Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00474/20.3BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA- MATÉRIA DE FACTO-MESTRADO INTEGRADO DE MEDICINA.
Sumário:1- A sentença só é nula por falta de fundamentação quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito e ainda quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.

2- Por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação ou de ampliação for(em) insuscetível (eis) de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente

3- O Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março estabelece o regime jurídico dos “Graus e Diplomas do Ensino Superior” e faz corresponder a cada um dos graus académicos de licenciado, mestre e doutor, individualmente considerados, um determinado e específico ciclo de estudos, sujeito a regras próprias de acesso e ingresso, de frequência e de definição da estrutura curricular e dos respetivos ECTS necessários à sua conclusão.

4- É possível a obtenção do grau de mestre após conclusão de um (único) ciclo de estudos integrado, em determinadas áreas de formação, nas quais se inclui a Medicina, em que é conferido o grau de licenciado aos que tenham realizado os 180 créditos correspondentes aos primeiros seis semestres curriculares de trabalho (artigo 19.º do DL n.º 74/2006).

5- No mestrado integrado de medicina (MIM), o termo do 3.º ano corresponde ao momento de conclusão da l0icenciatura em Ciências Básicas da Saúde, e o final do 5.º ano marca o período que precede o Estágio Programado e Orientado.

6- A imposição dos “anos barreira” no termo dos 3.º e 5.º anos do MIM, através do despacho n.º 9881/2016 da FMUC, teve como consequência que os estudantes só passaram a poder transitar para o ano curricular subsequente após a obtenção da totalidade dos ECTS dos anos precedentes.

7- A circunstância do autor se ter inscrito no MIM da FMUC, no ano letivo de 2015/2016 e de a criação do “ano barreira”, ter ocorrido apenas quando o mesmo já tinha concluído a frequência do 1.º ano do curso, não o isenta da sujeição a essa regra, contando o mesmo com um tempo razoável para se organizar e preparar em ordem a superar esse obstáculo.

8- Só haverá violação do princípio da confiança quando se possa afirmar que: (i) O Estado adotou comportamentos que geraram nos cidadãos «expetativas» de continuidade; (ii) que essas expectativas são legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; (iii) que os cidadãos realizaram planos de vida assentes na expectativa legitima da manutenção do “comportamento” do Estado; e (iv) que não ocorram razões de interesse publico a justificar a cessação desse comportamento.

9- A Lei n.º 38/2020, de 16/08, estabelece medidas excecionais e temporárias para salvaguarda dos direitos dos trabalhadores e estudantes do ensino superior público ditadas pelo cenário da pandemia, assegura, no artigo 6.º, a possibilidade de os interessados em prosseguir os seus estudos numa fase/ciclo de estudos subsequente àquele que frequentam poderem aceder a essa fase/ciclo de estudos, diferenciado, sem necessidade de terem concluído a fase/ciclo de estudos anterior, sendo por ela abrangidos os alunos que frequentem o MIM.
Sumário (elaborado pela relatora – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Recorrente:L.
Recorrido 1:UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Intimação Protecção Direitos, Liberdades e Garantias (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

1.1. L., residente na Rua (…), moveu a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra a UNIVERSIDADE DE COIMBRA, com sede no Paço (…), e contra a FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, com sede na Azinhaga (…), formulando os seguintes pedidos:
“a) liminarmente, de modo a acautelar a possibilidade de maior agravamento da situação do A., em face da urgência da definição do direito a acautelar, com fundamento no disposto no art.º 110.º, n.º 3, do CPTA, que o Tribunal opte pelo processamento dos autos nos termos estabelecidos neste preceito, “em moldes que certamente V. Exa. melhor entenda serem adequados ao caso, e/ou, sem prejuízo, determine desde já que o Autor se possa inscrever, provisoriamente até à prolação de Decisão final, no quarto ano do Mestrado Integrado de Medicina, de tal modo que seja garantida a frequência às aulas que estão a decorrer e o acesso aos elementos necessários a essa frequência”;
b) que a presente ação seja julgada procedente, por provada e, consequentemente, que as RR. sejam condenadas a reconhecer que o A. tem direito a inscrever-se no quarto ano do Mestrado Integrado de Medicina (MIM), garantindo ainda que não decorre qualquer prejuízo ou consequência na sua avaliação em face dessa inscrição só ocorrer neste momento.”
Para tanto, alega, em síntese, que ingressou no Mestrado Integrado de Medicina (MIM), na FMUC, no ano de 2015, com a nota de candidatura de 18,7 valores;
No entanto, foi obrigado, em situação extrema, a suspender a sua inscrição em 28/02/2018, referente ao segundo semestre do ano letivo de 2018/2019, desistência essa que foi aceite, sendo que, decorrido esse período, apesar de se ter deparado com novas razões de saúde que o limitaram e que continuam a manter-se, redobrou o esforço no sentido de voltar ao seu percurso académico, o que concretizou no ano letivo de 2018/2019, obtendo resultados que lhe permitiram acreditar que poderia, não obstante aquelas razões de saúde, prosseguir o seu projeto de concluir o curso de medicina;
No ano letivo de 2019/2020, tentou obter os melhores resultados académicos que lhe foi possível, porém, não obstante o seu esforço, não conseguiu atingir o objetivo a que se havia proposto, não tendo obtido aprovação numa das cadeiras do ano em que se encontrava, tenho-lhe sido transmitido que não poderia apresentar-se a exame numa outra cadeira, com o argumento de que não teria presenças bastantes nas aulas práticas;
Logo nessa altura dirigiu-se à FMUC, invocando que não percebia por que razão não estavam registadas as presenças em aulas práticas que efetivamente detinha, e que, por outro lado, no que se refere a setembro de 2019, apresentara justificação médica que atestava a impossibilidade, por razões de saúde, de se deslocar às aulas;
Em 13/07/2020, foi-lhe transmitido que já não seria possível alterar as faltas, por ter decorrido o prazo para o efeito,
Esta situação decorre, não da inação do aqui A., mas de erro ou lapso dos Serviços Administrativos da FMUC, ao não terem registado, como deviam, todas as suas presenças em aulas práticas, e ao não terem considerado a justificação apresentada para as faltas ocorridas no mês de setembro de 2019, pelo que foi a descrita atuação da FMUC que impediu, objetivamente, o A. de reunir as condições a que tinha direito para obter aprovação nessa cadeira;
Apesar de ter promovido junto das RR. todas as medidas que considerou ajustadas no sentido de que fosse permitida a sua inscrição no 4.º ano do MIM, solicitando urgência na decisão, não conseguiu qualquer efeito útil, apesar do tempo entretanto decorrido, porquanto, tendo apresentado reclamação na R. UC em 17/09/2020, apenas veio a ser notificado, por correio eletrónico de 09/10/2020, de que o seu requerimento foi apreciado, tendo nele sido exarado despacho cujo projeto de decisão apontava no sentido do seu indeferimento, com fundamento na aplicação do “ano barreira”, nos termos do qual os estudantes só podiam transitar para o ano curricular subsequente após obtenção da totalidade dos ECTS dos anos precedentes, o que não foi o caso do A.;
Entende que não lhe pode ser vedado o direito a inscrever-se no 4.º ano do MIM no ano letivo de 2020/2021, uma vez que não lhe é aplicável o designado “ano barreira”, criado através do Despacho n.º 9881/2016, por a isso se opor a garantia de efetivação dos princípios da confiança e da segurança jurídica, consagrados na CRP, princípios esses cuja efetivação só será garantida através da aplicação do regime que vigorava aquando da admissão da sua candidatura, no ano de 2015, em que o ciclo de estudos do mestrado integrado de medicina na FMUC não comportava a existência de um qualquer ano barreira, cuja criação ocorreu apenas no ano de 2016, num momento em que já havia concluído o 1.º ano do curso;
Sempre importará ter presente, dando-lhe efetiva aplicação, o regime que decorre da aprovação da Lei n.º 38/2020, de 16/08, que estabelece medidas excecionais e temporárias para salvaguarda dos direitos dos trabalhadores e estudantes do ensino superior público, em especial o seu art.º 6.º, sendo que as RR. entenderam que, por o A. não ter obtido aprovação em duas cadeiras, o ano barreira não seria afastado pela aplicação do citado artigo, com o argumento de que esse se destina a mestrados específicos e não a mestrados integrados;
A situação que o legislador procurou acautelar, atendendo ao cenário de pandemia existente, foi a possibilidade de os interessados em prosseguir os seus estudos num ciclo de estudos subsequente àquele que frequentam poderem aceder a esse ciclo de estudos, diferenciado, sem necessidade de terem concluído o ciclo de estudos anterior, não podendo valer, para afastar a aplicabilidade do art.º 6.º daquele Decreto-Lei à situação do A., o argumento de que o acesso à fase de mestrado do MIM (4.º ano e seguintes) não depende de qualquer candidatura;
Apesar do regime em que esse mestrado se estrutura, não deixa o mesmo de ser integrado por dois ciclos distintos, atribuindo o primeiro, correspondente aos primeiros três anos, precisamente o grau de Licenciatura em Ciências Básicas da Saúde, sendo que a criação do denominado “ano barreira” na FMUC mais o aproxima da situação comum aos mestrados não integrados, em que, em geral, a conclusão da licenciatura é pressuposto/requisito para se poder aceder àqueles;
Uma interpretação diversa, além de contrária aos objetivos perseguidos com a aprovação e publicação desta lei especial, levaria a que o citado art.º 6.º permitisse o acesso a mestrados não integrados sem a prévia conclusão da licenciatura e, diversamente, já não o permitisse nos mestrados integrados, com eventual violação, para além do pensamento e intenção legislativos, do princípio da igualdade de tratamento, também constitucionalmente consagrado;
O modo de acesso, por candidatura ou não, não se traduz em requisito que o legislador tenha erigido como determinante para distinguir os estudantes quanto à aplicação da norma mas sim, diversamente, a intenção de permitir, excecionalmente, a todos eles o acesso às fases seguintes dos seus estudos, de mestrado ou doutoramento, ainda que não tenham concluído a fase/ciclo anterior – é essa a conclusão que resulta, aliás, da exposição de motivos do projeto e sua discussão;
Em face da vigência do aludido art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, bem como do estado atual de dificuldade e incerteza em que vivemos e cuja manutenção durante este ano letivo é de prever, impõe-se, dando cumprimento ao mencionado normativo, que se afirme a suspensão da vigência do ano barreira, por afrontar diretamente e de modo expresso o regime naquele previsto, bem como o objetivo que se pretendeu alcançar com a sua estipulação legal.
1.2. O TAF de Coimbra proferiu despacho liminar, por via do qual determinou a inscrição e admissão imediata e provisória do A. a frequentar o 4.º ano do mestrado integrado em medicina ministrado pelas RR. e convidou o A. a substituir a petição inicial apresentada, para o efeito de requerer a adoção da(s) providência(s) cautelar(es) que entenda adequada(s) à salvaguarda dos seus direitos, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de caducidade do decretamento provisório da providência.
