Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00257/12.4BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/24/2025
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA;
EFECTIVAÇÃO DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL;
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA; LEGITIMIDADE PASSIVA;
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório
Nos presentes autos em que é Autora «AA» e Réus o Ministério da Educação e Ciência, o Agrupamento de Escolas ..., «BB», «CC» e «DD», e onde foi admitida a intervenção principal de «EE» e «FF», todos neles melhor identificados, foi proferido, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, Despacho Saneador que absolveu da instância todos os Réus.
Deste vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
I) A Ata da audiência prévia realizada em 15.03.2018 é nula porquanto não reproduz o que na realidade se passou no decurso da Audiência Prévia.
1. Não corresponde à verdade que a audiência prévia teve início às 15h30 (hora marcada e notificada), na presença do Meritíssimo Juiz.
2. Os Senhores Doutores «GG» e «HH» estiveram presentes na referida audiência, em substabelecimento da senhora Dra. «II», pelos poderes forenses conferidos pelos Réu «BB», e, não, em substituição do senhor Dr. «JJ», como redigido.
3. O que foi entregue aos presentes, ao balcão da secretaria daquele Tribunal, pela senhora Escrivã de Direito e na ausência do senhor Meritíssimo Juiz foi um despacho pré-saneador, assim apelidado pelo Meritíssimo Juiz no decorrer da diligencia judicial.
4. No que em particular diz respeito ao requerido pela mandatária da Recorrente não corresponde fielmente à realidade dos factos, por um lado apresenta incorreções na transcrição do requerido e por um lado omite a integralidade do requerido.
5. Omite a declaração expressa dos mandatários das contra-partes presentes de não oposição ao requerido pela mandatária da Recorrente.
6. Não reproduz fielmente o protesto lavrado.
II) OMISSÃO DE PRONÚNCIA:
7. O Mmo. Juiz a quo apenas forneceu às partes um projeto de saneador: Vejam-se as suas palavras, registadas na gravação efectuada:
“Meritíssimo Juiz - Não sei o que pôs na acta mas fica a constar que uma vez que eu estava atrasado fui dando o meu projecto de saneador, fica a constar, fica já a constar, deu um projecto de saneador, fica a constar, deu um projecto de saneador, é isso que está na acta e está aqui a ser gravado (...)”.
8. Após inserir o “projeto de saneador” na Ata, o Mmo juiz a quo não toma mais qualquer decisão sobre esse mesmo “projeto”;
9. Não existe decisão;
10. Há, assim, omissão de pronúncia;
III) FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO:
11. A mandatária da Recorrente ditou para a Ata um requerimento a solicitar a junção de um documento, bem como apresentou resposta às exceções.
12. O Mmo Juiz a quo, em clara violação das garantias de defesa, indeferiu o pedido, sem fundamentação legal para o efeito.
13. O Mmo Juiz a quo não considera o requerimento impertinente, nem dilatório, assim como não dá qualquer justificação para a recusa na junção do documento em causa.
14. O qual, era e é essencial para a boa discussão da causa.
15. Tanto mais que, anteriormente é feita referência expressa ao mesmo.
16. Todo este comportamento do Mmo Juiz a quo foi objeto de protesto apresentado no decurso da Audiência Prévia, o qual consubstancia a arguição de nulidade do ato nos termos do disposto no artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
IV) IMPUGNAÇÃO DO “DESPACHO SANEADOR”:
17. O regime aplicável ao presente processo é o constante do CPTA, na versão publicada pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, com aplicação subsidiária do CPC.
18. A Recorrente não foi notificada, em simultâneo, de todas as contestações apresentadas nos autos.
19. A recorrente apresentou resposta à contestação apresentada pelo Ministério da Educação em que refere expressamente “
1.º A Autora foi notificada, mediante ofício com a referência 004151503, da contestação apresentada
pelo 1.º Réu, Ministério da Educação.
2.º
Ocorre que, já em Fevereiro de 2013 a Autora havia sido notificada desta mesma contestação,
3.º
E, tempestivamente, no dia 20 de igual mês e ano, apresentou resposta, que aqui se invoca e se
dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais.”
20. O referido documento de 20.02.2013 não se encontra junto ao processo.
21. Facto que apenas foi conhecido em momento imediatamente anterior ao início da audiência prévia convocada.
22. No início da audiência a recorrente requereu a junção do documento e pronuncia às excepções.
23. As contra-partes presentes não se opuseram.
24. Surpreendentemente, no decurso da pronúncia às exceções deduzidas pelo 1.º Réu, a mandatária da Recorrente foi interrompida pelo Meritíssimo juiz a quo a advertir que não permitia que se pronunciasse de imediato quanto às exceções,
25. O tribunal a quo violou flagrantemente as disposições legais aplicáveis, praticou atos ilegais, impediu o exercício do contraditório e a inviolabilidade do princípio da igualdade das partes.
26. Parafraseando Miguel Mesquita “Quanto ao dever de sanação, importa dizer que o bom juiz tudo fará para decidir o mérito da causa, tentando ultrapassar, sempre que possível, as falhas existentes ao nível dos pressupostos processuais ou dos requisitos processuais em geral”.
O mesmo autor considera que “mesmo quando a possibilidade de sanação não seja óbvia – ocorre frequentes vezes com o pressuposto da personalidade judiciária – o juiz tudo deverá fazer para contornar habilmente, e na medida do possível, o problema.”
