Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01192/04.5BEVIS |
![]() | ![]() |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 04/24/2024 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | TAF de Viseu |
![]() | ![]() |
Relator: | ISABEL CRISTINA RAMALHO DOS SANTOS |
![]() | ![]() |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; SIMULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO; NEGÓCIO REAL; PRESCRIÇÃO; |
![]() | ![]() |
Sumário: | I- Não enferma de erro de julgamento de facto, quando foi analisada criticamente a prova documental, dando como provados os factos que entendeu necessário em consideração da causa de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor e dando a indicação dos elementos de prova utilizados para formar a sua convicção e a sua apreciação crítica de modo a perceber-se o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão. II-Em matéria tributária, no caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado - nº 1 do artigo 39º da LGT. III-A impugnação judicial não é o meio processual adequado para o conhecimento da questão da prescrição da obrigação tributária, por este processo visar apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO «AA», «BB» e «CC», na qualidade de herdeiros do falecido «DD», (doravante recorrentes) vieram recorrer da sentença proferida a 14-09-2023, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a qual julgou improcedente a impugnação que teve por objeto a liquidação adicional de IRS n.º 2004.........693, relativa ao ano de 2000, no montante de €27.225,58. Nas suas alegações, os Recorrentes concluíram nos seguintes termos: “1- A motivação da decisão de facto proferida nos presentes autos apenas pode resultar da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e também da posição assumida pelas partes. 2- A matéria de facto alegada pelo primitivo impugnante, nomeadamente nos art.ºs 8º, 9º e 10º da petição inicial, foi incorretamente julgada. 3- Alegou, e provou, o primitivo Impugnante que nunca adquiriu, por trespasse, o estabelecimento denominado Escola ...; que nunca esteve na posse da chave do mesmo; que nunca exerceu os direitos correspondentes; que nunca esteve na posse de quaisquer bens móveis ou equipamentos; que nunca procedeu ao pagamento de qualquer quantia devida por tal negócio. 4- Não tendo adquirido a Escola ..., nunca tendo estado na sua posse nem na posse de quaisquer direitos e bens móveis que a integravam não poderia o primitivo Impugnante proceder à transmissão da mesma nem dos seus elementos. 5- O primitivo Impugnante alegou, e provou, que não transmitiu, por trespasse, a Escola ..., nunca tendo recebido um centavo, que fosse, por força do suposto contrato promessa de trespasse (supostamente celebrado em 27/01/2000, o dia seguinte ao dia da outorga da simulada escritura de trespasse). 6- O primitivo Impugnante alegou, e provou, que a Escola ..., depois da data em que foi celebrada a escritura de trespasse (26/01/2000) continuou a ser propriedade dos representantes da sociedade “[SCom01...], L.da”, «EE» e mulher «FF», que continuaram a comportar-se relativamente ao estabelecimento 22 comercial em causa, como seus legítimos proprietários que efetivamente eram. 7- O primitivo Impugnante alegou, e provou, que nunca esteve na posse da Escola ... e, consequentemente, nunca poderia ter transmitido tal posse ao suposto promitente trespassário, «GG», pelo que não poderia consumar-se o suposto negócio. 8- Com o devido respeito, resulta dos documentos juntos aos autos e da posição das partes, que o contrato promessa de trespasse e respetivo aditamento é nulo, por simulado. 9- A redação da alínea E. da “Fundamentação de Facto” deverá ser complementada, em conformidade com a douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Lamego, pela forma seguinte: “E. Por sentença proferida no Tribunal Judicial de Lamego em 18/05/2006 e no âmbito de ação com processo ordinário movida pelo primitivo impugnante e mulher contra [SCom01...], Lda, em que era pedida a declaração da nulidade do contrato de trespasse identificado em A. do presente probatório, foi declarado que “os AA. nunca adquiriram, por trespasse, a Escola ..., sendo nula por simulada a escritura de trespasse outorgada no Cartório Notarial ... em 26/01/2000”. Em tal sentença foram dados como provados os seguintes factos: E.1 -Em 26/01/2000, no Cartório Notarial ..., foi outorgada uma escritura de trespasse, em que foram outorgantes, «EE» e mulher «FF», na qualidade de sócios gerentes e em representação da sociedade comercial por quotas com a firma “[SCom01...] Limitada”, aqui R. e segundo outorgante, o A. marido. E.2 -Não obstante em tal escritura ter sido exarado que, pelo preço de cinco milhões de escudos os primeiros outorgantes trespassaram ao segundo outorgante (o aqui A. marido) o estabelecimento comercial denominado Escola ..., abrangendo tal trespasse, a cedência da respetiva chave, direitos e obrigações, bem como a cedência de todas as licenças, alvará e demais coisas móveis e equipamento pertencentes ao estabelecimento. E.3 -Tal declaração não teve, nem tem, qualquer correspondência com a vontade real de cada uma das partes outorgantes. Efetivamente nem os primeiros outorgantes pretendiam trespassar a referida Escola ..., nem o segundo outorgante pretendia aceitar tal trespasse. E.4 - O segundo outorgante nunca adquiriu o referido estabelecimento, nunca esteve na posse da chave do mesmo, nunca exerceu os direitos correspondentes nem cumpriu quaisquer obrigações