Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02222/21.1BEBRG |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 01/16/2025 |
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Tribunal: | TAF de Braga |
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Relator: | VIRGÍNIA ANDRADE |
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Descritores: | IRS 2020; DEDUÇÃO À COLECTA; TRANSPARÊNCIA FISCAL; SIFIDE II; |
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Sumário: | I. A dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do SIFIDE II, quando haja lugar à imputação da matéria colectável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do Código Fiscal do Investimento, não lhes sendo aplicável, o limite estabelecido no artigo 78.º n.º 7 do Código do IRS.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO A Fazenda Pública, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a impugnação judicial intentada por «AA», contribuinte n.º ...86 e «BB», contribuinte n.º ...73, contra a liquidação de IRS do ano de 2020, no valor de €26.634,52. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: “1. Salvo melhor entendimento, a douta sentença em recurso errou na interpretação e aplicação do direito, porquanto, é de aplicar o limite estabelecido no artigo 78º, nº7, do CIRS, aos casos de dedução à colecta de IRS de despesas elegíveis do SIFIDE II, quando a matéria tributável da sociedade de profissionais em regime de transparência fiscal seja imputada aos sócios pessoas físicas. 2. As sociedades de profissionais em regime de transparência fiscal são sociedades constituídas para o exercício de uma actividade elencada na lista referida no artigo 151º do CIRS (advogados, revisores/técnicos oficiais de contas, arquitectos, engenheiros, etc), cujos sócios sejam, ou pessoas singulares profissionais dessa actividade (ponto 1, da alínea a), do nº4, do artigo 6º, do CIRC), ou pessoas colectivas de direito privado constituídas por profissionais dessa actividade (ponto 2, da alínea a), do nº4, do artigo 6º, do CIRC). 3. A matéria coletável das sociedades de profissionais é imputada aos sócios, passa a integrar o seu rendimento tributável (artigo 6º, nº1 e nº4 do CIRC) e as sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas (artigo 12º do CIRC) 4. Da conjugação das referidas disposições legais resulta que à determinação da matéria colectável da sociedade de profissionais abrangida pelo regime de transparência fiscal não se segue a liquidação em sentido estrito nem o pagamento do correspondente IRC (artigo 12º do CIRC), uma vez que essa matéria colectável é imputada aos sócios da sociedade (artigo 6º, nº1, do CIRS), sendo na esfera do socio tributada de acordo com as regras do CIRS no caso de socio pessoa singular (artigo 6º, nº4, alínea a), ponto 1, do CIRS) ou, na esfera do socio tributada de acordo com as regras do CIRC no caso de socio pessoa colectiva (artigo 6º, nº4, alínea a), ponto 2, do CIRS). 5. Foram objectivos de neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos que determinaram o legislador à consagração do regime de transparência fiscal, sendo tal regime caracterizado pela imputação aos sócios da parte do lucro que lhes couber, independentemente da sua distribuição. (vide, preâmbulo do CIRC, ponto 3) 6. Pela via do regime de transparência fiscal, atento os apontados objectivos, procede-se a uma imputação especial: a imputação aos sócios da matéria colectável da sociedade de profissionais determinada nos termos do CIRC. Como? Integrando-a no rendimento tributável dos sócios. 7. Os benefícios fiscais são medidas excepcionais no seio do Sistema Fiscal, constituem despesa fiscal e são matéria de reserva de lei (artigo 103º, nº2 da CRP). 8. Os benefícios fiscais operam por via de diferentes técnicas, tendo cada benefício fiscal em concreto a sua própria modalidade/técnica de atribuição (reduções de taxas, deduções à matéria colectável, deduções à colecta, tributação diferida – tudo técnicas de atribuição de benefícios fiscais, todas elas distintas entre si). 9. O SIFIDE II (sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial) constitui um beneficio fiscal que opera por dedução à colecta – que não à matéria colectável. Opera, pois, num momento ulterior ao do apuramento da matéria colectável. 10. Resulta do regime legal do SIFIDE II, seja pelo que consta das normas específicas daquele regime prevista nos artigos 33º a 42º do CFI (Código Fiscal do Investimento) seja pelo enquadramento do mesmo no CFI, que em parte alguma o legislador se referiu senão à colecta de IRC, pelo que, o benefício fiscal em questão (SIFIDE II) consiste numa dedução à colecta de IRC. 11. À determinação da colecta de IRC aplicam-se as normas dos artigos 90º a 92º do CIRC – à colecta, importa sublinhar, de IRC e não de IRS como interessa aos casos como o dos autos. 