Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00419/12.4BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 02/17/2022 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | Paulo Moura |
| Descritores: | SUJEIÇÃO DE ENTIDADE PÚBLICA A IRC |
| Sumário: | Uma associação de municípios que desenvolva uma atividade comercial ou industrial, a título principal ou ainda que a título secundário, não está isenta de IRC, na medida em que o CIRC, não distingue entre atividade principal ou secundária para efeitos de tributação. |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: A FAZENDA PÚBLICA interpõe recurso da sentença que julgou procedente a Impugnação deduzida pela «X..» contra a liquidação de IRC do ano de 2010, no valor de € 57.231,89, por entender que o Tribunal a quo faz uma errada interpretação e subsunção da lei ao caso em apreço. Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: A. Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de ERRO DE JULGAMENTO EM MATÉRIA DE DIREITO quanto à interpretação e aplicação do artigo 9º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC. B. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2010 no valor de € 57 231,89. C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento em matéria de direito, considerando que o Tribunal a quo faz uma errada interpretação e subsunção da lei ao caso em apreço, pois contrariamente ao julgado procedente, entende a Fazenda Pública, que não goza a recorrida, da isenção prevista no artigo 9º alínea b) do Código do IRC. D. A L.., ora impugnante, é uma pessoa colectiva de direito público , constituída como Associação de Municípios deI, II, III, IV, V, VI, VIIeVIII, através de escritura pública outorgada em.11.19, cfr. estatutos da X.. publicados no D.R. n.º de..19, III Série, fls. 17216 a 17221 e republicados no D.R. n.º de..20, III Série, fls. 12158 – (24) a 12158-(29). E. De acordo com o artigo 2º dos Estatutos da Impugnante republicados no D.R. n.º de..20, III Série “1. A associação tem por objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. 2. A associação pode ver ampliado aquele seu objecto imediato e vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com excepção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos directamente por eles. 3. Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se: a) Ao tratamento de resíduos sólidos; b) Ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares; c) À exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto.(…) F. O thema decidendum, radica em saber se a ora recorrida se encontrava abrangida pelas isenções vertidas nas alínea b), do n.º1, do artigo 9º, à data da liquidação de IRC ora controvertida. G. A ora recorrida, sustenta, beneficiar da isenção prevista no artigo 9º, alínea b) do Código do IRC. H. A actividade de gestão de resíduos hospitalares é uma actividade comercial. I. É própria impugnante/recorrida, que admite na douta petição inicial, o exercício de actividade empresarial ““(…) Tendo em conta que a actividade empresarial da X.. se resume à recolha e tratamento de resíduos hospitalares, bem se percebe também, como já dissemos, que os respectivos (e eventuais lucros só sejam possíveis porque a X.. aproveita todo Know How e uma estrutura montada para a sua actividade principal de serviço público,(..) (…) Ademais, os proveitos resultantes desta actividade empresarial acessória são sempre aplicados no desenvolvimento das condições em que é levada a cabo a actividade principal.(…)” J. A isenção de IRC das associações de municípios está condicionada ao carácter não comercial, industrial ou agrícola de quaisquer actividades por elas desenvolvidas, independentemente de serem desenvolvidas a título principal ou acessório. K. O artigo 9º alínea b) do Código do IRC, refere o exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, sem distinguir se se trata de uma actividade exercida a título principal ou a título acessório. L. Para efeitos de enquadramento na isenção de IRC prevista no artigo 9º, do Código de IRC, releva o não exercício das actividades ali discriminadas e não o destino (distribuição de lucros /investimento na actividade principal) ao resultado obtido pelo exercício dessas actividades. M. Mais, se o legislador tivesse pretendido distinguir o exercício a título principal do exercício a título acessório, das actividades previstas no artigo 9º n.º 1 alínea b), para efeitos de aplicação da isenção aqui prevista, certamente o teria dito tal como o fez para as pessoas colectivas de mera utilidade pública, cfr. artigo 10º n.º 1 alínea c) , que passamos a citar:“ 1.Estão isentas de IRC: (…) c) As pessoas coletivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, ou de caridade, assistência ou beneficência , solidariedade social ou defesa do meio ambiente.(…)” N. Decorre, implicitamente, da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.ºdo CIRC, que basta o exercício de uma das actividades ali elencadas, seja a título principal, seja a título acessório para que a associação de municípios não se mantenha abrangida pela isenção aqui prevista. O. Atento o exposto entende a Fazenda Pública, que a recorrida não preenche os requisitos de incidência subjectiva para beneficiar da isenção automática prevista na alínea b) do artigo 9º do Código do IRC. P. Deste modo, é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença não poderá manter-se, sendo imperioso que se conclua pela improcedência da impugnação judicial, por não estar a liquidação ora em apreço ferida de qualquer ilegalidade, sendo que esta por ser legal, deverá manter-se na ordem jurídica. Assim, decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de ERRO DE JULGAMENTO EM MATERIA DE DIREITO quanto à interpretação e aplicação da lei ao caso em apreço, designadamente, enquadrando a recorrida na isenção prevista na alíneas b), do n.