e nunca esteve na posse de quaisquer bens móveis ou equipamentos... por um minuto que fosse. E.5 -Não procedeu ao pagamento da quantia referida naquela escritura (de cinco milhões de escudos) nem, tão pouco, procedeu ao pagamento de qualquer outra quantia. E.6 -Nunca o segundo outorgante pretendeu adquirir, por trespasse, ou por qualquer outro contrato, a referida Escola .... E.7 -O aqui A. marido apenas declarou que pretendia adquirir, por trespasse, a Escola em causa, porque tal lhe foi pedido pelo primeiro outorgante marido, o Sr. «EE», que lhe disse que não teria qualquer problema, que pagaria todas as despesas e encargos daí decorrentes”. Que era apenas um favor que lhe faria (ao primeiro outorgante marido). E.8 -O A. marido não recusou, tanto mais que era funcionário da sociedade de que o primeiro outorgante (na referida escritura) era sócio-gerente. E.9 -Não receberam deste um centavo que fosse... E.10 -E continuaram a comportar-se, na qualidade em que outorgaram, relativamente ao estabelecimento comercial em causa, como seus legítimos proprietários, que, efetivamente, continuaram a ser. E.11 -Os representantes da Ré apenas pretenderam, com a simulação do trespasse da Escola ..., retirar esta do património da “[SCom01...], Lda.” de modo a evitar que a mesma fosse executada por terceiros para cumprimento de dívidas.” 10- Deverá ser adicionado à matéria de facto (já que são factos que, por um lado, não foram objeto de impugnação por parte da Fazenda Pública e, por outro, decorrem do facto do primitivo Impugnante nunca ter estado na posse da Escola ... e, nunca tendo estado na sua posse, nunca a poderia ter prometido trespassar, não se tendo consumando tal negócio): “G. O primitivo impugnante «DD» não adquiriu, por trespasse, a Escola ..., ou seja, nunca adquiriu o referido estabelecimento, nunca esteve na posse da chave do mesmo, nunca exerceu os direitos correspondentes e cumpriu quaisquer obrigações, nunca esteve na posse de quaisquer bens móveis ou equipamentos… por um minuto que fosse.” “H. O primitivo impugnante «DD» não pretendeu trespassar a Escola ... nem recebeu um centavo que fosse, por força de tal contrato ou de qualquer outro.” 11- Deverá ser retificada a redação dos parágrafos B., C. e D., dos “Factos Provados” nos termos seguintes (com as devidas retificações em sublinhado): “B. No dia 27 de Janeiro de 2000, o primitivo impugnante, «DD», assinou com «GG» e mulher, um documento intitulado “CONTRATO DE PROMESSA DE TRESPASSE”, pelo qual declarou dar de trespasse ao segundo contraente e antes identificado, pelo valor de vinte milhões de escudos, valor entregue no momento da outorga do contrato e do qual foi dada quitação, “a Escola ... de que é proprietário e que é conhecida como Escola ..., trespasse que engloba: - O alvará; Os móveis que nesta data existem nas instalações da escola; - As seguintes viaturas com a exclusão de quaisquer outras” (…) (cfr. fls. 42 e 43 dos autos);” “C. Do documento referido no ponto anterior consta, na cláusula quarta, que “O promitente trespassário toma posse imediatamente da escola e esta promessa de trespasse implica a cedência de todos os direitos e obrigações inerentes ao funcionamento das referidas escolas” e da cláusula quinta consta que “O contrato prometido será realizado logo que o processo de transmissão de alvará esteja completo e autorizado pela Direção Geral de Viação, condição para a realização do trespasse” (cfr. fls. 42 e 43 dos autos);” “D. No dia 21 de junho de 2001, o primitivo Impugnante «DD», assinou com «GG» e «HH», adenda ao documento referido nos pontos B. e C. do probatório, do qual resulta no n.º 4 que “O segundo Outorgante reconhece que tomou posse de todos os bens que constavam do primitivo contrato promessa e integravam a Escola ..., qualquer bem que tenha perecido ou deixado de pertencer à escola resulta de exclusiva responsabilidade do mesmo 2º outorgante” (cfr. fls. 46 e 47 dos autos);” 12- O que está em causa, nos presentes autos, é decidir se o primitivo impugnante adquiriu, por trespasse, a Escola ... (em 26/01/2000) e se no dia seguinte (27/01/2000) a prometeu trespassar tendo pago e recebido os respetivos valores monetários em causa donde resultariam ganhos suscetíveis de serem tributados em sede de IRS, dos quais resultaria uma liquidação adicional, nesse mesmo ano, no montante de €27.225,58. 13- O negócio titulado pela escritura outorgada no dia 26/01/2000 no Cartório Notarial ... foi simulado não pretendendo as partes outorgantes celebrar tal negócio nem qualquer outro. 14- O primitivo Impugnante não procedeu ao pagamento de qualquer quantia (que seria devida caso tivesse o primitivo Impugnante tivesse adquirido, de facto, a Escola ...); assim como não recebeu qualquer quantia do suposto promitente trespassário «GG» (porquanto não transmitiu a este tal estabelecimento); não se verificou a existência de quaisquer mais-valias suscetíveis de tributação. 15- A questão que importa decidir é determinar se assiste razão ao Impugnante ao afirmar que o contrato é simulado e que nunca recebeu qualquer quantia nesse âmbito e, por essa via, se as liquidações impugnadas padecem de erro na qualificação e quantificação. 16- Como se reconhece no douto aresto recorrido, está assente que não se pretendeu vender o prédio em causa (a Escola ...), nem o primitivo Impugnante teve intenção de o comprar. 