Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02857/12.3BEPRT
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
IRC
ISENÇÃO
Sumário:I - As isenções de IRC de que beneficiam o Estado e as autarquias locais, previstas no artigo 9º do CIRC não abrangem as entidades públicas com natureza empresarial nem as associações e federações de municípios que exerçam actividades de natureza comercial, industrial e agrícola.
II - Tendo o legislador, na Lei n.º 45/2008, e para efeitos de aplicação do regime legal, efectuado uma distinção clara entre associações de municípios de fins múltiplos, denominadas comunidades intermunicipais (artigos 2.º e seguintes) e associações de fins específicos (artigos 34.º e seguintes), e apenas prevendo para as primeiras a aplicação de isenções fiscais (artigo 30.º), não pode esta isenção ser reconhecida a uma associação que deva ser qualificada do segundo tipo, tal normativo ter natureza excepcional, porque há uma nítida relação da norma de isenção com as autarquias locais e porque não resulta inequívoco que o legislador quis abranger na isenção as associações anteriormente constituídas que tenham mantido a sua qualificação como pessoa colectiva de direito público.
III - A isenção vertida na alínea b) do nº 1 do artigo 9º do CIRC pressupõe o não exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, pelo que, desenvolvendo a Recorrente uma actividade de natureza comercial, ainda que com carácter acessório, não lhe deve ser reconhecido o direito à referida isenção.
Nº Convencional:JSTA00071313
Nº do Documento:SA22021111002857/12
Data de Entrada:06/17/2021
Recorrente:LIPOR - SERVIÇO INTERMUNICIPALIZADO DE GESTÃO DE RESÍDUOS DO GRANDE PORTO
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC
Área Temática 2:IRC
Legislação Nacional:CIRC ART 2.º, 1, al. A)
CIRC ART 3.º, 1 e 4
CIRC ART 9.º, 1, als. A) e B)
CCIVIL66 ART 9.º, 3
Jurisprudência Nacional:AC STA 28/02/2018 PROC 522/17; AC STA 27/10/2021 PROC 4/16.1BEPRT
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. “Lipor - Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto”, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 13-3-2021, que julgou improcedente a sua pretensão de anulação da autoliquidação de Imposto de Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), relativa ao exercício de 2011, no montante de €117.859,05, e de atribuição de indemnização pela prestação indevida de garantia bancária, interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Nas alegações de recurso apresentadas, formulou a Recorrente as seguintes conclusões:

«1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença, proferida nos autos referidos em epígrafe, a qual considerou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra a liquidação adicional de IRC, efetuada pela AT, relativamente ao exercício de 2011.

2. De acordo com o Tribunal a quo, a Impugnante não se encontra abrangida pela isenção vertida na alínea a) do artigo 9.° à data da liquidação de IRC, fruto da grande evolução normativa ocorrida ao nível da consagração e a extensão da equiparação entre autarquias locais e associações de municípios, no tocante à atribuição de isenções. Por outro lado, é ainda entendimento do Tribunal a quo que a Impugnante não integra a previsão constante da alínea b) do artigo 9.º do Código do IRC, não lhe sendo, também por esta via, aplicável qualquer isenção de IRC.

3. Salvo o devido respeito, entende a recorrente que a decisão recorrida merece censura porquanto padece de ANULABILIDADE, por erro de julgamento da matéria de direito, em violação do disposto no nº 1 do artigo 123º do CPPT e do nº 2 do artigo 659º do CPPT.

4. Antes de mais desenvolvimentos, impõe-se, em face do decidido, avaliar sobre que premissas deveria o Tribunal a quo analisar a Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto (Lei do Associativismo Municipal – LAM) e, nomeadamente, qual o alcance da respetiva disposição transitória, em face da sucessão de leis que lhe antecede e em vista de um princípio geral de proteção das expectativas que daquela legitimamente emergem.

5. Com efeito, entre as múltiplas inovações trazidas pelo diploma legal em questão, há que destacar, sobretudo em razão do seu particular interesse para a situação da LIPOR, o diferente estatuto que de futuro passam a deter as associações de municípios, consoante se assumam como associações de fins múltiplos ou de fins específicos (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2º da LAM).

6. Temos, assim, que as associações de municípios de fins múltiplos – as designadas comunidades intermunicipais (CIM) – são entendidas como pessoas colectivas de direito público constituídas por municípios que correspondam a uma ou mais unidades territoriais definidas com base nas Nomenclaturas das Unidades Territoriais Estatísticas de nível III (NUTS III) – n.º 2 do artigo 2º da LAM.

7. Já as associações de municípios de fins específicos passam a ser compreendidas como pessoas colectivas de direito privado criadas para a realização em comum de interesses específicos dos municípios que as integram, na defesa de interesses coletivos de natureza sectorial, regional ou local – n.º 4 do artigo 2º da LAM.

8. Este estatuto dual a que ficam subordinadas as associações de municípios (oscilando entre a categoria de pessoa coletiva de direito público ou de pessoa coletiva de direito privado, consoante o carácter geral ou específico dos correspondentes fins estatutários), contrasta, claramente, com a condição unitária, de pessoas coletivas de direito público, a que se encontravam submetidas, independentemente da natureza dos respetivos fins, pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 2º da Lei n.º 11/2003.

9. Sucede que uma das diversas consequências que a LAM retira desta qualificação diferenciada, em razão da natureza dos fins prosseguidos, das associações de municípios, se consubstancia, precisamente, na reserva, a título de exclusivo, do estatuto de entidade equiparada a autarquia local para efeitos de isenções fiscais, às associações de municípios de fins gerais (também designadas comunidades intermunicipais) – cfr. o artigo 30º da LAM.

10. Do exposto decorre, sem mais, que deixam de gozar desse regime fiscal privilegiado as associações de municípios de fins específicos, que serão desta forma remetidas (ao menos em princípio) para a disciplina especial constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC – que se deve, assim, ter por aplicável residualmente a todas as formas de associação entre municípios a que não caiba o qualificativo de CIM.