º 1 , do artigo 9º do Código do IRC Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências. A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma: A. Inconformada com a decisão a Fazenda Pública interpôs o presente recurso, a cujas alegações se apresenta agora resposta. B. Entende a recorrida que a decisão de que vem interposto o presente recurso não merece censura, não lhe sendo imputável qualquer erro de julgamento de direito, por a mesma se encontrar em conformidade com as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 123º do CPPT e pelos nºs 2 e 3 do artigo 659º do CPC, ou, bem assim, qualquer nulidade das previstas no artigo 125º do CPPT e no artigo 668º do CPC.. C. Pelo contrário, a recorrente limitou-se a uma vez mais reiterar aquele que é o seu posicionamento originário - impugnado - face às questões jurídicas suscitadas. D. A Fazenda Pública limitou-se, enfim, a repetir nesta sede, os mesmos dogmas ou preconceitos que já tinha tomado públicos no relatório que fundamenta o acto tributário impugnado, basicamente assentes em falsos pressupostos, num incompreensível desconhecimento da matéria de facto e numa profunda ignorância do alcance das funções e do serviço públicos. E. A respeito da questão central dos presentes autos, a de saber se a X.. exerce ou não, a título principal, uma actividade comercial e industrial, o Tribunal a quo não hesita em responder negativamente. E fá-lo com a consciência de que, como consta dos estatutos da Impugnante publicados em Diário da República e não colocado em causa pela AT, o objecto imediato da X.. é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados e por outras entidades que a associação venha admitir, bem como a gestão, manutenção e 5 desenvolvimento das infra-estruturas necessárias pata o efeito; assim sendo, a actividade exercida pela X.. tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos reveste natureza eminentemente dum serviço público - vulgarmente designado de recolha e tratamento de lixo urbano - pois, a circunstância de tal actividade poder ser exercida por privados (o que não é o caso), não retira esse carácter de serviço público (pelo menos, no sentido de utilidade pública). F. Ora, assim não pensa a recorrente, que coloca a noção de "actividade exercida a título principal' no centro das soluções que propõe: todo o Direito a que a recorrente recorre - uma vez estabelecida a sua posição de não aplicação à X.. da isenção de IRC - para apurar o lucro tributável e as tributações autónomas da empresa tem esse conceito como pressuposto. G. A tese prosseguida pela recorrente merece, no entanto, alguns esclarecimentos: pela actividade comercial ou industrial (ou, ainda, agrícola) que consubstancia o objecto de uma sociedade comercial entende-se, nos termos do n.º 4 do artigo 3º do Código do IRC, uma actividade que consista na realização de operações económicas. Depois, de acordo com a Doutrina unânime, por actividade económica entende-se uma actividade que em regra gera lucros distribuíveis pelos sócios (cfr., por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, VoI. II – Das Sociedades -, págs. 8 e seguintes). De resto, é o que se recolhe da lei: segundo o artigo 980º do Código Civil, o "contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”. H. Sublinhe-se, neste momento, que, nem nas associações do regime geral (cfr. o artigo 157º do Código Civil), nem nas associações municipais, o lucro pode ser repartido pelos associados. I. Ora, a noção de "actividade exercida a título principal” tem de ser interpretada por remissão para os conceitos de fim associativo ou ainda, subsidiariamente, de objecto social, e atendendo, mais concretamente, ao entendimento que possamos fazer do que é que são fins ou objectos principais e acessórios. J. Neste ponto, a sentença recorrida é exímia: subjacente ao sentido da 6 decisão do Tribunal está, pois, a caracterização de um determinado fim de uma associação ou objecto de uma sociedade como "principal" dever-se-á fazer por apelo ao critério que melhor conjugue, por um lado, a teleologia - isto é, o propósito, quanto a essa matéria, de quem constituiu a associação ou a sociedade - com, por outro lado, a formalidade - ou seja, a percepção que a comunidade jurídica pode ter de qual é esse objecto a partir dos documentos públicos que garantem a transparência e a segurança do tráfego jurídico. Assim sendo, melhor meio não há para averiguar qual o objecto principal de uma associação ou sociedade do que indagá-lo a nível estatutário. K. E esta tese é, de resto, bem apoiada na Doutrina societária, que vem definindo o objecto da sociedade como a actividade económica de não mera fruição que o sócio ou os sócios se propõem exercer através da sociedade ou propõem que a sociedade exerça (cfr., de novo por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Ob. Cit., págs. 8 e seguintes). Pelo que, então, o objecto principal dessa sociedade (ou o fim principal de uma associação) há-de sempre ser aquele que os sócios (ou os associados) fizeram, em primeira linha, constar expressamente do acto constituinte ou negócio jurídico por excelência expressivo da sua vontade - isto é, os estatutos. L. Ora, de acordo com o n.º 2 do artigo 2° da Lei 11/2003, as associações de municípios de fins específicos (como a X..) são pessoas colectivas de direito público criadas para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que as integram, isto é, interesses exclusivamente de serviço público, não lucrativo ou empresarial. Aliás, do artigo 5° do mesmo diploma extrai-se a confirmação de que as mesmas não podem exercer (pelo menos a título principal) uma actividade que gere lucros para os associados (os municípios que as integram). As atribuições aí elencadas, enquadradas até pela referência do corpo do n.º 1 a "fins públicos", nada têm a ver com um qualquer carácter empresarial, constituindo simplesmente atribuições dos próprios municípios, agora levadas a cabo de forma delegada pelas associações. M. É o que acontece no caso concreto, como bem preconiza a sentença de que se recorre: é ao Estado e, mais especificamente, aos municípios - como todos reconhecem - que compete promover e garantir a realização dos serviços 7 básicos de recolha e tratamento dos lixos: não é este um compromisso ou responsabilidade do Estado - dos municípios - nos resultados da actividade, mas um verdadeiro "dever que visa garantir sua existência”, o que, aplicado ao caso e à questão sub judice, transforma a actuação de uma associação com aquela natureza numa decorrência daquela responsabilidade de execução, não focalizada num interesse de cariz lucrativo, e já não numa responsabilidade de execução privada (embora de interesse público) de carácter empresarial. N. Por outro lado, qualquer outro critério (de cariz material) para qualificação como principal de um determinado fim associativo ou objecto social seria imprestável. O. Referimo-nos a um critério relativo, por exemplo, à contribuição das receitas respectivas para a globalidade dos resultados da associação ou da empresa ou aos níveis de afectação a esse fim dos recursos da entidade em causa - segundo o qual apenas poderíamos concluir que