17- Entre a outorgada da escritura declara nula e de nenhum efeito, repercutido à data da sua assinatura (26/01/2000) e a data da assinatura do documento intitulado “CONTRATO DE PROMESSA DE TRESPASSE” decorreu um dia! 18- Constando do mesmo que “O segundo outorgante expressamente reconhece que o contrato prometido poderá ser celebrado pelo Sr. «DD», quer pelo seu procurador o Sr. «EE» (outorgante na escritura identificada no parágrafo anterior)! Com o devido respeito, o Tribunal a quo não procedeu à análise crítica e conjugada dos meios de prova à luz do senso comum e da racionalidade das coisas atento um juízo de valor condizente com as regras de celebração dos negócios e dos contratos (a título de exemplo refira-se: como entregaria um cidadão normal vinte milhões de escudos, vinte mil contos à data, a outro cidadão pelo trespasse de estabelecimento de que este não era possuidor e cuja entrega, consequentemente, não fez, como reconheceu o Tribunal Judicial de Lamego; ou como poderia ter ocorrido um negócio, ao qual foi atribuído um preço de cinco milhões pela aquisição, num dia, e depois ter ocorrido uma transmissão, ao outro dia, pelo preço de vinte milhões, tendo no segundo negócio ocorrido intervenção e conhecimento, por parte dos primitivos trespassantes (cfr. documento intitulado “CONTRATO DE PROMESSA DE TRESPASSE”, cláusula sexta)? 20- O conteúdo do douto aresto proferido pelo Tribunal Judicial de Lamego, analisado em todas as suas consequências e em conjugação com o conteúdo dos documentos anexos aos autos nomeadamente os documentos intitulados “CONTRATO DE PROMESSA DE TRESPASSE” e “ADITAMENTO A CONTRATO PROMESSA DE TRESPASSE” (e até mesmo com o conteúdo dos documentos constantes do apuramento da factualidade efetuada em sede de ação inspetiva), permite a prolação de uma decisão justa, decretando-se a procedência da presente impugnação; 21- Nunca tendo adquirido o estabelecimento, nunca o primitivo o Impugnante o poderia ter transmitido; Se assim não for entendido, sem conceder nem conceber, sempre com o devido respeito e a devida vénia, na procura da alcançar a verdade material, 22- Ser ordenada a produção de prova testemunhal quanto às consequências dos aludidos “papeis escritos” assinados pelo primitivo Impugnante e os identificados promitentes trespassários, «GG» e mulher e entre aquele e os referidos «GG» e «HH» (não obstante o trânsito em julgado do douto aresto que julgou improcedente o incidente de justo impedimento apresentado). Por outro lado, 23- Estão volvidos cerca de vinte desde que o primitivo Impugnante se viu confrontado com liquidação efetuada pela Fazenda Pública (e foi só então que teve consciência das consequências dos seus atos ao assinar o contrato de trespasse e, no dia seguinte, ao assinar o documento intitulado “contrato de promessa de trespasse” e se viu obrigado a efetuar as diligências necessárias à sua defesa as quais, refira-se, não têm decorrido da melhor forma) pelo que, não obstante a tramitação processual da presente impugnação, devem ser retiradas as devidas consequências para efeitos de eventual prescrição que, para todos os efeitos, se invoca expressamente. Nestes termos, nos mais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que declare procedente, por provada, a impugnação deduzida, ou, caso assim não seja entendido, ordenar-se a produção de prova testemunhal para apuramento da factualidade que permita esclarecer a contradição existente entre a matéria dada por provada no parágrafo A. dos “Factos Provados” (donde decorre que não se verificou nenhum contrato de trespasse da Escola ..., não tendo o primitivo Impugnante recebido, por força de tal contrato, a posse da mesma) e a matéria constante do parágrafo B. dos “Factos Provados” (donde decorre que, passado um dia, o primitivo Impugnante entregou a posse daquele estabelecimento, a Escola ..., ao promitente trespassário); ou, ainda, caso assim não seja entendido, atento devem ser retiradas as devidas consequências para efeitos de eventual prescrição que, para todos os efeitos, se invoca expressamente. assim se fazendo JUSTIÇA A Fazenda Pública (doravante recorrida) não apresentou contra-alegações. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. No presente recurso cabe decidir se: 1. a sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto por errada valoração da prova 2. há erro de julgamento de direito por não estarem verificados os pressupostos da liquidação efetuada. Erro quanto à matéria de facto, por entenderem os recorrentes que: 1 - A motivação da decisão de facto proferida nos presentes autos apenas pode resultar da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e também da posição assumida pelas partes. 2 - “A matéria de facto alegada pelo primitivo impugnante, nomeadamente nos art.ºs 8º, 9º e 10º da petição inicial, foi incorretamente julgada.” 3 - “a decisão sobre a matéria de facto foi incorretamente proferida no que tange à matéria dada por provada nos parágrafos B., C. e D., supra, bem como quanto à matéria dada por não provada (estando em contradição com os factos dados por provados no parágrafo E., decorrentes da douta sentença proferida pelo T. J. Lamego)”. Solicita que se ordene a produção de prova testemunhal para apuramento da factualidade que permita esclarecer a contradição existente entre a matéria dada por provada no parágrafo A. dos “Factos Provados” (donde decorre que não se verificou nenhum contrato de trespasse da Escola ..., não tendo o primitivo Impugnante recebido, por força de tal contrato, a posse da mesma) e a matéria constante do parágrafo B. dos “Factos Provados” (donde decorre que, passado um dia, o primitivo Impugnante entregou a posse daquele estabelecimento, a Escola ..., ao promitente trespassário); - Erro de julgamento de direito por entender que o que está em causa, nos presentes autos, é decidir se o primitivo impugnante adquiriu, por trespasse, a Escola ... (em 26/01/2000) e se no dia seguinte (27/01/2000) a prometeu trespassar tendo pago e recebido os respetivos valores monetários em causa donde resultariam ganhos suscetíveis de serem tributados em sede de IRS, Pretende que devam “(…) ser retiradas as devidas consequências para efeitos de eventual prescrição que, para todos os efeitos, se invoca expressamente, os quais resultaria uma liquidação adicional, nesse mesmo ano, no montante de €27.225,58.” III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO III.