCom01...], S.A. à sociedade “[SCom01...], SGPS, SA.”, com sede na Rua 1, em ..., pessoa colectiva n.º ...39, pelo valor global de € 124.194,64 cada um (fls. 86 a 91 do processo físico);
8. Pela Ordem de Serviço n.º OI20......50, de 06-11-2012 foi determinado, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., um procedimento de inspecção interna aos ora Impugnantes, ao IRS do ano de 2009 (fls. 5 do PA apenso);
9. Em 11-12-2012 foi elaborada pela Divisão de Inspecção Tributária I – Equipa 23, da DDF de ... uma informação, que aqui se dá por integralmente reproduzida, notificada aos Impugnantes para efeitos de direito de audição, na qual se concluía pela reunião das condições para aplicação da cláusula geral anti-abuso (CGAA), prevista no art. 38.º da LGT e 63.º do CPPT, considerando ineficaz a transformação da sociedade por quotas [SCom01...], Lda. em sociedade anónima, tributando a mais-valia como de alienação de quotas por parte dos Impugnantes se tivesse tratado (fls. 36 e ss. do PA apenso);
10. Em 16-01-2013, e após o exercício do direito de audição pelos Impugnantes, os mesmos Serviços de Inspecção identificados no ponto precedente elaboraram informação final, sancionada pelo Director de Finanças ..., que aqui se dá por integralmente reproduzida, remetida ao Senhor Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, para os efeitos do n.º 7 do art. 63.º do CPPT, e que tem, nomeadamente, o seguinte teor:
“(….)
2. Controlo declarativo em sede de IRS
No período de tributação de 2009, «AA» e «BB» procederam à alienação onerosa das participações sociais que detinham na sociedade [SCom01...], SA, NIPC ...84.
«AA» detinha 250 ações nominativas (números 2001 a 2250) e «BB» detinha também 250 ações nominativas, numeradas de 2251 a 2500. O valor nominal das ações era de € 5,00 por título. Mediante a celebração, em 2009-07-14, de dois contratos de compra e venda de ações (cada um relativo a um dos sujeitos passivos), «AA» e «BB» alienaram a totalidade das ações que cada um detinha na [SCom01...], SA. O adquirente da participação financeira foi a sociedade [SCom01...] SGPS, SA, NIPC ...39.
A alínea a) do n.º 1 do art.º 9 do Código do IRS (CIRS) dispõe que constituem incrementos patrimoniais (categoria G) "as mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte". Por sua vez, a alínea b) do n.º 1 do art.º 10 do diploma citado estabelece que "constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de partes sociais (...)".
No entanto, a alienação onerosa destas ações não foi declarada pelos sujeitos passivos na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS do ano de 2009, pelo que o ganho daí resultante não foi objeto de tributação. Neste sentido, «AA» (ofício n.º ...33 de 2012-11-09) e «BB» (ofício n.º ...32 de 2012-11-09) foram notificados, por carta registada com aviso de receção, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... para, no prazo de oito dias, apresentar a declaração de substituição Modelo 3 de IRS do ano de 2009, declarando a alienação da participação financeira detida na [SCom01...], SA. Ambos os ofícios foram rececionados em 2012-11-14. Até à presente data a referida declaração de substituição não foi apresentada.
3. Descrição dos atos e negócios jurídicos realizados
3.1 Caracterização da sociedade [SCom01...], SA
A sociedade [SCom01...], SA (A partir de 2010-05-21, a sociedade adoptou a firma [SCom10...], SA) NIPC ...84, foi constituída por escritura pública, datada de 2005-11-14, celebrada no Cartório Notarial .... Foi constituída inicialmente sob a forma de sociedade comercial por quotas, tendo adoptado a designação social de [SCom01...], Lda.
Tal como consta do artigo 2.° do pacto social "o objecto da sociedade consiste na compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e administração de imóveis. A sede da empresa era na Rua 2, n.º .., ... ..., morada essa que coincidia com a sede da sociedade [SCom02...], Lda., NIPC ...61, detentora de uma parte do seu capital.
O seu capital social ascendia a € 50.000,00, repartido por quinze quotas, cujos valores nominais e respetivos titulares eram os seguintes:
(…)
Em termos fiscais, a [SCom01...], SA declarou o início de atividade em 2005-11-15, enquadrando-se no CAE 68100 - Compra e venda de bens imobiliários. Em 2010-05-21 é entregue uma declaração de alterações, modificando a sua atividade para o CAE 86100 - Atividades dos estabelecimentos de saúde com internamento.
Em 2006-03-29, a [SCom01...], SA celebrou com o Banco 2..., SA, NIPC ...37 um contrato de locação financeira de um imóvel urbano (identificação matricial: ...23-1348).

Em 2009, a [SCom01...], SA tinha iniciado um projeto no sentido de promover, no imóvel acima indicado, a construção de um edifício destinado a atividades comerciais, à instalação de uma policlínica médica, de uma residência geriátrica, à locação e/ou utilização temporária de espaços por médicos e/ou entidades ou sociedades que prestem serviços na área da saúde e a estacionamento público (Contrato de compra e venda de ações da [SCom01...] SGPS, SA celebrado em 2009-07-15).
A atividade apenas começou a ser efetivamente exercida no ano de 2012, mais concretamente em maio desse ano, com a abertura da Unidade Hospitalar ... (...) sita em Praceta ..., ..., ... .... Na verdade, e pela análise das demonstrações financeiras e de outros elementos contabilísticos, o volume de negócios (vendas e prestações de serviços) entre 2005 e 2011 (inclusive) foi nulo. Até ao ano de 2009, a empresa não tinha qualquer trabalhador e em 2010 e 2011 apenas empregava três e cinco trabalhadores, respetivamente.
(…)
No contrato promessa de cessão de quota celebrado, em 2008-06-24, entre «AA» (Primeiro Contratante) e a [SCom01...] SGPS, SA (Segunda Contratante) constava, entre outros, o seguinte:
(i) O Primeiro Contratante é titular de uma quota de valor nominal de € 1.250,00 no capital social da sociedade comercial por quotas - [SCom01...], Lda., NIPC ...84.
(ii) O Primeiro Contratante é ainda titular de suprimentos feitos à [SCom01...], Lda. no montante de € 4.008,25.
(iii) Pelo contrato em questão, o Primeiro Contratante promete vender à Segunda Contratante, que promete comprar, a quota acima identificada, pelo preço global de € 124.194,64, sendo os suprimentos pelo preço igual ao seu valor (€ 4.008,25) e a quota pelo preço de € 120.186,40. O valor em questão -€ 124.194,64 - seria pago da seguinte forma:
a) € 44.524,49 a título de sinal e princípio de pagamento, que o Promitente Cedente declara já ter recebido;
b) € 25.000,00 a pagar pela Segunda Contratante ao Primeiro Contratante até ao dia 30-04-2009;
d) € 25.000,00 a pagar pela Segunda Contratante ao Primeiro Contratante até ao dia 30-04-2010;
d) € 29.670,15 a pagar pela Segunda Contratante ao Primeiro Contratante até ao dia 30-04-2011.
Por sua vez, na mesma data, foi também celebrado contrato promessa de cessão de quota entre «BB» (Primeira Contratante) e a [SCom01...] SGPS, SA (Segunda Contratante), nos mesmos termos e condições do contrato acima descrito. Na realidade, no referido contrato promessa constava o seguinte: I
(…)
Pela análise dos extratos bancários (e registos contabilísticos) da sociedade adquirente da participação financeira - [SCom01...] SGPS, SA - e pelos elementos obtidos junto da Banco 1...), SA, NIPC ...46, após autorização do Administrador da [SCom01...] SGPS, SA, no sentido de este conceder autorização para o acesso, por parte dos serviços de lnspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., a um conjunto de elementos bancários da empresa, concluiu-se o seguinte:
(i) Foi emitido, em 2008-06-26 e em 2008-06-24, da conta n.º ...0 da Banco 1..., titulada pela [SCom01...] SGPS, SA, o cheque n.º ...58 e o cheque n.º ...57, ambos no valor de € 44.524,49, a favor de, respetivamente, «AA» e «BB». O cheque n.º ...58 foi depositado em 2008-06-30 numa conta do Banco 3..., SA (Banco 3...), titulada por «AA». O cheque n.º ...57 foi depositado numa conta do Banco 3..., em 2008-07-17, pertencente a «BB». Tal como consta do contrato promessa de cessão de quota, este valor terá sido pago a título de sinal e princípio de pagamento.
(ii) Em 2009-09-21 foram efetuadas, da mesma conta da Banco 1..., duas transferências, no montante de € 25.000,00 cada, cuja beneficiária foi «BB» [conta n.º ...9 do Banco 4..., SA (Banco 4...)]. Estas operações corresponderam ao valor acordado pagar em 2009 aos sujeitos passivos. Refira-se apenas que, apesar de no contrato promessa constar que este segundo pagamento deveria ocorrer até 30 de abril de 2009, com a celebração do contrato definitivo de compra e venda, esta data limite foi alterada para 15 de setembro de 2009.
(iii) Em 2010-04-21 foram efetuadas duas novas transferências, no montante de € 25.000,00 cada uma, da conta da Banco 1... da [SCom01...] SGPS, SA, cujo destinatário foi novamente a conta n.º ...9 do Banco 4..., titulada por «BB».
(iv) Finalmente, em 2011-05-02, foram feitas duas outras transferências bancárias, de € 29.670,15 cada, da conta da [SCom01...] SGPS, SA do Banco 1..., cujo destinatário foi «BB» (conta n.º ...9 do Banco 4...). Estas operações correspondem ao último pagamento relativo à participação na [SCom01...], SA alienada.
Na cláusula 6.ª dos contratos promessa em análise pode ler-se "1) fica igualmente estabelecido e é reciprocamente aceite que caso a sociedade indicada na cláusula 1ª ([SCom01...], Lda. Referência nossa) venha a ser transformada em sociedade anónima, o presente contrato manterá a sua plena eficácia, passando o contrato prometido a ter por objecto as acções que o Primeiro Contratante passar a deter em consequência de tal transformação, não podendo em qualquer caso, tais acções representar uma percentagem do capital social inferior à percentagem do capital social que actualmente corresponde à quota prometida ceder. 2) Na situação prevista no número anterior, todas as cláusulas do presente contrato se manterão em vigor, com as necessárias adaptações, nomeadamente aquelas que respeitam aos montantes e datas de pagamento do preço devido".
Como já referido, também em 2008-06-24, a [SCom01...] SGPS, SA celebrou com os restantes quinze sócios um contrato promessa de cessão de quotas que cada um detinha na [SCom01...], Lda. Com a aquisição da totalidade das quotas, a [SCom01...] SGPS, SA passaria a deter 100% do capital da [SCom01...], Lda., o que se veio a verificar, como veremos mais à frente.
3.5 Transformação da [SCom01...], Lda., sociedade comercial por quotas, em sociedade anónima
A transformação de uma sociedade comercial por quotas em sociedade anónima vem regulada no Código das Sociedades Comerciais (CSC).
O n.º 1 do art.º 130 do diploma citado consagra que "as sociedades constituídas segundo um dos tipos enumerados no artigo 1.° n.º 2 (Sociedades em nome colectivo, sociedades por quotas, sociedades anónimas, sociedades em comandita simples e sociedades em comandita por ações, Referência nossa), podem adoptar posteriormente um outro desses tipos, salvo proibição da lei ou do contrato". Por sua vez, o art.º 132 do CSC, no âmbito da transformação de sociedades, refere que "a administração da sociedade organiza um relatório justificativo da transformação (...)".
Por escritura pública, datada de 2009-07-09, a sociedade comercial por quotas [SCom01...], Lda. foi transformada em sociedade anónima adoptando a designação social de [SCom01...], SA. Antes da transformação o seu capital social ascendia a € 50.000,00, representado por dezoito quotas: quinze de valor nominal de € 2.500,00 cada; duas de valor nominal de € 1.250,00 cada e uma de valor nominal de € 10.000,00, como evidenciado no quadro 4 acima apresentado. Nesta data eram gerentes da [SCom01...], Lda. «HH», NIF ...79 e «II», NIF ...26 (cônjuge da sócia «LL», NIF ...98).
Na referida escritura de transformação de sociedades por quotas em sociedade anónima pode ler-se "de harmonia com o deliberado na assembleia geral de oito de Julho de dois mil e nove, em que estiveram presentes ou representados todos os sócios procedem à transformação desta sociedade em sociedade anónima, mantendo a sua sede e objecto, mais declarando que todos os sócios se mantêm na sociedade e que participam no seu capital social, cada um deles com o número de acções correspondente à quota que possuía, mediante a conversão das suas quotas em acções do valor nominal de cinco euros cada uma".
Após esta transformação, o valor do capital social manteve-se inalterado (€ 50.000,00) ficando, após esta operação, representado por 10.000 ações de valor nominal de € 5,00 cada. No mesmo sentido, não houve entrada de novos acionistas, mantendo os anteriores detentores do capital a mesma percentagem de participação, como se apresenta de seguida:
(…)
No relatório justificativo da transformação da [SCom01...], Lda. em sociedade anónima, elaborado pela gerência da empresa, em 22 de junho de 2009, nos termos do art.º 132 do CSC, são apontadas as razões principais que motivaram a proposta de transformação, razões essas que passamos a citar:
"1. Com o desenvolvimento da economia nacional, nomeadamente na área da saúde, a dimensão da empresa irá necessariamente aumentar pelo que julgamos que os negócios sociais serão melhor acautelados, sobretudo pela imagem e confiança que nos mercados nacionais e estrangeiros gozam as Sociedades Anónimas;
2. A própria dinâmica empresarial que se quer expedita será mais facilitada com a forma jurídica de Sociedade Anónima;
3. Nos pontos de vista financeiro e fiscal a situação de cada sócio fica melhor acautelada no futuro;
4. A captação de novos capitais, necessários à actividade da empresa, se pretender expandir-se será mais facilitada; .
5. A burocracia em que se move a Sociedade Anónima é inferior à das Sociedades por Quotas (...)".
Na mesma data do relatório justificativo da transformação, foi ainda emitido parecer positivo, por parte de «MM», na qualidade de ROC, a esta operação de transformação da sociedade.
3.6 Alienação da participação financeira detida na [SCom01...], SA
Na sequência dos contratos promessa de cessão de quotas celebrados, em 24 de junho de 2008 e descritos no ponto III.4 da presente informação, entre os sujeitos passivos e a sociedade [SCom01...] SGPS, SA, em 14 de julho de 2009 (apenas cinco dias após a transformação da [SCom01...], Lda. em sociedade anónima) é celebrado entre os mesmos outorgantes, contrato de compra e venda das ações detidas pelos sujeitos passivos na [SCom01...], SA. São, então, celebrados dois contratos: um relativo às 250 ações detidas por «AA» e outro referente, também a 250 ações, pertencentes a «BB».
Os sujeitos passivos procedem, então, à alienação da totalidade das partes sociais (250 ações pertencentes a cada um, correspondentes a 2,5% do capital social, sendo, no total, representativas de 5% do capital) detidas na [SCom01...], SA, nas condições acordadas aquando da celebração dos contratos promessa, nomeadamente no que respeita ao valor total da transação e datas de pagamentos.
É ainda de referir que, também em 14 de julho de 2009, a [SCom01...] SGPS, SA adquire a totalidade das ações aos restantes acionistas da [SCom01...], SA, ficando a deter 100% do capital desta última sociedade.
No dia seguinte, ou seja, em 15 de julho de 2009, «CC», NIF ...28 adquire a totalidade do capital da [SCom01...] SGPS, SA, passando a deter, de forma indireta, a totalidade do capital da [SCom01...], SA, como se demonstra no esquema seguinte:
(…)
4. Enquadramento fiscal da alienação da participação social na [SCom01...], SA
No período de tributação de 2009, mais concretamente em 14 de julho de 2009, os sujeitos passivos alienaram a totalidade das partes sociais que detinham na sociedade [SCom01...], SA. O número de ações alienadas por «AA» foi de 250 pelo preço global do negócio de € 124.194,64, correspondendo este montante, nos termos do contrato promessa celebrado em 2008-06-24, a € 120.186,40 referente ao valor de venda das ações e € 4.008,25 aos suprimentos que «AA» detinha na sociedade e que foram transmitidos com a venda da participação, pelo preço igual ao seu valor. Da mesma forma, «BB» vendeu 250 ações que detinha na [SCom01...], SA, pelo montante de € 120.186,40 e os suprimentos pelo valor de € 4.008,25, sendo o preço global do negócio de € 124.194,64 (€ 120.186,40 + € 4.008,25). Neste sentido, o agregado familiar alienou a totalidade das ações que detinha na sociedade [SCom01...], SA, sendo o valor de realização, no total, de € 240.372,80 (€ 120.186,40 + € 120.186,40).
A alínea a) do n.º 1 do art.º 9 do CIRS dispõe que constituem incrementos patrimoniais "as mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte". Por sua vez, a alínea b) do n.º 1 do art.º 10 do diploma citado estabelece que "constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de partes sócias (...)". Na alínea a) do n.º 4 do mesmo artigo acrescenta-se ainda que o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição.
Não obstante, a alínea a) do n.º 2 do art.º 10 do CIRS, com a redação em vigor no período de tributação de 2009, consagrava que as mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de doze meses se encontravam excluídas de tributação (Refira-se, a título meramente informativo, que esta disposição foi revogada peio art.º 2 da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho. Neste sentido, a partir de 2010-07-27, os ganhos obtidos com a alienação onerosa de ações encontram-se sujeitos e não isentos de IRS independentemente do período de detenção destas participações).