E dá o seguinte exemplo, de aplicação certeira e “ipsis verbis” nos presentes autos:
- “... se for intentada uma ação contra um Agrupamento de Escolas, porque é que não se convida o autor, com base numa aplicação analógica do art. 14º, a chamar ao processo o próprio Estado?” – o mesmo foi afirmado pelo ac. da Relação de Lisboa de 12/06/2008 (Ferreira Lopes) e por Teixeira de Sousa (Teixeira de Sousa – As partes, o Objeto e a Prova na Ação Declarativa, Lisboa, Lex, 1995, p. 20.
27. Como bem se diz no Ac. da Relação de Guimarães de 19-06-2014, (Isabel Rocha):
- “... em face de interesses públicos inerentes à administração da justiça e ao funcionamento das instituições judiciárias, a proteção das partes mais fracas, expostas a eventuais notórias desigualdades de recursos, muitas correções vêm sendo introduzidas no funcionamento do princípio do dispositivo, com vista à prevalência da justiça substantiva sobre a justiça adjetiva. Atribui-se, assim, ao juiz o poder de direção do processo, conferindo-lhe competência para, em superação da omissão da parte, providenciar pelo suprimento dos pressupostos processuais suscetíveis de sanação e convidar as partes a praticar os atos necessários à modificação subjetiva da instância, quando isso se torne necessário”
28. Por força dos princípios da promoção do acesso à justiça, do aproveitamento dos atos e da economia processual, justificava-se o convite ao aperfeiçoamento da petição, uma vez que o único erro verificado diz respeito à identificação da entidade pública que foi demandada.
29. Pelo que se pode concluir que o Tribunal a quo tinha o poder- dever de proferir despacho de aperfeiçoamento da petição quanto à identificação da entidade pública, convidado a Recorrente a suprir a exceção de ilegitimidade e corrigir a mesma.
30. Assim, o tribunal recorrido não deu cumprimento ao dever de providenciar pelo suprimento da exceção dilatória da ilegitimidade, convidando a recorrente a fazer intervir o Estado Português, ocorrendo desta forma uma nulidade processual (195º, nº 1) - Isabel Rocha, ac. do Tr da Relação de Guimarães de 19/06/2014.
31. Mais se reforça que tal imposição (poder/dever) do juiz tanto resulta da aplicabilidade das normas imperativas do CPC em vigor, como resultava igualmente na prática processual civil aplicável pelo código anterior àquele.
32. Este entendimento é de tal sorte pacificado, que se encontra vertido na mais recente e diversificada jurisprudência dos Tribunais Superiores, como são disso exemplo os seguintes acórdãos:
- Ac. do TCA Norte de 20-05.2016 (Frederico Macedo Branco) - processo nº 03154/12.OBEPRT
- Ac. do TCA Norte de 25-05-2012 processo nº 01505/09.3BEBRG
- Ac. do TCA Norte de 28-02-2014 processo nº 01788/09.9BEBRG
- Ac. do TCA Sul de 08-05-2008 processo nº 01509/06
- Ac. do TCA Sul de 22-04-2010 processo nº 05901/10
- Ac. do TCA Norte de 23-01-2015 processo nº 00442/13.1BEPNF Esperança Mealha
- Ac. do TCA Sul de 18-05-2017 processo nº 298/16.2TBELLE PEDRO MARCHÃO MARQUES
- Ac. Da relação de Guimarães (isabel Rocha) - 19-06-2014
33. Pelo exposto é notória a nulidade da decisão/despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo, por falta de cumprimento do disposto no artigo 6.º do CPC, o que se requer com as legais consequências.
34. Porém, mais diz a Recorrente que, mesmo que o Juiz do Tribunal a quo não estivesse vinculado ao poder/dever de gestão processual - o que se não admite - sempre o mesmo teria que cumprir o processualmente estipulado para a diligência de audiência prévia, convocada ao abrigo do disposto no artigo 591.º do CPC.
35. Ocorre que naquela diligência não foi promovido pelo Meritíssimo Juiz a quo qualquer tentativa de conciliação das partes, não tendo sequer as mesmas sido ouvidas quanto às suas pretensões e/ou manutenção ou divergência das suas posições.
36. Pese embora requerido, conforme consta da gravação efetuada, o Tribunal a quo rejeitou à Recorrente a possibilidade de pronúncia quanto às exceções invocadas pelas partes, mormente as apresentadas pelo 1.º Réu, Ministério da Educação.
37. Não permitiu à Recorrente incorporar e juntar aos autos documento - sujeito a não oposição pelas contra-partes presentes - pelo qual é aditada prova e suscitada a intervenção principal do Estado Português.
38. A única preocupação do Tribunal a quo naquela diligência foi garantir que o projecto de decisão de absolvição da instância de todos os Réus se pudesse aplicar de imediato, sem qualquer possibilidade de sanação, aperfeiçoamento ou substituição,
39. Sequer passível de discussão de facto ou de direito pelas partes presentes,
40. No essencial, o Tribunal a quo não realizou qualquer audiência prévia, esta tida como processualmente indispensável para conhecer do mérito da causa em sede de despacho saneador.
41. Não se pode aceitar que o Tribunal a quo suscitou a intervenção principal provocada de dois novos Réus na fase dos articulados, sem se ter pronunciado quanto às exceções deduzidas pelos primitivos Réus, as quais posteriormente, pelos fundamentos aduzido pelo mesmo Meritíssimo Juiz no despacho proferido, ditaram a absolvição de todos os réus demandados (primitivos e chamados).
42. No fundo, o que o Tribunal a quo encetou foi a prolação de uma decisão puramente formalista, surpresa, sem qualquer estudo prévio do processo,
43. O que lhe é vedado, atenta a regra preclusiva do conhecimento ulterior da matéria de exceção, pelo que, também com base nestes fundamentos, o despacho proferido é nulo, com as legais consequências.
44. Admitindo-se - apenas em tese - que o Ministério da Educação não tem personalidade judiciária, mas sim o Estado - esse erro é suprível, contrariamente ao apreciado pelo Meritíssimo Juiz a quo no despacho recorrido.