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: A. No dia 26 de janeiro de 2000, «DD», primitivo impugnante nos presentes autos, celebrou no Cartório Notarial ..., com «EE» e mulher, em representação de [SCom01...], Lda., contrato de trespasse, pelo qual declarou tomar de trespasse o estabelecimento denominado de “Escola ...”, pelo preço de cinco milhões de escudos (cf. fls. 39 a 41 dos autos); B. No dia 27 de Janeiro de 2000, o primitivo impugnante, «DD», celebrou com «GG» e mulher, contrato de promessa de trespasse, pelo qual declarou dar de trespasse ao segundo contraente e antes identificado, pelo valor de vinte milhões de escudos, valor entregue no momento da outorga do contrato e do qual foi dada quitação, “a Escola ... de que é proprietário e que é conhecida como Escola ..., trespasse que engloba: - O alvará; Os móveis que nesta data existem nas instalações da escola; - As seguintes viaturas com a exclusão de quaisquer outras” (…) (cfr. fls. 42 e 43 dos autos); C. Do contrato referido no ponto anterior consta, na cláusula quarta, que “O promitente trespassário toma posse imediatamente da escola e esta promessa de trespasse implica a cedência de todos os direitos e obrigações inerentes ao funcionamento das referidas escolas” e da cláusula quinta consta que “O contrato prometido será realizado logo que o processo de transmissão de alvará esteja completo e autorizado pela Direção Geral de Viação, condição para a realização do trespasse” (cfr. fls. 42 e 43 dos autos); D. No dia 21 de junho de 2001, o primitivo Impugnante «DD», celebrou com «GG» e «HH», adenda ao contrato referido nos pontos B. e C. do probatório, do qual resulta no n.º 4 que “O segundo Outorgante reconhece que tomou posse de todos os bens que constavam do primitivo contrato promessa e integravam a Escola ..., qualquer bem que tenha perecido ou deixado de pertencer à escola resulta de exclusiva responsabilidade do mesmo 2º outorgante” (cfr. fls. 46 e 47 dos autos); E. Por sentença proferida no Tribunal Judicial de Lamego em 18/05/2006 e no âmbito de ação com processo ordinário movida pelo primitivo impugnante e mulher contra [SCom01...], Lda, em que era pedida a declaração da nulidade do contrato de trespasse identificado em A. do presente probatório, foi declarado que “os AA. Nunca adquiriram, por trespasse, a Escola ..., sendo nula por simulada a escritura de trespasse outorgada no Cartório Notarial ... em 26/01/2000” (cfr. fls. 29 a 33 dos autos). F. Em resultado da ação inspetiva aos elementos declarativos do primitivo impugnante «DD», a Entidade Impugnada procedeu a correções aritméticas na declaração de IRS do Impugnante, referente ao ano de 2000, da qual resultou a liquidação adicional de IRS, nesse mesmo ano, no montante de € 27.225,58, com data limite de pagamento em 08/09/2004 (cf. fls. 13 a 16 do processo administrativo anexo e 9, 10, 13 a 15 dos autos) Factos não provados 1 – O Impugnante nunca recebeu um centavo que fosse por força dos contratos identificados em A. a D. do presente probatório, ou de qualquer outro que envolvesse a “Escola ...” (cf. ponto 9 da petição inicial e alínea c) do pedido). Não existem quaisquer outros factos, atento o objeto do litígio, com relevância para a decisão da causa. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos meios de prova indicados em cada facto julgado provado, designadamente dos documentos juntos aos autos, não impugnados, de cujo teor se extraem os factos provados, não sendo, em consequência, admissível qualquer outro meio de prova, e, bem assim, na parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, se encontram corroborados pelos documentos identificados em cada um dos factos. Nesta matéria, importa ter em conta que, na sequência de Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 05 de março de 2020, foi determinada a realização de audiência contraditória para produção da prova testemunhal indicada pelo Impugnante, não tendo os intervenientes processuais comparecido na data determinada para o efeito e consequentemente não tendo sido produzida qualquer prova testemunhal. Em consequência, a matéria de facto referida no referido Acórdão, mais designadamente que o Impugnante não havia recebido qualquer montante no âmbito dos contratos em causa nos autos, resultou não provada. Por fim, resta ter em conta que da prova documental constante dos autos resulta que o Impugnante declarou ter recebido e deu quitação do recebimento da quantia mencionada no contrato e que subjaz à liquidação impugnada. A restante matéria de facto alegada não foi julgada provada ou não provada, por constituir alegação de factos conclusivos, matéria de direito ou por se revelar inútil ou irrelevante para a decisão da causa. IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO IV.I Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto por errada valoração da prova O recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos. Quer a alteração da matéria de facto ou errada apreciação e valoração da prova, pressupõe o erro do julgamento de facto, o qual ocorre quando, da confrontação dos meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o julgamento efetuado é desconforme com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto. O artigo 607.