A transformação da sociedade comercial por quotas [SCom01...], Lda. em sociedade anónima ocorreu, como descrito no ponto 3.5 da presente informação, em 9 de Julho de 2009. Na sequência desta operação, os sujeitos passivos que detinham, cada um, uma quota de valor nominal de € 1.250,00, correspondendo a 2,5% do capital da sociedade, passaram a deter, também cada um 250 ações de valor nominal de € 5,00 cada (capital de € 1.250,00/cada), mantendo a sua percentagem de participação de 2,5% no capital (cada).
Nos termos da alínea b) do n.º 6 do art.º 43 do CIRS, no caso de transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima, a data de aquisição das ações resultantes dessa transformação e a data de aquisição das quotas que lhes deram origem.
No caso concreto, embora as ações tenham sido alienadas apenas cinco dias após a transformação da [SCom01...], Lda. em sociedade anónima, por força do diploma acima citado, a data de aquisição das ações reporta-se a 14 de novembro de 2005, data da constituição da sociedade e consequente aquisição das quotas detidas pelos sujeitos passivos.
Como já referido, os sujeitos passivos não declararam a alienação onerosa das ações, mesmo após notificação por parte da Administração fiscal para o efeito, pelo que a mais-valia resultante desta operação não foi objeto de tributação em sede de IRS. Este rendimento também não seria alvo de tributação se os sujeitos passivos tivessem declarado esta operação no anexo G1 - "Mais-valias não tributadas" (mais concretamente no seu quando 4 - Alienação onerosa de ações detidas durante mais de doze meses).
É ainda de referir que, nos termos do n.º 1 do art.º 138 do CIRS, quer os alienantes, quer os adquirentes das ações são obrigados a entregar uma declaração modelo oficial à Direção-Geral dos Impostos (Esta declaração encontra-se prevista na Portaria n.º 694/2002 e corresponde à declaração Modelo 4 - Aquisição e/ou alienação de valores mobiliários, cuja entrega deve ser efetuada nos 30 dias subsequentes à realização das operações), uma vez que a alienação das partes sociais foi efetuada sem a intervenção de notários ou corretores de bolsa. Não obstante, nenhum dos intervenientes (alienantes e adquirente) desta transação apresentou a declaração em causa.
5. Aplicação da cláusula Geral Antiabuso: Art.º 38 n.º 2 da Lei Geral Tributária
5.1 Enquadramento legal
As normas antiabuso encontram a sua essência no comportamento evasivo e fraudatório dos sujeitos passivos em matéria fiscal e na necessidade de estabelecer meios de reação adequados por forma a garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, previsto no n.º 1 do art.º 103 da Constituição da República Portuguesa (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA) de 15 de Fevereiro de 2012 (processo n.º 04255/10).
A evasão (ou elisão) fiscal dá-se pela prática de atos ou negócios lícitos, mas que a lei fiscal qualifica como não sendo conformes com a substância da realidade económica que lhe está subjacente, assim devendo qualificar-se como anómalos, anormais ou abusivos. Dos comportamentos tributários evasivos resulta um sério entrave à concorrência empresarial, uma notória erosão das receitas fiscais, a distorção do princípio da equidade e um claro menosprezo do cumprimento das regras de cidadanias. Neste âmbito surgem as cláusulas antiabuso, de natureza geral ou específica, no sentido de dotarem os Estados de meios para o combate a comportamentos evasivos e fraudatórios dos contribuintes.
No ordenamento jurídico tributário nacional, a Cláusula Geral Antiabuso (CGAA) vem consagrada no n.º 2 do art.º 38 da LGT. Na sua redação, resultante da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, o n.º 2 do art.º 38 do diploma citado estabelece que "são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas".
Esta norma consagra uma verdadeira CGAA, ou seja, um dispositivo legal que, sendo um instrumento de aferição e delimitação concreta dos casos de elisão fiscal, estatui a ineficácia perante a Administração Tributária de atos ou negócios jurídicos praticados com evidente abuso de formas jurídicas, que conduzem, em desfavor do Estado, à eliminação total ou parcial, dos tributos que de outro modo seriam devidos.
5.2 Enquadramento da situação descrita em sede da CGAA prevista no n.º 2 do art.º 38 da Lei Geral Tributária
5.2.1. Do histórico e características da sociedade [SCom01...], SA até à operação de transformação
A [SCom01...], SA foi constituída em 2005, adoptando o tipo de sociedade por quotas.
Entre a data da sua constituição e a transformação em sociedade anónima, a empresa não exerceu efetivamente a sua atividade, existindo apenas, em julho de 2009, um projeto para promover a construção de um edifício destinado a atividades comerciais, à instalação de uma policlínica médica, de uma residência geriátrica, à locação e/ou utilização temporária de espaços por médicos e/ou entidades ou sociedades que prestem serviços na área da saúde e a estacionamento público. A ausência de atividade é também evidenciada pelo facto de, até ao ano de 2009 (inclusive) a [SCom01...], SA não dispor de qualquer trabalhador.
No relatório elaborado pela gerência da [SCom01...], SA, no âmbito da transformação da sociedade e dando cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 132 do CSC, são apontadas diversas razões que motivaram a alteração da forma societária e que foram apresentadas no ponto 3.5 desta informação.
Ora vejamos, de forma mais pormenorizada, cada uma delas:
(i) Uma das razões apontadas prende-se com o facto de os negócios sociais da empresa ficarem melhor acautelados, sobretudo pela imagem e confiança que nos mercados gozam as sociedades anónimas, bem como o facto de se for necessária a captação de novos capitais necessários à atividade da empresa, esta será mais facilitada.
Recordemos, então, o seguinte:
A transformação da sociedade [SCom01...], Lda. em sociedade anónima ocorreu por escritura pública, datada de 2009-07-09. Apenas cinco dias após esta operação, ou seja, em 2009-07-14 todos os detentores do capital (com exceção da [SCom01...] SGPS, SA que detinha 5% do capital), incluindo os sujeitos passivos, alienaram a totalidade das participações que detinham na [SCom01...], SA. Por sua vez, um dia depois (2009-07-15), o capital da [SCom01...] SGPS, SA foi vendido, também na sua totalidade, a um novo investidor- «CC», NIF ...28.
Embora a venda das ações na [SCom01...], SA fosse apenas concretizada em 14 de julho de 2009, em 24 de junho de 2008 já tinham sido celebrados contratos promessa de cessão de quota (uma vez que nesta data ainda se tratava de uma sociedade por quotas) entre os sujeitos passivos e a empresa adquirente ([SCom01...] SGPS, SA). Aquando da celebração dos contratos promessa foram emitidos da conta n.º ...0 da Banco 1..., titulada pela [SCom01...] SGPS, SA, o cheque n.º ...58, no valor de € 44.524,49, a favor de «AA» e o cheque n.º ...57 também no montante de € 44.524,49, a favor de «BB», a título de sinal e princípio de pagamento.
No mesmo sentido, e na mesma data (2008-06-24), [SCom01...] SGPS, SA, na qualidade de adquirente, celebrou com os restantes sócios contratos promessa de cessão de quotas, no sentido de adquirir a totalidade do capital da, então, [SCom01...], Lda.
Assim, verifica-se que não existia, por parte dos sócios, qualquer necessidade de acautelar os negócios da empresa ou de captar novos capitais, na medida em que já tinham prometido alienar a totalidade das participações, já tendo inclusive recebido uma parte do valor negociado que, no caso concreto dos sujeitos passivos corresponde a cerca de 35,85% do preço global do negócio) que detinham na [SCom01...], SA, deixando, deste modo, de ter qualquer participação no capital, o que veio efetivamente a acontecer cinco dias após a transformação da empresa em sociedade anónima, ou seja, em 2009-07-14.
Por outro lado, as sociedades anónimas caracterizam-se, geralmente, pela sua grande dispersão do capital, verificando-se, na situação em análise, que aconteceu exatamente o oposto: concentração do capital na [SCom01...], SA, que, por sua vez passa a ser detido, na sua totalidade, por um único acionista.
(ii) Outros dos motivos constantes do relatório em causa, estão associados à dinâmica empresarial que seria mais expedita com a forma jurídica de sociedade anónima e que a burocracia em que se move uma sociedade anónima seria inferior à das sociedades por quotas.
Também aqui não se percebe o alcance de tais motivos, uma vez que, como o objetivo final era a venda das participações (com contratos promessa de cessão de quota celebrados cerca de um ano antes) os sócios já nada teriam a ver com a dinâmica empresarial. Por sua vez, as sociedades por quotas (tipo de sociedade adoptado inicialmente pela [SCom01...], SA) caracterizam-se pela sua simplicidade de forma e das obrigações em geral, quer internas, quer perante terceiros, não só em termos de responsabilidade social, como também ao nível da sua própria administração (funcional e organizacional). De facto, as sociedades anónimas gozam de uma estrutura mais complexa e dispendiosa. A título meramente exemplificativo, refere-se o facto de estas sociedades serem obrigadas, nos termos do art,º 278 do CSC, a ter um órgão de fiscalização (conselho fiscal, fiscal único ou revisor oficial de contas) (Ao contrário do que acontece com as sociedades por quotas que apenas são obrigadas a ter um conselho fiscal ou ROC se, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 262 do CSC, durante dois anos consecutivos ultrapassarem dois dos três limites aí definidos, o que, no caso concreto da [SCom01...], Lda. não se verificava)..
(iii) Finalmente, outra das razões patente no relatório justificativo da transformação é "nos pontos de vista financeiro e fiscal a situação de cada sócio fica melhor acautelada no futuro".
Do ponto de vista financeiro, a situação de cada sócio já tinha sido definida aquando da celebração do contrato promessa de cessão de quota, celebrado em 24 de junho de 2008. Na verdade, nos respetivos contratos consta o preço global da transação, os valores a pagar pela aquisição da quota e as respetivas datas de pagamento. Pelo facto, a transformação da empresa em sociedade anónima em nada veio alterar as condições pré-estabelecidas no contrato promessa para a cessão da quota. Do ponto de vista fiscal, é de facto claro e inequívoco que a transformação da [SCom01...], Lda., em sociedade anónima conduziu à obtenção, parte dos sujeitos passivos, de vantagens fiscais que, de outro modo, não teriam sido alcançadas, Na verdade, o que se verifica é que com esta operação os sujeitos passivos obtiveram uma poupança fiscal (a não tributação de mais-valia resultante da alienação das partes sociais, como veremos de seguida), não existindo qualquer racionalidade económica e financeira, na transformação da [SCom01...], Lda. em sociedade anónima.
5.2.2 Pressupostos da aplicação da CGAA consagrada no n.º 2 do art.º 38 da LGT: aplicação à situação em análise
O n.º 2 do art.º 38 da LGT dispõe que "são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas" (redação dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29/12).
Em tal previsão, esta norma consagra quatro pressupostos para a sua aplicação (Ver Courinha, Gustavo Lopes (2004). A Cláusula Geral Anti-abuso no Direito Tributário - Contributos para a sua compreensão. Editora Almedina, Coimbra, página 165 e seguintes)
a) A forma utilizada-elemento meio;
b) Vantagem fiscal e a equivalência económica obtidas - elemento resultado;
c) A motivação do contribuinte - elemento intelectual;
d) A reprovação normativa-sistemática da vantagem obtida - elemento normativo,
Analisaremos, então, cada um destes quatro pressupostos inerentes à aplicação da CGAA prevista no n.º 2 do art.º 38 da LGT à luz da situação em análise.
a) Elemento meio
De acordo com Courinha (2004, página 165) o elemento meio "corresponde à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, isto é, o(s) acto(s) ou negócio(s) jurídico(s) cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal". Este elemento tem a ver com a forma utilizada, ou seja, com a prática de certos atos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos.
Refira-se que na opinião de Courinha (2004, página 166) "a noção de acto jurídico é, na linguagem da norma propositadamente ampla, visando toda e qualquer ação ou conduta humana à qual sejam atribuídos efeitos jurídicos (...)".
No presente caso, o ato ou negócio jurídico utilizado materializa-se na mera transformação do tipo societário (sociedade por quotas em sociedade anónima), sem qualquer racionalidade económica, uma vez que o objetivo final consistia na transmissão do negócio (que ocorreu cinco dias após a transformação e cujo contrato promessa tinha sido celebrado em 2008-06-24). Na realidade, o processo normal seria a transmissão da quota originária já prometida em 2008 e sinalizada com princípio de pagamento), que conduziria a igual fim económico, caso não se tivesse praticado esse ato de transformação.
O que se verifica é a existência de uma lógica sequencial nos atos praticados que, claramente, demonstra que o objetivo foi o de, através do aproveitamento abusivo da forma jurídica societária, eliminar a tributação, em sede de IRS, que resultaria do normal processo de alienação de quotas.
O ato de transformação da sociedade [SCom01...], Lda. em sociedade anónima é, em si mesmo, uma operação típica e lícita do ponto de vista jurídico. No entanto, atendendo à situação concreta e aos factos descritos e na sequência apontada, revela-se inusual e artificiosa e, deste modo, desnecessária para o fim pretendido - alienação da totalidade das partes sociais detidas pelos sujeitos passivos na [SCom01...], SA.
b) Elemento resultado
Este pressuposto visa a vantagem fiscal como fim da atividade do contribuinte. De acordo com Courinha (2004, página 172), "as situações de vantagem fiscal devem entender-se, para efeitos da CGAA, como qualquer situação pela qual, em virtude da prática de determinado actos, se obtém uma carga tributária mais favorável ao contribuinte do que aquela que resultaria da prática dos actos normais e de efeito económico equivalente, sujeitos a tributação". Na opinião do mesmo autor "neste elemento resultado, importa apenas demonstrar que o sujeito logrou, pelos seus actos (...), a verificação de uma certa vantagem fiscal e a equivalência dos efeitos económicos com aqueles do acto normal tributado" [Courinha (2004, página 176)].
Na situação em análise, o ato jurídico de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima e posterior negócio jurídico de alienação onerosa das ações por parte dos sujeitos passivos, teve como objetivo e resultado a eliminação da tributação, em sede de IRS e em 2009, do ganho (mais-valia) obtido com essa venda. Na verdade, sem o recurso à operação de transformação da sociedade, a mais-valia resultante da alienação das partes sociais estaria sujeita a imposto, nos termos gerais, como rendimento da categoria G de IRS, não beneficiando da exclusão de tributação, prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 10 do CIRS (apenas aplicável às ações detidas pelo seu titular durante mais de doze meses), como de seguida se demonstra e quantifica.

De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 4 do art.º 10 do CIRS, o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição. Por sua vez, a alínea f) do art.º 44 do mesmo diploma estabelece que o valor de realização e o valor da contraprestação o que, no presente caso, corresponde a € 120.186,40 por cada sujeito passivo (€ 240.372,80 no total). No que respeita ao valor de aquisição, este corresponde, nos termos da alínea b) do art.º 48 do CIRS, ao custo documentalmente comprovado ou, na sua falta, ao respetivo valor nominal. Tendo as partes sociais sido adquiridas aquando da constituição da [SCom01...], SA pelo seu valor nominal de € 1.250,00 para cada uma das quotas (no total € 2.500,00), este será o valor de aquisição.
Desta forma, o valor da mais-valia (ganho) ascende, no total, a € 237.872,80, como se evidencia no quadro seguinte:
(…)
Caso a quota detida pelos sujeitos passivos tivesse sido alienada sem que tivesse havido a transformação da [SCom01...], Lda. em sociedade anónima, estava-se perante uma operação com idêntico fim económico, mas com a tributação da mais-valia, em sede de IRS. Na realidade, a exclusão da tributação aplicava-se apenas nos casos de alienação onerosa de ações detidas pelo seu titular durante mais de doze meses, tal como previa a alínea a) do n.º 2 do art.º 10 do CIRS.
A mais-valia sujeita e não isenta de IRS ascenderia, então, a € 237.872,80, sendo tributada à taxa de 10%, prevista no n. º 4 do art.º 72 do CIRS (No período de tributação de 2009, a taxa em vigor para a tributação das mais-valias provenientes da alienação onerosa de partes sociais era de 10%. Presentemente e, com a redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro (em vigor desde 2012-01-01), a taxa ascende a 26,5%). Neste sentido, resultaria um imposto a pagar de € 23.787,28 (€ 237.872,80 x 10%).
Assim sendo, verifica-se que na ausência do ato jurídico de transformação da empresa em sociedade anónima, obter-se-ia um resultado económico equivalente (a alienação das partes sociais que correspondia ao objetivo final pelo mesmo preço de venda e nas mesmas condições), a que não corresponde uma equivalente oneração tributária (tributação da mais-valia à taxa especial de 10%, em detrimento da eliminação total da sua tributação). Aliás, nos próprios contratos promessa de cessão de quota celebrados, em 2008-06-24, entre os sujeitos passivos e a [SCom01...] SGPS, SA (6ª cláusula) constava que caso a sociedade [SCom01...], Lda. viesse a ser transformada em sociedade anónima o contrato mantinha a sua eficácia, mantendo-se todas as suas cláusulas em vigor, nomeadamente aquelas que respeitavam aos montantes e datas de pagamento do preço devido.
O contorno da lei permitiu, então, aos sujeitos passivos atingir os efeitos económicos e financeiros equivalentes - a venda da participação na [SCom01...], SA - sem serem tributados, prejudicando apenas uma terceira pessoa - o Estado. Torna-se pois claro que existiu uma efetiva vantagem fiscal.