11. Não obstante o que antecede, há que forçosamente atentar no n.º 6 do artigo 38º da LAM, o qual expressamente dispõe que «as associações de municípios de fins específicos constituídas até à entrada em vigor da presente lei podem manter em vigor a natureza de pessoa colectiva de direito público».

12. A LAM, contudo, nada adianta (e, porventura, tão pouco teria de o fazer) sobre as implicações imediatamente associadas a esta preservação do estatuto de pessoa coletiva de direito público por parte das associações de municípios de fins específicos.

13. Sendo óbvio que à conservação da qualidade de pessoa coletiva de direito público, pelas associações de municípios de fins específicos, têm que se ligar consequências de direito relevantes (sob pena de total inutilidade da norma em apreço), importa, agora, traçar o seu perímetro exato, a fim de precisar o alcance efetivo da referida disposição legal.

14. Ora, a faculdade conferida às associações de municípios de fins específicos de deixarem intacta a sua natureza de pessoas coletivas públicas (desde que, conforme é o caso da LIPOR, já se encontrassem constituídas no momento da entrada em vigor da LAM) não afeta, minimamente que seja, nem o seu espectro de atribuições, nem, tão pouco, a sua estrutura orgânica e a determinação do quadro de distribuição de competências entre os seus vários órgãos.

15. Com efeito, estes eram aspetos que já se encontravam regulados, em termos significativamente diferenciados, para as CIM e para as associações de municípios de fins específicos no contexto da Lei n.º 11/2003 e que não contendiam, por isso, com a sua natureza comum de pessoas coletivas públicas.

16. O que essencialmente muda com o novo regime instituído pela LAM para o associativismo municipal, e que passa a definir as CIM como pessoas coletivas de direito público e as associações de municípios de fins específicos como pessoas coletivas de direito privado, é o regime jurídico aplicável à sua atuação – dito de outra forma, a constelação de normas que contextualizam o seu modo de agir.

17. Referimo-nos, concretamente, às normas constantes dos artigos 21º a 31º da LAM (em particular, as relativas aos regimes de pessoal e dos encargos a suportar com o mesmo, de contabilidade, de fiscalização e julgamento das contas, de património e finanças, de endividamento, de isenções fiscais e de reação contenciosa às decisões dos seus órgãos), no que toca às CIM, e ao disposto no artigo 37.º do mesmo diploma (que determina que as associações de municípios de fins específicos se regem pelas disposições de direito privado e, ainda, pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, pelo Código dos Contratos Públicos, pela Lei de organização de processo do Tribunal de Contas e pelo regime jurídico da tutela administrativa), no que se refere às associações de municípios de fins específicos.

18. Desta forma, somos obrigados a concluir que a opção de uma associação de municípios de fins específicos por «manter em vigor a natureza de pessoa coletiva de direito público», em conformidade com o estabelecido no n.º 6 do artigo 38º da LAM, significará a sujeição da sua atuação, no fundamental, a um regime substantivo de direito público, moldado, ainda que com as necessárias adaptações, a partir da disciplina contida nos artigos 21º a 31º. Ser-lhe-á assim extensível, ao contrário do que defende o Tribunal a quo, o regime de isenções fiscais que vale para as autarquias locais, do mesmo modo que lhe serão igualmente aplicáveis os regimes de pessoal, contabilidade, financeiro e contencioso que é estabelecido pelo legislador para as CIM, enquanto associações de municípios de fins gerais com estatuto de pessoa coletiva de direito público.

19. Não obstante o exposto e sem prescindir, a verdade é que nem assim as liquidações impugnadas podem ser consideradas legais, como também argumenta, a título subsidiário, o Tribunal recorrido.

20. É que, em rigor e ao contrário do que se propugna na Sentença de que se recorre, dúvidas não podem existir sobre o facto de a LIPOR não exercer uma atividade comercial e industrial.

21. É ao Estado e, mais especificamente, aos municípios – como todos reconhecem – que compete promover e garantir a realização dos serviços básicos de recolha e tratamento dos lixos: não é este um compromisso ou responsabilidade do Estado – dos municípios – nos resultados da atividade, mas um verdadeiro “dever que visa garantir sua existência”, o que, aplicado ao caso e à questão sub judice, transforma a atuação de uma associação com aquela natureza numa decorrência daquela responsabilidade de execução, não focalizada num interesse de cariz lucrativo, e já não numa responsabilidade de execução privada (embora de interesse público) de carácter empresarial.

22. Qualquer outro critério (de cariz material) para qualificação como principal de um determinado fim associativo ou objeto social seria imprestável.

23. Referimo-nos a um critério relativo, por exemplo, à contribuição das receitas respetivas para a globalidade dos resultados da associação ou da empresa ou aos níveis de afetação a esse fim dos recursos da entidade em causa – segundo o qual apenas poderíamos concluir que uma atividade não-lucrativa é a atividade exercida a título principal se as receitas e/ou os níveis de afetação de recursos superassem as receitas e os níveis de afetação às restantes.

24. Um tal critério seria imprestável, desde logo, em abstrato, porque, de novo, não podemos esquecer a natureza das associações de municípios.

25. É que uma associação deste tipo dedica-se, exclusiva ou principalmente, à realização, fora da lógica concorrencial, dos serviços de interesse público (não-lucrativos) típicos da atividade municipal (tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias), para o que necessita, muitas vezes, de recorrer ao exercício de outras atividades, a esta acessórias, como meio de financiamento da atividade principal – é o que acontece no caso concreto! – Nestes termos, bem se compreende que uma qualquer atividade complementar da associação, a que estejam subjacentes prestações de serviços com escopo lucrativo e uma atuação no mercado, facilmente represente a fatia maioritária dos rendimentos da associação, por muito acessória que seja a intencionalidade dos associados na sua prossecução e residuais os meios a ela afetos.