12. No regime de transparência fiscal a matéria coletável da sociedade de profissionais é imputada aos sócios e passa a integrar o seu rendimento tributável para efeitos de IRS quando o socio seja pessoa física/singular. 13. Estamos perante uma não tributação de IRC, surgindo na esfera pessoal dos sócios uma dívida fiscal de IRS. (vide, Saldanha Sanches, obra cit., p. 295), uma liquidação de IRS, uma colecta de IRS. 14. O beneficio fiscal em questão (SIFIDE II) opera por dedução à colecta (de IRC) e, nos casos como o dos autos, é atribuído a uma sociedade de profissionais cujos sócios são pessoas físicas, pelo que, a sua dedução opera na esfera dos sócios, é efectuada à colecta de IRS e como tal terá que ser sujeito às regras próprias de IRS – isto é, às regras de determinação da colecta de IRS e não da colecta de IRC. 15. À colecta de IRS são efectuadas deduções, entre elas, relativas a benefícios fiscais (artigo 78º, nº1, alínea k, do CIRS) e, os benefícios fiscais, em conjunto com outras deduções à colecta, não podem exceder os limites previstos no nº7, do artigo 78º, do CIRS. 16. Nos casos como o dos autos, a matéria colectável da sociedade de profissionais foi imputada ao socio pessoa física, na proporção da sua participação na sociedade, foi integrada no rendimento colectável de IRS do casal por opção e o beneficio fiscal atribuído à sociedade relativo a despesas elegíveis do SIFIDE II (dedutível à colecta de IRC), a ser aplicado em sede de IRS, opera por dedução à colecta de IRS, fica sujeito às regras próprias do IRS e não pode exceder o limite das deduções à colecta de IRS previsto no nº7 do artigo 78º do CIRS. 17. Em relação ao beneficio fiscal em questão (SIFIDE II) em momento algum o legislador referiu ser necessário afastar quaisquer regras do IRS que, por via do regime da transferência fiscal, pudessem ser convocadas a aplicar, designadamente, as regras próprias de determinação da colecta de IRS – o que poderia ter feito, se assim o entendesse, como não deixou de fazer em outros casos de benefícios fiscais (a titulo meramente exemplificativo pode ver-se o artigo 43º A do EBF relativo ao Programa Semente). 18. Em desabono da solução preconizada na douta sentença em recurso, destaca-se o voto de vencido do Acórdão que foi seguido naquela sentença, designadamente, quando refere que anota a circunstância, tecnicamente ilógica, de a tributação dos impugnantes ser efectivada operando, simultaneamente, o regime, prevalente, do IRS (quanto à declaração de rendimentos, determinação do rendimento colectável, e de taxa, com intervenção do quociente familiar, parcela a abater, dedução à colecta) e o regime do IRC apenas para afastar o limite do artigo 78º, nº7, do CIRS. 19. Sendo os sócios da sociedade de profissionais sujeitos passivos de IRS, sendo a matéria colectável daquela sociedade integrada no rendimento dos sócios para efeitos de IRS e sendo a tributação efectuda em IRS, a analise do principio da igualdade terá que se reportar aos demais sujeitos passivos de IRS – análise em contexto de IRS. 20. Senão pensemos: os Advogados, revisores/técnicos oficiais de contas, arquitectos, engenheiros e demais referidos na lista do artigo 151º do CIRS, em prática da sua actividade através de uma sociedade de profissionais passam a ter aberta a porta à "anulação" dos seus rendimentos em IRS (e do dos seus cônjuges/agregado familiar), designadamente, rendimentos oriundos de diversas fontes, sem qualquer limite à dedução à colecta de IRS, por via da aplicação de capitais em fundos de investimento através da sociedade [cfr. al. f), do art.º 37.º do CFI], enquanto que aos Advogados e demais profissionais da lista referida no artigo 151º do CIRS, em prática individual (e seus agregados familiares) tanto fica vedado. Nestes termos e nos mais que serão doutamente supridos por Vs. Exas. deve o presente recurso obter provimento, revogando-se a douta decisão em recurso.” Não foram apresentadas contra-alegações. Interposto recurso para o STA, por decisão sumária de 4.11.2024, aquele Tribunal decidiu julgar procedente a excepção de incompetência absoluta em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, considerando competente a Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte. Remetidos os autos a este Tribunal e aberta vista à Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, foi emitido parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. ** Objecto do recurso O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir do erro de julgamento quanto à matéria de direito por ter sido desconsiderado o limite estabelecido no artigo 78.º nº 7 do CIRS aos casos de dedução à colecta de despesas elegíveis do SIFIDE II, quando haja lugar à imputação da matéria tributável aos sócios/pessoas físicas de sociedade em regime de transferência fiscal. ** 2 - Fundamentação 2.1. Matéria de Facto O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz: “1. «BB», ora Impugnante, é sócia da sociedade “[SCom01...], SROC, Lda.”, com o NIPC ...00, que é uma sociedade de profissionais e está sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6º do Código do IRC – facto não controvertido; 2. No exercício de 2019, a “[SCom01...], SROC, Lda.” candidatou-se a um incentivo fiscal ao abrigo do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II) regulado nos art.