uma actividade não-lucrativa é a actividade exercida a título principal se as receitas e/ou os níveis de afectação de recursos superassem as receitas e os níveis de afectação às restantes. Um tal critério seria imprestável, desde logo, em abstracto, porque, de novo, não podemos esquecer a natureza das associações de municípios. P. É que, como também se defende na decisão recorrida, uma associação deste tipo dedica-se, exclusiva ou principalmente, à realização, fora da lógica concorrencial, dos serviços de interesse público (não-lucrativos) típicos da actividade municipal (tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias), para o que necessita, muitas vezes, de recorrer ao exercício de outras actividades, a esta acessórias, como meio de financiamento da actividade principal- é o que acontece no caso concreto! -. Q. Nestes termos, o Tribunal a quo compreendeu (bem) que uma qualquer actividade complementar da associação, a que estejam subjacentes prestações de serviços com escopo lucrativo e uma actuação no mercado, facilmente represente a fatia maioritária dos rendimentos da associação, por muito acessória que seja a intencionalidade dos associados na sua prossecução e residuais os meios a ela afectos. Mas o mesmo critério seria imprestável 8 igualmente em concreto. R. Tendo em conta que a atividade acessória da X.. se resume à recolha e tratamento de resíduos, bem se percebe também, como já dissemos, que os respetivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a X.. aproveita todo um know-how e uma estrutura montada para a sua atividade principal de serviço público, assim logrando objetivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria. S. Ademais, como bem reconhece o Tribunal a quo, os proveitos resultantes daquela atividade acessória são sempre aplicados no desenvolvimento das condições em que é levada a cabo a atividade principal, muitas vezes até por imposições de Diretivas comunitárias e regulamentos do sector. Aqueles proveitos eventuais, não servem, assim, os fins que servem os lucros nas sociedades que prosseguem atividades comerciais, industriais e agrícolas, antes são integralmente alocados à prossecução dos interesses públicos que definem o seu objeto e a sua vocação. T. De resto, se fosse aquela - a atividade de recolha e tratamento de resíduos a atividade pretendida, por definição e vocação, pela X.., a forma jurídica que adotaria nunca seria, no seu próprio interesse, o de uma associação de municípios, mas aquela que lhe permitisse atuar como um agente económico livre - fixando livremente os preços dos serviços que presta e concorrendo a concursos públicos - e distribuir os lucros aos sócios. U. É, pois, partindo do princípio de que a X.. não exerce uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola que devemos interpretar a sua situação tributária. V. No fundo, temos que cabe à X.. a assunção direta de responsabilidades que relevam imediatamente da prossecução das atribuições dos municípios nela integrados (recolha e tratamento de resíduos) - é esta a destinação do essencial da sua atividade -, assumindo a Impugnante a condição de um operador dedicado, isto é, de uma entidade cuja atuação de serviço público e, nessa medida, desinteressada e altruísta, visa em derradeira instância alimentar ou satisfazer as necessidades daqueles municípios no sector específico da gestão de resíduos. W. Assim, de outra forma não se pode concluir senão que, caso se considere 9 em vigor a alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC, a situação da X.. cabe, sem dúvida, no seu âmbito. X. É verdade que a letra da aludida alínea se refere às associações de municípios "que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas", isto é, sem distinguir expressamente, na previsão literal da isenção, as que as exercem a título principal. Y. No entanto, este facto não coloca em causa a linha argumentativa que vimos traçando: o preceito em causa não poderá deixar de ser interpretado de acordo com a lógica sistemática do Código do IRC, no qual a referência àquelas atividades se reporta sempre ao seu exercício a título principal. Z. Sobre o conceito de exercício, a título principal ou meramente acessório, de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, deve atender-se ainda ao teor do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 29.11.2000, no âmbito do processo nº 025580, de acordo com o qual "I- Podem beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do nº 1 do art. 9° do CIRC, as pessoas coletivas de utilidade pública que tenham fins predominantemente científicos. II - Podem beneficiar desta isenção pessoas coletivas de utilidade pública que tenham por fins primaciais atividades cientificas de qualquer natureza, incluindo de divulgação cientifica, não se restringindo a isenção 'as que tenham atividades próprias de investigação cientifica". Para concluir desta forma, esclarece aquele Tribunal, com interesse essencial para o presente caso, que "O que é relevante para que se conclua que as pessoas coletivas de utilidade pública visam predominantemente fins científicos, para efeitos da norma em apreço, é que as atividades de natureza comercial ou industrial a que respeita a isenção de IRC, sejam meramente acessórias dos fins científicos, designadamente que os proventos obtidos no seu exercício se destinem a ser utilizados na satisfação desses fins científicos"(o sublinhado é nosso). AA. Nestes termos, a AT só pode tributar a X.. com base no seu (alegado) lucro tributável se esta prosseguir uma atividade comercial a título principal (e não a qualquer outro título - acessório, marginal, residual, isolado), algo que, como vimos, não se verifica. BB. As liquidações são, portanto, também por força deste desajustamento entre a natureza da actividade da Impugnante e o Direito aplicado, ilegais. TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A MANUTENÇÃO, NESTA PARTE, DA SENTENÇA RECORRIDA. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente, por entender que a Recorrida não goza de isenção de IRC, por a sua atividade de tratamento de resíduos sólidos, industriais, hospitalares, ou de natureza energética conexas com o seu objeto, terá normalmente como destino a combustão de resíduos ou a sua reciclagem, sendo esta suscetível de se enquadrar entre as “actividades comerciais”. Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais). ** Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a Recorrida beneficia ou não de isenção de IRC. ** Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte: «III. Fundamentação de facto Factos provados A) “Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas” emitiu a Informação n.