26. Mas o mesmo critério seria imprestável igualmente em concreto. Tendo em conta que a atividade de carácter empresarial da LIPOR se resume à recolha e tratamento de resíduos hospitalares, bem se percebe também, como já dissemos, que os respetivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a LIPOR aproveita todo um know-how e uma estrutura montada para a sua atividade principal de serviço público, assim logrando objetivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria.

27. Ademais, os proveitos resultantes desta atividade empresarial acessória são sempre aplicados no desenvolvimento das condições em que é levada a cabo a atividade principal. De resto, se fosse aquela – a atividade de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos – a atividade pretendida em primeira linha pela LIPOR, a forma jurídica que adotaria nunca seria, no seu próprio interesse, o de uma associação de municípios, mas aquela que lhe permitisse atuar como um agente económico livre – fixando livremente os preços dos serviços que presta e concorrendo a concursos públicos – e distribuir os lucros aos sócios.

28. É, pois, partindo do princípio de que a LIPOR não exerce uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola a título principal que devemos interpretar a sua situação tributária. No fundo, temos que, a título principal, cabe à LIPOR a assunção direta de responsabilidades que relevam imediatamente da prossecução das atribuições dos municípios nela integrados (recolha e tratamento de resíduos) – é esta a destinação do essencial da sua atividade –, assumindo a recorrente a condição de um operador dedicado, isto é, de uma entidade cuja atuação de serviço público e, nessa medida, desinteressada e altruísta, visa em derradeira instância alimentar ou satisfazer as necessidades daqueles municípios no sector específico da gestão de resíduos.

29. Assim, de outra forma não se pode concluir senão que, a não proceder o defendido no ponto anterior – no que não se concede –, a situação da LIPOR cabe com propriedade no âmbito da isenção da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC.

30. É verdade que a letra da aludida alínea se refere às associações de municípios “que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas”, isto é, sem distinguir expressamente, na previsão literal da isenção, as que as exercem a título principal. No entanto, este facto não coloca em causa a linha argumentativa que vimos traçando.

31. É que o preceito em causa não poderá deixar de ser interpretado de acordo com a lógica sistemática do Código do IRC, no qual a referência àquelas atividades se reporta sempre ao seu exercício a título principal. Aliás, como vimos atrás, é a própria AT que utiliza a noção desse exercício “a título principal” como um conceito operativo central da sua tese.

32. Mais: todo o Direito a que a AT recorre – uma vez estabelecida a sua posição de não aplicação à LIPOR da isenção de IRC – para apurar o lucro tributável e as tributações autónomas da empresa tem esse conceito como pressuposto.

33. Com efeito, relativamente à determinação do lucro tributável, a AT mobiliza as normas da Secção II do Capítulo III do Código do IRC, a qual se apresenta sob a epígrafe (e se aplica às) “Pessoas Colectivas e Outras Entidades Residentes que Exerçam, a Título Principal, Actividade Comercial, Industrial ou Agrícola” (sublinhado nosso).

34. Concretizando, aquela vale-se, primordialmente, dos seguintes artigos 17º (o qual estabelece a regra geral de apuramento do lucro tributável “das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º, ou seja, “das sociedades comerciais ou civis sobre a forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e […] demais pessoas colectivas […] que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza, comercial, industrial ou agrícola” – sublinhado nosso), 18º, 20º, 28º, 30º e 42º.

35. Já, por outro lado, no que diz respeito à aplicação das taxas de tributação autónoma, a AT lança mão do n.º 3 do artigo 88º do Código do IRC, que também se refere apenas aos “sujeitos passivos (…) que exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola” (sublinhado nosso).

36. Ora, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3º do Código de IRC, o imposto incide sobre o lucro das sociedades comerciais ou civis sobre a forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas coletivas que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, e sobre o rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito das pessoas coletivas ou entidades referidas anteriormente que não exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola.

37. Sobre o conceito de exercício, a título principal ou meramente acessório, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, deve atender-se ainda ao teor do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 29/11/2000, no âmbito do processo nº 025580, de acordo com o qual “I – Podem beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do nº 1 do art. 9º do CIRC, as pessoas colectivas de utilidade pública que tenham fins predominantemente científicos. II – Podem beneficiar desta isenção pessoas colectivas de utilidade pública que tenham por fins primaciais actividades científicas de qualquer natureza, incluindo de divulgação científica, não se restringindo a isenção às que tenham actividades próprias de investigação científica”.

38. Para concluir desta forma, esclarece aquele tribunal, com interesse essencial para o presente caso, que “O que é relevante para que se conclua que as pessoas colectivas de utilidade pública visam predominantemente fins científicos, para efeitos da norma em apreço, é que as actividades de natureza comercial ou industrial a que respeita a isenção de IRC, sejam meramente acessórias dos fins científicos, designadamente que os proventos obtidos no seu exercício se destinem a ser utilizados na satisfação desses fins científicos” (o sublinhado é nosso).

39. Nestes termos, a AT só pode tributar a LIPOR com base no seu (alegado) lucro tributável se esta prosseguir uma atividade económica a título principal (e não a qualquer outro título – acessório, marginal, residual, isolado), algo que não se verifica no caso concreto.

40. O entendimento administrativo contestado é, portanto, também por força deste desajustamento entre a natureza da atividade da recorrente e o Direito aplicado, ilegal.

41. Desta forma, a tese defendida na Sentença de que se recorre viola, nos termos melhor explicados acima, o disposto nos artigos 36º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, 7º, n.º 3, do Código Civil, 3º, n.º 4, 9º, n.º 1, alíneas a) e b), 17º, 18º, 20º, 28º, 30º, 42º e 88º, todos do Código do IRC.