É ainda de referir que a alínea b) do n.º 3 do art.º 22 do CIRS dispõe que não obstante as mais-valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais serem tributadas à taxa prevista no n.º 4 do art.º 72 do diploma citado (10%), o sujeito passivo pode optar pelo englobamento destes rendimentos nos restantes rendimentos auferidos no ano pelo agregado familiar. No entanto, tendo em consideração o rendimento colectável, em 2009, do agregado familiar se fosse feita esta operação, o imposto adicional em falta ascenderia a € 95.761,50 (rendimento colectável seria de € 295.771,55). Esta opção revela-se claramente desfavorável aos sujeitos passivos, pelo que, na presente análise, se considerou a taxa especial de tributação de 10%, consagrada no n.º 4 do art.º 72 do CIRS.
c) Elemento intelectual
o elemento intelectual encontra-se associado à motivação fiscal do sujeito passivo, ou seja, com o facto dos atos ou negócios praticados pelo contribuinte serem essencialmente ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal.
Na presente situação, conforme já foi amplamente demonstrado, não restam dúvidas de que a transformação do tipo societário imediatamente antes da operação de alienação das partes sociais visou, em primeira instância, a obtenção do resultado fiscal que se materializou na não tributação da mais-valia obtida.
Na realidade, sendo o objetivo dos sujeitos passivos a venda da participação que detinham no capital da [SCom01...], SA, operação essa já acordada e sinalizada com princípio de pagamento, em 2008-06-24, tal desiderato poderia e deveria ter sido atingido com a simples alienação da quota que detinham. Pelo contrário, os sujeitos passivos procederam ao ato jurídico de transformação da sociedade, que se revelou manifestamente desnecessário, para o fim pretendido: a alienação das partes sociais e, consequentemente, do negócio em si.
A intenção dos sujeitos passivos no sentido de eliminar a carga tributária resultante da alienação onerosa da sua participação na [SCom01...], SA ficou, desde logo, patente aquando da celebração dos contratos promessa de cessão de quota, em junho de 2008, que previa expressamente que caso ocorresse a transformação desta empresa em sociedade anónima todas as cláusulas do contrato se manteriam em vigor. Ou seja, independentemente da prática do ato jurídico de transformação da sociedade, as partes sociais seriam alienadas com as condições definidas nos contratos promessa.
Neste sentido, a motivação subjacente à realização do ato jurídico em questão foi claramente a fiscal, em detrimento de qualquer outra de carácter económico, político, etc. Aliás, não se vislumbram quaisquer outros motivos extratributários que justifiquem a realização do ato de transformação proposto e aprovado em Assembleia Geral, por todos os sócios, uma vez que a transmissão das participações e, consequentemente, do negócio, já estava prometida (com a celebração de contratos promessa de cessão de quotas em 2008) e veio efetivamente a concretizar-se apenas cinco dias após a transformação da [SCom01...], Lda. em sociedade anónima. Conclui-se, então, que o ato praticado teve como única finalidade a economia de impostos por parte dos sujeitos passivos.
d) Elemento normativo
Este elemento está relacionado com a reprovação normativa, ou seja, sistemática da vantagem obtida, em que o contribuinte atua com manifesto abuso das formas jurídicas.
Como defende Courinha (2004, página 189) "a desconsideração fiscal de tais actos ou negócios só sucederá quando (...) se demonstre que o efeito fiscal obtido (sempre em atenção aos efeitos não fiscais identicamente obtidos) merece um juízo de reprovação pelo Direito".
Tal reprovação existe na situação em análise, uma vez que com esta operação os sujeitos passivos evitaram que a mais-valia obtida com a alienação onerosa das partes sociais fosse objeto de tributação, quando a lei fiscal visa tributar a alienação de quotas.
A exclusão de tributação das mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de doze meses, teve subjacente critérios exclusivos de política fiscal, no sentido de incentivar e dinamizar o mercado de capitais e atrair investimentos, sem, no entanto, deixar de tributar a mera especulação mobiliária de curto prazo ou qualquer outra forma artificiosa de exclusão, como se verifica no presente caso. Não estava, certamente, no espírito do legislador a utilização do mecanismo de transformação de sociedades com intuito de utilizar abusivamente este normativo.
5.3 Verificação dos elementos para a aplicação do n.º 2 do art.º 38 da LGT e n.º 3 do art.º 63 do Código de Procedimento e de Processo tributário
Para a aplicação da CGAA, consagrada no n.º 2 do art.º 38 da LGT, deve ser observado o disposto no art.º 63 do CPPT, sendo essencial para a fundamentação da decisão, nos termos do seu n.º 3, o cumprimento de requisitos.
O n.º 3 do art.º 63 do CPPT estabelece, então, que a fundamentação do projeto e da decisão de aplicação da disposição antiabuso contém necessariamente:
"a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam;
b) A demonstração que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais".
Importa, no caso concreto, aferir da verificação cumulativa dessas condições.
5.3.1 A descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam
Na presente situação, este requisito materializa-se no ato jurídico de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima e no subsequente negócio jurídico de alienação das ações por parte dos sujeitos passivos, que no seu conjunto tiveram como objetivo eliminar a tributação, em sede de IRS, da mais-valia obtida em 2009 com a transmissão das partes sociais. Revela-se evidente que, sem a utilização desses meios, os sujeitos passivos não obteriam a vantagem fiscal da não tributação da mais-valia, própria das ações detidas durante mais de doze meses [prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 10 do CIRS], ficando sujeita a imposto, nos termos gerais, como rendimento a enquadrar na categoria G de IRS, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 10 e da alínea a) do n.º 4 do art.º 10, ambos do CIRS.
5.3.2 A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais
Ao longo da presente informação ficou claramente demonstrado que a transformação do tipo societário imediatamente antes da celebração do negócio de venda das participações visou, em primeira instância, a exclusão da tributação, em sede de IRS, do ganho (mais-valia) resultante dessa alienação.
O ato jurídico de transformação da empresa em sociedade anónima revelou-se completamente desnecessário, tendo em consideração o objetivo que se pretendia atingir: a venda das participações e, consequentemente, do próprio negócio em si.
Para concretizar o negócio de alienação das partes sociais que detinham na [SCom01...], SA, os sujeitos passivos dispunham, então, de dois cenários possíveis: vender as duas quotas detidas e pagar o IRS respeitante à mais-valia obtida ou proceder à transformação do tipo de sociedades e, só após esta operação, vender as ações, evitando, deste modo, a tributação, em sede de IRS, dessa mais-valia.
Ao optar pela segunda hipótese, resulta claro que os sujeitos passivos decidiram, artificiosamente e com razões que não apresentam qualquer racionalidade económica, evitar a tributação, em sede de IRS, do rendimento de mais-valia. No entanto, caso as quotas tivessem sido vendidas, sem que o ato jurídico de transformação se tivesse concretizado, estava-se perante uma operação com idêntico fim económico, mas com um diferente resultado fiscal: tributação da mais-valia, em sede de IRS, conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 10 do CIRS. A mais-valia, apurada nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 10 do CIRS, ascenderia a € 237.872,80, sendo tributada à taxa especial de 10%, prevista no n.º 4 do art.º 72 do CIRS, resultando um imposto a pagar de € 23.787,28.
6. Conclusões
Pelo exposto na presente informação, conclui-se que se encontram reunidas as condições para a aplicação da CGAA consagrada no art.º 38 da LGT e no art.º 63 do CPPT.
Na verdade, caso a alienação das partes sociais detidas pelos sujeitos passivos na [SCom01...], SA tivesse sido concretizada sem o recurso à transformação prévia (cinco dias antes) da natureza jurídica da sociedade, a mais valia obtida com a transmissão do capital seria objeto de tributação, em sede de IRS, tal como consagrado na alínea b) do n.º 1 do art.º 10 do CIRS. Neste sentido, a Administração Fiscal pretende considerar ineficaz, no âmbito tributário (Segundo Cavali, Marcelo Costenaro (2006), Cláusulas gerais antielusivas. Reflexões acerca da sua conformidade constitucional em Portugal e no Brasil, Editora Almedina, Coimbra "a ineficácia dos atos ou negócios elusivos é meramente fiscal ( ... ). Deste modo. permanecem perfeitamente válidos nos "ramos" jurídicos de origem, com a configuração jurídica que houve por bem lhes conferir o contribuinte, os atos e negócios elusivos" (pp. 250-251)), o ato jurídico praticado pela sociedade [SCom01...], Lda., que consistiu na transformação do tipo societário, uma vez ter sido praticado com abuso das formas jurídicas e ter tido como objetivo principal a eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem a utilização desses meios, efetuando-se, então, a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as
vantagens fiscais referidas, tal como dispõe o n.º 2 do art.º 38 da LGT.
Ou seja, procede-se à tributação da mais-valia gerada no ato de alienação, concretizado em 2009-07-14, momento determinante da ocorrência do facto gerador de imposto na forma originária do tipo societário (sociedade por quotas), como se de alienação de quotas se tratasse. (…)” (fls. 8 a 27 do PA apenso);
11. A apreciação, por parte da AT – Divisão de Inspecção Tributária – Equipa 23 da DDF de ... ao direito de audição exercido pelos Impugnantes, na sequência da notificação a que se refere o ponto 9. supra, que consta da informação a que se refere o ponto anterior, tem o seguinte teor:
7. Direito de audição
Nos termos do n.º 4 do art.º 63 do CPPT, «AA» e «BB» foram notificados por carta registada (ofício n.º ...98 de 2012-12-11) para o exercício do direito de audição, no prazo de 30 dias, previsto no n.º 5 do art.º 63 do diploma citado.
O direito de audição foi exercido, por escrito, em 2013-01-02. Tratou-se de um direito de audição apresentado conjuntamente com os restantes quinze sócios da [SCom01...], SA: «NN»; «LL»; «OO»; «PP»; «QQ»; «DD»; «RR»; «EE»; «SS»; «GG»; «TT»; «UU»; «VV»; «WW» e «HH».
No referido direito de audição é, então, declarado o seguinte:
(i) Na primeira parte do direito de audição, são descritas, de forma bastante resumida, algumas das conclusões patentes na informação da Administração fiscal para a aplicação da CGAA consagrada no art.º 38 da LGT e no art.º 63 do CPPT. Nos pontos 6 a 12 do direito de audição é alegado que a Administração fiscal desconhece o negócio efetuado, bem como o contexto de venda das ações em causa, tendo-se baseado numa mera leitura de contratos e registos, em interpretações pessoais, substanciadas em conclusões resultantes de factos desgarrados, sem qualquer nexo ou lógica de conjunto, conhecendo pretensamente a vontade dos requerentes que motivou a transformação da sociedade em anónima. Pelo facto, não assiste qualquer razão à Administração fiscal nas informações remetidas aos requerentes, sendo que as conclusões a que o Fisco chega são incorretas e sem qualquer adesão à realidade. .
(ii) Nos pontos 13 a 27 do documento são efetuadas algumas considerações acerca da atividade da [SCom01...], SA que passamos a referir:
a) Ao contrário do invocado pelo Fisco, entre 2005 e 2012, a [SCom01...], SA não se encontrou inativa, sendo totalmente falso que a sociedade apenas tenha iniciado o projeto de construção da policlínica em Julho de 2009. A construção da policlínica começou a ser pensada em 2006, aquando da contratação do leasing imobiliário do terreno onde se encontra atualmente construída a policlínica explorada atualmente pela sociedade.
b) À data, a generalidade dos sócios da [SCom01...], SA, eram pessoas ligadas à prestação de serviços médicos. Entre os referidos sócios encontravam-se as sociedades [SCom02...], Lda.; [SCom03...], Lda.; [SCom04...], Lda., [SCom05...], Lda.; [SCom11...], Lda.; [SCom07...] Unipessoal, Lda., [SCom08...], Lda. e [SCom09...], Lda.
c) O negócio gizado passava pela deslocalização das referidas sociedades para um edifício a construir, no terreno contrato em locação financeira, e criar um pólo de saúde. Neste sentido, foram contratados estudos para o negócio para aferir da sua viabilidade económica, que revelaram que os custos associados a tal projeto ultrapassariam em larga medida o esperado. Uma vez que era necessário financiamento, o projeto teve que ser reequacionado, tendo o negócio sido alterado para a instalação de urna policlínica, com centro geriátrico e espaço para o exercício de atividades médicas.
d) Uma vez que a ideia passava por cativar médicos a associarem-se ao projeto e aí desenvolver a sua atividade, foi decidido que o capital da sociedade deveria ser detido por pessoas individuais, na generalidade médicos, permitindo a entrada de novos sócios, com igual atividade. Nesse momento (2007) ocorre a transmissão de quotas das sociedades para os médicos detentores do respetivo capital e a procura de novos investidores. Logo em 2007 é acordado transformar a sociedade em anónima, conforme apontado em estudos encomendados pela sociedade.
(iii) Nos pontos seguintes (28 a 41) são descritos os negócios efetuados pela [SCom01...] SGPS, SA referentes à aquisição da totalidade do capital da [SCom01...], SA. O alegado foi, então, o seguinte:
a) Em 2008, a [SCom01...] SGPS, SA adquire a participação da lmacentro na [SCom01...], Lda. e apresenta uma proposta de compra da totalidade do capital da mesma aos sócios, com o objetivo de levar a cabo o negócio anteriormente delineado para a sociedade. Assim, em 2008-06-24 são celebrados entre os sócios da [SCom01...], Lda. e a [SCom01...] SGPS, SA contratos promessa de cessão das quotas representativas do capital social da sociedade. Dado o curto espaço de tempo que mediou a alteração do projeto no final de 2007 e as negociações com a [SCom01...] SGPS, SA não foi levada a cabo a transformação da sociedade em anónima que, embora prevista nos contratos promessa de cessão de quotas à [SCom01...] SGPS, SA, ficou suspensa.
b) Apenas alguns dias antes da celebração do contrato a [SCom01...] SGPS, SA solicitou aos sócios da [SCom01...], Lda. a transformação da sociedade em anónima. Foi informado pela [SCom01...] SGPS, SA que tal se prendia com negócios já realizados pela mesma - a subsequente venda das participações da sociedade ao Sr. «CC». Os negócios ocorridos entre a [SCom01...] SGPS, SA e o Sr. «CC» não envolveram os sócios da [SCom01...], Lda. Foi, então, aceite pelos sócios transformar a [SCom01...], Lda. em anónima, uma vez que o negócio delineado previa essa transformação e tal não prejudicava os sócios.
(iv) Pelo exposto, os sujeitos passivos alegam que os motivos da transformação da sociedade vertidos no Relatório de transformação foram acordados com a [SCom01...] SGPS, SA e espelham integralmente o exposto. Pelo facto, e ao contrário do indiciado pelo Fisco, a transformação ocorreu por motivos económicos que se prendiam com a lógica do negócio. A transformação acautelava os negócios que a sociedade iria implementar e que, de facto implementou e possibilitava captar novos capitais, tal como aconteceu por via da SGPS, associado à ideia de abrir o capital a médicos que se envolvessem no projeto e pudessem dinamizar a policlínica. Por outro lado, tratando-se o acionista de um SGPS, cujo objeto é gerir participações sociais, a mesma poderia dispersar facilmente o capital. Por outro lado, a envergadura do negócio a implementar, exigia e exige uma estrutura muito mais complexa que a das sociedades por quotas. Acresce ainda o facto que, do ponto de vista financeiro e fiscal a posição dos sócios era também acautelada, pois havia mais garantias do cumprimento do contrato promessa pela promitente compradora ([SCom01...] SGPS, SA).
(v) Os sujeitos passivos concluem, nos pontos 48 a 53 do direito de audição, referindo que ao contrário do invocado pelo Fisco, os motivos da transformação da sociedade em anónima não foram fiscais, mas económicos. A transformação teve por base a lógica económica do negócio que tinha sido delineado e que foi vendido. Referem ainda que caso o motivo fosse apenas fiscal e as criticas à transformação apresentadas pelo Fisco fossem verdadeiras e válidas, teria havido nova transformação para sociedade por quotas, após a venda, o que não aconteceu. Na verdade, volvidos mais de três anos sobre a venda das participações, a sociedade mantém a sua natureza de anónima e está a desenvolver o negócio que havia sido anteriormente delineado. Neste sentido, a posição defendida pela Administração fiscal na informação remetida aos sujeitos passivos e as conclusões apresentadas não correspondem à realidade, pelo que, não há qualquer justificação para a aplicação de disposição antiabuso.
Em relação ao declarado pelos sujeitos passivos, no exercício no direito de audição, tecem-se as seguintes considerações:
(i) Ao longo do direito de audição, nomeadamente na sua primeira parte, são confirmados todos os atos jurídicos que foram descritos na presente informação e que originaram a proposta de aplicação da CGAA, ou seja, foi confirmada a constituição da sociedade por quotas, a alienação, em 2007, das quotas detidas por diversas sociedades a sócios em nome individual (que de forma indireta já eram detentores do capital da [SCom01...], SA), a celebração do contrato promessa da cessão da quota entre os sujeitos passivos e a sociedade adquirente ([SCom01...] SGPS, SA), em 2008-06-24 e a sua transformação em sociedade anónima, apenas cinco dias antes da venda da totalidade do negócio à [SCom01...] SGPS, SA. As conclusões da Administração fiscal basearam-se nos diversos contratos analisados, documentos que suportaram a transformação da sociedade, análise de diversos documentos bancários (extratos bancários, cheques emitidos, transferências efectuadas, etc;.); e outros elementos considerados relevantes, que suporta, de forma objetiva, a proposta de aplicação da CGAA, consagrada no art.º 38 da LGT e no art.º 63 do CPPT.