1.3. Inconformado com o referido despacho na parte em que determinou a substituição da p.i. apresentada, o Autor interpôs recurso jurisdicional, tendo este TCAN por acórdão de 27/11/2020 concedido provimento ao recurso, ordenando a baixa dos autos para que os mesmos aí prosseguissem os seus termos como ação urgente de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.
1.4. Citada, a UC contestou, defendendo-se por exceção, invocando a ilegitimidade da FMUC. Sustentando a ilegitimidade passiva da FMUC. Defendeu-se também por impugnação, invocando, em síntese, que do Plano de Estudos do MIM resulta evidenciada a impossibilidade de a UC admitir a inscrição do A. no 4.º ano do MIM, porquanto não reúne o mesmo as condições necessárias para o efeito, considerando que não realizou os 180 ECTS respeitantes aos três primeiros anos do ciclo integrado;
Nenhuma dúvida pode existir quanto ao facto de o Plano de Estudos do MIM e as suas regras serem aplicáveis a todos os estudantes que escolhem frequentá-lo, que por eles ficam abrangidos desde o início da sua vigência, sendo que qualquer alteração à estrutura curricular e ao plano de estudos de qualquer curso, sem prejuízo das regras de transição definidas, vigorará automaticamente para todos os alunos neles inscritos;
A decisão da UC de não admitir a inscrição do A. no 4.º ano do MIM, por não ter completado os 180 ECTS necessários para transitar do terceiro para o quarto ano, jamais poderá colocar em causa os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos;
A realização do percurso escolar definido pelo Plano de Estudos do MIM, contrariamente à situação prevista no art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08, não depende de qualquer candidatura, na medida em que estamos perante o mesmo, e único, ciclo de estudos, pelo que tal normativo não pode ter aplicação à situação do A., considerando que as situações que o legislador pretendeu abranger respeitam a mestrados e doutoramentos dotados de autonomia, respeitantes a ciclos de estudos distintos, e não os mestrados integrados, que fazem parte de um único e mesmo ciclo de estudos;
Atendendo a que a pretensão do A. não é candidatar-se a um ciclo de estudos para a obtenção de mestrado, mas sim prosseguir normalmente com o ciclo de estudos integrado em que se encontra inscrito, não pode ter aplicação, no caso concreto, o disposto no art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08;
Se a intenção do legislador fosse, durante a situação de pandemia e a título excecional, permitir que os estudantes pudessem prosseguir os seus estudos, dentro do mesmo ciclo, independentemente de terem ou não obtido o número de ECTS necessário para transitar de ano, não teria, por certo, deixado de consagrar expressamente uma tal solução, admitindo que qualquer aluno pudesse, simplesmente e em qualquer circunstância, matricular-se no ano seguinte;
Por outro lado, o normativo em causa é uma norma excecional, pelo que, nos termos do art.º 11.º do Código Civil, não é suscetível de aplicação analógica.
Conclui, pugnando pela improcedência do peticionado.
1.5. O A. pronunciou-se, em sede de resposta, pugnando pela improcedência da matéria de exceção invocada.
1.6. Proferiu-se despacho a dispensar a produção de prova testemunhal e/ou por declarações de parte, por desnecessária.
1.7. Proferiu-se saneador-sentença que julgou improcedente a exceção invocada, e quanto ao mérito julgou a ação improcedente, constando da mesma a seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, julga-se improcedente a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias e, em consequência, absolve-se a R. dos pedidos.
Sem custas.
Fixa-se o valor da presente intimação em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), ao abrigo do art.º 34.º, n.os 1 e 2, do CPTA, do art.º 6.º, n.º 4, do ETAF e do art.º 306.º do CPC (aplicável ex vi art.os 1.º e 31.º, n.º 4, do CPTA).
1.8. Inconformado com o saneador-sentença, o Autor interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões:
“1.ª Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos em referência, tendo por objeto: a título principal, a sentença proferida pelo Tribunal a quo, sobre a matéria de facto mas, em particular, no âmbito da aplicação da lei e do direito, que declarou improcedente a ação; a título meramente subsidiário, apenas para a eventualidade de não proceder o primeiro, o despacho interlocutório, prévio à prolação da sentença, que dispensou, “por desnecessária, a produção da prova testemunhal / por declarações de parte requerida.”
2.ª Não pode o Recorrente deixar de manifestar a sua mais profunda revolta e indignação, pelo modo como o Tribunal a quo conduziu o processo, pois que, não obstante da petição inicial constarem devidamente invocadas as razões e fundamentos por que em derradeira instância se viu na necessidade de recorrer a Tribunal para que lhe fosse efetivado o direito que entende assistir-lhe, como ainda a urgência na definição da sua situação, só passados quatro longos meses foi proferida a sentença.
3.ª Ocorreu um tratamento desigual para com o Recorrente e as Recorridas, permitindo-se que essas, como se não fossem partes interessadas na ação, tivessem, em vez do prazo legal previsto para a oposição, três meses para o efeito.
4.ª Enquanto o Recorrente, que esteve sempre em contrário sujeito ao respeito pelos prazos, acabou por ser o principal prejudicado pela demora do processo, ficando durante meses, que para si foram uma eternidade, numa situação de completa incerteza sobre o seu futuro, incluindo, numa situação de provisoriedade da sua inscrição, com sujeição à frequência das aulas e depois, em janeiro e fevereiro, a exames.
5.ª O Recorrente sequer tinha intenção de prosseguir os seus estudos na FMUC não fora a decisão liminar que determinou a sua inscrição provisória, tendo apenas realizado a sua inscrição por ter então ficado na convicção (que agora em face da sentença percebeu ser enganadora) de que essa decisão derivara já de uma apreciação liminar que apontaria para uma probabilidade séria de existir o seu direito, tanto mais que, valendo é certo então a ideia segundo a qual o tribunal estatuirá sobre a base de uma apreciação perfunctória ou sumária e não segura ou definitiva, baseando-se apenas sobre uma probabilidade séria da existência do direito invocado, no caso, estando afinal em causa na ação, como fator essencial e determinante, a interpretação e aplicação da lei e do direito que foi invocado (que de resto não pressupunha o apuramento de factos), seria pressuposto que essa análise tivesse sido feita, quando tudo evidencia que o não foi, em face do sentido contrário seguido na sentença – mal se compreendendo assim que o Tribunal recorrido, antes de proferir tal decisão provisória, não tenha cuidado de se debruçar minimamente, como se entende que seria pressuposto, sobre o sentido dessa lei, incluindo na parte invocada a sua interpretação.
6.ª Até porque o Tribunal recorrido conhecia já, desde o início, os argumentos das Recorridas, pois que os mesmos haviam sido expressamente invocados e rebatidos pelo Recorrente na petição inicial.
7.ª Daí que, não podendo ter sido a novidade dos argumentos invocados na resposta das Recorridas na oposição a lograrem a alteração do juízo inicial que justificaria a inscrição provisória do Recorrente, fosse pelo menos de esperar que resultasse da sentença recorrida essa explicação, já agora com a necessária profundidade, que mais não fosse em termos de justificar, minimamente, o facto de se ter determinado inicialmente a inscrição e de mais tarde, no contexto antes evidenciado, negar esse direito.
8.ª Trata-se do percurso de vida do Autor / recorrente, sendo esse que está em causa, percurso esse que, como se disse, sendo essa a sua convicção naquela altura, sequer passaria, não fosse aquela decisão provisória, pela continuidade da frequência do mestrado integrado em medicina (MIM) na FMUC.
MATÉRIA DE FACTO
9.ª O ponto 3.º do que se considerou provado na sentença, depois de expurgado de expressões não verdadeiras e outras que não se assumem sequer como factos, como melhor se fundamentou nas alegações, deve passar a ter a redação seguinte: “No ano letivo de 2019/2020, o A. estava inscrito no 3.º ano do MIM e obteve aprovação a 169 dos 180 ECTS necessários para concluir os três primeiros anos, tendo as RR, por esse facto, impedido que o A. se inscrevesse no 4.º ano do MIM, no ano letivo de 2020/2021, enquanto não concluísse os 180 ECTS, invocando que tal se devia à vigência e aplicação do “ano barreira.”
10.ª O ponto 7.º do que se considerou provado na sentença, em face do documento junto aos autos que suporta a sua prova, deve passar a ter a redação seguinte: “Através de e-mail enviado no mesmo dia 14/09/2020, o Presidente do Conselho Pedagógico da FMUC informou o A. da sua concordância com a interpretação constante da resposta enviada pelos serviços de apoio académico da FMUC em 11/09/2020”.
11.ª O ponto 9.ºdo que se fez constar na sentença como facto provado, por não assumir a natureza de facto, deve ser eliminado na sua totalidade.
RECURSO NO MBITO DA PLICAÇÃO DA LEI E DO DIREITO
12.ª É firme convicção do Recorrente de que a sentença recorrida, de resto elaborada de forma sequer devidamente fundamentada e sem cuidar de apreciar criticamente as questões que foram colocadas pelo Recorrente na petição inicial, se traduz num erro clamoroso no âmbito da aplicação da Lei e do Direito, para além, o que não é de somenos, de afrontar princípios de dignidade constitucional, em particular da proteção da confiança, da segurança jurídica e da igualdade de tratamento.
13.ª O ciclo de estudos integrado conducente ao grau de Mestre em Medicina (MIM), cuja aprovação decorreu sob proposta da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, dizendo-se que tem por base normativa nomeadamente o Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior, publicado pelo Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março – alterado pelo Decreto-Lei n.º 107/2008, de 25 de junho, Decreto-Lei n.º 230/2009, de 14 de setembro, retificado pela Declaração de Retificação n.º 81/2009, de 27 de outubro, e Decreto-Lei n.º 115/2013, de 7 de agosto, e Decreto-Lei 65/2018, de 16 de agosto –, está estruturado, como do mesmo resulta, em duas fases, ambas conferentes de grau académico, assim uma primeira correspondente aos três primeiros anos, cuja conclusão, por si só, atribui desde logo o grau de licenciado em Ciências Básicas da Saúde, e uma segunda, subsequente, cuja conclusão atribui o grau de mestre em Medicina.
14.ª Isso mesmo resulta expressamente, também, do diploma que lhe dá sustentação normativa, o referido Decreto-Lei n.º 74/2006, resultando logo do seu preâmbulo, a organização do ensino superior em três ciclos, “tal como já ficou consagrado pela Lei de Bases do Sistema Educativo”, e que ao 1.º ciclo (licenciatura) “correspondem, por norma, 180 créditos, isto é, três anos curriculares de trabalho.” (sublinhado nosso)
15.ª A respeito do mestrado integrado (cujo nome resulta precisamente da inclusão dos ciclos de licenciatura e mestrado propriamente ditos), importará ter presente o que se dispõe no seu artigo 19.º, n.ºs 3, 4 e 5, para se evidenciar quer a autonomização dentro dele do grau de licenciatura (que é conferido aos que tenham realizado os 180 créditos correspondentes aos primeiros seis semestres curriculares de trabalho), quer ainda, no mesmo sentido, a possibilidade de no mesmo ingressarem licenciados em área adequada, bem como a creditação neste ciclo de estudos da formação obtida no curso de licenciatura.