45. A exceção dilatória de falta de personalidade judiciária ou falta de legitimidade é sempre suprível pelo convite ao aperfeiçoamento da petição inicial (artigo 88.º, n.º 2 do CPTA).
46. Princípio pro actione que o Juiz a quo não colocou em funcionamento, como lhe é imposto (artigo 7.º CPTA)
47. Assim se lê, no Acórdão proferido pelo TCA Norte, datado de 20.05.2016:
“II – Não se poderá afirmar, mesmo em sede de Acções Administrativas Comuns, sem mais, que a legitimidade do demandado é insanável e que tem sempre como consequência necessária a sua absolvição da instância, atenta até a circunstância de no caso apreciado se estar perante um litisconsórcio passivo, o que determinará que o tribunal deva previamente exercer o seu poder/dever de convidar ao aperfeiçoamento da petição, em homenagem ao principio pro actione (Art.º 7.º CPTA). (...) Neste quadro legal, impunha-se ao Tribunal a quo que, previamente à decisão de absolvição da instância, tivesse sido convidada a autora a suprir esse obstáculo, apresentando nova petição inicial”.
48. Também com este fundamento, o despacho recorrido é nulo, por irregularidade insuprível susceptível de influir no exame e decisão da causa e, por isso, constitui uma nulidade, nos termos do artigo 201.º, n.º 1 do CPC, por força do artigo 1.º do CPTA, que acarreta a nulidade da sentença exarada pelo Tribunal a quo, nulidade que se argui.
49. Mesmo que assim senão entenda, sem prescindir, sempre se dirá que, mal julgou o Tribunal a quo a dar como verificada a exceção de falta de personalidade judiciária do Ministério da Educação e do Agrupamento de Escolas ..., tida como uma “exceção dilatória insuprível”.
50. Conforme vertido na petição inicial, o reconhecimento do direito que a Autora se arroga e a responsabilidade pelo pagamento das quantias ali peticionadas está intimamente relacionada e dependente, por um lado de atos praticados e, por outro lado, de omissões praticadas por todos os Réus, sendo todos solidariamente responsáveis.
51. Esses atos e omissões dos Réus contendem diretamente com a existência do direito da recorrente e da obrigação de pagamento das quantias peticionadas, que emanam, nomeadamente, das normas impostas pelo RCTPNF, pela Portaria N.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro, pela Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, Lei n.º 12-A/008, de Fevereiro, pelo Código do Trabalho, Lei Regulamentar do Código do Trabalho, Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro e pela Lei processual civil.
52. Não pode haver dúvidas que a Recorrente tem direito a uma decisão expressa por parte da Administração que qualifique a sua situação jurídica de emprego, mais especificamente, que defina a duração e qualificação do seu vínculo contratual,
53. Pelo que, não restam dúvidas que o Ministério da Educação e Ciência tem personalidade judiciária e é parte legítima na ação.
54. Mas mesmo que assim não fosse - tese meramente académica - sempre deveria aplicar-se o disposto no n.º 4, do artigo 10.º da CPTA que impõe que se considere regularmente proposta a acção quando na petição inicial tenha sido indicado como demandada o órgão que praticou o acto impugnado ou perante o qual tenha sido formulado a pretensão do interessado,
55. Considerando-se, nesse caso, a ação proposta contra a pessoa coletiva de direito público, ou no caso do Estado, contra o Ministério a que o órgão pertence, o que não foi feito.
56. Assim, ao ser intentada contra o Ministério da Educação e Ciência, tem de entender-se como interposta contra o Estado Português, pois este é o órgão sobre o qual também recai o dever de praticar o ato de reconhecimento dos direitos invocados pela Recorrente e, bem como, o dever de praticar o ato de atribuição dos pagamentos, compensações e indemnizações peticionadas.
57. Ao abrigo do disposto nos artigos 10.º, n.ºs 2 e 4, artigo 11.º, n.º 2, ambos do CPTA e n.º 1 do artigo 20.º do CPC, devia o Ministério da Educação e Ciência ter sido considerado parte legitima na presente ação e, por conseguinte, dotado de capacidade jurídica e judiciária, o que não aconteceu.
58. Pelo que, por via disso, deve ser revogado o despacho proferido.
59. Destaca-se o vertido no seguinte Acórdão do TCA Norte, datado de 22.02.2007:
“II – Quando a responsabilidade pelo pagamento das quantias peticionadas está intimamente relacionada e dependente da prática de um ato administrativo por parte da entidade administrativa demandada originalmente, esse ato contende diretamente com a existência da obrigação de pagamento das quantias peticionadas (...) e, portanto, não poderia deixar de ser demandado o Ministério da Educação na presente ação.”.
V) Por tudo quanto vai dito, dúvidas não podem restar que mal andou o Tribunal a quo, em violação do disposto nos artigos 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 20.º, 154.º, 195.º, n.º 1, 201.º, 552.º, 569.º, 591.º, 607.º, 615.º do CPC, 369.º, 371.º, 372.º do CC, 1.º, 7.º, 10.º, 11.º, 35.º 37.º do CPTA (lei 15/2002, de 22 de fevereiro) Portaria N.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro, pela Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, Lei n.º 12-A/008, de Fevereiro, pelo Código do Trabalho, Lei Regulamentar do Código do Trabalho, Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser declarada nula a acta e a audiência prévia realizadas, com as legais consequências; ainda que assim se não entenda, sempre deverá ser revogado o despacho posto em crise, também com as legais consequências;
Com o que farão a costumada e esperada JUSTIÇA!