Em relação ao facto de a Administração fiscal pretensamente conhecer a vontade dos sujeitos passivos e, como tal, invocar que a transformação da [SCom01...], Lda. em sociedade anónima foi efetuada com o objetivo exclusivo de evitar a tributação da venda das participações sociais, há que referir o seguinte: para a aplicação da CGAA prevista no ordenamento tributário nacional, os atos ou negócios jurídicos praticados pelo contribuinte têm que ser essencial ou principalmente dirigidos à obtenção de uma vantagem fiscal. Pelo facto, não é condição para a aplicação da CGAA que a motivação tenha sido exclusivamente fiscal, mas apenas existir uma motivação fiscal preponderante. Por outro lado, a demonstração da motivação predominantemente fiscal prevista no ordenamento tributário português segue uma concepção objetiva ("A perspectiva subjectiva é usualmente identificada com uma probatio diabólica, ao pretender comprovar a motivação psicológica do contribuinte, sem o recurso a critérios ou elementos objectivos, presuntivos ou indiciários. Por tal via, e por muitos elementos que a Administração fiscal logre recolher, seria difícil revelar, sem motivo para dúvida, algo que o contribuinte por natureza oculta - aquilo que o impele. (...) A concepção objectiva, por outro lado, foi aquela expressamente abraçada em Portugal pelo regime constante do artigo 63.º CPPT ( ... )". Courinha, Gustavo Lopes (2004, página 181)). Neste sentido, e tal como defende Courinha, Gustavo Lopes (2004, página 182) "a prova da motivação fiscal nestas Cláusulas Gerais (Cláusula Geral prevista no art.º 63 do CPPT. Referência nossa) é feita (...) com recurso a factos ou elementos de prova que permitam ao intérprete (v.g julgador) extrair, com razoável segurança e segundo critérios de razoabilidade e normalidade, a conclusão de que o contribuinte atribuiu às formas adoptadas um predominante fim fiscal".
Foi esta motivação essencial ou predominantemente fiscal que se demonstrou na presente informação. Na análise efetuada e descrita ao longo desta informação verificou-se a existência de indícios mais do que evidentes de que o ato de transformação da sociedade em anónima, seguido imediatamente do negócio jurídico de alienação onerosa das partes sociais detidas pelos sujeitos passivos na [SCom01...], SA, teve como objetivo principal evitar a tributação, em sede de IRS, da mais valia resultante dessa alienação.
(ii) No que concerne ao ponto (ii) acima apresentado refere-se que, na presente informação, nunca foi alegado pela Administração fiscal que a [SCom01...], SA se encontrava inativa entre os anos de 2005 e 2012. O que foi referido e que corresponde à realidade (não tendo sido contestado pelos sujeitos passivos) é que apesar de a sociedade ter sido constituída em 2005, a atividade começou a ser efetivamente exercida no ano de 2012, mais concretamente em maio desse ano.
Para a análise efetuada, o que é relevante demonstrar e isso foi feito é que, à data da transformação da sociedade em anónima, esta não estava a exercer efetivamente a sua atividade, o que é corroborado pela ausência de volume de negócios e de trabalhadores até essa data. Por outro lado, também não é referido na informação que o projeto de construção da policlínica apenas se tenha iniciado em julho de 2009. O que é dito e comprovado é que nessa data apenas existia um projeto para a construção de uma policlínica médica, e que esse projeto ainda não se tinha materializado. Aliás, isso apenas veio a ocorrer em 2012, três anos após a venda das ações da [SCom01...], SA por parte dos sujeitos passivos e quando estes já nada tinham a ver com o negócio da empresa.
Relativamente à cedência das quotas detidas por diversas empresas na, então, [SCom01...], Lda. a pessoas individuais, na generalidade médicos, permitindo a entrada de novos sócios, o que se verificou é que, na prática, não houve entrada de qualquer novo sócio. Tal como demonstrado no ponto 3.2 desta informação e, que nos escusamos de evidenciar novamente de forma detalhada, o que se verificou foi que as participações sociais foram cedidas a sócios dessas empresas participantes. Ou seja, esses denominados novos sócios, na verdade já o eram anteriormente, de forma indireta, através das sociedades por eles detidas. Com esta operação, os novos sócios em vez de deterem uma participação indireta no capital da [SCom01...], Lda. (através nas empresas de que eram sócios), passaram a deter diretamente essa participação. Recorde-se que não houve, nesta data (nem até à alienação das ações em julho de 2009), qualquer aumento do capital social da empresa, nem quaisquer outras entradas por parte dos sócios, de modo a se obter o financiamento que, de acordo com os sujeitos passivos, era necessário para o projeto ser concretizado. Com esta operação de cedência das quotas por parte das sociedades, o que se evitou foi a tributação, em sede de IRC e na esfera das respetivas empresas, das mais valias (ganho) que teriam sido geradas pela alienação das participações financeiras, em 2009-07-14, à [SCom01...] SGPS, SA.
Na realidade, a exclusão de tributação das mais valias provenientes da alienação onerosa de ações detidas pelo seu titular durante mais de doze meses, consagrada na allnea a) do n.º 2 do art.º 10 do CIRS, apenas se aplicava a sujeitos passivos individuais, não abrangendo os sujeitos passivos de IRC, como era o caso das sociedades em questão.
(iii) No ponto (iii) relativo ao exercício do direito de audição acima explanado, é alegado que a alteração do tipo societário de sociedade por quotas para sociedade anónima foi solicitado, poucos dias antes da celebração do contrato definitivo de compra e venda das ações, pela [SCom01...] SGPS, SA. De acordo com o alegado, a razão subjacente a este pedido terá sido a existência de negócios realizados por esta empresa, ou seja, a venda das participações da sociedade ao Sr. «CC». É ainda afirmado que a transformação da [SCom01...], Lda. em sociedade anónima já se encontra prevista nos contratos promessa de cessão de quotas, celebrados em 2008-06-24 entre os sócios da [SCom01...], Lda. e a [SCom01...] SGPS, SA.
Ora, no contrato promessa celebrado entre os sujeitos passivos e a promitente adquirente ([SCom01...] SGPS, SA) encontra-se, de facto, prevista a possibilidade da transformação da sociedade em anónima, não sendo, no entanto, condição para a realização do negócio. Na verdade, consta apenas do referido contrato que caso essa situação se verificasse, todas as cláusulas se manteriam em vigor (com as necessárias adaptações), nomeadamente no que se refere aos valores envolvidos e datas de pagamento. Da análise do contrato promessa resulta que, caso não tivesse ocorrido a transformação da [SCom01...], Lda. em sociedade anónima, a venda da participação financeira teria sido concretizada da mesma forma e pelos valores acordados, tal como consta do referido documento. Para a concretização do negócio a forma societária da, então, [SCom01...], Lda. era indiferente: a cessão da quota foi prometida em 2008-06-24 (com recebimento de sinal por parte dos sujeitos passivos) e a participação financeira iria ser alienada à [SCom01...] SGPS, SA, quer se tratasse de uma quota ou das respetivas ações correspondentes ao valor nominal (e percentagem de participação no capital) da quota.
Aliás, como amplamente demonstrado na presente informação, com a celebração do contrato promessa os sujeitos passivos (o mesmo acontecendo com os restantes sócios) receberam uma parte do valor do negócio acordado, que no seu caso concreto correspondeu a cerca de 35,85% do preço global do negócio. No mesmo sentido, as condições constantes do contrato definitivo de compra e venda de ações, no que se refere a valores do negócio e datas de pagamento, são as mesmas que constavam do contrato promessa de cessão da quota detida pelos sujeitos passivos. Neste sentido, o resultado económico obtido teria sido o mesmo, caso não tivesse ocorrido, o ato jurídico de alteração do tipo societário - a venda da participação financeira detida pelos sujeitos passivos na [SCom01...], Lda. à [SCom01...] SGPS, SA.
Aliás, a [SCom01...] SGPS, SA na data da celebração dos contratos promessa de cessão de quotas (2008-06-24), adquiriu 5% do capital da [SCom01...], Lda. à [SCom02...], Lda., correspondendo essa participação a uma quota de valor nominal de € 2.500,00. Este negócio foi realizado sem a alteração do tipo societário da [SCom01...], Lda.
Por outro lado, é alegado no direito de audição que os negócios ocorridos entre a [SCom01...] SGPS, SA e o Sr. «CC» não envolveram os sócios da [SCom01...], Lda. Embora o negócio da alienação da totalidade das ações da [SCom01...] SGPS, SA ao Sr. «CC» não esteja aqui em causa, esta afirmação não corresponde inteiramente à realidade. Ora vejamos: em 2009-07-14 e tal como evidenciado na presente informação, a [SCom01...] SGPS, SA adquire 95% do capital da [SCom01...], SA. Com esta aquisição, a [SCom01...] SGPS, SA passou a deter a totalidade do capital, uma vez que era detentora, desde 2008-06-24, de 5%.
Um dia após esta operação, ou seja, em 2009-07-15, o Sr. «CC» adquire a totalidade do capital da [SCom01...] SGPS, SA. Deste modo, o Sr. «CC» passa a deter, de forma indireta, 100% do capital da [SCom01...], SA.
De acordo com o contrato de compra e venda das ações da [SCom01...] SGPS, SA, o Sr. «CC» adquiriu as participações financeiras a: [SCom02...], Lda. que detinha 42.500 ações (correspondentes a 42,5 do capital); «HH» detentor de 47.500 ações (47,5% do capital) e ao [SCom12...], Lda. com 10.000 ações, representativas de 10% do capital.
À data das operações (2008 e 2009), os sócios da sociedade [SCom02...], Lda. eram: «AA»; «DD»; «II»; «VV»; «UU»; «WW»; «TT»; «NN»; [SCom03...]; «OO»; «RR» e «PP». Por sua vez, no período em análise, eram gerentes «DD», o sujeito passivo «II» (sócio e marido de «LL») e «XX» (sócio e marido de «NN»). Em 2010, foram nomeados gerentes «YY» (mulher do sócio «RR») e «TT».
Neste sentido, conclui-se que os sócios e/ou gerentes da [SCom02...], Lda. eram também, no mesmo período, detentores do capital da [SCom01...], SA (diretamente ou através do cônjuge). Uma vez que a [SCom02...], Lda. detinha 42,5% do capital da [SCom01...] SGPS, SA (e, consequentemente os seus sócios detinham uma participação indireta no capital da [SCom01...] SGPS, SA) e «HH» era detentor de 47,5% existe, claramente, uma relação entre o negócio da alienação do capital da [SCom01...], SA à [SCom01...] SGPS, SA e, posteriormente (um dia após esta operação), a venda da totalidade das ações desta última ao Sr. «CC». Pelo exposto, conclui-se que a generalidade dos sócios da [SCom01...], SA, enquanto sócios da [SCom02...], Lda. que detinha 42,5% do capital da [SCom01...] SGPS, SA tiveram intervenção em ambos os negócios realizados em julho de 2009.
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(iv) No que respeita aos motivos económicos alegados pelos sujeitos passivos, como estando na base da operação de transformação da [SCom01...], Lda. em sociedade anónima [ver ponto (iv) do direito de audição acima apresentado}, nomeadamente o facto de a transformação acautelar os negócios que a sociedade iria implementar, possibilitando a captação de novos capitais, refere-se o seguinte: em junho de 2008, todos os sócios da [SCom01...], SA, incluindo os sujeitos passivos, tinham acordado a venda da totalidade do capital [SCom01...], Lda. e, consequentemente, do negócio em si. Daí não se entende como, à data da alteração do tipo societário (2009-07-09), existia a necessidade, por parte dos ainda sócios, de captar novos capitais, quando a venda do negócio já estava delineada, com a celebração de cerca de um ano antes, de contratos promessa de alienação da participação financeira e recebimento de cerca de 35,85%, por parte dos sujeitos passivos, do preço do negócio acordado. O que se verificou, ao contrário dos motivos alegados para a operação de transformação, é que o capital se concentrou num único accionista - a [SCom01...] SGPS, SA, que por sua vez, foi adquirida a 100% por um único individuo, o Sr. «CC», que nada tem a ver com a prestação de serviços médicos ou com a abertura do capital a médicos que se envolvessem no projeto. À data da transformação da sociedade em anónima, a venda da totalidade do capital e, consequentemente, do negócio e da futura atividade da empresa, já estava negociada, acordada e sinalizada com princípio de pagamento e veio efetivamente a ocorrer cinco dias após essa operação de transformação. Pelo facto, a envergadura dos negócios a implementar no futuro, seria, como é obvio, do interesse do novo detentor do capital e já nada teria a ver com os então acionistas, que deixaram de ter qualquer participação no capital da empresa.
Por outro lado, não se consegue alcançar de que modo a transformação iria, tal como é alegado, acautelar a posição do ponto de vista financeiro dos sócios, com mais garantias do cumprimento do contrato promessa por parte da promitente compradora ([SCom01...] SGPS, SA). Como descrito na presente informação, as condições de alienação da participação financeira detida pelos sujeitos passivos (com a venda da totalidade do negócio) já tinham sido definidas, nomeadamente no que respeita aos valores do negócio acordado e respetivas datas de pagamento, aquando da celebração do contrato promessa (e vieram de facto a concretizar-se mediante a celebração do contrato definitivo de compra e venda da participação social em julho de 2009). Do ponto de vista fiscal, torna-se claro que a posição dos sujeitos passivos e dos restantes sócios ficou, de facto, acautelada, uma vez que com esta operação, os sujeitos passivos evitaram a tributação, em sede de IRS, da mais valia gerada pela alienação onerosa das participações sociais em causa, que de outro modo seria objeto de tributação como rendimento a enquadrar na categoria G.
(v) Finalmente no que concerne ao explanado no ponto (v) do exercício do direito de audição, os sujeitos passivos vêm reforçar que foram motivos económicos que se prendem com toda a lógica económica do negócio que motivaram a operação de transformação da empresa em anónima. Ao longo do exercício do direito de audição nunca é referido pelos sujeitos passivos em que medida a manutenção do tipo societário de sociedade por quotas impediria a concretização da operação de alienação da participação financeira e de todo o negócio já delineado (que recorde-se foi acordado e prometida a sua venda em junho de 2008), e em que medida a transformação da sociedade em anónima veio alterar o negócio de venda previamente acordado. A realidade é que para a concretização da alienação da participação financeira e cumprimento das disposições consagradas no contrato promessa de cessão de quota celebrado entre os sujeitos passivos e a [SCom01...] SGPS, SA, a transformação da sociedade em anónima em nada conduziu a um resultado económico e financeiro diferente daquele que teria sido obtido caso não tivesse ocorrido a operação de transformação. Aliás, como é afirmado pelos próprios sujeitos passivos nos pontos 31 e 32 do documento relativo ao exercício do direito de audição “(...) o prometido transmitir não eram quotas de uma sociedade com um contrato de leasing imobiliário. O que a [SCom01...] SGPS, SA ia adquirir era um negócio, com projectos e estudos para o desenvolvimento da actividade de policlínica, residência geriátrica e locação de espaços destinados ao exercício de actividades médicas". O que a [SCom01...] SGPS, SA e, consequentemente, o Sr. «CC», na qualidade de único acionista desta sociedade, adquiriram foi a totalidade do capital da [SCom01...], SA e, consequentemente, o projeto do futuro negócio e atividade da empresa, operação essa que o ato jurídico de transformação da sociedade em anónima em nada veio alterar.
No que se refere ao facto de atualmente a [SCom01...], SA continuar com o tipo societário de "sociedade anónima" nada tem a ver com as conclusões patentes na presente informação, uma vez que presentemente, e desde 2009-07-14, o capital é detido por outro acionista, que certamente terá as suas motivações e ideias de negócio.
O que aqui releva é que, na esfera dos sujeitos passivos, tal como se verifica em relação aos restantes detentores do capital naquela data, a transformação em sociedade anónima foi um ato praticado tendo como objetivo (único ou principal) a obtenção de uma vantagem fiscal, ou seja, a eliminação da tributação, em sede de IRS, da mais valia gerada na alienação onerosa da participação financeira detida na [SCom01...], SA. Na realidade, e como foi amplamente demonstrado ao longo desta informação se o ato jurídico de transformação da sociedade em anónima não tivesse sido realizado (e se se mantivesse o tipo de sociedade por quotas), o resultado económico e financeiro obtido pelos sujeitos passivos teria sido equivalente: a alienação da participação social detida na [SCom01...], Lda. nas condições estabelecidas aquando da celebração do contrato promessa de cessão de quota. Pelo contrário, não existiria um equivalente resultado fiscal: a mais valia resultante da alienação onerosa, em 2009, da quota detida pelos sujeitos passivos na [SCom01...], Lda. seria objeto de tributação, como rendimento a enquadrar na categoria G de IRS.
(vi) No último ponto do direito de audição (ponto 54) consta que ao documento em causa se junta uma declaração do Sr. «CC» atestando que foi pelo mesmo solicitada a transformação da sociedade, bem como documentação variada sobre estudos e projetos solicitados para o negócio da exploração da policlínica. No entanto, estes elementos não foram apresentados em conjunto com o documento do direito de audição. Deste modo, no dia 2013-01-07, «HH» foi contactado telefonicamente pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., no sentido de o informar que os elementos em questão não tinham sido apresentados. No dia 10 de janeiro deste ano, os documentos deram entrada na Direção de Finanças de ... e consistiam em quatro anexos: anexo n.º 1, datado de 2007-04-27, referente à avaliação de um terreno pertencente à [SCom01...], Lda.; anexo n.º 2 relativo ao estudo de viabilidade do projeto em questão; anexo n.º 3, de 30 de dezembro de 2008, referente à determinação do presumível valor comercial de um imóvel sito em ... (...) e anexo n.º 4 relativo a uma declaração assinada pelo Sr. «CC», datada de 2012-12-31, em que este declara que estabeleceu como condição para a realização do negócio de aquisição das participações sociais da [SCom01...] SGPS, SA que a sociedade detida pela mesma ([SCom01...], Lda.) fosse já uma sociedade anónima, pelo que esta foi transformada em [SCom01...], SA a seu pedido.