16.ª Ou seja, para além do facto de conferirem, como se viu, o correspondente grau, diverso pois, evidenciando também claramente, mais uma vez, que as fases de licenciatura e de mestrado não se confundem, sendo antes perfeitamente autonomizadas mesmo nos casos dos denominados mestrados integrados, basta atender, ainda, ao que se dispõe no artigo seguinte (20.º), pois que, referindo-se o seu n.º 1 ao que deve integrar o ciclo de estudos conducente ao grau de mestre, no seu n.º 2, alínea a), referindo-se aos mestrados integrados, apenas exclui a aplicação dos valores mínimos a que se refere o n.º 1, ou seja, no mais é-lhes aplicável.
17.ª Ora, não obstante o que se referiu anteriormente, aquando da candidatura do Recorrente no ano letivo de 2015/16, como ainda depois durante todo esse ano na sua frequência, a progressão nos estudos dentro do MIM não estava sujeita à imposição de qualquer “ano barreira”, sendo que, por essa razão, contrariamente ao afirmado na sentença, a respeito da imposição ao Recorrente dessa regra do “ano barreira” (introduzida pelo Despacho n.º 9881/2016), tal imposição ofende, de modo inesperado e desproporcionado as suas expectativas, em sentido claramente desfavorável – pois que, repete-se, quando escolheu frequentar o MIM na FMUC, esse não comportava, à data (ano letivo de 2015/16), qualquer “ano barreira”, sendo que tal “figura”, não estando prevista na lei, também não existia na prática do ensino superior, tratando-se pois de pura inovação, com a agravante de o ser administrativamente.
18.ª Não tendo, pois, o Recorrente quaisquer razões para prever que, já num momento em que se havia inscrito no MIM e esse frequentava, a possibilidade da sua criação posterior, como ainda, e em particular, de vir a ser-lhe aplicado, no que agora importa, barrando-lhe o seu acesso ao 4.º ano, caso não tivesse obtido aprovação em todas as unidades curriculares dos três anos anteriores, referentes à fase da licenciatura, do que decorre, sempre, que tal aplicação imediata nessas circunstâncias dessa nova regra ofendeu de modo inesperado e desproporcionado as expectativas que tinha ao inscrever-se, assim de inexistência desse obstáculo à progressão nos seus estudos.
19.ª Obstáculo esse que, diversamente do que se considera na sentença, para utilizarmos a adjetivação que nessa se utiliza de natural, razoável e plausível (???) – de resto apenas com recurso à genérica afirmação de que, no decurso da frequência de um determinado curso superior, a instituição que o ministra, ao abrigo das disposições legais aplicáveis e na prossecução das suas atribuições e autonomia técnica e científica, se veja na necessidade de introduzir alterações na definição da respetiva estrutura curricular e do respetivo plano de estudos, alterações essas que, entrando em vigor, se tornam imediatamente aplicáveis a todos os estudantes que se encontram já a frequentar o curso, bem como àqueles que o venham, mais tarde, a frequentar, assim garantindo uma uniformização, a nosso ver indispensável, na aplicação das regras de frequência do curso a todos os estudantes no mesmo inscritos” –, não se traduz numa mera alteração na definição estrutura curricular e do plano de estudos do mestrado integrado em Medicina (MIM), diversamente do que se afirma na sentença, e aliás o Autor invocou, pensando-se que com relativa facilidade se perceberiam as relevantes e decisivas diferenças.
20.ª Tratando-se, antes, e apenas, em face do regime que vigorava anteriormente, assim no momento em que o Recorrente se inscreveu e iniciou a frequência, da criação de puros obstáculos à normal progressão dos alunos no MIM, de resto, por não resultarem previstos na lei, de origem como se disse administrativa, que se traduziram, sendo que é disso que se trata, na divisão desse mestrado, a respeito da normal progressão que existia antes no mesmo dos estudantes, em três fases, passando a impor que esses tivessem de ter aprovação em todas as unidades curriculares antes de poderem progredir para o 4.º ano (fim da fase que atribui o grau de licenciatura, ou seja os três primeiros anos, e em que se inicia a fase de mestrado), como depois, no final do quinto ano, que precede o Estágio Programado e Orientado.
21.ª Na própria sentença acaba por reconhecer-se esse facto, quando se fez constar, citando-se, “de acordo com o ponto 10 do anexo (“Observações”) ao Despacho n.º 9881/2016, “são introduzidos “anos barreira” no termo dos 3.º e 5.º anos do MIM. A fixação de um “ano barreira” significa que os estudantes só poderão transitar para o ano curricular subsequente após obtenção da totalidade dos ECTS dos anos precedentes. O termo do 3.º ano do MIM corresponde ao momento de conclusão da Licenciatura em Ciências Básicas da Saúde (...)”.
22.ª Sem que, no entanto, desse mesmo facto aí não se retirem as necessárias consequências, ou seja sem se atender afinal à verdadeira natureza em termos de relevância efetiva de tais impostas alterações, o que se imporia, aquando da sua necessária consideração para efeitos de aplicação da lei e da Constituição...
23.ª Desde logo, e de facto, a criação dos designados “anos barreira” na FMUC, através do Despacho n.º 9881/2016, não só manteve a estruturação distinta das fases de licenciatura e de mestrado dentro do MIM, como ainda, de modo claro, essas equiparou, em termos de progressão dos estudantes, ao que se passava e passa com os ciclos de licenciatura e de mestrado não integrados, pois que naquelas, como nestes, se passou a impor a conclusão de todas as unidades curriculares da licenciatura antes de se poder progredir para o mestrado!
24.ª Demonstrando o que se disse, resulta do despacho antes referido, que “A fixação de um “ano barreira” significa que os estudantes só poderão transitar para o ano curricular subsequente após obtenção da totalidade dos ECTS dos anos precedentes” e que “O termo do 3.º ano do MIM corresponde ao momento de conclusão da Licenciatura em Ciências Básicas da Saúde, ao passo que o final do 5.º ano marca o período que precede o Estágio Programado e Orientado.”
25.ª Permita-se a repetição, pois que esse facto foi em absoluto desvalorizado na sentença recorrida, tratando-se de criação completamente inovadora, ou seja, “figura” em absoluto nova, assim na prática universitária no que aos mestrados integrados diz respeito – não existia qualquer precedente –, traduz-se, por si só, na completa alteração, para não dizermos destruição, do regime antes vigente de mestrado integrado, assim quanto à transição normal dos estudantes entre as duas fases que integram esse mestrado – assim a primeira de licenciatura e a segunda de mestrado –, ou seja de prosseguimento normal dos estudos nesta última fase sem a obrigatoriedade de terem concluído obrigatoriamente todas as unidades curriculares da fase anterior (e mais, lembre-se, pois que também inclui um outro obstáculo, antes também inexistente, dentro da fase de mestrado, de poderem aceder ao 6.º ano, de “Estágio Programado e Orientado”).
26.ª Esta situação, diversamente do que consta da sentença, ao fazer apelo a jurisprudência do Tribunal Constitucional – assim a respeito, como o refere, de não haver “um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados” –, nenhuma similitude tem com aquelas sobre as quais incidiu essa Jurisprudência, sendo que, como facilmente se comprova, não cuidou sequer o Tribunal a quo, o que se lhe impunha, de demonstrar também, já que o teve por pressuposto, qual era então a base legal, ou seja as normas legais em vigor que dariam sustentação à criação inovadora dos impostos “anos barreira”, únicos que foram invocados e na sentença considerados como impeditivos da transição do Autor para o 4.º ano e assim para a fase do mestrado do MIM.
27.ª De facto, sem cuidar de dizer-se qual é a norma específica que lhe dá adequado suporte, consta apenas, o que se traduz em mera generalidade sem conteúdo efetivo nesse âmbito, a afirmação de que “entendemos como natural, razoável e perfeitamente plausível que, no decurso da frequência de um determinado curso superior, a instituição que o ministra, ao abrigo das disposições legais aplicáveis e na prossecução das suas atribuições e autonomia técnica e científica, se veja na necessidade de introduzir alterações na definição da respetiva estrutura curricular e do respetivo plano de estudos, alterações essas que, entrando em vigor, se tornam imediatamente aplicáveis a todos os estudantes que se encontram já a frequentar o curso, bem como àqueles que o venham, mais tarde, a frequentar, assim garantindo uma uniformização, a nosso ver indispensável, na aplicação das regras de frequência do curso a todos os estudantes no mesmo inscritos.” (sublinhado nosso)
28.ª Assim, se a sentença o afirma, impor-se ia que indicasse quais são afinal as disposições legais aplicáveis ao abrigo das quais foram criados os “anos barreira”, quais as normas que atribuem essa competência às universidades, como também, ainda, por que razão e ou fundamento essa alteração de consubstancia em mera alteração “na definição da respetiva estrutura curricular e do respetivo plano de estudos”, sendo que, não o fazendo, está a sentença ferida de nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, o que expressamente se invoca.
29.ª Em contrário dessa afirmação genérica e não devidamente demonstrada da sentença, importa ter presente que a tal figura/criação não se refere o quadro legal aplicável – em lugar algum do Diploma antes indicado essa se menciona –, sendo que, apesar de o aqui Recorrente o ter invocado perante o Tribunal a quo, mas sem que esse tivesse tido mais uma vez a preocupação de lhe dedicar uma linha que fosse na sentença – o que se lhe impunha pois que se relaciona afinal com a questão, fundamental, da sua legalidade em face do quadro legal aplicável –, a respeito do argumento invocado pelas aqui Recorridas de que se tratará de “uma espécie de precedência” (certamente, por saberem que era determinante, na tentativa, que se percebe, de lhe darem cobertura dentro do Diploma legal antes mencionado), se a intenção fosse a de se fazer apelo ao que se dispõe na alínea f) do artigo 26.º, então, salvo o devido respeito, não é disso que trata esse normativo, e sim, o que é coisa diversa, como da sua própria letra se retira ao fazer-se igualmente referência à avaliação de conhecimentos, da possibilidade de serem criadas precedências quanto à possibilidade de frequência e / ou aprovação em determinadas unidades curriculares – estas na definição da alínea a) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 42/2005, de 22 de fevereiro.
30.ª Pelo contrário, como também se invocou na petição inicial, a poder ser comparado com qualquer outro instituto, então com maior razão o será com o da “prescrição”, de criação legislativa (e não pois meramente administrativa), pois que, afinal, apenas devido à circunstância de o estudante ter por concluir por exemplo uma ou duas cadeiras dos três primeiros anos do mestrado integrado (que como se disse atribui o grau de licenciatura), sem que esteja estabelecido qualquer regime de precedências quanto a essas cadeiras, vê-se impedido de se inscrever no ano letivo seguinte a quaisquer outras cadeiras, assim as que integram o 4.º ano do ciclo de estudos.