42. No seguimento do que aqui vem dito, e em benefício da boa decisão da causa, cumpre ainda invocar a douta decisão proferida por este Tribunal, no âmbito do processo 2868/14.4BEPRT, através da qual foi a impugnação judicial congénere julgada totalmente procedente. Contra esta decisão não foi interposto qualquer recurso, tendo a mesma transitado plenamente em julgado».

1.3. A Autoridade tributária e Aduaneira não contra-alegou.

1.4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

1.5. Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à Conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, são duas as questões a decidir.

A primeira é a de saber se a «decisão recorrida merece censura porquanto padece de ANULABILIDADE, por erro de julgamento da matéria de direito, em violação do disposto no nº 1 do artigo 123º do CPPT e do nº 2 do artigo 659º do CPPT» (ponto III das alegações de recurso e 3.ª conclusão do mesmo articulado).

A segunda é a de saber se na sentença se incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 9.º, alínea b) do CIRC. Mais concretamente, se o Tribunal a quo, ao decidir que a Recorrente não beneficia da isenção de IRC no que respeita à sua actividade de natureza comercial errou na interpretação e aplicação do citado preceito legal.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Da instrução dos autos resultaram provados os seguintes factos:

1) A “Lipor Serviços Intermunicipalizados de Gestão de Resíduos do Grande Porto” é uma associação de municípios criada para a realização de fins específicos aos municípios que a integram, Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa do varzim, Valongo, Vila do Conde – cfr. n.º 1 do artigo 1.º dos Estatutos da Lipor Serviços Intermunicipalizados de Gestão de Resíduos do Grande Porto a fls. 95 a 100 do processo físico.

2) O objecto imediato da Lipor Serviços Intermunicipalizados de Gestão de Resíduos do Grande Porto é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregue pelos seus associados e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento de infra-estruturas necessárias para o efeito – cfr. n.º 1 do artigo 2.º dos Estatutos da Lipor Serviços Intermunicipalizados de Gestão de Resíduos do Grande Porto a fls. 95 a 100 do processo físico.

3) A Lipor Serviços Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto pode ainda por si ou associada a terceiros dedicar-se ao tratamento de resíduos sólidos, de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto – cfr. n.º 3 do artigo 2.º dos Estatutos da Lipor Serviços Intermunicipalizados de Gestão de Resíduos do Grande Porto a fls. 95 a 100 do processo físico.

4) Os municípios associados são obrigados a entregar à Lipor Serviços Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto a totalidade dos resíduos sólidos domésticos recolhidos no respectivo concelho e a ela recorrer em exclusivo quanto à prestação de serviços por ela programados - cfr. alínea c) e f) do n.º 1 do artigo 6.º dos Estatutos da Lipor Serviços Intermunicipalizados de Gestão de Resíduos do Grande Porto a fls. 95 a 100 do processo físico.

5) A Lipor Serviços Intermunicipalizados de Gestão de Resíduos do Grande Porto desenvolve a sua actividade na área dos municípios associados, por sua conta e risco através de serviços próprios – cfr. n.º 4 do artigo 2.º dos Estatutos da Lipor Serviços Intermunicipalizados de Gestão de Resíduos do Grande Porto a fls. 95 a 100 do processo físico.

6) A Lipor Serviços Intermunicipalizados de Gestão de Resíduos do Grande Porto aufere proveitos resultantes da venda de produtos e prestação de serviços aos municípios seus associados e outras entidades públicas, recebendo também subsídios do Fundo de Coesão e do Instituto do Emprego e da Formação profissional.

7) A Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas emitiu a Informação n.º 1399/2006, sancionada pela Directora de Serviços em 2.11.2006 com o seguinte teor: “(…)

“ASSUNTO: Enquadramento fiscal – Associação de Municípios

DIPLOMA: CIRC ARTIGO: 9.º

ENTIDADE INTERESSADA: Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de resíduos do Grande Porto

(…)

Através do seu ofício nº 230893 de 28.07.2004, a Divisão de Inspecção I, da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, solicitou a apreciação jurídica do enquadramento tributário em sede de IRC do sujeito passivo Lipor - Serviços Intermunicipalizado de Gestão de resíduos do Grande Porto, nipc 501 394 192.

A questão que se apresentava tinha a ver com a incompatibilidade entre a Lei que contém o regime das Associações de Municípios e o Código do IRC, no que respeita ao regime fiscal das associações de municípios.

Por um lado, temos a Lei 11/2003, de 13.05, (…), determinando no seu artigo 36.º que “as comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”, estando estas isentas de IRC, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC.

Por outro lado, temos a alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do mesmo Código do IRC que exclui da isenção deste imposto as associações de municípios que exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas.

A Lipor é uma associação de municípios de fins específicos, sendo pessoa colectiva de direito público, criada para a realização de fins específicos comuns aos municípios que a integram.

2. Dos estatutos da Lipor consta como objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. Contudo, a Lipor pode ainda, por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de outros resíduos sólidos, ao tratamento de resíduos hospitalares e à exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto. Resumo das informações anteriores.

3. Na sua informação, a DF do Porto propugna que a isenção estabelecida no art.º 36.º da Lei 11/2003 aplica-se às associações enquanto no exercício da actividade de interesses específicos comuns aos municípios (associados) e no que respeita às outras actividades, prestadas a título secundário, com carácter comercial e industrial, seriam tributadas de acordo com o disposto no art.º 15.º n.º 1 alínea b) e art.ºs 48.º e 49.º do Código de IRC, sendo afastada a isenção.

4. Entendem que a não ser retirada esta interpretação do art.º 36.º da Lei 11/2003, de 13.05, não faz qualquer sentido a existência, no Código do IRC, da alínea b), do n.º 1. Do art.º 9.º, pois o referido artº 36.º encaminharia automaticamente o enquadramento de qualquer associação de municípios para a alínea a) do n.º 1 do art.º 9.º do Código do IRC, porque as “equipara” a autarquias locais.