º /2006, de //2006, com o seguinte teor: “ASSUNTO: Enquadramento fiscal – Associação de Municípios DIPLOMA: CIRC ARTIGO: 9.º ENTIDADE INTERESSADA: X.. …a Divisão de Inspecção I, da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finança d, solicitou a apreciação jurídica do enquadramento tributário em sede de IRC do sujeito passivo X.., nipc (…). A questão que se apresentava tinha a ver com a incompatibilidade entre a Lei que contém o regime das Associações de Municípios e o Código do IRC, no que respeita ao regime fiscal das associações de municípios. Por um lado, temos a Lei 11/200, de 13.05, …, determinando no seu artigo 36.º que “as comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”, dendo estas isentas de IRC, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC. Por outro lado, temos a alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do mesmo Código do IRC que exclui da isenção deste imposto as associações de municípios que exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas. X.. 1. A X.. é uma associação de municípios de fins específicos, sendo pessoa colectiva de direito público, criada para a realização de fins específicos comuns aos municípios que a integram. 2. Dos estatutos da X.. consta como objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. Contudo, a X.. pode ainda, por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de outros resíduos sólidos, ao tratamento de resíduos hospitalares e à exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto. Resumo das informações anteriores 3. Na sua informação, a DF d propugna que a isenção estabelecida no art.º 36.º da Lei 11/2003 aplica-se às associações enquanto no exercício da actividade de interesses específicos comuns aos municípios (associados) e no que respeita às outras actividades, prestadas a título secundário, com carácter comercial e industrial, seriam tributadas de acordo com o disposto no art.º 15.º n.º 1 alínea b) e art.ºs 48.º e 49.º do Código de IRC, sendo afastada a isenção. 4. Entendem que a não ser retirada esta interpretação do art.º 36.º da Lei 11/2003. De 13.05, não faz qualquer sentido a existência, no Código do IRC, da alínea b), do n.º 1. Do art.º 9.º, pois o referido artº 36.º encaminharia automaticamente o enquadramento de qualquer associação de municípios para a alínea a) do n.º 1 do art.º 9.º do Código do IRC, porque as “equipara” a autarquias locais. 5. Na informação n.º /2006 desta Direcção de Serviços também se tentou uma via de compatibilização dos regimes. 6. Todavia, fomos de opinião que a actividade desenvolvida pela X.., não obstante consubstanciar um serviço público, assenta numa estrutura empresarial, pelo que a considerámos, para efeitos de IRC, como uma entidade que exerce, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. 7. No entanto, trata-se de uma entidade em concreto que além de realizar interesses compreendidos nas atribuições dos municípios (tratamento dos lixos), pela própria natureza da actividade, também promove outros interesses de teor mais empresarial e que poderiam ser desenvolvidos, em concorrência por privados. 8. Pelo que, em nossa opinião, as actividades desenvolvidas pela X.. poderiam ser decompostas em dois grupos. 9. Por umlado, a actividade que poderia ser directamente exercida por cada um dos municípios, não havendo dúvidas que a equiparação às autarquias, para efeitos de isenção fiscal, funcionaria. Como se disse, talvez seja essa a razão da existência da norma de natureza fiscal prevista nos diplomas autónomos. 10. E, assim, poder-se-ia entender que os rendimentos, obtidos pela X.., que respeita, à prestação de serviços efectuada directamente às Câmaras deviam ser considerados isentos, naqueles termos, já que são esses os rendimentos provenientes da realização de interesses compreendidos nas atribuições dos respectivos municípios 11. Por outro aldo, fruto das próprias circunstâncias da evolução técnica do tratamento do lixo, a X.. obtém rendimentos de outras actividades que exigem estrutura empresarial e que podem ser exercidas por quaisquer entidades provadas. 12. Quanto a estes, já não actuaria a equiparação a autarquias locais para efeitos fiscais e estariam sujeitos a imposto nos termos gerais. 13. Contudo, a Senhora Directora de Serviços, entendeu ser de ouvir o Centro de Estudos Fiscais (CEF) nesta matéria, visto que o tratamento, em sede de IRC, das associações de municípios não se lhe afigura isento de dúvidas, face às sucessivas publicações de leis que regulam o respectivo regime jurídico e atenta a incompatibilidade entre os regimes fiscais estabelecidos nestas leis e no artigo 9.º do Código do IRC, mostrando-se inadequada a resolução da questão através das regras de aplicação da lei no tempo e do estabelecimento de uma relação de especialidade entre as duas leis (Cfr informação n.º /2006 da DSIRC). Parecer n.º /2006 do CEF 14. Quanto à actividade da X.., o Parecer do CEF conclui que esta exerce, a título principal, actividades de natureza comercial e industrial, tal como estas são definidas no artigo 3.º, n.º 4, do Código do IRC, apesar de, naturalmente, estas actividades se integrarem no âmbito das atribuições dos municípios, pois não poderiam os municípios constituir associação que visasse a realização de actividades que exorbitassem das suas atribuições. 15. No que concerne á remissão genérica operada pelo artigo 36.º da Lei 11/2003, de 13/05, para as normativas legais que estabelecem isenções para as autarquias locais não deve ser entendida como prejudicando as normas especiais que expressamente se referem às associações de municípios, como a da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC. 16. De acordo com o citado Parecer, neste sentido militam importantes razões de forma e de substância. 17. Caso a remissão fosse entendida como dirigida à alínea a) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC, seria subtraído qualquer efeito útil à alínea b); havendo que considera-la implicitamente revogada a partir da entrada em vigor da Lei 11/2003, de 13 de Maio. 18. Por outro lado, o artigo 36.º da citada lei possui um campo de aplicação muito mais vasto, estendendo-se a todos os impostos, não existindo razões para pensar que o legislador tenha querido proceder à revogação implícita de todas as normas que se refiram, de modo especial, às associações de municípios. 