31.ª Daí que, assim configurado, já que a sentença atribui afinal às Recorridas a qualidade de legislador, sendo nesse pressuposto que depois se pronuncia sobre a apreciação no caso da invocada violação de princípios constitucionais, importaria que referisse, para que dúvidas não ficassem nesse âmbito, qual é a noma legal vigente na ordem jurídica que atribui essa competência, o que não se fez minimamente, quando, como é consabido, o princípio da legalidade impõe que, no âmbito da sua atuação, a Administração respeite a lei, mediante a sua subordinação a todo o bloco legal – sob pena dessas estarem, na falta de norma habilitante, a assumir competências (legislativas) que não lhes assiste –, em que se inserem, entre outros, os princípios constitucionais. Aliás, e mesmo nos casos em que a Administração conclua que a lei ou o regulamento são inconstitucionais, deve pura e simplesmente desaplicá-los em obediência ao disposto no n.º 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e face ao princípio da legalidade, consagrado também neste preceito e no artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) (Acórdão desse Venerando Tribunal, de 19.02.2021, Relator Desembargador Rogério Martins, disponível em www.dgsi.pt.)
32.ª Voltando-se à afirmação de que se esteja perante mera alteração na definição da estrutura curricular e do respetivo plano de estudos, importa também ter presente que, entendendo-se na definição legal, por “«Plano de estudos de um curso» o conjunto organizado de unidades curriculares em que um estudante deve obter aprovação – alínea b), do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 42/2005 –, nesse definido âmbito se não encontra, mesmo que implicitamente, a possibilidade de introdução / criação, como se disse administrativa, de um qualquer “ano barreira” que impeça a progressão dos alunos dentro dos ciclos de estudos, incluindo pois o mestrado integrado (do modo como a lei lhes dá enquadramento), sendo que, a ser de outra forma, permitida estaria também a introdução de obstáculos da mesma natureza durante a frequência de quaisquer outros ciclos de estudos, assim nomeadamente de licenciatura, mestrado (não integrado) e doutoramento.
33.ª Daí que, não se tratando assim de obstáculo que se deva ter por integrado enquanto mera regra do plano de estudos, careça em absoluto de sustentação legal e constitucional a afirmação, constante da sentença, de que o Autor / recorrente não tivesse uma expectativa, justificada, legítima e fundada, de que não fosse introduzido, repete-se administrativamente, aquele obstáculo à sua progressão normal dentro do MIM – por se tratar, pelo contrário, de uma criação, inovadora, não espertada nem expetável, que não tem a ver com o conteúdo do plano de estudos.
34.ª Não tem qualquer suporte real a afirmação de que outra solução fosse impraticável, quer por se tratar de argumento que não é sequer verdadeiro em si mesmo – a estrutura curricular seria afinal a mesma, exatamente com as mesmas unidades curriculares, respetivo conteúdo, sua distribuição pelos diversos anos, etc., estando assim apenas em causa, precisamente por respeito aos princípios legais e constitucionais, em particular a proteção das legítimas expetativas, o facto de uns estudantes, por a tal não o impedirem esses princípios, estarem sujeitos a esse obstáculo dos anos barreira, enquanto que outros, por aplicação desses, o não estarem –, quer porque, demonstrando a consagração legislativa em sentido contrário, foi precisamente essa a solução, certamente com intuito de salvaguardar os mesmos princípios, que ficou plasmada no artigo 81.º do aludido DL n.º 74/2006.
35.ª Admitindo-se que o disposto nesse normativo tenha tido especialmente em vista as alterações introduzidas pelo diploma em que foi inserido, é legítimo considerar, por aplicação dos princípios antes enunciados, que não deve / pode ser aplicado ao Recorrente o regime introduzido dos “anos barreira”, pois que, pelas razões antes expostas, esse se traduz em alteração absolutamente determinante ao regime do MIM e, enquanto tal, relevante em termos de exigir / impor que se protegessem e protejam as expetativas legítimas, assim dos estudantes que, já no decurso do MIM, se viram deparados com tal relevante e determinante alteração – reafirma-se, não se trata de uma mera alteração das regras da estrutura curricular, e muito menos com que os alunos pudessem contar, tratando-se pelo contrário de uma figura absolutamente nova, sem precedentes, que se traduz, no MIM, na separação, dentro desse, da fase da licenciatura em relação à fase do mestrado, equiparando na prática este mestrado integrado ao que se passa com os regimes de licenciatura, mestrado e doutoramento autónomos, em que é requisito / pressuposto a conclusão do ciclo imediatamente anterior.
36.ª Ou seja, não tem qualquer sustentação a afirmação constante da sentença, para justificar a diferença de tratamento entre as duas situações, a respeito do regime que foi salvaguardado nesse artigo 81.º, tanto mais que, não referindo / demonstrando quais foram então as profundas alterações introduzidas pela implementação do denominado “Processo de Bolonha” no paradigma do nosso ensino superior a que se refere o Tribunal a quo – muito mais quando com tanta facilidade qualificou de, “essas sim, legítimas”, “assegurando que aos graus a que se tenham candidatado ainda antes da entrada em vigor do “Processo de Bolonha” se continuaria a aplicar o regime jurídico vigente à data dessa candidatura” –, sendo que, não obstante essa carência de sustentação, não temos dúvidas, pelas razões antes expostas, em afirmar que o ato de imposição imediata dos “anos barreira” – veja-se que na sentença se refere apenas, não o demonstrando minimamente, que essa situação, “como se compreende, não é comparável com o caso do A. aqui em escrutínio” –, se assume, pelo contrário, como em tudo equiparável, para efeitos da salvaguarda das legítimas expetativas, como equiparável às razões que levaram, em tal normativo, a que fosse estabelecido, protegendo assim aquelas, a salvaguarda da sua não aplicação aos estudantes já inscritos.
37.ª Carece também de sustentação, acrescente-se, a afirmação constante da sentença de que «não se compreende, aliás, em que medida essa alegada impossibilidade de transferência “agrava” a afetação da confiança e da segurança jurídica no caso concreto, tanto para mais que o A. nem sequer alega, de modo justificado, que foi a efetiva inexistência de um qualquer “ano barreira” que, entre outros fatores, o terá levado a, decisivamente, escolher a FMUC para iniciar a sua formação superior», pois que, para além de ter desvalorizado (o que não deveria) o argumento apresentado pelo Autor / recorrente, o mesmo, como facilmente temos por compreensível, tinha precisamente como objetivo fazer perceber que teria de se sujeitar ao novo regime que lhe foi imposto unilateralmente pelas aqui Recorridas – permita-se o desabafo, como foi fácil para o Tribunal a quo desvalorizar os argumentos do Autor.
38.ª Do mesmo modo, porque incompreensível, raiando mesmo o absurdo, a afirmação de que “para mais que o A. nem sequer alega, de modo justificado, que foi a efetiva inexistência de um qualquer “ano barreira” que, entre outros fatores, o terá levado a, decisivamente, escolher a FMUC para iniciar a sua formação superior”, pois que, não querendo o Recorrente acreditar que pudesse ser devida a outras intenções, essa afirmação só pode dever-se ao facto de o Tribunal não ter percebido mesmo aquilo que para o Autor lhe pareceu ser absolutamente óbvio, assim que, precisamente por se tratar de criação nova e não previsível – como se referiu, em face daquela que até ao momento era prática das instituições do ensino superior para os mestrados integrados e de não resultar do Diploma legal que lhe dá conformação –, com essa não poderia contar no momento em que escolheu candidatar-se (livremente é certo) à frequência do MIM na FMUC, o que, naturalmente, por si só, afasta qualquer seriedade e razão de ser ao que é referido na sentença, pois que, de modo evidente e incontornável, retirando qualquer suporte a essa afirmada necessidade de alegação, basta ter presente que o Autor efetivamente invocou que não poderia prever que depois de já estar a frequentar o MIM (até porque não tem os poderes de adivinhação que o Tribunal lhe está aqui a exigir) esse obstáculo viesse a ser criado. Ou seja, como poderia o Autor prever que fosse criado o que, na data da sua candidatura, afinal não existia..., par se exigir tal necessidade de alegação!
39.ª Concretizando-se o princípio do Estado de Direito através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, no que aqui importa, o da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos (consagrado no artigo 2.º da CRP), assumindo-se esses princípios como classificadores precisamente do Estado de Direito Democrático, implicam, assim, a exigência de um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas, a que está imanente uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica (e na atuação do Estado, como ainda da própria Administração dentro do quadro legal em que atua).
40.ª De tudo o que antes se expôs resulta, em contrário do entendido em 1.ª instância, o que está convicto Vossas Exas em sede de recurso afirmarão, que, ainda que seja aceitável que possam ocorrer naturalmente algumas alterações do regime dos cursos e que essas possam também não assumir relevância em termos de justificar a sua não aplicação por decorrência dos princípios da confiança e segurança – um aluno que inicia os seus estudos não poderá ter como certo que os anos posteriores vão manter exatamente a mesma estrutura, assim em termos de cadeiras que os compõem, por exemplo –, no entanto, em face da natureza e em particular dos efeitos dos “anos barreira” pelas Recorridas, que estão muito para além e não se podem confundir com os casos em que a componente curricular de um Plano de Estudos é alterada (não se tratando pois de critério similar), é merecedora de proteção a confiança legítima do estudante, assim do aqui Autor / recorrente, que, pautando a sua escolha inicial do curso e faculdade sem poder prever a criação posterior dessa “barreira”, não poderia contar então que viesse mais tarde a ser-lhe aplicada, barrado nomeadamente o seu acesso ao 4.º ano, quando noutras faculdades de medicina tal não aconteceria (e não acontece). Daí que, interpretação diversa das normas invocadas pelo Tribunal, que não acautele os invocados princípios, se apresente no caso como materialmente inconstitucional, por violação do artigo 2.º, da CRP, o que se invoca para todos os efeitos legais.
41.ª Devendo, assim, merecer desse Venerando Tribunal, procedendo assim o recurso quanto a esta relevante questão, resposta em conformidade, assim de acordo com o que resulta da Lei e da CRP, com a consequente revogação da sentença nesta parte.
42.ª Para a hipótese de não vingar, o que não se concede, o que se referiu anteriormente, deverá então, dando-se-lhe adequada aplicação, ter presente o regime que decorre da aprovação da Lei n.º 38/2020, de 16 de agosto.
43.ª O Tribunal a quo, dizendo que estaria a concretizar tão nobre e relevante tarefa, assim de interpretação da citada lei, limitou-se a utilizar argumentos meramente formais, assim ligados à utilização na redação da norma de algumas expressões linguísticas, assim os termos “ciclo” e “candidatura”, sem cuidar se chamar à apreciação, como era imposto, os critérios interpretativos da lei, com a agravante de, como facilmente se retira da petição inicial, esses terem sido expressamente invocados – e, salvo o devido respeito, pensava-se que devidamente aplicados – em termos de permitirem, assim se considerava e se considera ainda nesta sede recursiva, afirmar a aplicação ao Autor do regime previsto naquela norma.