ºs 35º a 42º do Código Fiscal do Investimento, quanto a um investimento total de € 200.000,00 – facto não controvertido e conforme ao documento n.º 2 junto com a petição inicial; 3. Na sequência do referido no ponto antecedente, pela Agência Nacional de Inovação, foi atribuído à sociedade “[SCom01...], SROC, Lda.” um crédito fiscal de € 165.000,00 – facto não controvertido; 4. Ponderando a matéria colectável apurada pela sociedade “[SCom01...], SROC, Lda.” quanto ao período de 2019, no montante global de € 340.260,29, e demais elementos do cálculo de IRC, o incentivo (dedução à colecta) utilizável nesse período estava limitado a € 66.871,79 – facto não controvertido; 5. Ficando a diferença de € 98.128,21 (165.000,00 – 66.871,79) para utilização em períodos futuros – facto não controvertido; 6. E relativamente ao período de 2020, considerando um montante de matéria tributável de € 469.609,27 e demais elementos de cálculo do IRC, o incentivo (dedução à colecta) utilizável nesse período estava limitado a € 93.635,05 – facto não controvertido e conforme à informação junta como documento n.º 1 da contestação; 7. Em 30-06-2021, os Impugnantes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS para o ano de 2020 identificada com o n.º ...6 – cfr. fls. 2-18 do processo administrativo apenso 8. Da declaração mencionada no ponto antecedente, consta o anexo D – imputação de rendimentos de transparência fiscal relativos ao Sujeito Passivo «BB», NIF ...73, da sociedade “[SCom01...], SROC, Lda.”, NIPC ...00 – facto não controvertido e conforme à informação junta como documento n.º 1 da contestação e a fls. 2-18 do processo administrativo apenso; 9. Da declaração mencionada no antecedente ponto 7), consta um resultado liquido imputado ao sujeito passivo no valor de € 135.055,55 e um benefício fiscal materializado numa dedução à colecta no valor de € 26.928,63 – cfr. fls. 2-18 do processo administrativo apenso; 10. Com base na declaração mencionada no ponto 7), foi efectuada a liquidação n.º ...27, na qual foi apurado imposto a pagar no valor de € 26.634,52, com data limite de pagamento em 31-08-2021 – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial e fls. 19-21 do processo administrativo apenso; 11. A petição inicial dos presentes autos foi remetida a este Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, via electrónica, em 23-11-2021 – cfr. fls. 1 do suporte electrónico dos autos; Mais se provou que: 12. Os Impugnantes procederam ao pagamento do acto de liquidação aludido em 10) – facto não controvertido e conforme ao documento n.º 4 da petição inicial e a fls. 21 do processo administrativo apenso. * Factos não provados Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa. * Motivação da matéria de facto provada: No que respeita aos factos provados, a decisão da matéria de facto efectuou-se com base na conjugação dos documentos e informações oficiais, não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo apenso, bem como na posição assumida pelas partes em juízo, nos respectivos articulados, tudo conforme especificado nos diversos pontos da matéria de facto provada. De resto, o dissídio presente ocorre, unicamente, quanto ao direito aplicável e não quanto à factualidade relevante que, saliente-se, não regista qualquer discordância entre as partes.” *** 2.2 – O direito Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a impugnação judicial intentada por «AA», contribuinte n.º ...86 e «BB», contribuinte n.º ...73, contra a liquidação de IRS do ano de 2020. O Tribunal a quo decidiu julgar procedente a impugnação judicial, anulando a liquidação impugnada, na parte em que desconsidera as deduções à colecta, no montante de €26.928,63, relativas à Impugnante «BB». A Recorrente, discordando do assim decidido, sustenta, no essencial, que a sentença padece de erro de direito, pois é de “aplicar o limite estabelecido no artigo 78º, nº7, do CIRS, aos casos de dedução à colecta de despesas elegíveis do SIFIDE II, quando haja lugar à imputação da matéria tributável aos sócios/pessoas físicas de sociedade em regime de transferência fiscal”. Vejamos. A questão que ora cumpre apreciar e decidir foi, muito recentemente, decidida pelo STA em Acórdão proferido em 7.06.2023, no âmbito do processo n.º 01301/21.0BEBRG, em conhecimento de recurso interposto pela Fazenda Pública de sentença em tudo idêntica à ora recorrida, proferida em processo de impugnação judicial deduzida relativamente a IRS do ano de 2019. Ora, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito à luz do disposto no artigo 8.