5. Na informação n.º 384/2006 desta Direcção de Serviços também se tentou uma via de compatibilização dos regimes.

6. Todavia, fomos de opinião que a actividade desenvolvida pela Lipor, não obstante consubstanciar um serviço público, assenta numa estrutura empresarial, pelo que a considerámos, para efeitos de IRC, como uma entidade que exerce, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

7. No entanto, trata-se de uma entidade em concreto que além de realizar interesses compreendidos nas atribuições dos municípios (tratamento dos lixos), pela própria natureza da actividade, também promove outros interesses de teor mais empresarial e que poderiam ser desenvolvidos, em concorrência por privados.

8. Pelo que, em nossa opinião, as actividades desenvolvidas pela Lipor poderiam ser decompostas em dois grupos.

9. Por um lado, a actividade que poderia ser directamente exercida por cada um dos municípios, não havendo dúvidas que a equiparação às autarquias, para efeitos de isenção fiscal, funcionaria. Como se disse, talvez seja essa a razão da existência da norma de natureza fiscal prevista nos diplomas autónomos.

10. E, assim, poder-se-ia entender que os rendimentos, obtidos pela Lipor, que respeita, à prestação de serviços efectuada directamente às Câmaras deviam ser considerados isentos, naqueles termos, já que são esses os rendimentos provenientes da realização de interesses compreendidos nas atribuições dos respectivos municípios

11. Por outro lado, fruto das próprias circunstâncias da evolução técnica do tratamento do lixo, a Lipor obtém rendimentos de outras actividades que exigem estrutura empresarial e que podem ser exercidas por quaisquer entidades privadas.

12. Quanto a estes, já não actuaria a equiparação a autarquias locais para efeitos fiscais e estariam sujeitos a imposto nos termos gerais.

13. Contudo, a Senhora Directora de Serviços, entendeu ser de ouvir o Centro de Estudos Fiscais (CEF) nesta matéria, visto que o tratamento, em sede de IRC, das associações de municípios não se lhe afigura isento de dúvidas, face às sucessivas publicações de leis que regulam o respectivo regime jurídico e atenta a incompatibilidade entre os regimes fiscais estabelecidos nestas leis e no artigo 9.º do Código do IRC, mostrando-se inadequada a resolução da questão através das regras de aplicação da lei no tempo e do estabelecimento de uma relação de especialidade entre as duas leis (Cfr informação n.º 384/2006 da DSIRC). Parecer n.º 85/2006 do CEF 14.

14.Quanto à actividade da Lipor, o Parecer do CEF conclui que esta exerce, a título principal, actividades de natureza comercial e industrial, tal como estas são definidas no artigo 3.º, n.º 4, do Código do IRC, apesar de, naturalmente, estas actividades se integrarem no âmbito das atribuições dos municípios, pois não poderiam os municípios constituir associação que visasse a realização de actividades que exorbitassem das suas atribuições.

15. No que concerne à remissão genérica operada pelo artigo 36.º da Lei 11/2003, de 13/05, para as normativas legais que estabelecem isenções para as autarquias locais não deve ser entendida como prejudicando as normas especiais que expressamente se referem às associações de municípios, como a da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC.

16. De acordo com o citado Parecer, neste sentido militam importantes razões de forma e de substância.

17. Caso a remissão fosse entendida como dirigida à alínea a) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC, seria subtraído qualquer efeito útil à alínea b); havendo que considera-la implicitamente revogada a partir da entrada em vigor da Lei 11/2003, de 13 de Maio.

18. Por outro lado, o artigo 36.º da citada lei possui um campo de aplicação muito mais vasto, estendendo-se a todos os impostos, não existindo razões para pensar que o legislador tenha querido proceder à revogação implícita de todas as normas que se refiram, de modo especial, às associações de municípios.

19. Assim, no que respeita à interpretação da lei, aquele Parecer conclui que o artigo 36º da Lei 11/2003, de 13.05, deve interpretar-se no sentido de remeter, em matéria de IRC, para a alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código, querendo isto dizer que as associações de municípios apenas gozarão de isenção deste imposto quando as actividades que exerçam não possuam natureza comercial, industrial ou agrícola, condição que não se verifica quanto à actividade exercida pela Lipor.

20. No sentido de trazer maior clareza e segurança ao regime fiscal aplicável às associações de municípios, sugere-se, no parecer, uma alteração ao artigo 9.º do Código do IRC no sentido de fundir as alíneas a) e b) do n.º 1. Conclusão

Face a todas as questões levantadas na informação n.º 384/2006 desta Direcção de Serviços, o CEF emitiu parecer no sentido de deixar à instância própria, neste caso, ao Código do IRC, a definição do regime fiscal destas entidades, no que àquele imposto se refere. De facto, foi entendido que a remissão genérica do artigo 36º da Lei 11/2003, de 13.05, não prejudica a aplicação de normas especiais como a da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC. Assim, as associações de municípios apenas beneficiam de isenção de IRC quando não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas.

Neste caso, uma vez que a Lipor exerce, a título principal, actividades de natureza comercial e industrial, tal como estas são definidas no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IRC, consistindo a sua fonte de rendimentos na realização de operações económicas de carácter empresarial, não obstante serem desenvolvidas no âmbito das atribuições dos municípios, não está isenta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC. Quanto à proposta de alteração legislativa, somos de opinião que não introduz nenhuma modificação de substância, nem acrescenta mais-valia no que concerne à interpretação do regime (…)– cfr. fls. 101 a 109 do processo físico.

8) Em 30.05.2012 a Lipor Serviços Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto apresentou a declaração de IRC, modelo 22 respeitante ao exercício de 2011 – cfr. fls. 38 a 43 do processo de reclamação graciosa (RG) junta aos autos.

9) Em 25.07.2012 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2012 2310057467 do exercício de 2011 no montante de €117.859,05 – cfr. fls. 25 a 27 do processo administrativo (PA) apenso aos autos.