«CC» e «EE» juntaram contra-alegações e concluíram:

1. Em sede de despacho saneador foi determinado a absolvição da instância, entre outros, dos aqui Recorridos, «CC» e «EE».
2. Os fundamentos que motivaram a douta decisão do Exmo. Sr. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela assentaram, essencialmente, na ilegitimidade de todos os Réus demandados na acção, com o n.º 257/12.4BEMDL, que corre termos no tribunal supra-referido.
3. Entretanto, a Autora, não se conformando com a decisão em causa, recorreu da mesma.
4. Nas suas alegações invocou diversos argumentos para questionar a decisão tomada em 1.ª instância, designadamente a nulidade da acta da diligência realizada em 15/03/2018, a existência de uma omissão de pronúncia, falta de fundamentação e também impugnando o despacho saneador.
5. Ora, entendem os aqui recorridos que a decisão, tomada em sede de despacho saneador é correcta, logo não deve ser modificada em instância recursiva, ou pelo menos modificada na parte concernente aos aqui recorridos.
6. Na realidade, das diversas excepções suscitadas pelos aqui recorridos nas suas contestações, que determinariam a absolvição dos mesmos da instância ou do pedido (consoante a excepção em concreto) entendeu, e bem, o Exmo. Sr. Juiz a quo que os aqui recorridos careciam de legitimidade passiva para serem demandados na presente acção.
7. Efectivamente, a Autora/Recorrente, na petição inicial apresentada, não concretizou, especificou uma causa de pedir necessária à efectivação de responsabilidade civil extracontratual, ou seja, não identificou as supostas acções ou omissões ilícitas que tenham sido executadas pelos aqui recorridos (Réus na acção que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela) enquanto membros de um órgão do Estado.
8. Logo se não está em causa, como correctamente defendeu o Exmo. Sr. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, uma responsabilidade extracontratual, só sobeja a possibilidade de se efectivar a responsabilidade, dos Réus, pela via contratual.
9. Ora tal responsabilidade, contratual, apenas pode ser imputada à pessoa colectiva pública com a qual a Autora/Recorrente formalizou a relação contratual, nunca às pessoas físicas que celebraram o contrato não em seu nome, mas sim no nome e exclusivo interesse da pessoa colectiva em apreço, ou seja o Estado Português.
10. Assim bem andou o Exmo Sr. Juiz “a quo” em ter considerado partes ilegítimas na acção em apreço aos aqui recorridos/réus, absolvendo-os da instância.
11. Decisão que se deverá manter, seja por estar validamente decidida e fundamentada em sede de despacho saneador, seja, porque a recorrente, «AA», não se ter pronunciado em sede de recurso relativamente à declarada ilegitimidade dos aqui recorridos.
12. Na realidade, a recorrente nada diz, não se pronuncia, não impugna nas suas alegações e conclusões para o Tribunal Central Administrativo do Norte, quanto à também consideração dos aqui recorrentes como partes ilegítimas, o que permite, com alguma certeza, concluir que se conformou, assentiu na decisão proferida em sede de despacho saneador na parte em que se considera os aqui recorridos, «CC» e «EE», como partes ilegítimas para a presente demanda.
13. Assim, independentemente de eventuais questões formais que possam inquinar a decisão proferida em 15 de Março de 2018, a parte da decisão que considerou os aqui recorridos como partes ilegítimas transitou em julgado, consolidou-se definitivamente.
PORÉM, FARÃO
JUSTIÇA