º nº 3 do Código Civil, e porque concordamos com tal decisão e respectivos fundamentos, por semelhança ao caso sob apreciação, acolhemos a argumentação jurídica aduzida naquele Acórdão, na medida em que não se vislumbra justificação para decidirmos em sentido contrário, passando-se aqui a citar o mesmo. “Nos termos do artigo 6.º do CIRC - diploma que regula o regime de tributação das pessoas colectivas, sob a epígrafe “Transparência fiscal”, consta o seguinte: «1 — É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros: a) Sociedades civis não constituídas sob forma comercial; b) Sociedades de profissionais; c) Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, directa ou indirectamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa colectiva de direito público. 2 — Os lucros ou prejuízos do exercício, apurados nos termos deste Código, dos agrupamentos complementares de empresas e dos agrupamentos europeus de interesse económico, com sede ou direcção efectiva em território português, que se constituam e funcionem nos termos legais, são também imputáveis directamente aos respectivos membros, integrando-se no seu rendimento tributável. 3 — A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais. 4 — Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se: a) Sociedade de profissionais: 1) A sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade; ou, 2) A sociedade cujos rendimentos provenham, em mais de 75 %, do exercício conjunto ou isolado de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, desde que, cumulativamente, durante mais de 183 dias do período de tributação, o número de sócios não seja superior a cinco, nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público e, pelo menos, 75 % do capital social seja detido por profissionais que exercem as referidas atividades, total ou parcialmente, através da sociedade; (…)». Como é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, o regime de transparência fiscal tem natureza imperativa, o que significa que este regime é sempre o aplicável às pessoas colectivas ou singulares que reúnam as características plasmadas no artigo 6.º, n.ºs 1, 4 e 5 do CIRC. Subjacente à consagração deste particular regime de tributação – que parte da ideia de que certas pessoas colectivas, delimitadas em função do seu tipo societário, objecto social ou estrutura de negócios, não devem ser tributadas, devendo a tributação antes incidir sobre os respectivos sócios Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2023, página 53, autor e obra a que se reportam todas as transcrições subsequentes que não sejam de outro modo identificadas. - estiveram, especialmente, objectivos: de neutralidade fiscal (visando o regime “promover a neutralidade fiscal entre formas colectivas e individuais de certas actividades” em que releva sobremaneira a componente humana, a rendimentos idênticos deve corresponder uma tributação idêntica independentemente da figura societária a que esses rendimentos estejam associados); de eliminação da dupla tributação económica dos rendimentos, obstando a que os sócios das sociedades submetidos ao regime sejam, pelos mesmos rendimentos, tributados em sede de IRC e, num momento posterior (após distribuição dos lucros), sejam objecto de nova tributação na sua esfera individual, a título de IRS (ao impor a transparência fiscal, o Código de IRC fixa a tributação exclusivamente ao nível dos sócios, pessoas colectivas ou singulares, embora a partir de uma base de incidência determinada em IRC); de combate à evasão fiscal, eliminando/reduzindo a possibilidade de um planeamento fiscal abusivo, que o legislador presume poder existir quando determinadas actividades passíveis de serem desenvolvidas a título pessoal são realizadas sob a forma societária; e de mera harmonização europeia, designadamente através das imposições decorrentes do Regulamento (CEE) n.º 2137/85, de 25 de Julho de 1985. Recorde-se que o regime de transparência fiscal foi introduzido pela primeira vez na ordem jurídica portuguesa em 1989, com a entrada em vigor do CIRC. Neste sentido, vide, ainda, acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-6-2016 (processo n.º 01508/13 e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27-3-2012 (processo n.º 05287/12) e de 10-2-2022 (processo 949/09.5BELRS), todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt e Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, página 293. É de salientar ainda que, por força do preceituado no artigo 12.º do CIRC, «as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas». Da conjugação dos preceitos referidos antes decorre que as sociedades ditas “transparentes” (identificadas no artigo 6.º), apesar de excluídas de incidência tributária por os rendimentos dela provenientes não serem tributados na própria pessoa colectiva mas na pessoa dos sócios, desempenham enquanto sociedade «um papel determinante na fixação da matéria colectável», já que esta quantificada nos termos do IRC como se a sociedade o próprio sujeito passivo do IRC. Isto é, a imputação aos sócios imposta pelo artigo 6.