19. Assim, no que respeita à interpretação da lei, aquele Parecer conclui que o artigo 36º da Lei 11/2003, de 13.05, deve interpretar-se nos sentido de remeter, em matéria de IRC, para a alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código, querendo isto dizer que as associações de municípios apenas gozarão de isenção deste imposto quando as actividades que exerçam não possuam natureza comercial, industrial ou agrícola, condição que não se verifica quanto à actividade exercida pela X... 20. No sentido de trazer maior clareza e segurança ao regime fiscal aplicável às associações de municípios, sugere-se, no parecer, uma alteração ao artigo 9.º do Código do IRC no sentido de fundir as alíneas a) e b) do n.º 1. Conclusão Face a todas as questões levantadas na informação n.º 384/2006 desta Direcção de Serviços, o CEF emitiu parecer no sentido de deixar à instância própria, neste caso, ao Código do IRC, a definição do regime fiscal destas entidades, no que àquele imposto se refere. De facto, foi entendido que a remissão genérica do artigo 36º da Lei 11/2003, de 13.05, não prejudica a aplicação de normas especiais como a da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC. Assim, as associações de municípios apenas beneficiam de isenção de IRC quando não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas. Neste caso, uma vez que a X.. exerce, a título principal, actividades de natureza comercial e industrial, tal como estas são definidas no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IRC, consistindo a sua fonte de rendimentos na realização de operações económicas de carácter empresarial, não obstante serem desenvolvidas no âmbito das atribuições dos municípios, não está isenta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC. Quanto à proposta de alteração legislativa, somos de opinião que não introduz nenhuma modificação de substância, nem acrescenta mais-valia no que concerne à interpretação do regime.(…) ” Fls 97 a 105. B) Em 30/05/2011, a Impugnante apresentou declaração periódica de rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 2010, de que resultou uma autoliquidação no montante de € 57.231,89. Fls 77 a 84 e 106. C) Em 21/06/2011, a Impugnante apresentou Reclamação graciosa do acto de autoliquidação. Fls 2 a 36 do P.A. D) Em 21/12/2012, foi proferido o seguinte “Parecer” pela “Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças de Porto”: [imagem que aqui se dá por reproduzida] Fls 151 a 152 do P.A.. E) Em 30/12/2011, foi proferido “Projecto de Despacho”, com o seguinte teor: [imagem que aqui se dá por reproduzida] Fls 151 do P.A.. F) Em 27/01/2012, foi proferido o seguinte “Parecer” pela “Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças de Porto”: [imagem que aqui se dá por reproduzida] Fls 155 do P.A.. G) Em 30/01/2012, foi proferido “Despacho”, com o seguinte teor: [imagem que aqui se dá por reproduzida] Fls 155 do P.A. Factos não provados O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados. Motivação da decisão da matéria de facto A decisão da matéria de facto baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório. Os depoimentos prestados pelas testemunhas não foram relevados pelo Tribunal, uma vez que a decisão da presente causa reconduz-se a questão de direito.» * Ao abrigo do disposto no artigo 662.º do Cód. Processo Civil, entende-se necessário o aditamento da seguinte matéria de facto:H) O Relatório de Inspeção Tributária efetuado à Impugnante e elaborado em relação aos exercícios de 2004 e 2005, menciona o seguinte: (vide págs. 139 do SITAF) «(…) Dos Estatutos (2001) da X.. (cfr. art. 2.º) consta como objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. É mencionado, ainda, que a X.. pode, por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de outros resíduos sólidos, ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto. Os municípios associados são obrigados a entregar a totalidade dos resíduos sólidos urbanos (RSU) recolhidos nos respectivos concelhos e recorrer em exclusivo à associação, para a prestação de serviços por ela programados (cfr. art. 6.º, n.º 1, alíneas c) e f) dos Estatutos de 2001). Por outro lado, a X.. desenvolve a sua actividade na área dos municípios associados, por sua conta e risco, através de serviços próprios (cfr. n.º 4 do art. 2.º). Assim, a X.. é a entidade responsável pela gestão, tratamento e valorização dos resíduos produzidos e recolhidos pelos oito municípios associados, tendo vindo a implementar uma gestão integrada de resíduos, recuperando, ampliando e construindo infra-estruturas, complementadas com campanhas de sensibilização junto da população [in sítio da X..: www.X...pt, acedido em 29/04/2008]. Nesse âmbito tem desenvolvido uma estratégia de valorização e tratamento de resíduos sólidos, baseada nas seguintes componentes: a) Valorização Energética, que consiste na recuperação da energia calorífica dos resíduos, mediante um processo térmico de tratamento controlado, e na sua transformação em energia eléctrica, que ocorre na Central de Valorização Energética (CVE), designada X.. II. Neste processo, os resíduos que não possam ser aproveitados através da compostagem e reciclagem, chegam à CVE provenientes dos vários circuitos camarários dos Municípios que integram a X.., e são armazenados numa fossa de recepção: sendo posteriormente transferidos para duas linhas de tratamento onde são queimados a elevadas temperaturas. Do processo de combustão, resulta a produção de energia eléctrica que permite por um lado, a autosuficiência da própria central (que consome cerca de 10% da energia produzida) e por outro, a venda à Rede Eléctrica Nacional SA - REN, dos restantes 90% da energia produzida. As cinzas e escórias resultantes deste processo, têm como destino o seu confinamento em aterro sanitário. Contudo, cfr. informação disponível no referido sítio da internet, as escórias potenciam uma possível utilização como material granular, substituindo os solos ou os agregados naturais obtidos na indústria extractiva. A exploração da CVE é feita pela sociedade D.. SCA – Sucursal, NIF (…), mediante “contrato de administração de concessão”. b) Valorização Orgânica, processo que consiste na compostagem da fracção orgânica dos RSU, assegurada através da Central de Valorização Orgânica (CVO), associada á implementação de circuitos de remoção da fracção orgânica, junto de grandes produtores (restauração, grandes superfícies, mercados), nas zonas de recolha selectiva porta-a-porta (resíduos domésticos), esquemas