O Senhor Procurador Geral Adjunto não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

Fundamentos
O Despacho recorrido ostenta o seguinte discurso fundamentador:
(…)
O Ministério da Educação e Ciência suscitou a exceção de falta de personalidade jurídica por entender que, estando em causa uma ação para efetivação de responsabilidade, esta deve ser interposta contra o Estado.
A Autora não se pronunciou.
Cumpre apreciar.
Estabelece o artigo 10.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que “cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida”.
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo preceito legal estabelece que:
“Nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais, em que parte demandada é o ministério ou ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”.
Na petição inicial, a Autora demanda, conjuntamente com outras entidades, o Ministério da Educação e Ciência, por pretender imputar-lhes a responsabilidade civil pelos danos sofridos com trabalho efetivamente prestado e não remunerado. Subsidiariamente fundamenta as suas pretensões em enriquecimento sem causa por parte dos Réus.
Das citadas disposições legais, decorre que a regra geral em matéria de legitimidade processual passiva é a que consta do artigo 10.º n.º 1, sendo que a regra constante do n.º 2 desse mesmo preceito legal dispõe sobre a legitimidade processual passiva no caso de ações de impugnação e de condenação à prática de atos jurídicos ou operações materiais próprias dos órgãos em causa.
Assim, a exceção consagrada neste último dispositivo legal não abrange as ações de responsabilidade civil previstas no artigo 37.º n.º 1 alínea f) ou i) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, devendo estas ser interpostas contra o Estado, que se faz representar em juízo pelo Ministério Público (artigo 11.º n.º 2 do mesmo Código).
Neste sentido, pode ler-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.06.2014, proferido no processo n.º 00748/12.7BEAVR (disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf?OpenDatabase):
“I – A personalidade e a capacidade judiciárias, são qualidades pessoais das partes, ao passo que a legitimidade tem a ver com a posição relativa das partes face à relação material controvertida tal como a mesma é configurada pelo autor na petição inicial.
II – O art.º 10.º, n.º 2 do CPTA atribui personalidade judiciária às pessoas coletivas de direito público, estabelecendo, porém, no que à pessoa coletiva Estado respeita, uma importante restrição ao princípio da coincidência, atribuindo personalidade judiciária aos ministérios a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
III – Para as ações que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade em que seja parte o Estado, só este detém personalidade judiciária para ser demandado como réu, atento o disposto no art.º 11.º, n.º 2 do CPTA.
IV – Nas ações baseadas em contratos, o núcleo essencial da causa de pedir é constituído pela celebração de certo contrato gerador de direitos.
V – Está-se perante uma ação que tem por objeto relações contratuais quando as pretensões cuja tutela as autoras pretendam ver judicialmente reconhecidas, emergem da celebração de contratos de trabalho a termo e da sua cessação por caducidade.
VI – Em tais situações, a competente ação administrativa comum deve ser instaurada contra a pessoa coletiva Estado e não contra um seu ministério.
VII – Verificada a falta de personalidade judiciária do réu, o mesmo tem de ser absolvido da instância.”
Ora, no caso dos autos, pretendendo a Autora a efetivação de responsabilidade civil, peticionando o pagamento de quantias a título de ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, a ação deve ser instaurada contra o Estado e não contra o Ministério da Educação e Ciência e o Agrupamento de Escolas ..., que não possuem personalidade judiciária nem legitimidade processual passiva para a ação.
A falta de personalidade judiciária e de legitimidade processual configuram uma exceção dilatória insuprível, que conduz à absolvição da instância.
Assim, julga-se verificada a exceção de falta de personalidade judiciária e ilegitimidade passiva do Ministério da Educação e Ciência, bem como do Agrupamento de Escolas ..., e, em consequência, absolvem-se estas entidades da instância.