º do CIRC é precedida da determinação da matéria colectável segundo o regime próprio das pessoas colectivas. Sobre a determinação da matéria colectável consta no artigo 90.º do CIRC (na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho, atento o preceituado no seu artigo 329.º, n.º 2), sob a epígrafe «Procedimento e forma de liquidação» que: «1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos: a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste; b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada; c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha. 2 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada: a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional; b) A correspondente à dupla tributação económica internacional; c) A relativa a benefícios fiscais; d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º; e) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável. 3 — (Revogado). 4 — Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC. 5 — As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo. 6 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1. 7 — (Revogado) 8 — Relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao montante apurado nos termos do n.º 1 apenas são de efetuar as deduções previstas nas alíneas a) e e) do n.º 2. 9— Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 não pode resultar valor negativo. 10 — Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos nºs 2 a 4. 11 — Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada. 12 — A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.». Ou seja, resulta deste preceito, para o que aqui interessa, que o legislador não impôs qualquer limitação à dedução à colecta no caso dos benefícios fiscais em sede de IRC, excepto, para além da colecta virtual, que, das deduções operadas, não resulte valor negativo, o que está fora de questão na situação sub judice, sendo a imputação das deduções, por força do n.º 5, realizada nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do CIRC. Resulta ainda deste Código, mais concretamente do seu artigo 92.º ( revisto pelo legislador no diploma que aprovou o CFI – vide, artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro), que, no que respeita especificamente ao benefício fiscal que se analisa (SIFEDE II), não há lugar a qualquer correcção, mesmo nas situações em que, por via da aplicação da dedução resulte um valor de imposto a pagar inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse desse benefício [cf. artigo 92.º, n.º 2, al. b)]. Tendo presente o que ficou dito, é de concluir que a questão a resolver está em saber se, impondo a Lei que é a matéria colectável da sociedade transparente determinada nos termos do CIRC que é imputada na esfera jurídica do sócio a título individual, em sede de IRS, e operando as deduções à colecta em momento posterior a essa definição da matéria colectável, a dedução relativa ao benefício fiscal em apreço deverá seguir o regime estabelecido no artigo 78.º do CIRS, incluindo a sua sujeição aos limites consagrados no n.º 7 do referido preceito [nos termos do qual a soma das deduções à colecta previstas nas alíneas c) a h) e k) do n.º 1 (a última dessas alíneas relativa a benefícios fiscais) não pode exceder, por agregado familiar e, no caso de tributação conjunta, após aplicação do divisor previsto no artigo 69.º, os limites constantes das seguintes alíneas: a) Para contribuintes que tenham um rendimento colectável igual ou inferior ao valor do 1.º escalão do n.º 1 artigo 68.º, sem limite; b) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do 1.º escalão e igual ou inferior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o limite resultante da aplicação da seguinte fórmula:€ 1 000 + [€ 2 500 - € 1 000) x [valor do último escalão - Rendimento Coletável] valor do último escalão - valor do primeiro escalão; c) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o montante de € 1 000] ou se, pelo contrário, existirão razões que justifiquem que, nestes casos, essas limitações devam ser afastadas. A resposta, como deixámos já adiantado, para nós, só pode ser no sentido do afastamento ou inaplicabilidade das limitações consagradas no n.º 7 do artigo 78.