44.ª Estamos perante uma lei “especial”, e, enquanto tal, pela sua natureza, o seu regime pode / deve sobrepor-se, em caso de eventual colisão, a qualquer outro diploma legal ou regulamentar que defina o regime e respetivo regulamento da atividade das instituições de ensino a que se destina, desde logo, também, porque, podendo fazê-lo, aquela lei, no que ao campo de aplicação do seu artigo 6.º se refere, em lugar algum prevê a possibilidade de as instituições em causa poderem optar por lhe darem ou não aplicação.
45.ª Na interpretação que se diz estar a ser realizada na sentença desse normativo (em mero acompanhamento, mais uma vez, à posição das Recorridas), depois de dizer-se, e bem, que se trata “de uma medida legislativa que foi ditada pelo cenário de pandemia em que nos encontramos, a par de muitas outras que, neste contexto, foram também aprovadas”, no entanto, porém, esquecendo afinal esse primado inicial, afirma-se de seguida, já aí mal, que “Decorre da letra do preceito em referência que o mesmo se aplica às candidaturas efetuadas, especificamente, para o ingresso num concreto ciclo de estudos para a obtenção do grau de mestre ou de doutor”, fundando-se essa consideração, dizendo-se que para melhor se compreender o alcance desse normativo, na mera remessa para o Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior (Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24/03, na sua redação atual), no sentido de tentar-se evidenciar, se bem se percebe, que, resultando desse que o mestrado integrado se configura como “um único ciclo de estudos, individualmente considerado”, para dai retirar como consequência, inultrapassável, que a situação do Autor, frequentando tal único ciclo de mestrado integrado, não cai na previsão do invocado artigo – dizendo-se ainda que “o escopo do art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08, são as candidaturas efetuadas para o ingresso num concreto ciclo de estudos para a obtenção do grau de mestre ou de doutor (...), diferente, portanto, do ciclo de estudos a que se candidatam”.
46.ª Tendo sido afinal com base nesse argumento (puramente formal e enganador, diga-se), que o Tribunal a quo se pronunciou, constata-se, porém, que, em contrário dessa pretensa atividade que se diz estar a ser concretizada de interpretação, e sem prejuízo ainda do que diremos mais tarde sobre a pretensa atividade de análise da “interpretação extensiva” que se diz ter sido também feita, o Tribunal não procedeu afinal a uma verdadeira e efetiva interpretação da norma, em particular com aplicação adequada dos critérios interpretativos, pois que, não nos merecendo propriamente dúvida que efetivamente a situação que o legislador procurou acautelar, atendendo ao cenário de pandemia existente, foi a possibilidade de os estudantes interessados poderem prosseguir os seus estudos sem necessidade de terem concluído a fase / ciclo anterior, porém, diversamente do que se entende da sentença, já não se pode dizer que o mero conteúdo da epígrafe do artigo (“candidaturas a ciclos de estudos”), ou ainda a utilização nesse das expressões “ciclo” e “candidatura”, permita concluir que não se integra na previsão da norma o caso do aqui Recorrente, que se encontra a frequentar um mestrado integrado, com o mero argumento, se bem se percebe, de que o acesso neste à fase de mestrado (4.º ano e seguintes) não depende de qualquer candidatura, sendo que a norma se refere a “candidaturas”, para depois concluir, não se percebendo salvo o devido respeito por que razão ou fundamento, pois que tal não resulta sequer da própria letra da lei, mas em particular por apelo aos demais critérios interpretativos, como veremos de seguida, que a situação do Autor é “perfeitamente distinta”, não cabendo “no âmbito de aplicação do disposto no art.º 6.º da Lei n.º 38/2020”.
47.ª Demonstrando o que se disse, tanto mais que sequer tais argumentos foram minimamente considerados na sentença recorrida, assim em termos de evidenciar qualquer inadequação, importando ter presente que, para resolver quaisquer dúvidas que se possam colocar sobre a interpretação na norma citada se imporá o recurso pelo intérprete dos critérios estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, então, importando então fixar de entre os possíveis qual é o respetivo sentido e alcance decisivos – tendo no caso presente o elemento gramatical ou textual / a “letra da lei” (com uma função desde logo negativa, eliminando todos os sentidos que não encontrem qualquer apoio, correspondência ou ressonância no texto), mas sempre em necessária ligação / correspondência com o elemento lógico (pois que a interpretação gramatical tem de ser obrigatoriamente lógica), integrado pelos elemento sistemático (que compreende a consideração das demais disposições que integram o quadro legislativo em que se insere a norma e, ainda, as disposições que regulem situações paralelas / unidade do sistema jurídico), racional ou teleológico / a ratio legis (ou seja, o fim pretendido com a elaboração da norma, a sua razão de ser) e histórico (o contexto em que a norma foi elaborada / ou seja, as circunstâncias em que a norma foi elaborada) –, evidencia-se, por concorrência aliás em geral dos critérios aplicáveis, que, na sua aplicação ao caso, é patente que a intenção do legislador foi a de criar um regime extraordinário que, em face das razões que considerou e que motivaram a intervenção legislativa, permitisse que os estudantes pudessem aceder, excecionalmente, às fases de mestrados ou doutoramento, ainda que não tivessem concluído a fase de estudos anterior (e durante o período de tempo necessário para a conclusão da mesma),
48.ª Ou seja, com o normativo visou-se, como resulta de modo claro da exposição dos motivos, afastando ainda os riscos de abandono da frequência universitária, que os estudantes pudessem aceder aos ciclos de estudos subsequentes, a que se alude na norma, apesar de não terem podido concluir o anterior, sendo que, não resultando a nosso ver minimamente um sentido contrário da norma, tal regime extraordinário foi estabelecido para todos esses ciclos, ou seja independentemente pois de estar ou não em causa um qualquer mestrado integrado.
49.ª De facto, apesar do modo como esse mestrado se estruturado, não deixa de ser integrado por duas fases distintas, atribuindo a primeira, correspondente aos primeiros três anos, precisamente o grau de Licenciatura em Ciências Básicas da Saúde, sendo que, como se disse já, a criação do denominado “ano barreira” na FMUC mais o aproxima (para não dizermos iguala) da situação comum dos mestrados não integrados, em que em geral a conclusão da licenciatura é pressuposta / requisito para se poder aceder àqueles.
50.ª Interpretação diversa, que como se disse não colhe sustentação na lei a interpretar em face dos critérios antes mencionados, em particular os objetivos perseguidos com a aprovação e publicação desta lei especial, levaria a que a citado artigo 6.º permitisse o acesso a mestrados não integrados sem a prévia conclusão da licenciatura e, diversamente, já não o permitisse nos mestrados integrados, com eventual violação, para além do pensamento e intenção legislativas, ainda do princípio da igualdade de tratamento, também Constitucionalmente consagrado, por distinguir, sem que razão válida o justificasse, situações absolutamente idênticas que, afinal, se percebe que foi intenção do legislador querer acautelar. Razão pela qual, a interpretação da norma (referido artigo 6.º), do modo como foi feita pelo Tribunal, é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 13.º (princípio da igualdade), bem como artigos 73.º e 74.º (direito fundamental à educação e ao ensino), todos da CRP, o que se invoca para todos os efeitos legais.
51.ª Sendo que, em contrário do que se conclui na sentença, não é a circunstância de constar da lei a expressão “candidatura” ou “ciclos” que permite afastar da sua aplicação os mestrados integrados, com o mero argumento de que esses se configuram como um único ciclo e que nos mesmos o acesso ao segundo ciclo de estudos não está dependente de candidatura.
52.ª De facto, não podendo deixar de se ter presente que por regra (em que a Ré FMUC será pois exceção) nos mestrados integrados o acesso ao segundo ciclo de estudos é automático, será legítimo concluir que o legislador não teria tido sequer necessidade de se referir expressamente às exceções a essa regra, ou seja os casos em que, afinal por mera decorrência da criação (administrativa) de anos barreira, que como se disse são pura exceção à regra, a progressão nos estudos é vedada no final da parte do ciclo de estudos (do MIM) que atribui o grau de licenciatura – de resto, como na esmagadora maioria dos mestrados integrados (melhor dizendo, a quase totalidade), por não existir qualquer “ano barreira”, a questão desse acesso não se coloca, por ser automático, apenas ficariam fora do âmbito da aplicação da lei, na interpretação que fez o Tribunal a quo as muito raras exceções, assim a Ré FMUC, sendo então caso para perguntar (pergunta essa, pois, que se esperava / impunha que o Tribunal a quo tivesse feito antes de concluir como concluiu) da razão e fundamento para o legislador ter pretendido afastar essas poucas e raras exceções do regime que quis prever e que determinou que fosse aplicado.
53.ª Daí que, importando ter presente que na interpretação da letra da lei o elemento gramatical ou textual / a “letra da lei”, assim a interpretação gramatical tem de ser obrigatoriamente lógica, no caso, não se deteta a lógica justificativa de uma qualquer opção do legislador no sentido de excluir do âmbito de aplicação da norma as raras exceções antes mencionadas, pois que essas, de modo claro, em nada diferem, em termos reais, das demais situações, como ainda em termos de razão e fundamento que justificou a intervenção legislativa – pelo contrário, apresenta-se como absolutamente ilógica uma tal opção por parte do legislador, pois que com o normativo, como resulta de modo claro da exposição dos motivos, afastando ainda os riscos de abandono da frequência universitária, se pretendeu garantir que os estudantes pudessem aceder às fases dos estudos subsequentes, apesar de não terem podido concluir a anterior, sendo que, não resultando minimamente um sentido contrário da norma, tal regime extraordinário foi estabelecido para todos os ciclos de estudos, ou seja, independentemente pois de estar ou não em causa um mestrado integrado.
54.ª De resto, não se percebe, desde logo em face da exposição de motivos da lei a que aliás o Tribunal se refere, de onde se retira a conclusão de que dessa não resulte “que o legislador tenha efetivamente pretendido abranger no âmbito de aplicação daquela medida excecional as situações de transição de ano dentro de um mesmo e único ciclo de estudos integrado, quando o estudante não tenha completado e atingido o número de créditos necessários a essa transição e se veja, dessa forma, impedido de transitar de ano devido ao funcionamento do “ano barreira”.
55.ª É que, para além de ser absolutamente desajustada a referência à mera transição de ano – pois que como o Tribunal a quo bem o sabe não é disso que se trata, e sim, o que é coisa bem diversa, a transição da fase da licenciatura, no final 3.º ano do MIM, para a fase de mestrado propriamente dito, que se inicia no 4.º ano –, as razões que constam da exposição dos motivos da lei, a que se alude na sentença, são em tudo aplicáveis à situação do Autor / recorrente, não podendo aliás, numa análise intelectualmente séria, em fade de tudo o que se referiu anteriormente e que foi invocado na ação, dizer-se simplesmente que “A situação do A., como vimos, não é esta, já que o que o mesmo pretende é transitar de ano dentro do mesmo e único ciclo de estudos e prosseguir a sua formação nesse curso”.
56.ª Do que resulta, se bem caracterizada e definida a situação do Autor / aqui Recorrente e a sua pretensão, que, diversamente do que se conclui na sentença, em face da letra da lei e pensamento legislativo subjacente à norma do art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, o legislador pretendeu, de facto, incluir no âmbito da sua aplicação todos os casos em que estivesse em causa a transição das fases de licenciatura para a de mestrado e para a de doutoramento, ainda que para o efeito, o que aliás se entende não ser necessário, se possa concluir que o legislador tivesse dito menos do que queria, a propósito da referência, feita na mesma sentença, à interpretação extensiva.