º, n.º 5 do CPC, ao consagrar o princípio da livre apreciação da prova estabelece como princípio orientador que o julgador não se encontra sujeito às regras rígidas da prova. No entanto, a atividade de valoração da prova não é arbitrária, estando vinculada à busca da verdade e limitada pelas regras da experiência comum e pelas restrições legais. Com efeito, o princípio da livre apreciação da prova concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração da prova produzida que deverá encontrar justificação na fundamentação lógica e racional, na sentença permitindo seu escrutínio quer pelas partes quer pelo tribunal de recurso. Segundo este princípio, e por força do n.º 5 do artigo 607.º, do CPC o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Por força do referido princípio, as provas são apreciadas livremente, de acordo com a convicção que geram no julgador acerca da existência de cada facto, ficando afastadas as situações de prova legal que se verifiquem, por força do disposto nos artigos 350.º, nº 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil, nomeadamente, da prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares quanto à materialidade das suas declarações e por presunções legais. O erro deve ser demonstrado pelo Recorrente, delimitando o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera incorrer em erro e fundamentar as razões da sua discordância, especificando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes do processo que, no seu entender, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adotada pela decisão recorrida. Por força do artigo 640.º, nºs 1 e 2 do CPC, para que o TCA possa proceder alteração da matéria de facto, devem ser indicados os pontos de facto considerados incorretamente julgados, indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, bem como as concretas questões de facto controvertidas, com indicação, no seu entender, de qual a decisão alternativa deve ser proferida pelo tribunal de recurso, em sede de reapreciação dos meios de prova, relevantes, não sendo permitidos recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto. Da análise da sentença sub judice, entendemos que o julgamento de facto não enferma de erro, pois foi analisada criticamente a prova documental, dando como provados os factos que entendeu necessários em consideração da causa de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor e dando a indicação dos elementos de prova utilizados para formar a sua convicção e a sua apreciação crítica de modo a perceber-se o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão. Mais se diga que, não obstante criticar os factos dados como provados e não provados o certo é que invoca em abono da sua tese as suas próprias ilações e entendimento relativamente à prova produzida que, por um lado não se afigura necessária relativamente aos factos que pretende acrescentar relativos ao negócio que foi declarado nulo (escritura de trespasse realizada em 26-01-2000) e, por outra via, pretende que desses factos se extraiam outros factos quanto ao contrato de promessa de trespasse, nomeadamente recebimento de dinheiro, que apenas dizem respeito a factos relativos ao 1º negócio. Quanto ao contrato promessa de trespasse entendeu a 1ª instância, e bem, que existe prova documental nos autos de onde resulta que o aqui recorrente declarou ter recebido e deu quitação do recebimento da quantia mencionada no contrato e que subjaz à liquidação impugnada - facto B) do probatório. Assim, não assiste razão aos Recorrentes quanto à necessidade de aditar factos ou proceder à retificação de outros, em primeiro lugar porque dizem respeito ao contrato de trespasse datado de 26-01-2000 declarado nulo e em segundo lugar por não demonstrarem a simulação relativa ao contrato promessa, pois não resulta dos autos que este foi objeto de qualquer ação ou impugnação judicial. Mais se diga que quanto ao pedido de produção de prova testemunhal, por Acórdão deste tribunal, em 05-03-2020 foi determinada a sua realização, o que não sucedeu por terem faltado a mandatária e respetivas testemunhas na data designada para o efeito. Foi proferida sentença que julgou improcedente o incidente de justo impedimento invocado pela Ilustre Mandatária para a realização da diligência de produção de prova (cf. fls. 221 a 238 dos autos e referências 004858263 a 004878841 do SITAF) e foi proferido despacho de rejeição do recurso apresentado da sentença referida na alínea precedente (cf. fls. 243 e 244 dos autos e referência 004890525 do SITAF). Deste circunstancialismo resulta que esta questão já foi objeto de decisão estando sedimentada na ordem jurídica. Assim improcedem na totalidade as alegações do recorrente IV.2 Do erro de julgamento de direito. No caso em apreço os Recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS n.