*
Importa ainda apreciar a legitimidade passiva das pessoas singulares que, com fundamento no exercício de funções no Conselho de Administração do estabelecimento de ensino, a Autora demandou na presente ação.
A este propósito, importa precisar se a responsabilidade civil que se pretende efetivar na presente ação é contratual ou extracontratual.
Ora, embora a Autora invoque a aplicação do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31.12, a verdade é que não concretiza uma causa de pedir adequada à efetivação de responsabilidade civil extracontratual.
De facto, na sua petição inicial, a Autora formula pedidos de condenação dos Réus com fundamento em danos sofridos com o trabalho efetivamente prestado e não remunerado, o que configura uma especificação de causa de pedir exclusivamente adequada à responsabilidade civil contratual. Ou seja, nada se mostra alegado que concretize a causa de pedir adequada à responsabilidade extracontratual.
Assim, por faltar a causa de pedir em relação à efetivação da responsabilidade extracontratual, só poderá entender-se que a ação está exclusivamente configurada como efetivação da responsabilidade contratual.
Vem esta questão a propósito da apreciação da legitimidade processual passiva das pessoas singulares demandadas pela Autora.
Ora, uma vez que, pelos motivos expostos, está em causa a efetivação de responsabilidade contratual, não pode a Autora pretender assacar qualquer tipo de responsabilidade às pessoas singulares que, para estabelecimento de uma relação contratual com a Autora, atuaram exclusivamente em representação da pessoa coletiva Estado, e nunca em nome próprio ou no seu próprio interesse.
Nesta medida, a alegada responsabilidade contratual que a Autora pretende efetivar apenas pode ser imputada à pessoa coletiva pública com a qual estabeleceu a respetiva relação contratual - que no caso é o Estado, como se deixou expresso - e nunca às pessoas físicas que celebram o contrato em nome e no exclusivo interesse da tal pessoa coletiva.
Nesta medida, as pessoas físicas demandadas pela Autora não podem ser consideradas partes legítimas na presente ação.
Por este motivo, julga-se verificada a exceção de ilegitimidade passiva dos Réus «BB», «CC» e «DD» que, em consequência, são absolvidos da instância.

X
O Tribunal a quo proferiu ainda este Despacho:

Requerimento que antecede, a fls. 495 do SITAF:

Visto.

Desentranhe-se o requerimento em questão e remeta-se ao seu subscritor.

D.N.


*

Requerimento de fls. 487 do SITAF:

Visto.
Tal questão encontra-se precludida, uma vez que a ata em questão, incorporada em 21.03.2018, se encontra já assinada e disponível para consulta.
De resto, querendo, sem prejuízo do que infra se dirá em relação à recorribilidade e contabilização de prazos para recurso, em casos como o presente, poderia o ilustre mandatário da Autora ter procedido à audição (disponível de imediato) da diligência em questão, da qual a acta será a redução a escrito. Tanto mais que, fora o que ali foi verbalizado, tinha na sua posse o despacho saneador, em suporte papel (fornecido pelo tribunal logo no início da audiência).
Ainda assim, dirigiu o presente requerimento ao processo em 23.03.2015, 08 (oito) dias após a realização da audiência em questão e 2 (dois) dias depois de a mesma estar incorporada no SITAF.
Sem mais considerações porque desnecessárias, indefere-se, pois, o requerido, mormente no tocante à eventual “suspensão de prazos em curso”, nos termos do disposto no artº 638, nº 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artº 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Custas do incidente, que se fixam no mínimo (0,5 U.C.).

Notifique.
A Autora recorreu também desta Decisão.
Alegando, concluiu:
1. Com data de 23 de Março de 2018, por transmissão eletrónica de dados, através do sistema informático SITAF, a Recorrente apresentou requerimento nos autos, peticionando, sumariamente, o seguinte: “Requer a V. Exa.: - Se digne ordenar que se proceda à imediata disponibilização à Autora da referida acta de audiência prévia e documentos que a acompanham, requerendo a remoção de qualquer obstáculo existente no que à sua elaboração diz respeito;
2. O Sr. Juiz indeferiu a pretensão e tece considerações que, no entender da Recorrente, podem por em causa e colidir com os fundamentos do recurso entretanto interposto relativamente à decisão que conheceu do mérito da causa; Além de que, no despacho em causa constam afirmações que contrariam aquilo que o próprio Sr. Juiz ditou para a ata;
3. Há incongruências no despacho recorrido relativas à data da sua execução e posterior notificação;
4. O Sr. Juiz confunde a funcionalidade da gravação com a eficácia e função da ata.
5. Contrariamente à gravação, a ata constitui o ato processual por excelência de cujo conteúdo é possível reclamar, recorrer ou conformar-se.
6. Ao escrever no despacho recorrido que: “Tanto mais que, fora o que ali foi verbalizado, tinha na sua posse o despacho saneador, em suporte de papel (fornecido pelo tribunal logo no início da audiência)”.
O Sr. Juiz contradiz-se relativamente ao que expressamente ditou para a ata da audiência prévia. Na verdade, conforme consta da gravação áudio disponibilizada pelo sistema informático SITAF, o Mmo. Juiz forneceu às partes um “projeto de saneador”:
7. A disponibilidade e visualização da ata da audiência prévia às partes apenas ocorreu após a assinatura do Sr. Juiz;
8. O requerimento apresentado não constitui manobra dilatória, foi devidamente justificado e apresentado em momento oportuno porquanto, até aquela data, não havia sido disponibilizada às partes a ata da audiência prévia. Pelo que, não deve haver lugar à aplicação de multa;
9. O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 131.º n.º 3, 153.º, n.º 3, 155.º, 615 n.º 1 c), todos do Código Processo Civil,

Nestes termos deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se o despacho recorrido, com as legais consequências.