º do CIRS. Para que se compreenda a razão do entendimento aqui sufragado, importa recordar que, nos termos enunciados na nossa Lei Fundamental, os impostos visam primacialmente a arrecadação de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado ou de outras entidades públicas, a repartição justa dos rendimentos e da riqueza e a redução de desigualdades (artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa – CRP). Porém, para além destas, a tributação prossegue também outras finalidades, designadamente a promoção do desenvolvimento económico e social, constituindo a concessão de benefícios fiscais ou o estabelecimento de regimes preferenciais a investimentos considerados relevantes pelo Estado, medidas directas para e na prossecução da concretização desse objectivo. Um dos mecanismos que o Estado introduziu no ordenamento jurídico para a captação de investimento, entre os vários consagrados de forma especial no CIF, foi o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II, que o legislador qualifica como benefício excepcional exclusivamente reconhecido por razões de interesse público para responder à necessidade do país de promover a competitividade e o investimento empresarial. É precisamente este objectivo que o legislador assume, quer no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 162/14, quer no artigo 1.º do CFI: «O presente decreto-lei aprova um novo Código de Investimento Fiscal e procede à revisão dos regimes de benefícios fiscais ao investimento produtivo e respectiva regulamentação, tendo em vista a promoção da competitividade da economia portuguesa e a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, à criação de emprego e ao reforço dos capitais próprios das empresas». Podemos dizer, em termos gerais, que o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II) especialmente regulado nos artigos 35.º a 42.º do CFI constitui um benefício fiscal que o Estado consagrou perante a necessidade de aumentar a competitividade da economia. Ou seja, o Estado reconheceu ao aumento de competitividade um interesse público superior ao interesse da própria tributação que a consagração do benefício impede (ou limita). Neste sentido, Rui Marques/Sónia Martins, Código Fiscal do Investimento, Anotado e Comentado, Almedina, 2022, página 326. Do regime especial consagrado nos artigos 35.º a 42.º do CFI decorre que o SIFIDE II constitui um sistema que faculta «uma redução fiscal através do reconhecimento do esforço, fazendo com que as despesas com actividades de I&D não sejam um custo mas um investimento e que permitam ao mesmo tempo uma poupança fiscal», uma vez que, para efeitos de SIFIDE II: (i) são dedutíveis as despesas de investigação ou de desenvolvimento realizadas pelo sujeito passivo que se mostram definidas no artigo 36.º e devam ser consideradas relevantes (elegíveis) nos termos do artigo 37.º; (ii) essa dedução é realizada nos termos especialmente previstos no artigo 38.º do mesmo Código, que regula a dedução à colecta, em sede de IRC, do valor correspondente, estipulando o seu n.º 3 que a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código de IRC. Posto isto e revertendo aos factos concretamente apurados nos autos, temos que a Recorrida é sócia de uma sociedade de profissionais nos termos do artigo 6.º, n.ºs 1 e 4, alínea a) do CIRC, portanto é sócia de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, sociedade esta que mencionou no IES/DA relativa ao ano de 2019, no Campo G05, benefícios fiscais passíveis de dedução à colecta no valor de € 66.871,79, a que corresponde o benefício atribuído à sociedade ao abrigo do SIFIDE II no valor de € 165.000,00, com o limite da colecta virtual, ou seja, a colecta que a entidade teria caso houvesse lugar a IRC. Encontrando-se a sociedade enquadrada no regime de transparência fiscal e, por isso, sendo a matéria colectável imputada aos sócios, temos que o benefício fiscal em causa (despesas de investigação e de desenvolvimento, elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II) regulado nos artigos 35º e 38º do Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Dec. Lei nº 162/2014, de 31/10) deve ser incluído no campo 902 do anexo D da declaração modelo 3, por cada um dos sócios e na proporção que lhe seja afecta (artigo 6.º, n.º 3 e 90.º, n.º 2 e 5 do CIRC), que, no caso da Impugnante, ascende ao valor de € 18.008,57. Cremos que esta interpretação não só não ofende o preceituado nos n.ºs 1 e 3 do artigo 6.º do CIRC, como respeita o regime especial consagrado nos artigos 35.º a 42.º do CIF e os fins que determinaram a consagração do benefício fiscal, ou seja, que garantem o prosseguimento do interesse público superior ao da própria tributação que lhe é inerente. E, bem assim, afigura-se-nos mesmo ser a interpretação que se revela mais conforme ao princípio da igualdade constitucionalmente consagrado. Com efeito, entende-se que não ofende o preceituado no artigo 6.º, n.º 1 do CIRC, porque o que neste normativo se impõe é que a matéria colectável seja imputada aos sócios no seu rendimento tributável em sede de IRS, exigência que a nossa interpretação não afronta. Na verdade, não está em questão que a matéria colectável apurada nos termos definidos no artigo 90.º do CIRC tenha de ser imputada aos sócios individualmente, tal como impõe o n.º 1 do primeiro normativo citado, nem que o regime a aplicar à dedução à colecta em que este benefício fiscal se traduz contende com essa imputação, por lhe ser subsequente. Também se entende que é compatível com o artigo 6.