10) Da liquidação a que se alude em 9) foi deduzida reclamação graciosa – cfr. fls. 3 a 37 do processo de RG junta aos autos.

11) Para cobrança do montante a que se alude em 9) foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3468201201093908, suspenso na decorrência da apresentação de garantia – cfr. fls. 25 a 29 do PA junto aos autos.

12) Sob a reclamação graciosa a que se alude em 10) recaiu despacho de indeferimento de 25.10.2012 – cfr. fls. 154 do processo de RG junto aos autos.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Do que deixámos exarado nos pontos antecedentes deste acórdão conclui-se, com relativa simplicidade, que o litígio que nos é pedido que reapreciemos emerge directamente da divergência de entendimentos partilhado pelas partes quanto ao âmbito de aplicação das normas de isenção consagradas nas alíneas a) e b) do artigo 9.º do CIRC.

3.2.2. Efectivamente, não obstante a Recorrente ter imputado à sentença, no ponto III das suas alegações de recurso (alegação que posteriormente sintetizou na conclusão 3 da sua motivação) um vício próprio do acto administrativo (anulabilidade da decisão) cremos que apenas por lapso ou menos rigor jurídico o terá feito, uma vez que nada do que vem alegado permite compreender ou detectar que na sentença tenham sido violados os artigos 123.º, n.º 1 do CPPT (“ A sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar.”) ou 607.º, n.º 2 do CPC (“A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.- preceito aplicável ao recurso, atenta a data da sua interposição, e que nas alegações, certamente também por lapso vem referenciado como correspondendo ao artigo 659.º, n.º 2 do CPC, revogado com a entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que se verificou a 1 de Setembro de 2013).

3.2.3. Em suma, não se descortinando que tenha existido qualquer erro quanto à identificação dos interessados, aos factos objecto de litígio, quanto à pretensão do Impugnante, quanto aos fundamentos da sua pretensão ou, sequer, quanto às questões a decidir, impõe-se concluir que o que a Recorrente pretende, a coberto duma incompreensível alegação de anulabilidade da decisão, é ver reapreciada a questão central por si suscitada e relativamente à qual a sentença terá incorrido em erro de julgamento de direito.

3.2.4. É, pois, neste contexto, que passamos a apreciar e decidir a segunda das questões enunciadas na delimitação do objecto do litígio: deve ou não ser reconhecido à Recorrente o direito a não ser objecto de tributação em sede de IRC, por beneficiar da isenção consagrada na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRC?

3.2.5. Precisando o quadro em que a Recorrente suporta a sua pretensão, podemos desde já adiantar que a Recorrente, pelo menos em recurso, não discute que não lhe é aplicável, nem enquanto sujeito, nem enquanto associação de municípios e tendo em conta a actividade que desenvolve, a isenção prevista na alínea a) do artigo 9.º do CIRC. Ou seja, a Recorrente aceita que às associações de municípios, como é o seu caso, não se aplica a isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRC, que, no capítulo dedicado à definição das isenções, prevê que estão isentos de IRC «O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com exceção das entidades públicas com natureza empresarial».

3.2.6. Com o que a Recorrente verdadeiramente se não conforma é com o julgamento no que concerne à inaplicabilidade, no caso, da isenção prevista na alínea b) do mesmo n.º 1 do artigo 9.º do CIRC - que dispõe que não beneficiam de isenção «As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas» - uma vez que, segundo o critério da destinação essencial da sua actividade, só pode concluir-se que não exerce a título principal actividade comercial ou industrial. E, assim sendo, está legalmente justificada a sua pretensão de que os resultados emergentes dessa actividade não sejam objecto de tributação, precisamente por dela estarem isentos ao abrigo do citado artigo 9.º, n.º 1 alínea b) do CIRC.

3.2.7. Sem razão - como passaremos a demonstrar, seguindo-se de perto, na exposição que vamos realizar, o que ficou já decidido quanto à mesma questão no acórdão de 27-10-2021, proferido por esta Secção no processo n.º 4/16.1BEPRT (integralmente disponível em www.dgsi.pt), bem como o douto parecer emitido pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto em ambos os processos.

3.2.8. Na verdade, não tendo sido posta em causa nem a factualidade apurada nem as ilações de facto dela extraídas, há que ter por seguro que a Recorrente é uma associação de municípios, criada para a realização de fins específicos aos municípios que a integram, que tem por objecto social "a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios seus associados e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento de infra-estruturas necessárias para o efeito" e que pode, «por si ou associada a terceiros dedicar-se ao tratamento de resíduos sólidos, de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto".

3.2.9. Ainda de acordo com os Estatutos, e tal como fixado no probatório, a Recorrente exerce a sua actividade na área dos municípios associados, por sua conta e risco, como serviço intermunicipalizado ou por qualquer outra forma legalmente possível".

3.2.10. Ora, as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português», são sujeitos passivos de IRC, o qual, como sabemos, incide sobre o lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas ou entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, excepto nos casos em que os sujeitos sejam associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas, situação em que desse pagamento estão isentas [respectivamente, artigos 2.º, n.º 1 alínea a), 3.º, n.º 1 alínea e 9.º, n.º 2 alínea b), todos do CIRC, na redacção em vigor no ano de 2015].

3.2.11. Acresce, com particular pertinência para a definição do quadro jurídico em que a decisão da questão que enfrentamos terá necessariamente de ser tomada, que, por força do preceituado no artigo 3.º, n.º 4 do CIRC «são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços».

3.2.12. Na síntese correcta vertida pelo Exmo. Procurador-Geral-Adjunto no seu parecer, do cotejo dos normativos citados temos que concluir que «as pessoas colectivas de direito público são sujeitos passivos de IRC, o qual incide sobre o lucro resultante do exercício, a título principal, de uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, a qual consiste na realização de operações económicas de carácter empresarial».