E assim se fará justiça.

Neste âmbito não foram apresentadas contra-alegações.
X
Do Despacho Saneador -
Os fundamentos que motivaram a decisão do TAF de Mirandela assentaram, essencialmente, na ilegitimidade de todos os Réus presentes na acção em apreço.
A Autora suscita diversos argumentos para questionar a decisão tomada em sede de 1.ª instância, mormente invocando a nulidade da acta da diligência realizada em 15/03/2018, omissão de pronúncia, falta de fundamentação, para além de impugnar o despacho saneador.
Vejamos,
A questão da alegada falsidade da acta ficou decidida no despacho de 03/12/2024 que rejeitou o recurso nessa parte.
Da nulidade da decisão proferida -
Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.

Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº 1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

Já a nulidade da alínea c) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
E a omissão de pronúncia está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia verificar-se-á quando exista (apenas quando exista) uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Este vício relaciona-se com o comando ínsito na 1ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras - cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra 1984 (reimpressão) e os Acórdãos do STA de 03/07/2007, proc. 043/07, de 11/9/2007, proc. 059/07, de 10/09/2008, proc. 0812/07, de 28/10/2009, proc. 098/09 e de 17/03/2010, proc. 0964/09, entre tantos outros.

Questões, para este efeito, são, pois, as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes - v. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, pág. 112 e Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220/221.

Por seu turno, a nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando na decisão se conhece de questão que não foi suscitada por qualquer uma das partes, nem pelo Ministério Público, e não é do conhecimento oficioso.

É a violação do dever de não conhecer questões não suscitadas pelas partes, em razão do princípio do dispositivo alicerçado na liberdade e autonomia das partes, que torna nula a sentença, por excesso de pronúncia.

Na jurisprudência, sobre esta temática, vide, entre outros, os Acórdãos deste TCAN, de 30/03/2006, proc. 00676/00 - Porto, de 23/04/2009, proc. 01892/06.5BEPRT-A e de 13/01/2011, proc. 01885/10.8BEPRT, dos quais retiramos as seguintes coordenadas:

Ocorre excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, conhece em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.

A delimitação do âmbito sancionatório da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC exige que se distinga entre questões e fundamentos, dado que, se a lei sanciona com a nulidade o conhecimento de nova questão (porque não suscitada nem de conhecimento oficioso), ou a omissão de conhecimento de questão suscitada (ou de conhecimento oficioso), já não proíbe que o julgador decida o mérito da causa, ou questões parcelares nela suscitadas, baseando-se em fundamentos jurídicos novos;

Questões, para esse efeito sancionatório, repete-se, serão todas as pretensões formuladas pelas partes no processo, que requeiram a decisão do tribunal, bem como os pressupostos processuais de ordem geral, e os específicos de qualquer acto especial, quando debatidos entre elas.

Efectivamente, como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte), ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer.

Assim, somente haverá nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, quando o juiz tiver conhecido de questões que as partes não submeteram à sua apreciação, de que não pudesse conhecer, exceto se forem de conhecimento oficioso.