º n.º 3 do CIRC, porque nos termos deste normativo e da sua conjugação com o preceituado no n.º 5 do artigo 90.º do CIRC decorre que, no caso das entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal, as deduções à colecta (artigo 90.º n.º 2) são efectuadas nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades transparentes ou, na falta de elementos, em partes iguais. No caso em apreço a dedução que os Recorridos pretendem que lhes seja reconhecida é precisamente a que resulta do acto constitutivo. E entende-se que respeita ainda o regime especial que disciplina os benefícios em investigação e desenvolvimento, por desse regime resultar que a dedução é realizada nos termos do artigo 90.º do CIRC (artigo 38.º, n.º 3 do CFI). Donde, salvo o devido respeito por toda a argumentação aduzida pela Recorrente, a tese que defende não tem suporte na letra da lei, conduz a uma distorção e obstrução dos objectivos prosseguidos pelo legislador nacional e europeu com a consagração do regime de transparência fiscal, determina que o investimento e o sacrifício financeiro inerente a esse regime não se traduzam efectivamente num benefício fiscal e, por último, conduz a situações de desigualdade injustificáveis. Com efeito, a tese da Recorrente não tem suporte na letra da lei porque o que o legislador diz, tendo em vista os objectivos que identificámos, é que o regime de transparência fiscal impõe que a matéria colectável da sociedade apurada segundo o regime do CIRC é imputada na esfera pessoal dos sócios, e não que, posteriormente, após a integração ou englobamento dessa matéria colectável com outros rendimentos dos sócios, só se possam realizar as deduções à colecta previstas em sede de IRS e com os limites aí estabelecidos. E tratando-se de um benefício fiscal concedido a uma sociedade, que opera por dedução à colecta, apenas pelo regime aplicável a essa sociedade se pode realizar a dedução na esfera pessoal dos sócios. Aliás, o legislador terá mesmo pretendido salvaguardar esta especificidade ao determinar que a integração no rendimento do sócio se faz “nos termos da legislação que for aplicável”, que só pode ser a disciplina consagrada de forma especial nos artigos 90.º e 92.º do CIRC e 35.º a 42.º do CIF. Isto, sem prejuízo da tributação incidir, sendo caso disso, conjuntamente com os rendimentos de outros membros do agregado familiar, sendo-lhe, subsequentemente, aplicada a taxa correspondente. A tese da Recorrente também conduz a uma distorção ou obstrução dos objectivos que o regime de transparência visa alcançar, porquanto os objectivos que o legislador quis alcançar com a consagração deste regime ficam substancialmente comprometidos, particularmente o objectivo de neutralidade fiscal, para muitos o seu objectivo estrutural e “edifício teleológico”. E a essa tese implica até que, nestas situações, o investimento em investigação e desenvolvimento não se traduza num benefício fiscal para a sociedade, mas num custo para os sócios pessoas singulares, já que ao sacrifício relativo ao investimento e à “promessa legal” de amplíssima dedução das respectivas despesas, nos termos especialmente previstos nos artigos 35.º a 38.º do CFI, corresponderia, afinal, uma dedução à colecta residual, no caso em apreço, uma dedução de cerca de € 500,00 em vez de cerca de € 18.000,00 ou, eventualmente, até a sua total eliminação. Por fim, a mesma tese conduz a situações de discriminação carentes de justificação legal. Efectivamente, como bem salientou o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, no qual, após defender a não aplicação dos limites dos limites consagrados no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS, sustentou que “o entendimento contrário conduz, de forma inaceitável, a que as sociedades sujeitas ao regime de transparência sejam discriminadas relativamente a todos os outros sujeitos passivos de IRC o que, na falta de justificação cabível, suscita, no mínimo, dúvidas sobre a constitucionalidade de tal interpretação”. E acrescentamos agora nós, conduz até a uma insustentável discriminação em matéria de tributação entre os próprios sócios nas situações em que a sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal tenha como sócios simultaneamente pessoas singulares e pessoas colectivas, uma vez que, a estes últimos, relativamente a um mesmo benefício e ano fiscal, nunca é aplicável a limitação consagrada no citado artigo 78.º, n.