º 2004.........693, relativa ao ano de 2000, no montante de €27.225,58. Das alegações de recurso imputa o Recorrente à sentença sub judice erro de julgamento de direito, por ter considerado que, entre a celebração do contrato de promessa de trespasse e a declaração de nulidade dessa escritura decorreram mais de seis anos, tempo mais que suficiente para que o negócio prometido desse os seus frutos na posse do trespassário, que também declarou ter pago ao Recorrente o valor contratado, que este declarou receber e não prova o contrário. Ao invés, os Recorrentes entendem que pelo facto de ter sido declarado nulo o negócio simulado, por nunca ter recebido qualquer quantia nesse âmbito, a liquidação impugnada padece de erro na qualificação e quantificação. Cumpre apreciar. Neste processo, num primeiro momento, a Administração Tributária cumpriu o ónus da prova que lhe incumbia, o de justificar a sua atuação na emissão da liquidação impugnada, nos termos do artigo 3º (Rendimentos da categoria B) CIRS, onde se estabelece o seguinte: 1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais: a) Os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária; (…) 2 - Consideram-se ainda rendimentos desta categoria: (…) h) Os provenientes da prática de atos isolados referentes a atividade abrangida na alínea a) do n.º 1; Nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. No âmbito do procedimento e/ou do processo tributário, ao nível da elaboração doutrinal e jurisprudencial, é, presentemente, aceite que, regra geral, cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução que corresponde à regra geral do art. 342.º do Código Civil, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos e que foi acolhida no art. 121.º n.º 1 do CPT (e também no art. 100.º n.º 1 CPPT…)”. Assim entendeu a AT que é devido IRS pelo Impugnante em razão do contrato de promessa de trespasse que celebrou com terceiro e no âmbito do qual (contrato promessa) declarou ter havido a tradição da posse dos elementos transmitidos, alvará, móveis e viaturas, enquadrando-os na categoria B, direito que teria adquirido por efeito do contrato subjacente à escritura pública de trespasse que havia celebrado e que em 1805-2006 foi declarada nula por sentença judicial proferida no Tribunal Judicial da Comarca de Lamego. Posto isto, tudo estaria conforme com a posição assumida pela AT, não fosse a declaração de nulidade da escritura (por simulação do negócio) pela qual o Recorrente havia tomado de trespasse o estabelecimento que posteriormente prometeu transmitir. Quanto à simulação do negócio, o art. 241º, nº1 do Código Civil estabelece que "quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado". Assim e se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiro, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado – nº 1 do artigo 240º do C. Civil. Esse negócio é nulo – nº 2 do mesmo artigo – pelo que este vício aproveita a qualquer interessado e pode ser oficiosamente declarada a todo o tempo (artigos 286º e seguintes do C. Civil). A nulidade do negócio também pode ser arguida pelos próprios simuladores e pelos herdeiros (artigo 242º C. Civil). Porém, a nulidade do negócio proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé – nº 1 do artigo 243º do C. Civil. Embora sem efeitos práticos na lei civil, a lei distingue entre simulação inocente e simulação fraudulenta (ver parte final do nº 1 do artigo 242º do C. Civil). A simulação pode ser absoluta, se sob a capa do negócio declarado não existe qualquer negócio, ou relativa, quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, aplicando-se a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem a dissimulação – nº 1 do artigo 241º do C. Civil – só sendo válido se relativamente ao negócio dissimulado tiver sido observada a forma exigida pela lei – mº 2 do mesmo artigo. Em matéria tributária, no caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado - nº 1 do artigo 39º da LGT. Daqui se conclui que a simulação é fiscalmente irrelevante, na medida em que não obsta à tributação do negócio real (de acordo com as regras de incidência eventualmente existentes) nem permite a tributação do negócio simulado. Não obstante se verificar que a escritura de trespasse foi declarada nula (em 18-052006), o certo é que quanto à consumação do contrato prometido (realizado em 2701-2001 em que figuram como outorgantes o aqui recorrente e «GG» e mulher, os quais declararam tomar de trespasse o estabelecimento denominado “Escola ...”, pelo preço de vinte milhões de escudos – pontos B), C) e D) do probatório), nada se prova, nomeadamente quanto ao não recebimento das quantias em causa. Aliás o que resulta dos autos é que o aqui promitente trespassário declarou ter pago ao recorrente o valor contratado e este declarou receber e não prova o contrário (como resulta dos factos não provados). Mais resulta ainda do facto D) do probatório que: No dia 21 de junho de 2001, o primitivo Impugnante «DD», celebrou com «GG» e «HH», adenda ao contrato referido nos pontos B. e C. do probatório, do qual resulta no n.º 4 que “O segundo Outorgante reconhece que tomou posse de todos os bens que constavam do primitivo contrato promessa e integravam a Escola ..., qualquer bem que tenha perecido ou deixado de pertencer à escola resulta de exclusiva responsabilidade do mesmo 2º outorgante” (cfr. fls. 46 e 47 dos autos); Ora independentemente do tempo decorrido entre a celebração do contrato-promessa de trespasse, a adenda realizada em 21/6/2001 e os eventuais efeitos produzidos por este contrato, a declaração de nulidade do contrato de trespasse não determina inelutavelmente, ainda que por arrastamento, a nulidade do contrato-promessa, designadamente, até pelo eventual efeito da proteção de terceiros de boa-fé (art. 243.