57.ª Ainda que assim não fosse, mais uma vez diversamente do que se afirma na sentença recorrida – de modo aliás incompreensível, pois que, dizendo que a existência de lacuna da lei que haja falta de previsão e, consequentemente, de regulação de um caso concreto que deva ser juridicamente regulado, na verificação da existência ou não de lacuna remete, não para a norma cuja interpretação e aplicação se reclama e em relação à qual importa verificar se ocorre lacuna, como seria pressuposto, e sim, o que não faz qualquer sentido, afirmando que assim a situação do Autor se mostra aí “plenamente regulada” para as “normas constantes do Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior e, sobretudo, pelas regras regulamentares previstas no Despacho n.º 9881/2016” – estaríamos, então, perante uma evidente lacuna na lei (artigo 6.º da Lei 38/2020), que necessita assim de integração.
58.ª De facto, em contrário do que se afirma na sentença – e ainda que fosse verdadeiro o argumento que utiliza, mas não o é, desde logo a respeito do acesso pois que esse está regulado na Lei de Bases do Sistema Educativo, em particular o seu artigo 14.º, como ainda, muito menos, por argumento de maioria de razão, até pela sua natureza, sobre a invocação das “regras regulamentares previstas no Despacho n.º 9881/2016” – esqueceu o Tribunal a quo o fundamental, ou seja, precisamente, que o que está em causa, no que aqui importa, não é saber se existe lacuna na lei geral vigente a respeito do acesso ao mestrado, pois que essa questão não se coloca, e sim, noutros termos, o que é bem diverso, se a Lei especial que se chama à aplicação, assim o citado artigo 6.º, que teve precisamente presente essas regas estabelecidas mas que excecionalmente quis afastar em face dos motivos que se verificavam, previu os casos, como se viu absolutamente excecionalíssimos, em que, por decorrência de regras constantes de um regulamento criado, administrativamente, se criaram barreiras (“anos abarreira”) à progressão, que é a regra no geral dentro desses, dos estudantes que se encontrem a frequentar mestrados integrados, entre a fase de licenciatura (três primeiros anos) e a fase do mestrado que se lhe segue.
59.ª De resto, se fosse de utilizar nesta tarefa integrativa o argumento constante da sentença, concluir-se-ia, afinal, que todas as situações estariam reguladas, incluindo aquelas que considerou estarem incluídas no aludido artigo 6.º, não decorrendo, pois, daquela regulação a respetiva exclusão.
60.ª Aliás, apesar do que então concluiu o Tribunal recorrido, não deixa de ser contraditório, por daí resultar afinal a existência de lacuna na lei, com a afirmação constante da sentença de que “Poder-se-ia equacionar, claro está, se o legislador não deveria também ter previsto um regime excecional que abrangesse e acautelasse as transições de ano em ciclos de estudos integrados e que tenham sido dificultadas ou impedidas pelos constrangimentos ocasionados
pela atual pandemia.”
61.ª Sem prejuízo da correção que se impõe fazer sobre o que está no caso em causa, nos termos que antes mencionámos, assim que não se trata propriamente a mera transição de ano (e sim da fase de licenciatura para a de mestrado propriamente dita), o que afasta, pois, por inexata, a afirmação constante de seguida da sentença de que “essa é uma questão que, aqui, não se coloca”, importa reafirmar, corrigindo essa superficial análise, que a questão que aqui se coloca, de resto desde o início, relaciona-se precisamente com a verificação sobre se é legal, para além do mais em face da norma em causa (artigo 6.º), o ato das Rés / recorridas de impedirem que o Autor / recorrente se possa inscrever, ou seja aceda, no 4.º ano, em que se inicia a fase do MIM, correspondente ao mestrado, com o argumento de que não concluiu todas as unidades curriculares integradas na fase anterior / da licenciatura – do que decorre, pois, o que se invoca, incorrer também a sentença mais uma vez em nulidade, por falta de suficiente fundamentação, por existência de ambiguidade / obscuridade que torna nessa parte a decisão ininteligível, e por omissão de pronúncia – artigo 615.º, n.º 1, als. b), c) e d), do CPC.
62.ª Importa distinguir a analogia da interpretação extensiva com apelo à ideia de que na interpretação extensiva o intérprete estende a norma a situações não abarcadas pela sua letra, mas compreendidas no seu espírito (minus dixit quam voluit), enquanto na analogia se estendem as disposições de uma lei sobre certo caso a um outro não contemplado nem na sua letra nem no seu espírito com base na semelhança ou identidade que este caso apresenta com o primeiro ou com as relações jurídicas reguladas nessa lei.
63.ª Mesmo quanto às normas excecionais (aí não se incluindo porém a que se aprecia), sobre o campo de aplicação do artigo 11.º do CC, importa ter presente que não basta uma excecionalidade formal (não basta estarmos perante regra que contrarie outra mais geral), sendo indispensável que o teor normativo contrarie um princípio fundamental de direito, que se traduza num ius singulare, estabelecido contra rationis iuris.
64.ª Concluindo nesta parte, mesmo que se pudesse porventura entender que estamos perante lacuna na lei (e não se entende pelas razões antes indicadas, por ser bastante o recuso à atividade interpretativa), sempre havendo de ter-se presente o regime da integração previsto no artigo 10.º, do CC, a situação dos mestrados integrados teria de ser regulada segundo a norma aplicável aos casos análogos (n.º 1), por haver analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei, ou seja precisamente os fundamentos e razões que estiveram na base do regime que se teria estabelecido para os mestrados não integrados (n.º 2) – o mesmo se concluindo caso fosse de entender que não haveria caso análogo, pois a situação seria então resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (n.º 3).
65.ª Ou seja, sempre seria, por aplicação dos critérios integrativos, de dar solução equivalente, assim a de permitir o acesso à fase de mestrado que integra o mestrado integrado, com o necessário afastamento da aplicação do designado “ano barreira” – permita-se a repetição, não sendo obstáculo ao acesso à segunda fase (2.º ciclo) a não conclusão do ciclo de licenciatura nos demais casos de mestrado integrado, necessariamente que não o deverá ser, salvo o devido respeito, em termos lógicos, o facto de ter sido criado, administrativamente, um qualquer “ano barreira”.
66.º O modo de acesso, assim o de o ser por candidatura ou não, não se traduz em requisito que o legislador tenha erigido como determinante e razão de ser para distinguir os estudantes quanto à aplicação da norma e sim, diversamente, a intenção de permitir, excecionalmente, a todos eles o acesso às fases seguintes dos seus estudos, de mestrado ou doutoramento, ainda que não tenham concluído a fase/ciclo anterior – é essa a conclusão que resulta, aliás, da exposição de motivos do projeto e sua discussão.
67.ª Em face da vigência do artigo 6.º da Lei 38/2020, bem como o estado atual de dificuldade e incerteza em que vivemos e cuja manutenção durante este ano letivo é de prever, impõe-se, dando desse modo cumprimento ao mencionado normativo, que se afirme a impossibilidade da aplicação do “ano barreira”, por afrontar, como se disse e defende, diretamente e de modo expresso, o regime naquele previsto, bem como o objetivo que se pretendeu alcançar com a sua estipulação legal, razão pela qual, no que se refere ao aqui Recorrente, que frequentou o 3.º ano do mestrado integrado de medicina no ano letivo de 2019/20, sem prejuízo ainda das razões que se invocaram anteriormente – assim sobre a violação dos princípios da confiança e segurança jurídica –, também não pode ser-lhe imposto, em face do regime excecional e extraordinário que resulta da norma anteriormente indicada, obstáculo ou impedimento, como o fazem as Rés, à inscrição e frequência da fase de mestrado do MIM, assim desde já no 4.º ano em que essa se inicia, não obstante não ter obtido aprovação em duas cadeiras integradas no plano de estudos da fase/ciclo anterior, assim os três primeiros anos, referentes à fase/ciclo que atribui o grau de licenciatura.
68.ª Contrariamente ao que se conclui mais uma vez na sentença, de forma aliás deslocada, interpretação diversa, que como se disse na ótica do Autor / recorrente não colhe sustentação na lei em face dos critérios antes mencionados, em particular os objetivos perseguidos com a aprovação e publicação desta lei especial, levaria a que o artigo 6.º que aqui se chama à aplicação permitisse o acesso a mestrados não integrados, sem a prévia conclusão da licenciatura e, diversamente, já não o permitisse nos mestrados integrados, em clara violação, para além do pensamento e intenção legislativas, o princípio da igualdade de tratamento, também Constitucionalmente consagrado – artigo 13.º da CRP, de resto aplicável à administração, nos termos do artigo 266.º, n.º 2.
69.ª Na verdade, para efeitos da aplicação da norma do artigo 6.º da Lei 38/2020, a situação do Autor / recorrente apresenta-se materialmente, e em absoluto, como similar / igual à dos estudantes que, frequentando uma licenciatura, pretendam candidatar-se seguidamente a um ciclo de estudos de mestrado não integrado, pois que, sem esquecermos que no geral dos mestrados integrados não há sequer impedimento a que os alunos se inscrevam nos anos correspondentes à fase de mestrado propriamente dito ainda que não tenham concluído todas as unidades dos anos correspondentes à fase de licenciatura – sendo exceção a Ré FMUC, em que se criou um impedimento, assim o denominado “ano barreira” –, se naqueles primeiros casos a não conclusão das unidades integradas no ciclo de licenciatura, não fosse essa lei especial, impediria, de acordo com o regime geral vigente, que se pudessem candidatar ao mestrado, no caso do aqui Autor, esse impedimento, decorrente aliás de uma imposição administrativa, barra também, do mesmo modo, o seu acesso aos anos do MIM (4.º e seguintes) correspondentes à fase do mestrado propriamente dita. Como já se invocou, a interpretação dessa norma, do modo como foi feita pelo Tribunal, apresenta-se como materialmente inconstitucional, por violação do artigo 13.º (princípio da igualdade), bem como artigos 73.º e 74.º (direito fundamental à educação e ao ensino), todos da CRP, o que se invoca para todos os efeitos legais.
70.ª Tudo para concluir, na firme convicção de que esse Venerando Tribunal, sendo chamado a pronunciar-se, e ainda na eventualidade de não ter ficado prejudicada a apreciação em face da resposta que venha a dar ao demais invocado antes no presente recurso, a esta última questão responderá, como é de lei e de Justiça, afirmando a razão do Autor, aqui recorrente.