Em relação aos anexos n.º 1 a 3, onde são apresentados estudos e avaliações relativos ao projeto a desenvolver é de referir que em nenhum deles é efetuada uma análise sobre o tipo societário da empresa, nem a necessidade de ocorrer a alteração da sua forma societária, para a prossecução e viabilização do negócio. Nestes estudos são apresentadas duas avaliações de imóveis e um estudo de viabilidade do projeto, estudos esses que são independentes do tipo de sociedade: anónima ou por quotas. No que se refere à declaração do Sr. «CC» não é apresentada qualquer razão económica ou de outro carácter que justifique que a transformação da sociedade era condição para a realização do negócio, ou seja, que justifique que caso a [SCom01...], Lda. não fosse transformada em sociedade anónima, o negócio subsequente de aquisição das ações da [SCom01...] SGPS, SA por parte do Sr. «CC» não se realizaria.
É ainda de referir que Administração fiscal nunca colocou em causa a necessidade de financiamento para o desenvolvimento do projeto de construção e exploração da policlínica, a procura de novos investidores e a alienação da participação financeira detida pelos sujeitos passivos na [SCom01...], SA (e venda da totalidade do negócio). O que se conclui é que a transformação da [SCom01...], Lda. em sociedade anónima teve como fim principal evitar a tributação, em sede de IRS, do ganho (mais-valia) resultante da transmissão onerosa da participação financeira detida na [SCom01...], SA, pelo que se mantém a proposta de aplicação da CGAA, consagrada no art.º 38 da LGT e no art.º 63 do CPPT.” (fls. 27 a 34 do PA apenso);
12. Na sequência da remessa da informação que antecede ao Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para efeitos de autorização da aplicação da cláusula geral anti-abuso, prevista no art. 38.º n.º 2 da LGT, foi elaborada uma informação, a que foi atribuído o n.º ...4/2013, em 01-04-2013, pela Direcção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspecção Tributária, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a qual, em vários pontos transcreveu a dita informação da DDF de ... por considerar que “4 – Os factos e as conclusões constantes da citada informação que por ora nos importam e concorrem para o previsto no n.º 3 do art. 63.º do CPPT, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30-12, são os que de seguida melhor se reproduzem”, transcrevendo, nos pontos A e B, os pontos 1 a 5 da dita informação da DDF de ...;
No ponto B.3.1., B.3.2 e B.3.3, a informação tem, nomeadamente, o seguinte teor: “(…)
B.3.1 - Constituição da SGPS
24 - A [SCom01...] SGPS, S.A. foi constituída em 15/02/2008 integrando o original conselho de administração, como vogal, «HH», NIF ...79, que, simultaneamente, era um dos sócios-gerentes da [SCom01...] LDA.
25 - A constituição de qualquer sociedade gestora de participações sociais (SGPS) permite "(...) reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada. (...)" como consta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30/12, e cujo objetivo estratégico consiste no "(...) reforço do tecido empresarial português (...)" como se esclarece no art. 1.º da Lei n." 98/88, de 17108 que autorizou o Governo a alterar o regime fiscal das SGPS e que esteve na origem do D.L. n.º 495/88, de 30/12.
26 - O que acontece na maior parte dos grupos económicos é serem encabeçados por uma SGPS encarregue da gestão das participações sociais das várias sociedades que compõem o grupo, aliás, o seu único objeto social admissível nos termos do disposto no art. 1.º do D.L. n.º 495/88, que depois fica incumbida dos serviços técnicos de administração e gestão das sociedades integrantes do grupo através de contratos de prestação de serviços como se encontra regulado no art. 4.° deste diploma legal.
27 - Naturalmente que as SGPS enquanto mecanismos de organização e fortalecimento do tecido empresarial português não são veículos que possam potenciar ou facilitar a conceção e execução de esquemas de evitação fiscal.
28 - Ora, se atentarmos no facto da [SCom01...] SGPS, S.A. ter sido constituída em 02/2008 através de participações sociais maioritárias detidas pelas sociedades acionistas:
• [SCom13...] S.A., nipc ...49 (atualmente com a designação [SCom14...] S.A.), com uma participação de 40% no capital social;
[SCom15...] S.A., nipc ...09, com uma participação de 25% no capital social; e
• [SCom02...], LDA., NIPC ...61, com uma participação de 20% no capital social.
29 - E que dos órgãos sociais destas três sociedades, no ano de 2008, faziam parte:
• «ZZ», nif ...44, presidente do conselho de administração da [SCom13...] S.A. e da [SCom15...] S.A., que, também em 2008, era o presidente do conselho de administração da [SCom01...] SGPS, S.A.;
• «DD», nif ...10, e «II», NIF ...26, dois dos sócios-gerentes da [SCom02...], LDA., e, simultaneamente, gerentes na [SCom01...] LDA. durante o ano de 2008;
30 - Em conjugação com o facto da [SCom01...] SGPS, S.A. nos exercícios de:
• 2008 (ano em que foi constituída) - não teve pessoal remunerado ao seu serviço;
• 2009 - tem urna pessoa remunerada ao seu serviço que trabalhou 555 horas ao longo desse ano (corresponde a 79 dias de trabalho à média de 7horas/dia).
31 - Torna-se evidente que esta coincidência entre os titulares de cargos de gerência/administração no conjunto destas sociedades que constituíram a [SCom01...] SGPS, S.A., devido às ações concertadas com um fim comum a atingir que só a existência de relações desta natureza possibilita, constituem elementos de natureza objetiva e não meros acasos.
B.3.2 - A celebração dos contratos-promessa de cessão de quotas
32 - E a prova do que temos vindo a demonstrar supra reside no facto dos contratos-promessa de cessão de quotas da [SCom01...] LDA. celebrados em 24/06/2008 (quatro meses após a constituição da SGPS) por cada um dos SP's «AA» e «BB» como promitentes cedentes e a recentemente constituída [SCom01...] SGPS, S.A., em ambos como promitente cessionária, estipular na sua cláusula 6.ª:
(…)
33 - Quem poderá aceitar, conhecendo os negócios jurídicos descritos acima, que foi uma questão inocente de previsão/antecipação o facto de os contratos-promessa conterem esta cláusula? Além de constituir uma óbvia contradição com a sua intrínseca natureza um contrato promessa de cessão de quota estabelecer que mesmo que a quota prometida ceder se extinga por efeito da transformação da sociedade, os efeitos contratuais persistem, mas tendo por objeto as ações resultantes dessa transformação. A extinção da quota não determinaria a caducidade dos contratos promessa por impossibilidade do seu objeto???
34 - Mais, fará sentido os contratos promessa de cessão de quota celebrados incluir uma cláusula, a 6.ª reproduzida no ponto 32. supra, onde se apresenta a transformação da [SCom01...] LDA. como um acontecimento futuro e fortuito, ou seja, que tanto pode ocorrer como não ocorrer, depois estabeleça, no seu n.º 2, que produzem efeitos as cláusulas relativas aos montantes e datas de pagamento do preço devido??? A casualidade da ocorrência da transformação da sociedade não será, de todo, compaginável com a salvaguarda da manutenção dos efeitos contratuais relativos ao montante e datas de pagamento do preço acordado.
35 - É sobejamente visível que só no caso da transformação do tipo social da [SCom01...] LDA. em sociedade anónima já se encontrar delineada na altura em que os contratos-promessa de cessão das quotas foram celebrados é que motivaria e justificaria a inclusão de uma cláusula contraditória com o respetivo objeto contratual como na realidade sucedeu.
B.3.3 - A transformação da [SCom01...] LDA. em sociedade anónima
36 - Passados catorze dias sobre a celebração destes contratos promessa de cessão de quotas é deliberado em assembleia-geral realizada em 08/07/2009, e por unanimidade, a transformação do tipo social da [SCom01...] LDA. para o anónimo, concretizada, no dia seguinte, mediante a outorga em escritura pública.
37 - O relatório justificativo da transformação do tipo social da [SCom01...] LDA. por quotas em anónimo, elaborado pela respetiva gerência em 22/06/2009 no cumprimento do imperativo legal constante do art. 132.° do Código das Sociedades Comerciais (CSC), esclarece que "3. Nos pontos de vista financeiro e fiscal a situação de cada sócio fica melhor acautelada no futuro; ".
38 - Para além do reconhecimento, ainda que indireto, que a gerência desta sociedade faz do real motivo que presidiu à transformação em sociedade anónima, uma vez que possibilitou a redenominação do capital social por quotas em ações, pois apenas a alienação destas ações detidas pelo seu titular durante mais de doze meses pode beneficiar do regime fiscal da exclusão da tributação das mais-valias (aspeto fiscal), o que proporciona um ganho financeiro traduzido na poupança fiscal adveniente da evitação, embora ilícita e ilegítima, da tributação (aspeto financeiro), é inegável que o resultado final deste encadeamento de negócios jurídicos consistiu num favorecimento, embora ilícito, da situação fiscal dos SP's «AA» e «BB», nisso consistindo - sendo agora visível o resultado final a que conduziu o esquema de evitação fiscal - a "(...) situação (fiscal) de cada sócio (e depois acionista) ficar melhor acautelada no futuro".
39 - Outro motivo aduzido pela gerência da [SCom01...] LDA. para a transformação do tipo social em anónimo é que "5. A burocracia em que se move a sociedade anónima é inferior à das Sociedades por Quotas;”.
40 - Quanto a esta justificação não compreendemos de todo o seu alcance. Basta observar a estrutura em que se encontra dividido o Título III-Sociedades por quotas e compará-la com a do Título IV -Sociedades anónimas, ambos do Código das Sociedades Comerciais. Imediatamente se apreende a ideia de que o funcionamento das sociedades anónimas é bastante mais complexo e exigente, do ponto de vista legal, do que a das sociedades por quotas. Ou seja, o completo inverso do afirmado como motivo justificativo para a transformação.
Imediatamente é apreensível que as sociedades anónimas estão obrigadas a manter uma estrutura de administração e fiscalização que não tem qualquer paralelo nas sociedades por quotas, o que só por si é suficiente para demonstrar o inverso do que é invocado como motivo justificativo no respetivo relatório da transformação social.
41 - Quanto ao percurso empresarial da [SCom01...] LDA., constituída em 14/11/2005 com o objeto social de compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e administração de imóveis (art. 2.º do seu pacto social), o que se verifica é que não auferiu quaisquer proveitos ou ganhos desde o exercício em que foi constituída, 2005, até ao exercício de 2011 (o último cujos elementos se encontram disponíveis na base de dados da A T). Ou seja, são sete exercícios consecutivos em que a sociedade não teve quaisquer resultados operacionais gerados pela sua atividade empresarial.
42 - Mas se aprofundarmos um pouco mais esta análise para tentarmos perceber a realidade empresarial da [SCom01...] LDA./S.A. o que se constata é que se considerarmos outro elemento básico demonstrativo da prossecução da atividade empresarial por qualquer empresa qualquer que seja o seu ramo negocial, como é a quantidade de pessoas que mantém ao seu serviço, o registo da evolução deste indicador é o seguinte:
- Exercício de 2006: nenhuma;
- Exercício de 2007: uma pessoa, a tempo parcial, com um total de 880 horas anuais trabalhadas;
- Exercício de 2008: nenhuma;
- Exercício de 2009 (em que foi transformada para sociedade anónima): nenhuma;
43 - É indisfarçável a profunda estranheza provocada pela imediata constatação - pelo observador mais leigo quanto ao giro comercial - do facto da [SCom01...] LDA. durante quatro exercícios (2006-2009) só ter tido, num deles, uma pessoa ao seu serviço, e ainda assim, a tempo parcial. Quem, nesse período, teria praticado os atos materiais em que se traduz a rotina diária de qualquer empresa? Atender os clientes e o telefone; receber e executar as ordens da gerência/administração; redigir e enviar a correspondência - ainda que electrónica - inerente ao mais elementar giro comercial; angariar, mostrar e divulgar os imóveis que a sociedade tinha em carteira; preencher e movimentar toda a documentação necessária à transmissão da propriedade dos imóveis. E isto só na parte relativa à compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Porque se pensarmos na parte relativa à administração de imóveis, quem constituiria os meios humanos necessários à mais elementar forma de manutenção (higiene, iluminação, elevadores) de qualquer imóvel???
44 - Quanto a este concreto aspeto alegam os SP's no exercício do direito de audição que "13. Ao contrário do invocado pelo Fisco, entre 2005 e 2012 a [SCom01...] SA não se encontrou inactiva.
(...)
14. Mais, é totalmente falso que a sociedade apenas tenha iniciado o projecto de construção da policlínica em Julho de 2009.
15. A construção da policlínica começou a ser pensada em 2006, aquando da contratação do leasing imobiliário do terreno onde hoje se encontra construída a policlínica explorada actualmente pela sociedade.
(...)
19. Nesse sentido, foram contratados estudos para o negócio para aferir da sua viabilidade económica."
Mas, estranhamente - quem mais o poderia fazer??? - não indicam qualquer atividade ou prática empresarial desenvolvida no período entre 2005 e 2009 suscetível de demonstrar o inverso.
45 - E apesar de ter transformado o seu tipo social em 09/07/2009 para sociedade anónima adotando a firma [SCom01...] S.A., mantendo exatamente o seu objeto social na compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e administração de imóveis, no exercício de 2009 também não registou qualquer custo com remunerações de pessoal, tendo no exercício de 2010 registado um custo de 11.874,68€ referente a gastos com o pessoal.
46 - Também da mera observação dos titulares dos órgãos sociais sobressai imediatamente que entre a [SCom01...] LDA./S.A. e a [SCom01...] SGPS, S.A., no período de 2008 e 2009, existe uma coincidência de membros dos órgãos sociais. Assim, em 2008, «HH», NIF ...79, exerce as funções de sócio-gerente da [SCom01...] LDA. (desde a sua constituição em 2005, passando depois a exercer o cargo de vogal do conselho de administração após a transformação do tipo social em anónimo) até 20/07/2009, quando renunciou ao cargo. Simultaneamente integra, como vogal, o conselho de administração da [SCom01...] SGPS, S.A. (desde a sua constituição em 15/02/2008) até 20/07/2009.
47 - Desde a transformação do tipo social da [SCom01...] LDA. em 20/07/2009 os membros do conselho de administração da [SCom01...] S.A. e da [SCom01...] SGPS, S.A. são exatamente os mesmos. São ambos constituídos por «CC», NIF ...28, e «AAA», nif ...01.
48 - Esta coincidência na constituição dos órgãos sociais, que possibilita a concertação de ações visando um fim comum só possível quando existem relações desta natureza, constitui mais um elemento objetivo a firmar a convicção de que os negócios jurídicos sob análise foram concertados e constituem um esquema de evitação fiscal de natureza fraudulenta e abusiva cujo resultado final era exclusivamente, ou no mínimo, principal ou essencialmente dirigido a defraudar as normas fiscais ao tempo vigentes.
49 - Para finalizar esta sucessão lógico-cronológica de negócios jurídicos foram celebrados os contratos de compra e venda de ações em 14/07/2009 através dos quais foram alienadas a totalidade das ações que cada um dos SP's «AA» e «BB» detinha na [SCom01...] S.A., cinco dias após a transformação do tipo social.
50 - A concretização desta alienação, nesta altura, é completamente incongruente com as motivações aduzidas para a transformação do tipo social da [SCom01...] LDA. Num momento em que as expectativas eram bastante altas quanto ao muito promissor futuro da sociedade, ao ponto de justificar a transformação do seu tipo social para o anónimo, pois, nos termos do respetivo relatório justificativo da transformação:
1. Com o desenvolvimento da economia nacional, nomeadamente na área da saúde, a dimensão da empresa irá necessariamente aumentar pelo que julgamos que os negócios sociais serão melhor acautelados, sobretudo pela imagem e confiança que nos mercados nacionais e estrangeiros gozam as Sociedades Anónimas;
2. A própria dinâmica empresarial que se quer expedita será mais facilitada com a forma jurídica de Sociedade Anónima;
é que dois acionistas vão renunciar à obtenção dos previsíveis benefícios futuros proporcionados pelas suas participações no capital social de tão promissora empresa? Não faz sentido que os SP's «AA» e «BB» não tivessem a expectativa de vir a participar nos lucros que a atividade empresarial da [SCom01...] S.A. viria a proporcionar num futuro próximo. Qual a alteração ocorrida nos vinte e dois dias que mediaram entre a data do relatório justificativo da transformação do tipo social (22/06/2009) e a celebração dos contratos de compra e venda de ações por parte de cada um dos SP's em 14/07/2009, com a magnitude necessária para determinar a completa inversão do comportamento dos SP's «AA» e «BB»???
51 - É, assim, manifestamente percetível a razão pela qual a celebração destes negócios jurídicos ocorreram na sequência lógico-cronológica descrita, o que permitiu reunir, passo a passo, isto é, de um modo sistemático - como demonstra o resultado final alcançado - os pressupostos e requisitos legais necessários à obtenção do resultado final de evitação fiscal, embora de forma abusiva e fraudulenta com manifesto abuso das formas jurídicas para isso utilizadas.
52 - Deste modo, é da sequência lógico-cronológica em que foram celebrados os negócios jurídicos pelos SP's «AA» e «BB» que resulta a flagrância que o único, e a fortiori, objetivo principal - como exige o n.º 2 do art. 38.° da LGT - da celebração dos negócios jurídicos mencionados foi a eliminação de impostos.