de recolha de resíduos verdes e complementada com iniciativas locais de compostagem caseira. A matéria orgânica produzida (composto), designada pela marca U, é comercializada desde 2006. A CVO foi inaugurada em Setembro de 2005, e a sua exploração está a cargo do consórcio S., M. e H, NIF (…). c) Valorização Multimaterial, processo cuja infra-estrutura fundamental é o Centro de Triagem X.., com capacidade de processamento de 35.000ton/ano, em que é realizada uma separação complementar, com a triagem das matérias provenientes da recolha selectiva, enfardando e acondicionando as mesmas para posterior venda às industrias recicladoras (o principal cliente é a entidade Sociedade SA., NIF (…). (…)». ** Apreciação jurídica do recurso.A decisão recorrida, anulou a liquidação de IRC do ano de 2010, para o efeito fundamentou a sua decisão da seguinte forma: «A “X..” intentou a presente Impugnação por não se conformar com o indeferimento da Reclamação graciosa que apresentou do acto de autoliquidação de I.R.C., relativo ao exercício de 2010 (alíneas B) a G) dos factos provados), uma vez que considera que: beneficia da isenção de I.R.C. decorrente do artigo 36.º da Lei n.º 11/2003, de 13/05, conjugada com a alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do C.I.R.C. e que a Lei n.º 45/2008, de 27/08 não veio afectar a referida isenção, pois embora seja uma associação de municípios de fins específicos, manteve o estatuto de pessoa colectiva de direito público. Mais alega que não exerce, a título principal, uma actividade comercial e industrial, uma vez que prossegue interesses exclusivamente de serviço público, não lucrativo ou empresarial. Vejamos. A Impugnante foi constituída como associação dos municípios deI, II, III, IV, V, VI, VIIeVIII, através de escritura pública de // estando os seus Estatutos publicados no Diário da República, III série, n.º de //19, alterados em //20 e publicados no Diário da República, III série, n.º de //2001 (fls 91 a 96). O regime jurídico estabelecido para as associações de municípios começou por estar previsto no Decreto-Lei n.º 266/81, de 15/09, que veio a ser revogado e substituído sucessivamente pelos Decretos-Lei n.º 99/84, de 29/03; 412/89, de 29/11; pela Lei n.º 179/99, de 21/09, pela Lei n.º 11/2003, de 13/05, tendo esta sido revogada pela Lei n.º 45/2008, de 27/08 (Lei do Associativismo Municipal), que entrou em vigor em 01/09/2008. No caso em apreço, releva a Lei n.º 45/2008, uma vez que era o diploma que se encontrava em vigor no exercício a que respeita o acto de autoliquidação impugnado: 2010. Resulta do artigo 2.º desse diploma que as associações de municípios podem ser de dois tipos: - de fins múltiplos, denominadas comunidades intermunicipais (CIM); ou - de fins específicos. Nos termos do artigo 36.º da Lei n.º 11/2003, as associações de municípios beneficiavam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, o que nos remetia para a isenção de I.R.C. vertida na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do C.I.R.C.. Contudo, com a revogação dessa Lei, operada pela Lei n.º 45/2008, o legislador apenas manteve as isenções fiscais previstas para as autarquias locais para as associações de municípios de fins múltiplos, ou seja, para as Comunidades Intermunicipais (CIM), cfr. decorre do seu artigo 30.º, ao estabelecer que “As CIM beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.”. O legislador, excluiu expressamente do texto desta norma, respeitante às isenções fiscais, as associações de municípios de fins específicos como é o caso da “X..”. É certo que, ao abrigo de norma transitória inserida na Lei n.º 45/2008 – n.º 6 do seu artigo 38.º – o legislador permitiu que as associações de municípios de fins específicos constituídas até à entrada em vigor da lei pudessem manter em vigor a natureza de pessoa colectiva de direito público. Contudo, desta possibilidade não decorre que as associações de municípios de fins específicos possam beneficiar das isenções fiscais previstas para as autarquias. Na verdade, a alínea a) do artigo 9.º do C.I.R.C. não estabelece uma isenção do imposto para as entidades ou pessoas colectivas de direito público, ou seja, essa isenção não contende com a natureza pública ou privada da entidade a favor de quem é reconhecida ou estabelecida a isenção, antes se prende com o facto de se tratar de entidade inserida no conceito de administração local autárquica. Ora, as associações de municípios, como é o caso da “X..” não podem ser qualificadas como autarquias locais (estas são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas, cfr n.º 1 do artigo 236.º da C.R.P.). As autarquias locais são apenas as que a Lei define como tal, as restantes entidades resultantes da congregação de esforços de vários municípios ou freguesias, apesar de terem como objectivo a satisfação do bem comum das populações inseridas na área geográfica dos respectivos municípios ou freguesias delas participantes, não cabem no conceito de autarquia local. Aliás, diga-se que se assim fosse, não teria o legislador a necessidade de expressamente inserir uma norma nas Leis n.ºs. 11/2003 e 45/2008, a atribuir às associações de municípios e às CIM, primeiro, e posteriormente apenas às CIM, as mesmas isenções fiscais que vigoravam para as autarquias locais (estas normas não visaram equiparar as associações e as CIM às autarquias locais, limitaram-se a permitir que estas entidades beneficiassem das mesmas isenções fiscais de que já usufruíam as autarquias locais). Podemos, portanto, concluir que a Impugnante não beneficia da isenção de I.R.C. prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do C.I.R.C. Contudo, pode beneficiar da isenção vertida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º – que abrange expressamente as associações de municípios – desde que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas. A este respeito, estabelece o n.º 4 do artigo 3.º do C.I.R.C. que, “… são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços.” Ora, ao contrário do que defende a A.T. e a Fazenda Pública, não se pode concluir que a Impugnante exerceu, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola. De facto, consta do artigo 2.º dos Estatutos da Impugnante, o seguinte objecto: “1. A associação tem por objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. 2. A associação pode ver ampliado aquele seu objecto imediato a vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com excepção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos directamente por eles. 3. Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se: a) Ao tratamento de outros resíduos sólidos; b) Ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares; c) À exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto. 4. A associação desenvolverá a sua actividade na área dos municípios associados, por sua conta e risco, através de serviços próprios, como serviço intermunicipalizado ou por qualquer outra forma legalmente possível.” Verifica-se, assim, que as actividades referidas revestem uma natureza eminentemente de serviço público e nem mesmo a circunstância hipotética de tais actividades poderem ser exercidas por privados retira esse carácter de serviço público (pelo menos, no sentido de utilidade pública). Ademais, não existe qualquer elemento nos autos do qual se possa concluir que a Impugnante não afecta todos os rendimentos obtidos à satisfação desse serviço público, pelo que não se pode afirmar que a “X..” desenvolve operações económicas de carácter empresarial. Conclui-se, assim, que a Impugnante usufrui da isenção de I.R.C. prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do C.I.R.C.. Face ao exposto, julga-se a presente Impugnação procedente, determinando-se a anulação do acto de autoliquidação impugnado.». No seguimento do que se transcreve, verifica-se que a Sentença entendeu que a Impugnante veneficiava de isenção de IRC, em virtude de lhe ser aplicado o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC, que isenta deste imposto, as associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas. Assim, a questão essencial a decidir neste recurso é a de saber se a Recorrida beneficia ou não de isenção de IRC, em virtude de ser uma pessoa coletiva de direito público, e, se mesmo que possa exercer atividades comerciais ou industriais, está ou não isenta de IRC. Relativamente a este assunto, já se pronunciou recentemente este Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 264/14.2BEPRT, em 3 de fevereiro de 2022, numa situação igual à presente, louvando-se também na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, entendendo que a Impugnante se encontra sujeita a IRC, na medida em que exerce uma atividade comercial ou industrial e o Código do IRC, não distingue entre atividade exercida a título principal ou secundário, tributando-as da mesma forma. Assim, por concordamos com o teor do acórdão proferido no processo no n.º processo n.º 264/14.2BEPRT, de 3 de fevereiro de 2022, aqui a damos por reproduzida: «Com efeito, acompanhando o discurso fundamentador do acórdão do STA de 10.11.2021, rec. 02857/12.3BEPRT, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3f648ac2742a790e8025878e0050c70a?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1, diremos que sendo o imposto em causa nos autos, relativo ao exercício fiscal de 2012, a pretensão da Recorrente deve ser apreciada à luz da Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto (e não tendo por referência a revogada Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio - o regime jurídico das associações de municípios foi revogado sucessivamente pelo Decreto-Lei n.° 99/84, de 29-03, pelo Decreto-lei n.° 412/89, de 29-11, pela Lei n.° 179/99, de 21-09, pela Lei n.° 11/2003, de 13-05 e pela Lei n.° 45/2008 de 27-08), tendo em conta a seguinte argumentação ali considerada e acolhida: «Ora, contrariamente ao defendido pela Impugnante e atendendo a que no caso presente está em causa o ano de 2011, há que aferir o que dispõe para os devidos efeitos a Lei n.º 45/2008 de 27.08 e não a já revogada Lei n.º 11/2003, de 13.05. Assim, estatuía o artigo 30.º da Lei n.º 45/2008 de 27.08 que "as CIM beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”. Nesta medida, a Lei n.° 45/2008 de 27.08 veio alterar o que até aqui vinha a ser estabelecido, ou seja, a estatuição que previa que o beneficio das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais aplicava-se às comunidades e às associações (cfr. artigo 36.° da Lei n.° 11/2003, de 13.05). Assim, "com a revogação desta Lei, operada pela Lei n.° 45/2008, de 27.08, o legislador apenas manteve tal isenção para as associações de municípios de fins múltiplos, ou seja, para as Comunidades Intermunicipais (CIM), cfr. artigos 1°, 2°, n.°s. 1, al. a) e 2) e 30°, esclarecendo expressamente que as CIM beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, tendo excluído expressamente do texto desta norma, respeitante às isenções fiscais, as associações de municípios de fins específicos como anteriormente acontecia no artigo 36° da Lei n.° 11/2003” - cfr. Acórdão do STA de 28.02.2018, rec. 0522/17. Não se olvida que à luz de norma transitória inserida na Lei n.° 45/2008, de 27.08 (artigo 38° n.° 6), o legislador permitiu que as associações de municípios de fins específicos constituídas até à entrada em vigor da presente lei pudessem manter em vigor a natureza de pessoa colectiva de direito público. No entanto, não se nos afigura, que esta possibilidade modifique a redacção introduzida por esta lei, por forma a que as associações de municípios de fins específicos continuassem a beneficiar das isenções reconhecidas às autarquias, na medida em que se considera que a ter sido essa a vontade do legislador ela decorreria expressamente do texto legal. Em sentido idêntico vide o decidido no já aqui enunciado Acórdão do STA de 28.02.2018, rec. 0522/17. Ademais, de acordo com o disposto no artigo 9.° n.° 3 do Código Civil (CC), "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados...”, sendo certo que o intérprete não deve postergar o princípio geral da adequação da expressão do pensamento legislativo, contido no citado artigo 9.° n° 3 do CC. A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, “desde logo, uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei”, sendo a letra da lei, o texto da norma, o limite da sua interpretação, neste sentido vide Baptista Machado (in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina Coimbra, 1990, pág. 182). No caso presente, é nítida a pretensão do legislador ao excluir do normativo em apreço as associações de municípios de fins específicos. Acresce que, também não é pelo facto das atribuições, da estrutura orgânica e a determinação do quadro de distribuição de competências entre os seus vários órgãos se tiverem mantido que podemos estender o regime que decorre do artigo 30.° da Lei n.