DO RECURSO INTERLOCUTÓRIO, DEDUZIDO APENAS SUBSIDIÁRIAMENTE:
71.ª O despacho interlocutório, prévio à prolação da sentença, que dispensou, por alegada desnecessidade, a produção da prova testemunhal / por declarações de parte requerida, não obstante a questão essencial a decidir ser essencialmente de Direito – por passar efetivamente pela aplicação e interpretação da lei e de princípios constitucionais –, sempre se imporia, na eventualidade dessa apreciação não afirmar o direito invocado pelo Autor, como afinal veio a ocorrer, que se tivesse em conta o facto de existir matéria de facto controvertida, por terem sido impugnada pelas Rés, que enquanto tal justificavam, melhor dizendo impunham, em termos de apurar da responsabilidade que dessa pudesse resultar, contrariamente ao decidido, a produção da prova requerida, assim nomeadamente quanto aos factos alegados nos artigos 27.º a 37.º e 43.º e 44.º da petição inicial.
72.ª Daí que, volta a dizer-se apenas para a eventualidade de não proceder o recurso principal dirigido à sentença, deva esse despacho ser revogado, determinando-se que os autos prossigam os seus termos, com a produção da prova requerida sobre os factos alegados e ainda controvertidos, sendo apenas após proferida nova sentença.
A decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 109.º e 110.º, do CPTA, 615.º, n.º 1, do CPC, 3.º a 9.º CPA, 2.º, 13.º, 20.º, n.º 5, 73.º, 74.º e 266.º, da CRP, 6.º da Lei n.º 38/2020, de 16 de agosto, e 9.º e 10.º do CC
V – DO PEDIDO
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão:
1.Deve ser julgado procedente o recurso principal, que tem por objeto a sentença proferida, e, consequentemente, ser revogada essa sentença, sendo substituída por douto acórdão, em sede do presente recurso, que conclua pela procedência total dos pedidos formulados pelo recorrente na presente ação;
2.Subsidiariamente, apenas pois para a eventualidade de não proceder o recurso principal, na procedência então do recurso dirigido à decisão intercalar, antes identificada, deve esse ser revogado, determinando-se que os autos prossigam os seus termos, com a produção da prova requerida sobre os factos alegados e ainda controvertidos, sendo apenas após proferida nova sentença.
Julgando em conformidade com as presentes alegações, V. Exas. farão verdadeira e sã JUSTIÇA!”
1.8. A Universidade de Coimbra contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1) A douta decisão prolatada encontra-se em perfeita consonância com a Lei e o Direito aplicáveis, traduzindo a letra e o espírito da Lei, e não violando qualquer disposição legal ou constitucional nem ofendendo qualquer princípio vigente no nosso ordenamento jurídico.
2) Por via do presente recurso, pretende-se a revogação da douta Sentença proferida, sendo que, para tal desiderato, começa o Recorrente por pedir a alteração da decisão proferida no que respeita à matéria de facto dada como provada.
3) Pese embora o delineado âmbito do recurso, e os vários pedidos formulados, surge como evidente da leitura das “Alegações” apresentadas - como, aliás, já resultava da douta Sentença em crise -, que o objecto do litígio se prende, estritamente, com questões de Direito.
4) Não merece qualquer reparo a decisão proferida quanto à matéria de facto na douta Sentença recorrida, surgindo como destituídas de fundamento e de relevância para a boa decisão da causa as alterações propostas pelo Recorrente à matéria de facto aí dada como provada, pelo que deve tal pedido improceder.
Concretizando:
5) Não se vislumbram motivos que justifiquem quaisquer alterações ao Ponto 3 dos Factos Provados, designadamente porque a formulação proposta pelo Recorrente não deixa, substancialmente, de ter idêntico teor ao dado como provado. O que verdadeiramente releva (e é um facto não controverso) é que o Recorrente não obteve aprovação nas duas unidades curriculares em causa.
6) Também a alteração de redacção proposta pelo Recorrente para o Ponto 7 da factualidade provada se revela, com o devido respeito, desprovida de fundamento. Pretende o Recorrente que se faça constar “O Presidente do Conselho Pedagógico da FMUC” ao invés de “O Conselho Pedagógico da FMUC”. Como o entenderia um “bonus pater familias”, isto é, qualquer aluno normalmente diligente, a comunicação que lhe foi dirigida, devidamente assinada pelo Presidente do Conselho Pedagógico da FMUC, transmite a posição do dito Conselho Pedagógico, e, como não poderia deixar de ser, vincula o aludido órgão.
7) Consta do Ponto 9 dos Factos Provados que “em 06/10/2020 foi elaborada a informação n.º SGA/AJ/31/2020, da qual consta, além do mais, o seguinte: (...)”, transcrevendo-se em seguida o teor de tal informação. Sendo certo que o que consubstancia facto assente, é a posição da UC perante a questão que lhe foi submetida à apreciação, e não o teor da resposta propriamente dita, em particular no que respeita às questões de direito ali suscitadas, revela-se a pretendida eliminação do aludido Ponto 9 como inócua e desprovida de fundamento.
8) Chegados finalmente à verdadeira índole do Recurso, ou seja, à aplicação da Lei e do Direito que é feita na douta Sentença em crise, importará realçar que, contrariamente à tese do Recorrente, a decisão proferida – no sentido que não lhe ser permitida a inscrição no 4.º ano do MIM por aplicação da regra denominada de “ano barreira” – não contende com os Direitos, Liberdades e Garantias constitucionalmente consagrados, nem ofende quaisquer princípios com dignidade constitucional, em particular o princípio da protecção da confiança, da segurança jurídica e da igualdade de tratamento.
9) Como bem se refere na Sentença em crise “a aplicação desta regra do “ano barreira” introduzida pelo Despacho n.º 9881/2016 só incorrerá em violação do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de direito democrático (art.º 2.º da CRP), se ofender de modo arbitrário, inesperado ou desproporcionado as expectativas dos seus destinatários.”
10) O Despacho n.º 9881/2016, publicado no Diário da República de 3 de Agosto de 2016, deu a conhecer a toda a comunidade, a Estrutura Curricular e do Plano de Estudos do Mestrado Integrado de Medicina, incluindo a existência de dois “anos barreira”, no 3.º e 5.º anos do MIM. Assim, quando, em 2020, o Recorrente viu “barrado” o seu acesso ao 4.º ano, por aplicação imediata da aludida “nova regra”, há muito tinha a mesma sido objecto de devida publicitação junto de toda a comunidade universitária, pelo que não pode o mesmo invocar, em consciência, que “não podia contar” com esta regra.
11) A decisão da UC em não admitir a inscrição do Recorrente no quarto ano do MIM, por este não ter completado os 180 ECTS necessários para transitar do terceiro para o quarto anos, não belisca os princípios constitucionais da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, destinados a salvaguardar a existência de um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas legítimas expectativas juridicamente criadas.
12) Após a publicação do Despacho n.º 9881/2016, bem sabia o Recorrente que lhe seriam aplicáveis as regras, estrutura curricular e plano de estudos então definidos para o MIM, pelo que, ao matricular-se no ano seguinte, nenhuma expectativa legítima, justificada e fundada, poderia o mesmo ter em que tais regras não lhe fossem aplicadas ou aplicáveis (qualquer outra solução revelar-se-ia verdadeiramente impraticável, já que se daria azo a que uma instituição de ensino superior, por qualquer alteração que introduzisse às regras da estrutura curricular vigentes num certo momento num determinado curso, fosse obrigada a fazer coexistir regras e estruturas curriculares já extintas com outras que fossem sucessivamente entrando em vigor, por força daquelas alterações, consoante o ano de ingresso de cada estudante).
13) A decisão da FMUC é a que seria esperada, sem qualquer nota de imprevisibilidade que possa ser invocada pelo Recorrente, razão pela qual a mesma não põe em causa o respeito por qualquer princípio, direito, liberdade ou garantia consagrados na Constituição da República Portuguesa.
14) Não existe qualquer fundamento, legal ou de Direito, que possa justificar que a aplicação da regra do “ano barreira” à situação concreta do aqui Recorrente violou as suas legítimas expectativas e a garantia de efectivação dos princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídica, apenas porque, no ano em que ingressou no curso a mesma ainda não estava em vigor.
15) Para justificar a sua pretensão, invoca o Recorrente o regime previsto no Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março, respeitante à implementação do denominado Processo de Bolonha, que veio introduzir, como é consabido, uma profunda mudança no paradigma do Ensino Superior em Portugal. Contudo, não tem a situação de facto que ali se pretendeu salvaguardar qualquer paralelismo com a situação dos Autos, não sendo comparáveis as situações em causa.
16) As normas transitórias definidas naquele Diploma aplicam-se expressamente a Mestrados e Doutoramentos respeitantes a ciclos de estudo autónomos e independentes, sendo certo que o seu âmbito de aplicação se esgotou com a criação e entrada em funcionamento da agência de acreditação (o diploma regulamentava as regras transitórias a adoptar para a criação de novos ciclos de estudos até à criação e entrada em funcionamento da agência de acreditação, pelo que, com a entrada em funcionamento da referida agência de acreditação, deixaram tais normas deixaram de ter aplicação).
17) Na eventualidade da improcedência do argumento vindo de referir, defende o Recorrente que a regra do “ano barreira” também não lhe deve ser aplicada por força do regime que decorre do art. 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto.
18) Da leitura do referido diploma, e daquele artigo 6.º em particular, surge como evidente que o mesmo visa salvaguardar a possibilidade dos estudantes poderem candidatar-se a um ciclo de estudos para a obtenção de mestrado ou doutoramento, ainda que não tivessem, em tempo, concluído o ciclo de estudos anterior, sem que sejam prejudicados na análise das candidaturas apresentadas nesse contexto e posteriores processos de seriação.
19) A ratio do diploma tem subjacente a percepção de que as medidas excepcionais e temporárias de resposta à pandemia de SARS-CoV-2 provocaram atrasos no normal funcionamento das Instituições de Ensino Superior, e pretende obviar aos prejuízos que daí pudessem advir para os estudantes que, pretendendo prosseguir o ciclo de estudo subsequente ao que frequentavam, se vissem impedidos de efectuar a respectiva candidatura, pelo facto de não terem ainda concluído o ciclo de estudos anterior.
20) O art. 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto, refere expressamente que o seu âmbito de aplicação se circunscreve às “candidaturas em ciclo de estudos para a obtenção de mestrado ou doutoramentos”. Atendendo a que a pretensão do Recorrente não é candidatar-se a um “ciclo de estudo para a obtenção de mestrado” – mas sim prosseguir normalmente com o ciclo de estudos integrado em que se encontra inscrito, ao arrepio das regras definidas na respectiva Estrutura Curricular e Plano de Estudos, acrescente-se –, não poderá ter aplicação, “in casu”, o disposto naquele normativo.
21) A realização do percurso escolar definido pelo Plano de Estudos do MIM, contrariamente à situação prevista no art. 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto, não depende de qualquer candidatura, na medida em que estamos perante o mesmo, e único, ciclo de estudos, em que o percurso escolar do aluno está definido, ab initio, para a totalidade do ciclo de estudos integrado.
22) O aludido diploma reveste um carácter verdadeiramente excepcional e temporário, que não contempla a situação do aqui Recorrente. A interpretação que o mesmo faz do normativo em causa não se coaduna com a letra ou o espírito da Lei, nem sequer com a exposição de motivos subjacente ao diploma em questão.