Retomando o caso posto não se vislumbra que a decisão proferida padeça de qualquer nulidade.
Conforme jurisprudência pacífica, a nulidade da sentença só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta, tal como se entendeu, designadamente, no Acórdão do TCAS de 07/11/2019, proferido no processo n.º 315/07.7 BELRA, onde se sumariou:
“ I - Com a fundamentação da decisão judicial visa-se exteriorizar o raciocínio decisório e as correspondentes razões - factuais e legais - que estão na base daquele raciocínio, para que as partes possam compreender a motivação da decisão proferida e sindicar a sua correção, caso assim entendam. Visa a fundamentação, ainda, permitir o controlo decisório, em caso de recurso;
II - O juiz não tem que rebater e esmiuçar todos os argumentos e alegações avançados pelas partes, bastando-lhe, para cumprimento do dever de fundamentação, pronunciar-se sobre as concretas questões em litígio, demonstrando que as ponderou. Da mesma forma, tem o juiz que especificar todos os factos alegados e que têm relevo para a decisão, mas não tem que discriminar ou considerar os restantes factos invocados pelas partes, que não tenham relevância na decisão a tomar;
III - Só o incumprimento absoluto do dever de fundamentação conduz à nulidade decisória.”
Depois, a nulidade de decisão por omissão de pronúncia apenas ocorre quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre alguma questão que as partes tenham submetido à sua apreciação e já não quando o mesmo não se ocupa ou não tem em consideração eventuais factos, ou argumentos e razões, que as partes tenham invocado em abono do seu ponto de vista.
In casu, os fundamentos de facto e de direito que sustentam a decisão estão enunciados, de forma percetível. E note-se, não se poderão confundir as questões nucleares que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, de facto ou de direito, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão.
E as questões foram suficientemente apreciadas.
Deste modo, desatende-se esta argumentação da parte.
E o que dizer do mérito do saneador-sentença?
Neste campo há que distinguir os diversos intervenientes processuais.
Assim, é de manter a decisão recorrida quanto à absolvição da instância do Agrupamento de Escolas por falta de personalidade judiciária.
Efectivamente, pretendendo a Autora a efetivação de responsabilidade civil, peticionando o pagamento de quantias a título de ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, o Agrupamento de Escolas ... não possui personalidade judiciária nem legitimidade processual passiva para a ação.
A falta de personalidade judiciária e de legitimidade processual configuram uma exceção dilatória insuprível, que conduz à absolvição da instância, como acabou por ser ditado.
E o mesmo se diga da decisão recorrida quanto à absolvição da instância, por ilegitimidade passiva, das pessoas singulares, por não serem parte da relação jurídica controvertida - o contrato celebrado com a Autora -.
Todavia já não se corrobora o segmento decisório atinente à absolvição da instância do Ministério.
Com efeito, já no domínio do CPTA anterior à alteração de 2015 se reconhecia personalidade judiciária aos ministérios. Seria, mesmo, uma incongruência reconhecer-se-lhes legitimidade passiva (n.º 2 do artigo 10º tanto na redacção anterior como na posterior a 2015) sem se lhes reconhecer personalidade judiciária.
A legitimidade passiva (possibilidade de ser demandado num caso concreto) pressupõe logicamente a personalidade judiciária (possibilidade em abstrato de ser demandado, por si próprio).
No caso concreto a decisão recorrida até é incongruente. Diz que não se trata de responsabilidade extracontratual, caso em que seria parte legítima o Estado, mas antes de responsabilidade contratual, para depois concluir que devia ter sido o Estado a ser demandado.
Ora se a responsabilidade em causa é contratual, a outra parte no contrato celebrado com a Autora, ou seja, a parte que se lhe opõe na relação material controvertida é a Escola Secundária ....
Porém, como esta não tem personalidade judiciária, nem o Agrupamento de Escolas, a Entidade que detém personalidade judiciária e, assim, legitimidade passiva no presente processo é precisamente quem foi demandado, isto é, o Ministério da Educação e Ciência.
Resulta do artº 11º do CPC, sob a epígrafe "Conceito e medida da personalidade judiciária" (aplicável ex-vi artº 1º do CPTA) que "a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte" (nº 1) sendo que, quem "tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária” (nº 2).
Temos, assim, que a personalidade jurídica se traduz na aptidão para ser titular autónomo de relações jurídicas e que as pessoas colectivas são organizações constituídas por uma colectividade de pessoas, que propendem a realização de interesses comuns ou colectivos, às quais a ordem jurídica atribui personalidade jurídica.
Consiste, pois, na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das medidas de tutela jurisdicional reconhecida na lei, sendo que o critério geral fixado no nº 2 do artº 11º do CPC para saber quem tem personalidade judiciária, corresponde a um critério de correspondência (coincidência ou equiparação) entre a personalidade jurídica (capacidade de gozo de direitos) e a personalidade judiciária, valendo esta equiparação, quer para pessoas singulares, quer colectivas (de direito público ou privado) - cfr. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, pág. 108.
Na hipótese vertente, repete-se, está em causa a efetivação de responsabilidade contratual, pelo que, a outra parte no contrato celebrado com a Autora, ou seja, a parte que se lhe opõe na relação material controvertida só pode ser o Ministério da Educação e Ciência, atenta a falta de personalidade judiciária da Escola Secundária ... e do Agrupamento de Escolas.
DECISÃO
Termos em que:

a) Se mantém a decisão recorrida quanto à absolvição da instância do Agrupamento de Escolas, por falta de personalidade judiciária;

b) Se mantém a decisão recorrida quanto à absolvição da instância, por ilegitimidade passiva, das pessoas singulares;

c) E, quanto à absolvição da instância do Réu/Ministério, revoga-se a decisão recorrida e determina-se a remessa dos autos ao TAF para prosseguimento dos seus termos, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.
Notifique e DN.
Porto, 24/01/2025

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães, com o seguinte Voto de vencido: propenderia a concordar com a fundamentação vertida no Acórdão, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 8.º-A do CPTA, tendo subjacente que estamos perante, não uma questão de ilegitimidade passiva, mas de falta de personalidade e capacidade judiciária por parte do Ministério da Educação [sendo que o Agrupamento de Escolas é um seu mero serviço ou departamento], no pressuposto de que quem devia ter sido demandado era o Estado Português. Porém, porque esta disposição apenas foi introduzida no CPTA em 2015, por via do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro de 2015, que só é aplicável, nos termos do seu artigo 15.º, n.º 2, aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor [o que ocorreu em vigor a partir de 01 de dezembro de 2015], julgaria assim que a decisão de absolvição da instância, sob recurso, não merece censura, por não ser passível de sanação a alteração do demandado.”