B.4 – Elemento normativo
(…)
55 - Relativamente à censura que o esquema de evitação fiscal merece por parte do ordenamento jurídico, devemos relembrar que a ratio legis da exclusão de tributação prevista no n.º 2 do art. 10.º do Código do IRS - na redação do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31/10, em vigor à data da alienação das ações - era o de dinamizar o mercado bolsista sem, contudo, promover a especulação de curto prazo. Mas esta exclusão de tributação não se destina, obviamente, a permitir que situações originariamente excluídas do seu âmbito de aplicação, como a que se encontra sob análise, por via de um esquema constituído por uma cadeia de negócios jurídicos como os relatados nesta informação acabe por beneficiar desse regime de exclusão fiscal.
56 - É, assim, nítido que o aproveitamento ilícito, através de meios artificiosos ou fraudulentos, do regime de exclusão tributária não pode deixar de merecer censura normativo-sistemática. Neste sentido, o entendimento que tem vindo a ser seguido pelo Tribunal Central Administrativo Sul nos acórdãos n.º 04255/10 de 15/02/2011, e n.º 05104/11 de 14/02/2012, aponta para um conceito latu de anti-juricidade.
57 - Uma reprovação ou censura desta natureza não pode deixar de merecer uma situação como a presente em que a alienação de quotas de uma sociedade comercial, negócio jurídico com substância económica equivalente ao do celebrado, cujo ganho proveniente das mais-valias geradas seria tributada nos termos do disposto na aI. b) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, com abuso das formas jurídicas consubstanciado na operação de transformação da [SCom01...] LDA. numa sociedade anónima, passando a girar sob a firma [SCom01...] S.A. o que determinou a transformação das quotas originais em ações ao portador porquanto só as mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de doze meses são suscetíveis. de obterem enquadramento fiscal no regime de exclusão fiscal consagrado na aI. a) do n.º 2 do art. 10.° do Código do IRS (CIRS), na redação em vigor na data da alienação das ações.
B.5 - Elemento sancionatório
(…)
59 - O elemento sancionatório consiste na desconsideração dos efeitos fiscais produzidos pelo conjunto dos negócios jurídicos celebrados pelos SP's «AA» e «BB» e elencados no ponto 7. supra sendo antes tributado o negócio jurídico considerado usual para obter o efeito económico em causa, conforme estatui o n.º 2 do art. 38.º da LGT e propõe a Direção de Finanças de ... – DIT I – Eq.23:
(…)
B.6 – Análise do direito de participação
60 – Sobre o direito de audição prévia exercido pelos SP´s «AA» e «BB» pronuncia-se assim a DF ... – DIT I Eq. 23:
(…)
B.7 - Tributação devida caso os negócios jurídicos com substância económica equivalente fossem realizados
61 - Em condições normais, isto é, sem a motivação exclusiva da evitação fiscal, os SP's «AA» e «BB» transmitiriam as quotas da [SCom01...] LDA. de que cada um era titular. Tal facto determinaria a tributação em IRS na esfera do agregado familiar constituído por ambos - como dispõe o n.º 2 do art. 13.º do Código do IRS (CIRS) - em 2009 no montante de €23.787,28 [(valor de realização €120.186,40 - valor de aquisição €1.250 = mais-valia de €118.936,40 x 10% (taxa especial prevista no n.º 4 do art. 72.º do CIRS) = €11.893,64 (respeitante a cada um dos SP's) x 2], resultante da aplicação conjugada do disposto na aI. b) do n.º 1 do art. 10.º; no art. 43.º.; e no n.º 4 do art. 72.º, todos do CIRS e na redação em vigor à data da alienação das ações. Saliente-se que os SP´s não declararam a alienação onerosa de ações detidas durante mais de 12 meses que cada um realizou em 14/07/2009, não tendo apresentado o anexo G1 - existente para esse efeito - na declaração modelo 3 do IRS do ano de 2009, não cumprindo assim a obrigação acessória de natureza declarativa prevista no n.º 11 do art. 10.° do CIRS, na redação em vigor em 2009.
B.8 - Inaplicabilidade de quaisquer disposições especiais antiabuso
62 - Uma vez que a disposição antiabuso constante do n.º 2 do art. 38.° da LGT só pode operar de modo residual, isto é, na impossibilidade de aplicação de uma disposição especial antiabuso que vise fazer face àquela concreta situação abusiva - por isso é especial - importa excluir desde logo a aplicação de qualquer uma destas para se poder aplicar a primeira, dirigida à globalidade das situações não abrangidas pelas disposições especiais.
63 - Assim, são suscetíveis de serem qualificadas como disposições especiais antiabuso os arts. 63.°,65.°,66.° e 67.°, todos do Código do IRC, que é aplicável, grosso modo, às entidades de tipo coletivo.
64 - Sucede, que os negócios supra descritos e objeto do presente procedimento foram celebrados por pessoas singulares, sujeitos passivos de IRS. Na ausência de qualquer disposição específica antiabuso constante do Código do IRS e dirigida à situação tributária como aquela de que trata este procedimento, não resta alternativa - daí a sua aplicação ser residual - senão aplicar a disposição antiabuso constante do n.º 2 do art. 38,° da LGT.
B.9 - Pedido de informação vinculativa sobre os factos que fundamentam a aplicação da disposição antiabuso
65 - Do presente procedimento específico não consta qualquer informação demonstrativa dos SP's «AA» e «BB» terem solicitado à administração tributária informação vinculativa sobre os negócios jurídicos por si celebrados e que motivaram a aplicação da disposição antiabuso constante do n.º 2 do artigo 38.° da LGT.
66 - Isto significa que não se encontra verificada a respetiva condição de não aplicabilidade prevista no n.º 8 do artigo 63º do CPPT, na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12.
Pelo que,
67 - Considerando os factos trazidos ao nosso conhecimento, designadamente, a descrição dos negócios jurídicos celebrados e da sua verdadeira substância económica; os elementos que demonstram que a celebração dos negócios jurídicos tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio jurídico de substância económica equivalente; e verificando os negócios jurídicos de substância económica equivalente aos efetivamente celebrados e das normas de incidência que se lhes aplicam, encontram-se integralmente verificados os pressupostos previstos no n.º 2 do art. 38.º da LGT e cumprindo a fundamentação supra os requisitos estabelecidos no n.º 3 do art. 63.º do CPPT, na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, estão reunidas as condições legais para ser autorizada, nos termos do n.º 7 do artigo 63.° do CPPT, na redação da Lei n.º 64- B/2011, de 30/12, a aplicação da disposição antiabuso constante da primeira norma legal mencionada ao quadro factual plasmado na informação da Direção de Finanças de .... 23 para efeitos de liquidação do imposto que se mostre devido.
III-PROPOSTA
68 - Destarte, e se o entendimento vertido supra merecer acolhimento superior, propomos a remessa do presente procedimento específico ao Gabinete do Exmo. Senhor Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para cumprimento do disposto no n.º 7 do art. 63.° do CPPT, na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12.
À consideração superior. (…)” (fls. 154 a 173 do PA apenso);
13. Sobre a informação a que se refere o número anterior incidiu, em 17-05-2013, nomeadamente, o seguinte despacho: “Concordo
2013 05 17
Substituto Legal do Director Geral
(assinatura)
«BBB»
Subdirector-Geral
(fls. 154 do PA apenso);
14. Na sequência da decisão que antecede, os Serviços de Inspecção ... elaboraram, em 27-05-2013, um projecto de correcções, que aqui se dá por reproduzido, notificado aos Impugnantes para efeitos de direito de audição (fls. 82 a 117 do PA apenso);
15. Em 08-07-2013 os Serviços de Inspecção ... elaboraram o relatório final de inspecção aos Impugnantes, sancionado superiormente, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual se concluiu ter havido omissão de declaração de mais valias resultantes de alienação onerosa de partes sociais, em 2009, no valor de € 237.872,80, com IRS em falta de € 23.787,28; tal relatório condensou as informações a que se referem os pontos 9. a 11. e 12. supra, e tem, também, o seguinte teor: “(…) II.4 Outras situações
Na sequência da análise da do negócio jurídico de transmissão onerosa de partes de capital, no exercício de 2009, levada a cabo pelos sujeitos passivos «AA», NIF ...03, e cônjuge «BB» NIF ...90, foi proposta a abertura de um procedimento próprio nos termos do art. 63. ° do CPPT, para efeitos de aplicação da CGAA prevista no n.º 2 do art. 38.° da LGT, uma vez que os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... detetaram evidências de planeamento fiscal com abuso de forma jurídica.
Em resultado do trabalho realizado, foi elaborada informação, nos termos e para efeitos do disposto no art. 63.° do CPPT, relativa à aplicação da CGAA consagrada no art. 38.° da LGT. Por despacho do Diretor de Finanças ..., datado de 2012-12-11, foram os sujeitos passivos notificados (ofício n. º ...98 de 2012-12-11), de acordo com o n.º 5 do art. 63° do CPPT, para efeitos de audição prévia à aplicação da CGAA.
O direito de audição foi exercido, por escrito, em 2013-01-02. Tratou-se de um direito de audição apresentado conjuntamente com os restantes quinze sócios da [SCom01...], SA: «NN»; «LL»; «OO»; «PP»; «QQ»; «DD»; «RR»; «EE»; «SS»; «GG»; «TT»; «UU»; «VV»; «WW» e «HH».
Para efeitos da necessária autorização prévia para aplicação da CGAA, e dando cumprimento ao disposto no n.º 7 do art. 63° do CPPT, a Direção de Finanças de ..., através do oficio n.º ...92, datado de 2013-01-23, enviou ao Diretor-Geral da AT a informação do respetivo procedimento. Importa referir que, quer a informação elaborada pelos Serviços de Inspeção Tributária, quer o próprio direito de audição foram remetidos para autorização para aplicação da disposição antiabuso consagrada no art. 38.º da LGT.
Por despacho do substituto legal do Diretor-Geral da AT, datado de 2013-05-17, foi autorizada, nos termos do n.º 7 do art. 63.° do CPPT, a aplicação da CGAA prevista no n.º 2 do art. 38.º da LGT, relativamente às operações analisadas e descritas neste relatório (em anexo consta cópia da Informação n.º ...4/2013, de 2013-04-01, da Direção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspeção Tributária - DSPCIT -, onde se encontra exarada autorização superior para aplicação da CGAA constante do n.º 2 do art. 38.° da LGT).
Neste sentido, o presente procedimento tem por objetivo efetivar as correções ao rendimento tributável, em sede de IRS, de natureza meramente aritmética, que decorrem da decisão do substituto legal do Diretor-Geral da AT de autorizar a aplicação da disposição geral antiabuso, prevista no n.º 2 do art. 38. ° da LGT, e não fazer prova dos pressupostos de aplicação da CGAA, que consta do procedimento próprio supra referido, desencadeado nos termos do art. 63.º do CPPT.
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMETICAS
III.1 Da decisão do substituto legal do Diretor-Geral da AT, nos termos do art, 63.° n.º 7 do CPPT
A autorização superior para aplicação da CGAA, de acordo com o disposto no n.º 7 do art. 63.º do CPPT, através do despacho do substituto legal do Diretor-Geral da AT, datado de 2013-05-17, consta da Informação n.º ...4/2013, de 2013-04-01, da DSPCIT.
Esta informação teve por base o projecto de decisão elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., no âmbito de procedimento próprio previsto no art. 63.º do CPPT, em que se verificaram estar reunidos os pressupostos para aplicação da CGAA consagrada no n.º 2 do art. 38.º da LGT. O teor deste projecto de decisão foi comunicado aos sujeitos passivos através do ofício n.º ...98, de 2012-12-11, para efeitos de audição prévia, e que a seguir se resume:
(…)
Na informação n.º ...4/2013 da DSPCIT, supra referida, conclui-se, no ponto 67 o seguinte:
“Considerando os factos trazidos ao nosso conhecimento, designadamente, a descrição dos negócios jurídicos celebrados e da sua verdadeira substância económica; os elementos que demonstram que a celebração dos negócios jurídicos tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio jurídico de substância económica equivalente; e verificando os negócios jurídicos de substância económica equivalente aos efetivamente celebrados e das normas de incidência que se lhes aplicam, encontram-se integralmente verificados os pressupostos previstos no n.º 2 do art. 38.º da LGT e cumprindo a fundamentação supra os requisitos estabelecidos no n.º 3 do art. 63.º do CPPT, na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, estão reunidas as condições legais para ser autorizada, nos termos do n.º 7 do artigo 63.° do CPPT, na redação da Lei n.º 64- B/2011, de 30/12, a aplicação da disposição antiabuso constante da primeira norma legal mencionada ao quadro factual plasmado na informação da Direção de Finanças de .... 23 para efeitos de liquidação do imposto que se mostre devido.”
III.2 Correcção meramente aritmética: IRS 2009
Face ao exposto, e por cumprimento do despacho do substituto legal do Director-Geral da AT, datado de 2013-05-17, proferido no âmbito do procedimento próprio desencadeado nos termos do art. 63.º do CPPT, resulta a desconsideração, para efeitos fiscais, da transformação da sociedade [SCom01...], Lda. em sociedade anónima, e consequente tributação do ganho (mais-valia) obtido, pelos sujeitos passivos «AA» e «BB», com transmissão onerosa da quota de que cada um era titular.
Trata-se de um rendimento qualificado como mais-valias, enquadrado na categoria G – Incrementos Patrimoniais de IRS, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, que deve ser declarado no anexo G da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS do ano de 2009.
De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 4 do art.º 10.º do CIRS, o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição. Por sua vez, a alínea f) do art.º 44.º do mesmo diploma estabelece que o valor de realização e o valor da contraprestação o que, no presente caso, corresponde a € 120.186,40 por cada sujeito passivo (€ 240.372,80 no total). No que respeita ao valor de aquisição, este corresponde, nos termos da alínea b) do art.º 48.º do CIRS, ao custo documentalmente comprovado ou, na sua falta, ao respectivo valor nominal. Tendo as partes sociais sido adquiridas aquando da constituição da [SCom01...], Lda. pelo seu valor nominal de € 1.250,00 para cada uma das quotas (no total € 2.500,00), este será o valor de aquisição.
Desta forma, o valor da mais-valia (ganho) ascende, no total, a € 237.872,80, como se evidencia no quadro seguinte:
(…)
III.3 IRS em falta: 2009
O n.º 4 do art.º 72 do CIRS, com a redacção em vigor à data das operações (2009), consagrava que as mais-valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais são tributadas à taxa de 10%. Neste sentido, o imposto em falta é de € 23.787,28 (€ 237.872,80*10%).
(…)
É ainda de referir que a alínea b) do n.º 3 do art.º 22 do CIRS dispõe que não obstante as mais valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais serem tributadas à taxa prevista n n.º 4 do art.º 72 do diploma citado (10%), o sujeito passivo pode optar pelo englobamento destes rendimentos nos restantes rendimentos auferidos no ano pelo agregado familiar. No entanto, tendo em consideração o rendimento colectável em 2009, do agregado familiar se fosse feita esta opção, o imposto adicional em falta ascenderia a € 95.761,50 (rendimento colectável seria de € 295.771,55). Esta opção revela-se claramente desfavorável aos sujeitos passivos, pelo que, na presente análise, se considerou a taxa especial de tributação de 10%, consagrada no n.º 4 do art.º 72 do CIRS.
(…)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
«AA» e «BB» foram notificados, nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPIT (ofício n.º ...23 de 2013-05-29), para, no prazo de 15 dias, se pronunciarem sobre o projecto de relatório da inspecção tributária. O ofício foi recepcionado em 31 de maio de 2013.
O prazo para o exercício do direito de audição terminou em 17 de junho de 2013, sem que tivesse sido exercido. No dia 21 de junho de 2013, a Dra. «BB» deslocou-se à Direcção de Finanças ..., tendo manifestado oralmente a intenção de regularizar a sua situação tributária, mediante a substituição da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS do ano de 2009, de modo a contemplar as correcções descritas no ponto III deste relatório.
No dia 24 de junho de 2013, os sujeitos passivos substituíram a declaração Modelo 3 de IRS (2009) (declaração n.º 0728-208...), declarando no quadro 8 do Anexo G a alienação das participações que detinham na [SCom01...], SA, pelos montantes acima evidenciados (ponto III do presente relatório).
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 29 do RGIT, o sujeito passivo «AA» solicitou em 2013-06-26, no Serviço de Finanças competente (... 2) o pedido de redução de coimas, tendo uma cópia deste pedido sido entregue na Direcção de Finanças ..., em função da declaração de substituição entregue.
No entanto, em 2013-06-27, os sujeitos passivos entregaram uma nova declaração Modelo 3 de IRS de 2009, sem o respectivo anexo G, não declarando, deste modo, a transmissão onerosa, ocorrida em 2009, da participação que detinham na [SCom01...], SA (declaração n.º 0728-20...). Pelo facto, a declaração apresentada pelos sujeitos passivos, em 24 de junho de 2013, não produziu quaisquer efeitos, repondo a situação inicial, ou seja, a não tributação da mais-valia (como rendimento da categoria G de IRS), obtida, em 2009, com a alienação da participação acima referida.