º7 do CIRS. É que, o respeito pelo princípio da igualdade, contrariamente ao que alega a Recorrente nas suas conclusões, não pode ser aferido por referência ao confronto entre um sujeito passivo cuja tributação de rendimento se encontra integralmente submetida ao regime consagrado no CIRS e um sujeito passivo, sócio de uma sociedade em regime de transparência fiscal, cuja matéria tributável que lhe é imputável, provém do exercício da pessoa colectiva, é determinada nos termos do CIRC e à qual é reconhecido um benefício fiscal de dedução de despesas (elegíveis) reguladas por um regime especial (CIF), que determina que essa dedução seja realizada nos termos do CIRC. Carece, pois, de sentido, neste contexto, alegar a existência de uma desigualdade entre sujeitos passivos de IRS, por ser seguro que os sujeitos que a Recorrente convoca para comparar não estão numa mesma situação material: os sujeitos passivos pessoas singulares que não são sócios de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal e a quem não foi reconhecido o benefício fiscal, ou seja, que não realizaram as despesas de investimento e desenvolvimento cuja dedução o Estado, sem limites (além dos já salvaguardados), assegurou que seriam efectivadas não é idêntica à das pessoas singulares – sócios de sociedades sujeitas a regime de transparência fiscal a quem foi reconhecido o benefício, investimento que as pessoas colectivas, que a Recorrida integra na qualidade de sócia, confiando na economia fiscal prometida, realizaram. Em suma, se bem vemos, da conjugação dos vários normativos citados, e tendo presente os critérios interpretativos consagrados nos artigos 9.º do CC e 11.º da LGT, há que concluir que, nas situações em que o benefício em I&D é concedido a sociedades imperativamente sujeitas ao regime de transparência fiscal, a sua dedução ocorre na matéria colectável do sócio, em sede de IRS, mas sem a limitação consagrada no artigo 78.º, n.º 7 do CIRS, uma vez que a tal obstam o preceituado nos artigos 90.º e 92.º do CIRC, o disposto no CFI, em especial no seu artigo 38.º n.º 3 e, bem assim, os princípio da igualdade e boa-fé, constitucionalmente consagrados.” – fim de citação. Retornando ao caso dos autos e como decorre da factualidade assente, ponto 1., a Recorrida «BB» é sócia de uma sociedade de profissionais que está sujeita ao regime de transparência fiscal nos termos do artigo 6.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Tal sociedade candidatou-se a incentivo fiscal ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE II) regulado nos artigos 35.º a 42.º do Código Fiscal do Investimento, quanto a investimento total de €200.000,00, tendo sido atribuído pela Agência Nacional de Inovação, à sobredita sociedade, um crédito fiscal na ordem dos €165.000,00 – cfr. pontos 2. e 3. da matéria de facto assente. Ponderando a matéria colectável apurada pela sociedade quanto ao período de 2019, no montante global de €340.260,29, e demais elementos do cálculo de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, o incentivo (dedução à colecta) utilizável nesse período estava limitado a €66.871,79, sendo que, para o ano de 2020 e considerando um montante de matéria tributável de €469.609,27 e demais elementos de cálculo do IRC, o incentivo (dedução à colecta) utilizável nesse período estava limitado a €93.635,05 – cfr. pontos 4. e 6. da factualidade assente. Em 30.06.2021 os Recorridos apresentaram a declaração modelo 3 de IRS para o ano de 2020, tendo apresentado o anexo D – imputação de rendimentos de transparência fiscal relativos ao Sujeito Passivo «BB», respeitantes à sociedade [SCom01...], SROC, Lda., dela constando um resultado liquido imputado ao sujeito passivo no valor de €135.055,55 e um benefício fiscal materializado numa dedução à colecta no valor de €26.928,63 – cfr. pontos 7., 8. e 9. da matéria de facto assente. Assim, constatando-se que a sobredita sociedade está enquadrada no regime de transparência fiscal e, por isso, a matéria colectável é imputada aos sócios, no seguimento da Jurisprudência que aqui demos conta, a dedução do beneficio fiscal em questão ocorre na matéria colectável da Recorrida, em sede de Imposto Sobre o Rendimento da Pessoas Singulares, mas sem a limitação imposta pelo artigo 78.º n.º 7 do Código de Imposto Sobre o Rendimento da Pessoas Singulares, face ao que decorre do disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, assim como ao que resulta do disposto no Código Fiscal do Investimento, em particular no seu artigo 38.º n.º 3 e ao abrigo dos princípios da igualdade e boa-fé, constitucionalmente consagrados. Nos termos do supra exposto, impõe-se negar provimento ao recurso, por não verificado o erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida. *** Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÁRIO: I. A dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do SIFIDE II, quando haja lugar à imputação da matéria colectável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do Código Fiscal do Investimento, não lhes sendo aplicável, o limite estabelecido no artigo 78.º n.º 7 do Código do IRS. *** 3 – Decisão Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, nos termos do disposto no artigo 7.º n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais Porto, 16 de Janeiro de 2025 Virgínia Andrade Cristina da Nova Paulo Moura |