º do CC). Só que este tribunal não tem de estar a apreciar e julgar, nesta sede, a existência ou não da referida proteção. Em sede de recurso este tribunal tem de apreciar o julgamento realizado na sentença recorrida e nesta está assente que o facto determinante da correção da liquidação impugnada é o contrato – promessa outorgado pelo primitivo Impugnante que, como vimos, não foi impugnado, nem atingido pelos efeitos da declaração de nulidade do contrato de trespasse. A sua validade mantém-se incólume. Por isso, os Recorrentes não podem invocar a nulidade do contrato-promessa, ainda que indiretamente, por força da declaração de nulidade do contrato de trespasse. E quanto ao referido contrato-promessa, contrato que está na origem da liquidação impugnada, os Recorrentes e o primitivo impugnante não alegaram, nem demonstraram que intentaram qualquer tipo de ação judicial a contestar a sua validade. Logo, só podemos concluir que o contrato-promessa que está na origem da liquidação impugnada mantém-se válido para efeitos fiscais. Acresce que o primitivo impugnante declarou ter recebido o valor pelo qual prometeu efetuar o trespasse e que declarou que o promitente trespassário tomou posse dos bens e direitos inerentes ao trespasse. Como tal, os Recorrentes carecem de razão nesta parte. IV.B – Da prescrição Antes de mais há que salientar que a impugnação judicial não é o meio processual adequado para o conhecimento da questão da prescrição da obrigação tributária, por este processo visar apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação [in Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, II volume, Áreas Editora, 2011, pág. 109 a 111]. A título de exemplo veja-se Proc. 92/07.1 BEPRT do acórdão deste tribunal de 1609-2021 de onde se extrata o seguinte: “(…) A propósito da questão do conhecimento da prescrição em sede de impugnação judicial e com os fundamentos a que aderimos, relatou-se no acórdão do STA de 08.01.2020, proferido no proc. n.º 01/99.0BUPRT (in www.dgsi.pt) que: “[…] 2.2.2.1 Como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar desde há muito, uniforme e reiteradamente, a prescrição da obrigação tributária não é fundamento de impugnação judicial, motivo porque nela não deve ser conhecida oficiosamente, sem prejuízo de aí poder ser conhecida a título incidental, enquanto pressuposto da utilidade da lide, este sim de conhecimento oficioso. Sobre a questão, ficou dito no acórdão de 7 de Fevereiro de 2007, proferido no processo com o n.º 980/06 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/cedd724eaaed289c80257295003cb2f6.): «Como é sabido, trata-se na impugnação judicial de um contencioso de anulação, que não de plena jurisdição – cfr. Alberto Xavier, Aspectos Fundamentais do Contencioso Tributário, p. 43 e ss. –, sendo o seu objecto o acto tributário, através de “qualquer ilegalidade” ou “vício”, em vista da sua “anulação total ou parcial”. Assim, se o pedido impugnatório procede, o tribunal anula o acto, pela existência de qualquer ilegalidade. Pelo que tem este tribunal entendido que a prescrição da obrigação tributária – “da dívida exequenda”, na expressão legal –, embora de conhecimento oficioso, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução fiscal. Na verdade, não pode confundir-se a validade do acto tributário com a sua eficácia. […] O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à “cobrança” do imposto e não tendo pois a ver com a sua validade ou existência do acto tributário e, em consequência, com a sua legalidade, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução». Prossegue o mesmo acórdão, ponderando a prescrição, não como fundamento de impugnação judicial, «mas apenas como sustentáculo da inutilidade da lide e consequente extinção da instância», com a afirmação de que, então, esse conhecimento se fará «plenamente dentro da legalidade» e porque, verificada a prescrição da obrigação tributária, «a lide impugnatória não tem qualquer utilidade». E explica porquê: «Na verdade, a sua procedência não teria quaisquer consequências, uma vez que já não poderia, mercê da predita prescrição da dívida, ser instaurada execução fiscal, que se instaurada, logo soçobraria, mesmo sem oposição, dado o carácter oficioso do conhecimento da mesma. Ou seja: a questão não radica na inclusão da prescrição da obrigação tributária em termos de ilegalidade da liquidação, mas, em termos processuais, da utilidade da lide impugnatória que, assim, não pode ter qualquer reflexo na relação substancial respectiva, pelo que a sua continuação seria pura inutilidade». É este entendimento que tem vindo a ser seguido na jurisprudência de que o citado acórdão é um exemplo entre muitos (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 2 de Dezembro de 2015, proferido no processo com o n.º 1364/14, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/235ab3098a7e831580257f 1e005090e9; - de 9 de Novembro de 2016, proferido no processo com o n.º 1118/15, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b84374a73dde81f802580 6b0040bbbb; - de 4 de Julho de 2018, proferido no processo com o n.º 1433/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f1fc96dd1f2c333c802582cd 004aac60: - a impugnação judicial não tem como objecto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação (cfr. arts. 99.º e 24.º do CPPT) e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, motivo por que em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, questão esta do conhecimento oficioso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, págs. 23 a 25.).