° 45/2008 de 27.08 relativamente à CIM às associações de municípios de fins específicos, uma vez que, tal como referencia a Impugnante, eram aspectos que já se encontravam significativamente diferenciados para as CIM e para as associações de municípios de fins específicos no contexto da Lei n.° 11/2003 de 13.05. Ora, estabelecia à data o n.° 1 do artigo 9.° do Código do IRC (CIRC), com a redacção introduzida pela Lei n° 64-A/2008, de 31 de Dezembro e como tal aplicável ao caso dos autos que “Estão isentos de IRC:) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com natureza empresarial; b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas; c) As instituições de segurança social e previdência a que se referem os artigos 115° e 126° da Lei n° 32/2002, de 20 de Dezembro; d) Os fundos de capitalização e os rendimentos de capitais administrados pelas instituições de segurança social (...)” Nesta senda, e no que respeita ao ano aqui em questão – 201[2] - não se verifica qualquer incompatibilidade entre o disposto no artigo 30.° da Lei n.° 45/2008 de 27.08 e o disposto na alínea b) do artigo 9.° do CIRC, uma vez que daquele preceito legal não decorre a aplicação do disposto na alínea a) do artigo 9.° do CIRC. Ora, contrariamente ao defendido pela Impugnante, esta é sujeito passivo de IRC ao abrigo do disposto na alínea a) n.° 1 do artigo 2.° do CIRC que determina que, "São sujeitos passivos do IRC a) as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português” Assim, sendo a Impugnante uma associação de municípios criada para a realização de fins específicos é de se lhe aplicar o que resulta da alínea b) do artigo 9.° do CIRC no que respeita a isenção. Como tal, a Impugnante somente estará isenta nos termos da alínea b) do artigo 9.° do CIRC se não exercer actividades comerciais, industriais ou agrícolas. Assim, resta aferir se a Impugnante exerce actividade comercial, industrial ou agrícola. Nos termos do estabelecido pelo n.° 4 do artigo 3.° do CIRC "Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”. Ora, tal como decorre do acervo probatório, a Recorrente tem por objeto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregue pelos seus associados e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento de infra-estruturas necessárias para o efeito. Acresce que, por força dos seus estatutos, é-lhe permitido, por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de resíduos sólidos, de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de atividades de natureza energética conexas com o seu objeto, a Recorrente aufere proveitos resultantes da venda de produtos e prestação de serviços aos municípios seus associados e outras entidades públicas e privadas. Assim, a Impugnante exerce, a par de uma atividade de caráter público - a recolha e tratamento de resíduos - uma atividade de natureza comercial. Por outro lado, do texto da alínea b) do artigo 9º do CIRC não resulta que a atividade exercida tenha de ser a atividade principal, sendo feita somente referência ao exercício de “atividades comerciais, industriais ou agrícolas” Onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir, sendo o elemento gramatical o primeiro e principal ponto de partida na interpretação da lei (artigo 9º do CC). O intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que lá não consta. Assim, não sendo distinguido expressamente na norma legal, também não poderá ser entendido que do preceito legal se extrai que o normativo somente respeita a atividades principais. Nesta senda, não podemos aceitar com a tese da Recorrida ao sustentar que a norma se reporta somente à atividade principal desenvolvida atendendo à lógica sistemática do Código do IRC. Isto também porque, nem sempre o CIRC referencia as atividades comerciais, industriais e agrícolas como respeitantes ao exercício principal de uma qualquer entidade, mas por vezes faz essa especificação. A título de exemplo veja-se o disposto no nº 5 do artigo 87º do CIRC ao determinar que “Relativamente ao rendimento global de entidades com sede ou direcção efectiva em território português que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, a taxa é de 21,5 %”. Acresce que a própria Recorrente afirma nas suas contra-alegações que “Tendo em conta que a atividade acessória de X.. se resume à recolha e tratamento de resíduos, bem se percebe também, como já dissemos, que os respectivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a X.. aproveita todo um know-how uma estrutura montada para a sua actividade principal de serviço publico”. «Neste contexto, sendo irrelevante, pelas razões já apontadas «que a dita actividade desenvolvida possa ser considerada acessória da actividade principal desenvolvida a favor de municípios, pois que, pelo menos, para efeitos do disposto no C.I.R.C., a mesma foi autonomizada, conforme resulta da previsão “todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”, constante também do art. 3º nº 4 do CIRC, sendo que tal encontra-se directamente ligado à regra de incidência, a qual, de acordo com o art. 3º nº 1 do CIRC é diversa, consoante seja exercida uma actividade com a dita natureza, “a título principal” ou não - há forçosamente que concluir que aquela regra se aplica «sobre o “lucro”, ou o rendimento global, corresponde à soma algébrica dos rendimentos das diversas categoriais consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito”, conforme melhor consta expresso nas suas alíneas a) e b).» - cfr. acórdão do STA de 10.11.2021, rec. 02857/12.3BEPRT, que vimos acompanhando.». Fim de citação. Portanto, concluindo-se que a atividade desenvolvida pela Recorrida compreende também um fim comercial ou industrial, não está isenta de IRC, pelo que a sentença deve ser revogada e a impugnação ser julgada improcedente. * No concerne a custas, atenta a revogação da sentença e ao facto de a Recorrida ter contra-alegado, assim como a impugnação acabar por ser totalmente improcedente, é a Impugnante/Recorrida responsável pelas custas em ambas as instâncias – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do Código de Processo Civil.** Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:Uma associação de municípios que desenvolva uma atividade comercial ou industrial, a título principal ou ainda que a título secundário, não está isenta de IRC, na medida em que o CIRC, não distingue entre atividade principal ou secundária para efeitos de tributação. * Decisão* Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente. * Custas a cargo da Impugnante/Recorrida, em ambas as instâncias. * * Porto, 17 de fevereiro de 2022.* Paulo Moura Irene Isabel das Neves Ana Paula Santos |