Pelo exposto, mantém-se as correcções meramente aritméticas, em sede de IRS, constantes do projecto de relatório e será levantado o respectivo auto de notícia pela prática da infracção fiscal de omissões e inexactidões praticadas na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de 2009 (art. 57.º do CIRS), cuja punição se encontra prevista no art.º 119.º do RGIT.” (fls. 119 a 153 do PA apenso);
16. A liquidação resultante das correcções efectuadas em sede de procedimento de inspecção, com o n.º ...86, de 27-07-2013, tem o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(fls. 103 do processo físico);
17. A liquidação que antecede corresponde à nota de cobrança n.º ...25, com o valor a pagar de € 26.714,74 e data limite de pagamento de 23-09-2013 (fls. 102 do processo físico);
18. A demonstração de liquidação de juros compensatórios, enviada aos Impugnantes, tem o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(fls. 101 do processo físico);
19. Em 19-12-2013 foi apresentada neste TAF a presente impugnação (fls. 2 do processo físico).
Factos não Provados
A. Na decisão de transformação da sociedade por quotas [SCom01...], Lda. em sociedade anónima, [SCom01...] S.A., antes da venda das quotas a que se referem os pontos 2. e 7. supra estiveram presentes, apenas e só, razões económicas e financeiras (facto parcialmente alegado em 54º e 55º da p.i.. Neste processo não se põe em causa a alegada necessidade de reorganização empresarial, motivada pela necessidade de captação de novos capitais necessários à actividade da empresa, de se aceitar que a envergadura do negócio a implementar – a criação de uma policlínica, mais tarde transformada em hospital – exigiria uma estrutura mais complexa e robusta, tendo ambas as testemunhas inquiridas, com conhecimento directo dos factos em questão, já que a primeira era director financeiro da [SCom02...], a qual era sócia da [SCom01...], tendo acompanhado o processo, e a segunda, que esteve nos conselhos de administração de todas as empresas do grupo desde a sua fundação, explicado, de forma coincidente e circunstanciada que a [SCom01...], Lda. não tinha tido actividade lucrativa já que, nos primeiros anos de actividade, apenas se dedicou à aquisição de um terreno e elaboração dos projectos e infraestruturas e efectivação de diligências necessárias à implementação de um centro de diagnóstico, situações que provocavam enormes custos, todos suportados pelos sócios, só não tendo a empresa sido logo constituída como SA na tentativa de pouparem nesses maiores custos associados a tal tipo societário, nomeadamente, com ROC, embora a sociedade tivesse, logo de origem, o capital social para tal. Ou seja, o Tribunal não põe em causa a bondade das razões invocadas para a necessidade da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, o que se entende não ter ficado demonstrado, nada tendo sido dito nem explicado nesse sentido, foi a necessidade dessa transformação imediatamente antes da venda das participações sociais);
B. Após a celebração dos contratos a que se referem os pontos 2. e 3. supra as quotas ficaram imediatamente na disponibilidade da promitente compradora, [SCom01...], SGPS, S.A. (facto alegado em 83º da p.i., mas não demonstrado pelos Autores. Com efeito, a tentativa de demonstração deste facto foi frágil, sendo que apenas a segunda testemunha o afirmou, induzida na resposta pela Exma. Mandatária, tendo a primeira testemunha inquirida referido não se lembrar dessa situação).
Inexistem outros factos não provados com interesse para a decisão da causa.

A decisão da matéria de facto assentou na análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, e da prova testemunhal produzida, cuja relevância foi referida a propósito de cada alínea do probatório.»

2.2. De direito
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de ... que considerou não estarem reunidos os pressupostos para a aplicação da CGAA, prevista no n.º 2 do art.º 38.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Em sede de enquadramento factual, o caso prende-se com a legalidade de uma operação de transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, seguida da venda das ações, que resultou numa vantagem fiscal para os Recorridos em comparação com a venda directa das quotas. Concretizando, por deliberação unânime dos sócios da “[SCom01...], ld.ª”, de 08.07.2009, foi concretizada a transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima, acto, concretizada por escritura pública de 09.07.2009, sendo que os Recorridos participaram no capital social da “[SCom01...], S.A.” com o número de acções correspondentes às suas quotas, mediante conversão destas em acções. Em 14.07.2009, os Recorrido alienaram aquelas acções que detinham na “[SCom01...], S.A.” à “[SCom01...], SGPS, S.A.” pelo preço global de €240.372,80, valor correspondente ao somatório do valor que cada um detinha.
2.2.1. Das posições das partes que ora relevam, temos que no entendimento da Recorrente a operação de transformação societária seguida de venda de ações, foi um esquema artificial com o único propósito de obter uma vantagem fiscal indevida, violando o espírito da lei e os princípios fiscais de consagração constitucional. Defende que todos os elementos da CGAA estão presentes e provados.
Argumenta que, embora lícitos e válidos em si, os actos de transformação da sociedade e a subsequente venda das ações configuram um "comportamento anómalo e abusivo, não estando conformes com a substância da realidade económica que lhe está subjacente". Considera que a forma utilizada foi "inusual, cujo único propósito só se justifica com a vantagem fiscal". Mais afirma que “dúvidas não restam de que os actos e negócios jurídicos praticados pelos Requerentes conduziram à obtenção de uma vantagem fiscal”, elucidando que a venda de quotas seria tributada em IRS como mais-valia (artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS - CIRS), enquanto a venda das acções, no regime em vigor à data, estava excluída de tributação (artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS, na redação do Decreto-Lei n.º 228/2002), quantificado gerando uma mais-valia que seria tributada em €237.872,80. Considerando verificados os elementos meio e resultado.
Em sede do elemento intelectual, sustenta que a operação foi concebida e executada como "mera ferramenta para a obtenção de evasão fiscal, com manifesto abuso das formas jurídicas utilizadas".
E, em sede de elemento normativo que existe uma clara "intenção de tributar" neste tipo de operação, que decorre da ratio legis da exclusão de tributação das mais-valias da venda de ações. Esta exclusão visava dinamizar o mercado bolsista, não permitir que situações originariamente tributadas (venda de quotas) beneficiassem dessa exclusão através de esquemas artificiosos. A AT considera que há um "nítido aproveitamento, através de meios artificiosos, do regime de exclusão tributária, o que não pode deixar de merecer censura normativo-sistemática".
A Recorrente, remata em sede de elemento sancionatório, afirmando que estando todos os elementos de aplicação da CGAA demonstrados, é de sancionar os actos e negócios jurídicos por via da CGAA, desconsiderando os seus efeitos fiscais e tributando o negócio jurídico considerado para o efeito económico em causa (a venda de quotas).
Por último invoca que na interpretação dada pelo Tribunal a quo ao artigo 38º, n. º2 da LGT ocorre a violação de princípios constitucionais, a saber do princípio da legalidade (quanto à atribuição de benefícios fiscais), o princípio da igualdade e o princípio da capacidade contributiva. Argumenta que um benefício fiscal (exclusão de tributação) só é legítimo se prosseguir o interesse público subjacente à sua concessão, o que não ocorreu neste caso, violando o princípio do acesso ao Direito, artigo 20º da CRP.

2.2.2. Os Recorridos consideram que a decisão judicial não merece censura, pois corresponde à realidade dos factos (transformação e venda das ações por razões económicas e financeiras) e fez uma correta interpretação do art.º 38.º, n.º 2 da LGT, concluindo pela não verificação dos requisitos de "meio" e "fim" (vantagem fiscal). Mais alegam que AT que a AT não foi capaz de contrariar a decisão judicial com elementos probatórios concretos, limitando-se a "presumir a verificação dos elementos que estão na base da Cláusula Geral Antiabuso", emitindo "palpites e opiniões"
2.2.3. Apreciando e decidindo
A questão central que importa resolver é saber se o Tribunal a quo, cristalizada que se mostra a factualidade vertida e supra transcrita, errou o julgamento ao julgar inverificados os pressupostos para o acionamento da cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT).
Na redação vigente ao tempo, estipulava o n.º 2 do artigo 38.º da LGT:
Artigo 38.º
Ineficácia de actos e negócios jurídicos
1 – (…)
2 - São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”.
A questão identificada já foi amplamente objecto de dissertações doutrinais e emanação de jurisprudência pelos Tribunais superiores, mormente, pelo Supremo Tribunal Administrativo, e em particular pelo acórdão de 07.06.2023, proferido no âmbito do processo n.º 3285/11.3BEPRT, firmando posição com a qual este Tribunal ad quem concorda em absoluto e que, nos termos do art. 8.º n.º 3 do CC, que dispõe que “Nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”, a seguir se transcreve, por se considerar transponível aos presente dissídio, apenas sendo de relevar que ali o Tribunal recorrido havia considerado verificado os pressupostos de facto e de direito de aplicação da CGAA e o acórdão do STA citado concedeu provimento ao recurso e julgou a acção procedente.
“A doutrina e a jurisprudência vêm afirmando que a aplicação da cláusula geral anti-abuso depende do preenchimento de cinco elementos:
- o elemento meio, que respeita à via escolhida - ato ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de atos ou negócios jurídicos, sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal;
- o elemento resultado, que tem a ver com a obtenção de uma vantagem fiscal, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos atos ou negócios jurídicos «normais» e de efeito económico equivalente;
- o
elemento intelectual, que exige que a escolha daquele meio seja «essencial ou principalmente dirigid[a] [...] à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n.º 2, da LGT);
- o elemento normativo, que tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal;
- o
elemento sancionatório, que, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos atos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, «efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT).
Da factualidade que acima deixamos descrita resulta de modo claro o preenchimento do primeiro dos elementos referidos (elemento resultado).
Na verdade, analisando de uma forma isolada e objetiva os negócios jurídicos da transformação da sociedade em sociedade anónima e a subsequente venda das ações (atos ou negócios jurídicos realizados) e da eventual manutenção da sociedade como sociedade por quotas e a subsequente venda das quotas (atos ou negócios jurídicos equivalentes ou de idêntico fim económico), é inequívoco que a primeira situação beneficiava de um regime legal de tributação mais vantajoso do que a segunda, pois, enquanto a primeira não é objeto de tributação, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do Código do IRS, na redação do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de outubro, a segunda é considerada uma mais-valia, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, rendimento tributado a uma taxa de 10%, nos termos do artigo 72.º, n.º 4, do Código do IRS, na redação do Decreto-Lei n.º 192/2005, de 07 de novembro.
Não há, pois, nenhuma dúvida quanto ao preenchimento deste elemento, nem o Recorrente sequer o questiona.

Acontece que a constatação da vantagem fiscal não é suficiente para se considerar que houve abuso.
Como refere o Recorrente, a cláusula geral anti-abuso não tem em vista meramente atribuir à Administração Tributária compensação por atos que lhe tenham provocado perda de receita fiscal, antes visa, concomitantemente, eliminar as vantagens fiscais ilegítimas que alguém obteve, o que revela que lhe estão subjacentes preocupações de igualdade e justiça tributária.
Por outro lado, Nenhum princípio do direito fiscal implica que as escolhas dos contribuintes se façam pela via mais tributada. O contribuinte pode perfeitamente erigir uma construção jurídica que desemboque numa tributação relativamente moderada. O abuso do direito não condena a habilidade fiscal, mesmo que esta conduza a construções jurídicas pouco ortodoxas” [Bergerès, apud, Nuno Sá Gomes, “Evasão Fiscal, Infracção Fiscal e Processo Penal Fiscal” (Lições), Editora Rei dos Livros, 2000, pg. 71], citado nas alegações de recurso.
Mas se o elemento resultado está claramente preenchido, parece-nos também evidente, agora pela negativa, o não preenchimento dos elementos meio e normativo. Vejamos então.
De acordo com o artigo 38.º, n.º 2, da LGT, a vantagem para ser considerada abusiva tem de ser alcançada «por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas».
A doutrina diz que está em causa o recurso a figuras jurídicas manifestamente impróprias e insólitas sem que existam motivos económicos válidos que as justifiquem - Calvão da Silva, Revista da Ordem dos Advogados, 2006 – II, pag. 79, citado nas alegações de recurso.

Do mesmo modo, Gustavo Lopes Courinha (A Cláusula Geral AntiabusoContributos para a sua compreensão, Almedina, 2009, pag. 152/3, também citado pelo Recorrente), fala em inadequação da forma jurídica, esclarecendo que “o esquema abusivo é aquele que não corresponde aos usos e costumes (a uma prática estabelecida) da actividade comercial, ou à opção própria de um bom pai de família para atingir o fim económico pretendido. O esquema desadequado há-de valer-se de formas ou negócios insólitos, para atingir um resultado prático idêntico, muito próximo ou fungível daquele outro que resultaria do negócio normal sujeito a tributação”.
No caso sub judice está a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima e a venda das participações sociais sem qualquer tributação. Ora, não se vislumbra aqui qualquer negócio ardiloso, insólito, apresentando-se a transformação em sociedade anónima, como um ato societário corrente, lícito à luz do direito comercial, não se podendo afirmar que a mesma foi inusual ou anormalmente adotada, em vista da obtenção da vantagem fiscal.
Já o elemento normativo visa distinguir os casos de elisão fiscal (contra legem), dos casos de planeamento fiscal intra legem.
Citamos a propósito o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28/09/2017, proferido no processo 01188/11.0BEPRT (consultável em www.dgsi.pt), uma vez que o mesmo nos é invocado pelo Recorrente (e reiterado no acórdão do mesmo Tribunal de 18/10/2018 no processo 00917/13.3BECBR (consultável em www.dgsi.pt), que se debruçou sobre um caso em tudo idêntico ao que ora tratamos:
No que diz respeito ao elemento normativo, tal como se aponta na decisão recorrida, ganha acuidade o exposto pelo Prof. Saldanha Sanches quando sustenta que:
“(...) teremos de concluir que não podemos ter um recurso administrativo ao instituto da fraude à lei nos múltiplos sectores em que o legislador, por incúria ou falta de coragem política, deixou que se multiplicassem as situações, mesmo quando anti-sistemáticas, de não tributação de certos tipos de negócios jurídicos (...).
Consideremos, por exemplo, o que sucede com as tributações das mais-valias: se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais.
A operação em si mesma - a sociedade que se transformou em sociedade anónima tem o seu capital em poucas mãos e não vai recorrer ao mercado de capitais -, poderia ser catalogada entre as que têm uma mera motivação fiscal e, por isso, desconsiderada, mas para tal seria necessário que houvesse da parte do legislador uma intenção clara de tributar qualquer tipo de mais-valias tal como se pode discernir no texto normativo a respeito dos rendimentos de capital.” (Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 182).
Tal remete para uma resenha da evolução legislativa nesta matéria, onde é sabido que na redacção inicial do CIRS, previa-se já a tributação em IRS das mais-valias obtidas com a «alienação onerosa de partes sociais» (artigo 10.º, n.º 1, alínea b), na redacção do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro), mas excluíam-se as mais-valias provenientes da alienação de «acções detidas pelo seu titular durante mais de 24 meses» (artigo 10.º, n.º 2, alínea c)), limite temporal este que tinha como objectivo evidente afastar a exclusão da tributação relativamente a mais-valias que, no conceito então vigente, eram consideradas especulativas, sendo que esta regulamentação era completada com a que constava do EBF, na redacção inicial, dada pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, em que se estabelecia no seu art. 35.º, sob a epígrafe Transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas o seguinte: “Para efeitos do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, da alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS e do artigo 34.º deste Estatuto, considera-se que a data de aquisição de acções resultantes da transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas é a data da aquisição das quotas que lhes deram origem.”.
Esta norma, que tinha em vista o regime transitório, era completada com uma norma idêntica de aplicação permanente, que constava do artigo 18.º, n.º 5, alínea a), do EBF e estas duas normas evidenciam a enorme dimensão da preocupação legislativa em incentivar a transformação de sociedades por quotas em anónimas, que vai ao ponto de afastar a tributação em sede de mais-valias mesmo em situações em que o sujeito passivo detém as novas acções resultantes da transformação por um período muito curto, inclusivamente em situações em que a venda das novas acções é feita imediatamente a seguir à transformação, pois é precisamente a situações de detenção das novas acções por curtíssimo prazo que se aplicam as normas referidas.
Com a Lei n.º 30-B/92, de 28 de Dezembro, esta alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º passou a excluir da tributação as «acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses», aumentando, assim, o âmbito da não tributação da alienação de acções, ou, doutra perspectiva, a restrição do conceito de mais-valias especulativas.
A Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, reafirmou a vigência deste regime, eliminando a alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º, mas transpondo a sua redacção para a nova alínea b).
A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, eliminou a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções, mas limitou a exclusão às acções adquiridas após a sua entrada em vigor, mantendo expressamente o regime anterior para as acções adquiridas antes dessa data (artigo 4.º, n.º 5, do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000).
Este novo regime não chegou a ser aplicado, pois a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, estabeleceu, no n.º 9 do seu artigo 147.º, que nos anos de 2001 e 2002 seria aplicável regime anterior à Lei n.º 30-G/2000 e, depois, o Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, reintroduziu o regime de não tributação das mais-valias derivadas da alienação de «acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses», ao dar uma nova redacção à alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS.
Esta redacção manteve-se até à sua revogação pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
A «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 1/IX, que veio a dar origem à Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, que concedeu ao Governo a autorização legislativa necessária para aprovar o Decreto-Lei n.º 228/2002 é elucidativa no sentido de se ter reconhecido que a não tributação das mais-valias não especulativas provenientes da alienação de acções era preferível à sua tributação dizendo-se:
Com a entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, que tornou indispensável a revisão do Código de IRS operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, foi alargado o âmbito de incidência a todas as mais-valias de valores mobiliários e eliminou-se a taxa liberatória de 10%.
Na sequência desta alteração as mais-valias de valores mobiliários são simultaneamente englobadas e sujeitas às taxas gerais progressivas, que se situam entre 12% e 40%. Acresce que, de acordo com o artigo 3.º da Lei n.º 30-G/2000, o referido regime de tributação das mais-valias só é aplicável aos valores mobiliários adquiridos após 1 de Janeiro de 2001, mantendo-se o anterior regime de tributação para as mais-valias quanto aos adquiridos antes dessa data.
Aquele regime tributário foi contudo alterado, transitoriamente, pela Lei n.º 109- B/2001, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2002), a qual veio estabelecer uma isenção da tributação das mais-valias relativamente a rendimentos inferiores a 2500 Euros, fazendo-se, no entanto, o englobamento, apenas, para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos.