3.2.13. Foi tendo presente este enquadramento jurídico que o Tribunal a quo conclui, bem, que sendo o imposto em causa nos autos relativo ao exercício fiscal de 2011, a pretensão da Recorrente devia, ainda, ser apreciada à luz da Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto (e não, como pretende a Recorrente, tendo por referência a revogada Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio - que primeiramente estabelecera o regime jurídico das associações de municípios, revogado sucessivamente pelo Decreto-Lei n.° 99/84, de 29-03, pelo Decreto-lei n.° 412/89, de 29-11, pela Lei n.° 179/99, de 21-09, pela Lei n.° 11/2003, de 13-05 e pela Lei n.° 45/2008 de 27-08), aduzindo em abono do seu julgamento um discurso que, por irrepreensível, aqui se transcreve: «Ora, contrariamente ao defendido pela Impugnante e atendendo a que no caso presente está em causa o ano de 2011, há que aferir o que dispõe para os devidos efeitos a Lei n.° 45/2008 de 27.08 e não a já revogada Lei n.° 11/2003, de 13.05.

Assim, estatuía o artigo 30.° da Lei n.° 45/2008 de 27.08 que "as CIM beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”.

Nesta medida, a Lei n.° 45/2008 de 27.08 veio alterar o que até aqui vinha a ser estabelecido, ou seja, a estatuição que previa que o beneficio das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais aplicava-se às comunidades e às associações (cfr. artigo 36.° da Lei n.° 11/2003, de 13.05).

Assim, "com a revogação desta Lei, operada pela Lei n.° 45/2008, de 27.08, o legislador apenas manteve tal isenção para as associações de municípios de fins múltiplos, ou seja, para as Comunidades Intermunicipais (CIM), cfr. artigos 1°, 2°, n.°s. 1, al. a) e 2) e 30°, esclarecendo expressamente que as CIM beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, tendo excluído expressamente do texto desta norma, respeitante às isenções fiscais, as associações de municípios de fins específicos como anteriormente acontecia no artigo 36° da Lei n.° 11/2003” - cfr. Acórdão do STA de 28.02.2018, rec. 0522/17.

Não se olvida que à luz de norma transitória inserida na Lei n.° 45/2008, de 27.08 (artigo 38° n.° 6), o legislador permitiu que as associações de municípios de fins específicos constituídas até à entrada em vigor da presente lei pudessem manter em vigor a natureza de pessoa colectiva de direito público.

No entanto, não se nos afigura, que esta possibilidade modifique a redacção introduzida por esta lei, por forma a que as associações de municípios de fins específicos continuassem a beneficiar das isenções reconhecidas às autarquias, na medida em que se considera que a ter sido essa a vontade do legislador ela decorreria expressamente do texto legal. Em sentido idêntico vide o decidido no já aqui enunciado Acórdão do STA de 28.02.2018, rec. 0522/17.

Ademais, de acordo com o disposto no artigo 9.° n.° 3 do Código Civil (CC), "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados...”, sendo certo que o intérprete não deve postergar o princípio geral da adequação da expressão do pensamento legislativo, contido no citado artigo 9.° n° 3 do CC.

A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, “desde logo, uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei”, sendo a letra da lei, o texto da norma, o limite da sua interpretação, neste sentido vide Baptista Machado (in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina Coimbra, 1990, pág. 182).

No caso presente, é nítida a pretensão do legislador ao excluir do normativo em apreço as associações de municípios de fins específicos.

Acresce que, também não é pelo facto das atribuições, da estrutura orgânica e a determinação do quadro de distribuição de competências entre os seus vários órgãos se tiverem mantido que podemos estender o regime que decorre do artigo 30.° da Lei n.° 45/2008 de 27.08 relativamente à CIM às associações de municípios de fins específicos, uma vez que, tal como referencia a Impugnante, eram aspectos que já se encontravam significativamente diferenciados para as CIM e para as associações de municípios de fins específicos no contexto da Lei n.° 11/2003 de 13.05.

Ora, estabelecia à data o n.° 1 do artigo 9.° do Código do IRC (CIRC), com a redacção introduzida pela Lei n° 64-A/2008, de 31 de Dezembro e como tal aplicável ao caso dos autos que “Estão isentos de IRC:) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com natureza empresarial; b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas; c) As instituições de segurança social e previdência a que se referem os artigos 115° e 126° da Lei n° 32/2002, de 20 de Dezembro; d) Os fundos de capitalização e os rendimentos de capitais administrados pelas instituições de segurança social (...)”

Nesta senda, e no que respeita ao ano aqui em questão - 2011 - não se verifica qualquer incompatibilidade entre o disposto no artigo 30.° da Lei n.° 45/2008 de 27.08 e o disposto na alínea b) do artigo 9.° do CIRC, uma vez que daquele preceito legal não decorre a aplicação do disposto na alínea a) do artigo 9.° do CIRC.

Ora, contrariamente ao defendido pela Impugnante, esta é sujeito passivo de IRC ao abrigo do disposto na alínea a) n.° 1 do artigo 2.° do CIRC que determina que, "São sujeitos passivos do IRC a) as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português”

Assim, sendo a Impugnante uma associação de municípios criada para a realização de fins específicos é de se lhe aplicar o que resulta da alínea b) do artigo 9.° do CIRC no que respeita a isenção.

Como tal, a Impugnante somente estará isenta nos termos da alínea b) do artigo 9.° do CIRC se não exercer actividades comerciais, industriais ou agrícolas.

Assim, resta aferir se a Impugnante exerce actividade comercial, industrial ou agrícola.

Nos termos do estabelecido pelo n.° 4 do artigo 3.° do CIRC "Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”.

Ora, tal como decorre do acervo probatório, ponto 2), a Impugnante tem por objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregue pelos seus associados e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento de infra-estruturas necessárias para o efeito.