[…]”. Acresce que, também de forma uniforme e reiterada tem o colendo STA vindo a entender que o conhecimento da prescrição em sede impugnatória, em qualquer instância, só é devida enquanto pressuposto de conhecimento oficioso que é o da (in)utilidade da lide, quando dos autos resultem elementos factuais que permitam ao Tribunal tomar posição quanto à questão da prescrição, sem a necessidade de realização de mais iniciativas processuais (cf. entre outros, os acórdãos de 20.04.2020, proferido no processo n.º 0571/06.8BEPRT-0662/18 e de 04.07.2018, proferido no processo/recurso n.º 01433/17). Ora, da prova aditada aos presentes autos consta que existe um processo de execução fiscal que foi movido para a cobrança do crédito emergente da liquidação a que aqui se faz alusão (cf. o teor do facto aditado sob a designação de alínea v)). Todavia, não se sabe quando se deu a citação dos ora Recorrentes para a referida execução, sendo que esta teria potenciais efeitos interruptivos (cf., entre outros, o n.º 1 do art.º 49.º da LGT). Igualmente não há notícia nos autos de outros atos processuais eventualmente promovidos no processo de execução fiscal que pudessem ser ou suspensivos ou interruptivos quanto ao decurso do prazo prescricional. Assim sendo, não dispondo esta instância dos elementos necessários para aferir da invocada prescrição da dívida decorrente das liquidações aqui referidas e suscitada nas supra citadas conclusões do presente recurso e não estando esta instância obrigada à realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na presente forma processual, decide-se dela não conhecer, sem prejuízo da questão referida poder vir a ser eventualmente suscitada noutros figurinos processuais. (…)”. Em sede de impugnação judicial, a prescrição é apreciada apenas para aferir se deve a instância prosseguir ou deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide. Em sede de recurso, por identidade de razão, a questão só pode ser incidentalmente colocada na pendência do recurso dessa decisão para aferir da utilidade da apreciação do mesmo. O que está em questão não é o imediato conhecimento oficioso da prescrição, mas sim o problema do conhecimento oficioso das causas de inutilidade da lide. Nesta parte, tem-se entendido que as causas de inutilidade superveniente da lide são também do conhecimento oficioso, por estarem relacionadas com o interesse processual ou interesse em agir, que é assumido pela doutrina como pressuposto processual ou condição da ação. E que não tem de existir apenas no momento em que o processo se inicia, mas também ao longo dele, justificando a sua falta a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (cfr. acórdão do STA 28.06.2006 no processo n.º 0189/06, disponível em redação integral in www.dgsi.pt.). No caso em apreço, não existem nos autos elementos que objetivamente apontem para a inutilidade superveniente da lide com tal fundamento nem os mesmos foram minimamente fornecidos pelo Recorrente e os elementos disponíveis nos autos não constam o processo executivo e outros processos ou procedimentos que, em concreto, se revelassem necessários. Tem sido entendimento reiterado deste TCAN que o conhecimento da prescrição só será possível no recurso se no processo de impugnação constarem todos os elementos necessários para efeito (Cfr. Acórdão TCAN 12.07.2012 proc. 0116/05.7 BEVIS, e 17.05.2012, proc. nº 291/04 e 01490/06.3 BEVIS de 16.10.2014). E também não existe norma que imponha o dever de avocar o processo executivo para conhecer da eventual ocorrência da inutilidade do prosseguimento da lide, em sede de recurso. No entanto sempre se dirá que tal não acarreta prejuízos para o Recorrente, uma vez que, poderá requerer ao órgão de execução fiscal que declare a prescrição das obrigações tributárias, e da eventual decisão de indeferimento cabe reclamação para o tribunal, nos termos do art.º 276.º do CPPT. Face ao supra exposto, não se toma conhecimento do recurso jurisdicional interposto relativamente à prescrição da dívida. * No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, são os Recorrentes os responsáveis pelas custas do recurso – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. ** Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário: I- Não enferma de erro de julgamento de facto, quando foi analisada criticamente a prova documental, dando como provados os factos que entendeu necessário em consideração da causa de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor e dando a indicação dos elementos de prova utilizados para formar a sua convicção e a sua apreciação crítica de modo a perceber-se o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão. II-Em matéria tributária, no caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado - nº 1 do artigo 39º da LGT. III-A impugnação judicial não é o meio processual adequado para o conhecimento da questão da prescrição da obrigação tributária, por este processo visar apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação. V. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: a) Negar provimento ao recurso, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida e a liquidação efetuada. b) Custas pelos Recorrentes nos termos do artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Porto, 24 de abril de 2024 Isabel Ramalho dos Santos (Relatora) Carlos Castro Fernandes Serafim José da Silva Fernandes Carneiro |