Considerando que o impacto desta reforma fiscal no mercado de capitais foi altamente prejudicial para os investidores, configurando-se como um desincentivo ao investimento, com todas as inerentes consequências negativas para o desenvolvimento de uma política de recuperação económica, urge revogar o regime de tributação das mais-valias aprovado pela Lei n.º 30-G/2000 e, posteriormente, acolhido pelo Decreto-Lei n.º 198/2001 e, em consequência, retomar o regime de aplicação da taxa liberatória de 10%, bem como da exclusão de tributação das mais-valias de valores imobiliários detidos pelo seu titular durante mais de 12 meses, tributando-se apenas as mais-valias especulativas.
O Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, que reintroduziu a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular há mais de 12 meses é também elucidativo sobre a existência desta intenção legislativa ao dizer:
O regime de tributação dos rendimentos de mais-valias derivados da alienação onerosa de valores mobiliários, aquando da entrada em vigor do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, foi significativamente alterado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Os traços mais salientes do quadro então instituído consistiram na abolição da exclusão tributária de que beneficiavam as mais-valias provenientes da alienação de obrigações e de outros títulos de dívida e da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, passando a incidir uma tributação generalizada sobre estes rendimentos, atenuada por uma isenção de base para os saldos positivos inferiores a determinado montante e pela consideração dos saldos positivos ou negativos em percentagem variável em função do período de detenção dos títulos pelo alienante.
Por força do estabelecimento, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, de um regime transitório de tributação aplicável a estes rendimentos nos anos 2001 e 2002, o regime emergente da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, não chegou a ser aplicado.
O presente decreto-lei vem dar execução à autorização concedida ao Governo pela Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, no sentido da reposição, no Código do IRS, das linhas essenciais do regime de tributação destes rendimentos.
Do ponto de vista sistemático, acresce a preferência manifestada pelo legislador pela adopção do modelo de organização societária da sociedade anónima, cuja adopção desde a redacção inicial do CIRS pretendeu fomentar e é patente no Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, que reformou um vasto conjunto de leis relacionadas com as sociedades comerciais, com especial atenção para a simplificação e eliminação de actos e procedimentos registrais e notariais (artigo 1.º, n.º 1) e para as sociedades anónimas (artigo 1.º, n.º 2: «o presente decreto-lei visa ainda actualizar a legislação societária nacional, adoptando designadamente medidas para actualizar e flexibilizar os modelos de governo das sociedades anónimas»).
Explanando as razões de política económica subjacentes à reforma, o legislador afirma, no preâmbulo daquele Decreto-Lei:
Assim, as linhas de fundo da reforma realizada por este decreto-lei prendem-se com as seguintes ideias. De um lado, a preocupação de promover a competitividade das empresas portuguesas, permitindo o seu alinhamento com modelos organizativos avançados. A presente revisão do Código das Sociedades Comerciais assenta no pressuposto de que o afinamento das práticas de governo das sociedades serve de modo directo a competitividade das empresas nacionais. Esse é o primeiro objectivo de fundo que este decreto-lei visa prosseguir, em prol de uma maior transparência e eficiência das sociedades anónimas portuguesas. Ao encetar este caminho, Portugal colocar-se-á a par dos sistemas jurídicos europeus mais avançados no plano do direito das sociedades, salientando-se o Reino Unido, a Alemanha e a Itália como países que têm identicamente orientado reformas legislativas com base nestes pressupostos. […] Importa ainda apontar o atendimento das especificidades das pequenas sociedades anónimas como preocupação que esteve subjacente à preparação deste decreto-lei”.
Neste contexto, volta a destacar-se o exposto pelo Prof. Saldanha Sanches quando sublinha que se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais, sendo que a afirmação do interesse público em não tributar as mais-valias não especulativas derivadas da detenção de acções foi, conscientemente, considerado superior ao da arrecadação das receitas que a tributação podia gerar e que esta afirmação foi efectuada já depois da Lei Geral Tributária ter previsto a cláusula geral antiabuso, no seu artigo 38º nº 2.
Naturalmente, tal realidade tem de ter consequências, não podendo aceitar-se a aplicação da cláusula geral antiabuso numa situação que contende com aquilo que foi o desígnio legislativo, a não ser que o mesmo seja comprometido como no caso em que a criação da sociedade anónima não é seguida da sua manutenção como realidade económica por um período de tempo apreciável, o que não sucede no caso presente.
Assim, tem de entender-se, para além do que já ficou exposto, que foi satisfeito com a operação de transformação das sociedades por quotas em sociedades por acções o interesse que, na perspectiva legislativa, é o principal a atender, superior ao da própria tributação, o que equivale a dizer que os Recorridos actuaram em perfeita sintonia com tal desígnio, verificando-se que a transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas está expressamente prevista na lei como um meio normal de criação de sociedades deste tipo, inclusivamente no âmbito da tributação do rendimento.
Consequentemente, tal como decidido, não se verifica uma situação enquadrável no nº 2 do art. 38º da LGT, desde logo por não existir um acto que possa considerar-se dirigido essencial ou primacialmente à obtenção de vantagens fiscais (pois ele foi dirigido também à criação de uma sociedade anónima por se pretender que ela funcionasse com as características e potencialidades que lhe são inerentes), mas também por não ter sido utilizado qualquer meio artificioso ou fraudulento para obtenção de vantagens fiscais, o que quer dizer que o acto tributário em sindicância padece efectivamente de vício de violação de lei, na forma de erro sobre os pressupostos, o que é de molde a impor a respectiva anulação.”
Sufragando o que ficou citado, a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima ainda que tivesse sido motivada exclusivamente por finalidades fiscais (elemento intelectual), não é condenável face ao ordenamento jurídico tributário então vigente, na medida em foi o próprio legislador que optou por tributar as mais-valias resultantes da alienação das quotas e não tributar as mais-valias resultantes da alienação das ações. Vantagem fiscal que o legislador deixou que permanecesse na ordem jurídica desde 01/01/2003, através da alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS, aditada pelo Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de outubro, até à sua revogação pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho.
Assim, não podemos deixar de concluir com Saldanha Sanches (“Os limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra Editora, 2006, pág. 182), que tendo o legislador resistido longamente a eliminar tal regime, mantendo uma «lacuna consciente de tributação», não há lugar à aplicação da cláusula geral anti-abuso.” (fim de citação, destacados nossa autoria)
Tal como no acórdão citado e, sufragando e aderindo aos fundamentos nele consignados, também nos presentes autos entende este Tribunal ad quem ser manifesto que não se verifica o “elemento resultado” e, bem assim, o “elemento normativo”, pois que a diferença de tributação em função do negócio jurídico em causa, alienação de quotas e alienação de acções de sociedade anónima, discorre de uma opção expressa do legislador.
Neste mesmo sentido, e deste TCA Norte, apelamos ao acórdão de 18.10.2018
no processo 917/13, cujo sumário aqui se deixa por extracto:
"IV) O art. 38º nº 2 da LGT é complementado pelo extenso artigo 63.º do CPPT, que contém um conjunto disposições que concretizam os parâmetros conformadores do procedimento de aplicação das disposições antiabuso, apontando-se os seguintes elementos: meio, resultado, intelectual, normativo e sancionatário.
V) Se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações de quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais, sendo que a afirmação do interesse público em não tributar as mais-valias não especulativas derivadas da detenção de acções foi, conscientemente, considerado superior ao da arrecadação das receitas que a tributação podia gerar e que esta afirmação foi efectuada já depois da Lei Geral Tributária ter previsto a cláusula geral antiabuso, no seu artigo 38º nº 2.
VI) Não se verifica uma situação enquadrável no nº 2 do art. 38º da LGT, desde logo por não existir um acto que possa considerar-se dirigido essencial ou primacialmente à obtenção de vantagens fiscais (pois ele foi dirigido também à criação de uma sociedade anónima por se pretender que ela funcionasse com as características e potencialidades que lhe são inerentes), mas também por não ter sido utilizado qualquer meio artificioso ou fraudulento para obtenção de vantagens fiscais."
Por todo o exposto, a liquidação de IRS impugnada padece do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, decorrente da aplicação, sem que estivessem verificados os requisitos legais para tal, da cláusula geral anti-abuso, prevista no artigo 38.º n.º 2 da LGT, tendo como consequência a anulação da liquidação, sendo de confirmar a sentença recorrida que assim o decidiu.
2.2.4. Por último cumpre aferir, se a interpretação do artigo 38º nº 2 da LGT, convocada pelo Tribunal a quo e por este Tribunal ad quem sufragada nos termos infra, se mostra contrária à Constituição, violando os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva, da legalidade quanto à atribuição de benefícios fiscais e, bem assim, da violação do princípio do acesso ao Direito vertido no artigo 20 da CRP.
Se bem interpretamos a posição da AT, a mesma assenta no entendimento de que o legislador ao excluir de tributação as mais-valias provenientes da alienação de ações não pretendeu proporcionar a possibilidade de um qualquer aforro fiscal, sendo que, da factualidade tida por assente e sua recondução ao preenchimento dos elementos que pressupõe a aplicação da cláusula geral anti abuso é desconforme ao sistema jurídico tributário e aos princípios constitucionais da legalidade, da igualdade, da capacidade contributiva e do acesso ao Direito.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, não se vislumbra, porém, em que sentido a interpretação do artigo 38º nº 2 da LGT plasmada na sentença sob recurso e no presente acórdão ofenda ou seja violadora dos enunciados princípios constitucionais.
Vejamos:
O principio da igualdade encontra-se previsto no artigo 13º da CRP, que dispõe o seguinte:
“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.”
Conforme tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, designadamente constitucional, “o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária” [cfr. acórdão do Tribunal Constitucional nº 84/03].
“Se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o tertium comparationis – leia-se, o critério – que há de servir de base à comparação. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação (cfr. o Acórdão n.º 601/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to pay). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical)” [in acórdão do Tribunal Constitucional nº 602/12].
Já o princípio da legalidade, previsto no artigo 106º nº 2 da CRP, traduz-se na regra da reserva de lei para a criação e determinação dos elementos essenciais dos impostos, devendo o imposto ser delineado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar nem para discricionariedade administrativa quanto aos seus elementos essenciais [cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª Edição revista, Coimbra Editora, página 458].
O princípio da legalidade impõe, pois, a proibição de aplicação analógica das leis fiscais, apenas sendo tributados os factos previstos na lei formal.
Por último quanto ao princípio do acesso ao Direito, previsto no artigo 20º da CRP, refere-se ao direito de todos os cidadãos de acesso à justiça e à proteção dos seus direitos, incluindo aqueles relacionados com a fiscalidade. Isso significa que todos devem poder conhecer e exercer os seus direitos fiscais, bem como ter acesso a mecanismos de defesa perante a administração fiscal.
Quanto aos princípios avocados pela Recorrente, desde logo se diga que o interesse público que AT se impõe prosseguir – a obtenção de receitas – tem necessariamente de ser harmonizado, quer com o princípio constitucional da legalidade, quer com os interesses e direitos dos particulares que possam ser afetados pelos actos da sua lavra. Não se pode defender que alguém tenha que optar pela solução legal que lhe impõem um encargo fiscal superior para se equiparar a alguém que obrigatoriamente ou por opção vai sofrer esse encargo fiscal.
E, desde logo quanto ao principio da igualdade e da capacidade contributiva, falece por completo o seu apelo por falta de concretização. Pois, não alcançamos como de entre as possibilidades que a lei consente e permite um determinado sujeito passivo pode livremente optar por um plano fiscal mais favorável sem ocorrer qualquer violação daqueles princípios se um sujeito passivo, nas mesmas condições, opta livremente pela celebração do negócio jurídico mais oneroso em sede fiscal.
Estamos no domínio da liberdade de planeamento fiscal, a qual não colide com o princípio da legalidade, desde que aquele planeamento se desenvolva dentro dos quadros do estritamente legal, por outras palavras, a lei não proíbe o planeamento fiscal, entendido como a minimização dos impostos de um modo totalmente legítimo e lícito.
No âmbito do planeamento fiscal legítimo, o sujeito passivo escolhe, entre as várias soluções possíveis, aquela que acarreta menos encargos fiscais, com vista a obter uma poupança fiscal, razão pela qual não ocorre qualquer abuso na sua utilização.
No caso dos autos, os Recorrido limitaram-se a optar por uma das soluções de alienação que estavam a sua disposição, de entre as quais aquela que lhes acarreta um menor encargo fiscal – por assim o determinar a lei.
In casu, não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade, já que os Requerentes não obtiveram qualquer tratamento diferenciado. Ao invés, qualquer sujeito passivo, colocado na posição dos Recorridos podia exactamente nos mesmos termos lograr o mesmo tratamento fiscal, o qual apenas ficava dependente da sua própria vontade.
Não ocorre igualmente violação do principio da legalidade na aplicação e/ ou interpretação do n.º2 do artigo 38º da LGT nos termos prescritos, porquanto prevendo a lei a sujeição a tributação dos factos praticados pelos Recorridos, isentando o mesmo, não poderá ser defendida qualquer aplicação analógica da lei fiscal, por forma a obter a sua tributação.
E, o mesmo se diga da violação do acesso ao Direito, na interpretação que o Tribunal a quo preconizou do artigo 38º, n. º2 da LGT, sustentando que o benefício fiscal (exclusão de tributação inerente a alienação de acções de uma sociedade anónima) só é legítimo se prosseguir o interesse público subjacente à sua concessão, o que não ocorreu neste caso.
Remetemos integralmente para o supra transcrito em que é manifesta a intenção do legislador na prossecução do interesse público na reposição e manutenção da exclusão da tributação das situações de alienação de acções detidas em sociedades anónimas. O interesse público que à Recorrente se impõe prosseguir – a obtenção de receitas pautada com situações expressas de concessão de benefícios fiscais – tem necessariamente de ser harmonizado, quer com o princípio constitucional da legalidade, quer com os interesses e direitos dos particulares dentro do quadro legal de prosseguirem um planeamento fiscal
Em face de tudo quanto ficou exposto, cremos que a interpretação do artigo 38º nº 2 da LGT sufragada e aqui aplicada, não é suscetível de consubstanciar qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da legalidade, nem do princípio do acesso ao Direito, como defendido pela Recorrente.
Improcede, assim, a invocada violação dos indicados princípios suscitada pela Recorrente

2.3. Conclusões
I. A aplicação da cláusula geral anti-abuso, prevista no n.º 2 do artigo 38º da LGT, prevê a verificação cumulativa dos seguintes elementos em que se decompõe o artigo 38º nº 2 da LGT -meio, resultado, intelectual, normativo e sancionatório.
II. A opção do sujeito passivo pela solução acompanhada de menores encargos fiscais no âmbito do planeamento fiscal, consiste na minimização dos impostos a pagar de um modo legítimo e lícito. não constitui, por si, qualquer abuso, o que afasta desde logo a verificação do “elemento resultado” e “elemento normativo
III. É o caso da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima ainda que tivesse sido motivada exclusivamente por finalidades fiscais (“elemento intelectual”), não é condenável face ao ordenamento jurídico tributário então vigente, na medida em foi o próprio legislador que optou por tributar as mais-valias resultantes da alienação das quotas e não tributar as mais-valias resultantes da alienação das ações.
IV. A interpretação do artigo 38º nº 2 da LGT sufragada e aqui aplicada, não é suscetível de consubstanciar qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da legalidade, nem do princípio do acesso ao Direito.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente.
Porto, 29 de maio de 2025
Irene Isabel das Neves
(Relatora)
Maria da Conceição Pereira Soares
(1.ª Adjunta)
Virgínia Andrade (vencida nos termos do voto junto)
(2.ª Adjunta)
Voto vencido
Discordo da decisão vertida no presente Acórdão pelas seguintes razões.
Como decorre da factualidade assente, ponto 2., foi outorgado em 24.06.2008 contrato promessa pelos sócios (impugnantes) de cessão de quotas à [SCom01...] SGPS, S.A, com sinal já recebido.
Em 9.07.2009, a sociedade [SCom01...], Lda. foi transformada em sociedade anónima, tendo em 14.07.2009 sido alienadas as participações sociais à [SCom01...] SGPS, S.A. - cfr. pontos 6. e 7. da factualidade assente.
Atendendo a que as razões apresentadas pela Recorrida no sentido de justificar economicamente tais operações foram rebatidas integralmente pela AT, não tendo logrado explicar cabalmente a pretensão para a sua realização, considero que o elemento resultado (obtenção de uma vantagem fiscal) se encontra preenchido, uma vez que, tal qual discorre a decisão recorrida “a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima e a subsequente alienação das participações sociais detidas nesta última conduz à aplicação de um regime fiscal mais favorável, já que, enquanto que a alienação da quota é considerada uma mais-valia tributada nos termos do disposto no artigo 10º nº 1 a) do Código do IRS, a alienação da participação social é uma mais-valia excluída de tributação”
Acresce que, o elemento normativo, que tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, também se verifica, pois que a operação em si não tem de ser fraudulenta, ou condenável, o objectivo prosseguido por tal operação é que é, ou seja, a AT só tem de comprovar "que a operação realizada não tem um propósito racional à luz do ordenamento jurídico mobilizado e que, por isso, a sua intencionalidade se esgota no aforro fiscal a que conduz." - cfr. Acórdão do STA de 12.01.2022, proc. 02507/15.3BEBRG.
Neste sentido, vide o entendimento que tem vindo a ser seguido por este Tribunal em Acórdão proferido em 30.04.2025, proc. 579/11.1BEVIS, assim como pelo TCA Sul no Acórdão proferido em 14.02.2012, proc. n.º 05104/11, razões pelas quais concederia provimento ao recurso.
(Virgínia Andrade)