Acresce que, por força do que decorre dos seus estatutos, possibilitando-a por si ou associada a terceiros dedicar-se ao tratamento de resíduos sólidos, de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto, a Impugnante aufere proveitos resultantes da venda de produtos e prestação de serviços aos municípios seus associados e outras entidades públicas, recebendo também subsídios do Fundo de Coesão e do Instituto do Emprego e da Formação profissional - cfr. pontos 3) e 6).

Assim, a Impugnante exerce, a par de uma actividade de carácter público - a recolha e tratamento de resíduos - uma actividade de natureza comercial.

Por outro lado, do texto da alínea b) do artigo 9.° do CIRC não resulta que a actividade exercida tenha de ser a actividade principal, sendo feita somente referência ao exercício de “actividades comerciais, industriais ou agrícolas’’

Onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir, sendo o elemento gramatical o primeiro e principal ponto de partida na interpretação da lei (artigo 9.° do CC). O intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que lá não consta.

Assim, não sendo distinguido expressamente na norma legal, também não poderá ser entendido que do preceito legal se extrai que o normativo somente respeita a actividades principais.

Nesta senda, não se pode anuir com a tese da Impugnante ao sustentar que a norma se reporta somente à actividade principal desenvolvida atendendo à lógica sistemática do Código do IRC. Isto também porque, nem sempre o CIRC referencia as actividades comerciais, industriais e agrícolas como respeitantes ao exercício principal de uma qualquer entidade, mas por vezes faz essa especificação.

A título de exemplo veja-se o disposto no n.° 5 do artigo 87.° do CIRC ao determinar que “Relativamente ao rendimento global de entidades com sede ou direcção efectiva em território português que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, a taxa é de 21,5 %”.

Nesta senda, não se pode considerar que quando o CIRC faz referência a actividades comerciais, industriais ou agrícolas se tenha de entender que são actividades comerciais, industriais ou agrícolas a título de actividade principal.

Por outro lado, o destino dos proveitos auferidos em resultado da actividade empresarial acessória não releva para aferir da tributação dos proveitos auferidos em sede dessa actividade.

Por último, o decidido pelo STA no Acórdão de 29.11.2000, rec. 025580 não contraria em nada a posição aqui sustentada pelo Tribunal, na justa medida em que não se aplica ao caso dos autos. Isto porque, tendo o Acórdão sido proferido em 29.11.2000, é notório que o imposto respeita a ano anterior.

Respeitando os presentes autos ao ano de 2011, a legislação que lhe é aplicável, como já aqui demos conta, não era a aplicável ao imposto de ano anterior a 2000, não se podendo extrair assim de tal Acórdão para os presentes autos o aí decidido uma vez que os pressupostos de enquadramento legal são notoriamente distintos.».

3.2.14. Dissemos já que o julgado, por todo quanto ficou exposto, não merece qualquer censura. O que fazemos, cientes - tal como ficou exarado no na apreciação desta mesma questão no processo n.º 4/16.2BEPRT supra citada, e tal como impressivamente sublinhou o Exmo. Procurador-Geral Adjunto - de que não foram levados ao probatório, para além de ter ficado apurado que a Recorrente procede à recolha, tratamento e valorização dos resíduos sólidos entregues pelos diversos municípios que a integram, elementos mais precisos relativamente à forma como desenvolve a sua actividade

3.2.15. Todavia, não podemos olvidar, por um lado, que o Tribunal “a quo” deu como assente que a Impugnante efectua efectivamente essa actividade (de prestação de serviços relativas à recolha e tratamento de resíduos hospitalares, ou seja, a actividade, mesmo que a título secundário, de aproveitamento dos resíduos) e, por outro lado, que a própria Recorrente confirma nas suas alegações de recurso queaufere proveitos resultantes da venda de produtos e prestação de serviços, nomeadamente aos municípios seus associados e outras entidades públicase que “Os proveitos resultantes das suas atividades acessórias só são possíveis porque a LIPOR aproveita todo o know-how e estrutura montada para a sua atividade principal de serviço público, assim logrando objetivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria”.

3.2.16. Neste contexto, sendo irrelevante, pelas razões já apontadas «que a dita actividade desenvolvida possa ser considerada acessória da actividade principal desenvolvida a favor de municípios, pois que, pelo menos, para efeitos do disposto no C.I.R.C., a mesma foi autonomizada, conforme resulta da previsão “todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”, constante também do art. 3º nº 4 do CIRC, sendo que tal encontra-se directamente ligado à regra de incidência, a qual, de acordo com o art. 3º nº 1 do CIRC é diversa, consoante seja exercida uma actividade com a dita natureza, “a título principal” ou não - há forçosamente que concluir que aquela regra se aplica «sobre o “lucro”, ou o rendimento global, corresponde à soma algébrica dos rendimentos das diversas categoriais consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito”, conforme melhor consta expresso nas suas alíneas a) e b).

3.2.17. Em conclusão: provado que a Recorrente desenvolve uma actividade de natureza comercial, está demonstrado que não se verificam os pressupostos de aplicação da isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRC, ou seja, está comprovado que se verificam os requisitos de tributação geral devido pela sua qualidade de sujeito e pela actividade desenvolvida, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1 alínea a) e 3.º, n.º 1 alínea b) do mesmo diploma legal.

3.2.18. Pelo que, não existindo no caso qualquer circunstancialismo de facto nem se descortinando acrescido argumento de direito que nos determine a inflectir a posição que foi perfilhada no aresto citado, que subscrevemos integralmente, julgam-se totalmente improcedentes as alegações de recurso, assim se confirmando integralmente na ordem jurídica a douta decisão recorrida.

3.2.19. As custas serão suportadas pela Recorrente, integralmente vencida, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC (aplicável ex vi artigo 280.º do CPPT).

4. DECISÃO

Termos em que, acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo integralmente na ordem jurídica a douta sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 10 de Novembro de 2021 - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - José Gomes Correia - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.