23) Chamando à colação o disposto no n.º 3, do art. 9.º, do Código Civil, teremos, enquanto intérpretes, que presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada e “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
24) Se a intenção do Legislador fosse, durante a situação de pandemia e a título excepcional, permitir que os estudantes pudessem prosseguir os seus estudos, dentro do mesmo ciclo, independentemente de terem ou não obtido o número de ECTS necessário para transitar de ano, não teria, por certo, deixado de consagrar expressamente uma tal solução, admitindo que qualquer aluno pudesse, simplesmente e em qualquer circunstância, matricular-se no ano seguinte). Não foi esta a solução legal adoptada, nem o espírito ou a letra da lei se compadecem com tal interpretação, como bem se evidenciou na douta sentença prolatada pelo Tribunal “a quo”.
25) O princípio da igualdade de tratamento consagrado na Constituição da República Portuguesa tem um conteúdo pluridimensional, obrigando a tratar de forma igual as situações que, de facto, são iguais, mas impondo também que se dê um tratamento diferente às situações que são efectivamente diferentes. Ou seja, não pode tratar-se de forma desigual situações iguais, nem de forma igual situações desiguais.
26) O aludido princípio da igualdade de tratamento não pode, assim, ser invocado como obstáculo para que o legislador possa estabelecer regimes diferentes, para situações que, efectivamente, são distintas.
27) Acresce que, contrariamente ao que defende o Recorrente, e com o devido respeito por melhor opinião, não estamos, também, perante uma qualquer omissão do legislador que deva, “rectius” possa ser integrada pela via interpretativa, nos termos do disposto no art. 10.º do Código Civil.
28) “In casu”, não pode, por força da aplicação do art. 6.º, da Lei n.º 38/2020, de 18 de Agosto, seja por via de interpretação da lei ou de integração de lacunas, determinar-se o afastamento ou a suspensão do designado “ano barreira” no âmbito do Mestrado Integrado em Medicina. Este é um ciclo uno, pelo que o acesso ao Mestrado não implica qualquer tipo de candidatura ou seriação, sendo estas as questões que aquele normativo referido procura abranger.
29) Para que se pudesse recorrer à analogia, necessário seria que “no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei”. Tal não sucede neste caso concreto, apesar do louvável esforço argumentativo do Recorrente.
30) As razões subjacentes ao aludido art. 6.º prendem-se com a salvaguarda do acesso e da candidatura a um novo ciclo de estudos, pelo que o normativo em causa não deve, “rectius” não pode, aplicar-se analogicamente ao mero trânsito do terceiro para o quarto anos de um mesmo e uno ciclo de estudos.
31) O normativo em causa é uma norma excepcional, pelo que, nos termos do disposto no art. 11.º, do Código Civil, não é, nos termos da Lei, susceptível de aplicação analógica.
32) A interpretação que é feita na douta sentença em crise do referido artigo 6.º do diploma vindo de referir, contrariamente ao que alega o Recorrente, não viola qualquer preceito constitucional, designadamente, pelas razões já expostas, o artigo 13.º (princípio da igualdade), nem, tão-pouco, os artigos 73.º e 74.º (direito fundamental à educação e ao ensino).
33) A decisão de não permitir que um Aluno transite do terceiro para o quarto ano, dentro de um mesmo ciclo de estudos, não ofende nem põe em causa os direitos fundamentais à educação e ao ensino constitucionalmente consagrados.
34) A douta Sentença prolatada não padece de qualquer vício susceptível de acarretar a sua nulidade, seja por falta (ou insuficiência) de fundamentação, seja por violação de qualquer preceito legal ou constitucional.
35) A douta decisão proferida encontra-se devidamente fundamentada na Lei, constando da mesma todo o iter cognoscitivo e valorativo que levou a que fosse decidido, pelo Tribunal, julgar improcedente a Intimação.
36) Para a eventualidade de não procedência do recurso principal, vem o Recorrente, subsidiariamente, interpor recurso interlocutório da decisão do Tribunal “a quo” de “dispensar, por desnecessária, a produção da prova testemunhal/por declarações de parte requerida”.
37) Como o próprio Recorrente admite a questão a decidir é “essencialmente de Direito – por passar efectivamente pela aplicação e interpretação da lei e de princípios constitucionais (...)”, sendo que, no seu entendimento, apenas se imporia que fossem efectuadas diligências de produção de prova, “na eventualidade dessa apreciação não afirmar o direito invocado pelo Autor”.
38) Não pode aceitar-se, nem por hipótese de raciocínio, com o devido respeito, que a necessidade de produção de prova, em qualquer processo judicial, seja apreciada em conformidade com a (im)procedência do direito invocado pelo Autor.
39) No caso concreto, a produção da prova testemunhal e por declarações de parte que foi requerida, relativamente aos factos indicados, não assume relevância para a boa decisão da causa, na medida em que não se trata de matéria de facto que seja susceptível de alterar a decisão proferida sobre o objecto do litígio, que versa essencialmente sobre questões de Direito.
40) Das alegações de recurso apresentadas não se vislumbra qualquer argumento que justifique a revogação da decisão de dispensar a produção de prova testemunhal e por declarações de parte, designadamente explicitando-se em que medida poderia assumir relevância para a boa decisão da causa aquela produção de prova, pelo que haverá que concluir que não merece a mesma qualquer reparo.
TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVEM JULGAR-SE IMPROCEDENTES TODAS AS CONCLUSÕES FORMULADAS PELA RECORRENTE, POR NÃO PROVADAS, MANTENDO-SE INTEGRALMENTE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!”
1.9. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público não emitiu parecer.
1.10. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1 Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas pela apelante à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se decisão recorrida:
(i) é nula, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil;
(ii) enferma de erro de julgamento sobre a matéria de facto;
(iii) enferma de erro de julgamento sobre o mérito da decisão:
a) por violar os princípios constitucionais da proteção da confiança e da segurança jurídica ao considerar aplicável ao autor a imposição do “ano barreira” criada pelo Despacho n.º 9881/2016, uma vez que entrou em vigor já o autor tinha concluído o 1.º ano do MIM na FMUC;
b) por julgar inaplicável ao autor o regime previsto no artigo 6.º da Lei 38/2020, de 18 de agosto.
SUBISIDIARIAMENTE, para o caso de serem julgados improcedentes os anteriores fundamentos da apelação,
(iv) saber se despacho interlocutório proferido pelo Tribunal a quo que dispensou “por desnecessária, a produção da prova testemunhal/por declarações de parte requerida” é ilegal por existirem factos controvertidos a reclamarem a produção de prova.
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III- FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância julgou provada a seguinte factualidade:
“1) Em 08/09/2015 o A. realizou a sua matrícula, no ano letivo de 2015/2016, no Mestrado Integrado em Medicina (MIM) da FMUC, tendo procedido à sua inscrição nas cadeiras do 1.º ano do respetivo plano de estudos (cfr. doc. de fls. 5 do processo administrativo).
2) Em 28/02/2018 o A. requereu a desistência da inscrição em frequência, em relação ao ano letivo de 2017/2018, pedido que foi deferido em 09/03/2018 (cfr. doc. de fls. 6, frente e verso, do processo administrativo).
3) No ano letivo de 2019/2020, o A. estava inscrito no 3.º ano do MIM e obteve aprovação a 169 dos 180 ECTS necessários para concluir tal ano, uma vez que não foi aprovado em duas das unidades curriculares em que se encontrava inscrito, mormente Anatomia III e Farmacologia II, situação que o impediu de se inscrever no 4.º ano do MIM no ano letivo de 2020/2021, devido à vigência e aplicação do “ano barreira” (acordo; cfr. doc. de fls. 24 do suporte físico do processo e doc. de fls. 31 a 34 do processo administrativo).
4) Através de e-mail enviado, no dia 11/09/2020, aos serviços da FMUC, sob o assunto “Inscrição no quarto ano / Lei n.º 38/2020 – artigo 6.º”, o A. expôs e requereu o seguinte:
“(...) Assim sendo, ainda me encontro a concluir duas cadeiras do primeiro ciclo, pretendo realizá-las em época extraordinária. Todavia, no inforestudante continua a aparecer a informação relativa à existência de ano barreira, só me podendo inscrever no quarto ano se concluídas. Sei que noutros anos daria, mediante requerimento, para frequentar a título provisório as cadeiras de quarto ano, tornando-se efetiva a inscrição quando se concluísse as cadeiras em atraso. Teria intenção de fazer um requerimento nesse sentido, no entanto entrou em vigor recentemente a Lei n.º 38/2020 – artigo 6.º, que preconiza (...).
Ora, em face desta lei, poderei inscrever-me desde já no quarto ano, que corresponde ao primeiro ano do Mestrado (Integrado).
Como não vejo esta situação da aplicação desta lei salvaguardada nesta parte no inforestudante nem em qualquer outro meio académico (só fazem referência ao artigo 5.º referente à prescrição), agradeceria que me informasse como irá proceder a faculdade ao cumprimento do disposto no artigo 6.º desta lei”
(cfr. doc. de fls. 23 do suporte físico do processo).
5) Através de e-mail enviado no mesmo dia, em 11/09/2020, os serviços da FMUC informaram o A. do seguinte:
“Este normativo tem especificamente a ver com a candidatura a ciclos de estudos de mestrado (de especialização) e doutoramento – e não com Mestrados Integrados onde não há lugar a candidatura na passagem de ‘um ciclo para o outro’ – e vem responder, nomeadamente, aos atrasos administrativos e académicos ocorridos no âmbito da pandemia de COVID-19. De facto, as regras do ano barreira no nosso MIM mantêm-se inalteradas, devendo inscrever-se apenas nas unidades curriculares do 1.º ciclo em falta que, como saberá, poderá tentar realizar na época extraordinária de outubro, como antecipação da época especial, se cumprir as normas estabelecidas e divulgadas pela UC (...)”
(cfr. doc. de fls. 23, no verso, do suporte físico do processo).
6) Através de e-mail enviado no dia 14/09/2020, a exposição apresentada pelo A. relativamente à sua inscrição no 4.º ano do MIM e à suspensão do ano barreira foi reencaminhada para o Conselho Pedagógico da FMUC, tendo em vista a sua apreciação por este órgão (cfr. doc. de fls. 24 do suporte físico do processo).
7) Através de e-mail enviado no mesmo dia 14/09/2020, o Conselho Pedagógico da FMUC informou o A. da sua concordância com a interpretação constante da resposta enviada pelos serviços de apoio académico da FMUC em 11/09/2020, referida supra no ponto 5) (cfr. doc. de fls. 24, no verso, do suporte físico do processo).
8) Através de requerimento que deu entrada nos serviços da R. em 17/09/2020, o A. apresentou “reclamação/recurso hierárquico”, dirigido ao Reitor da R., no qual solicitou, a final, o seguinte:
“a) Que seja atribuído caráter urgente à presente reclamação, bem como, sem prejuízo da decisão final que venha posteriormente a ser proferida, desde já, decisão no sentido de ser permitido ao reclamante, ainda que a título provisório até à decisão final, a possibilidade de proceder à sua inscrição no quarto ano, de modo a que sejam minorados os prejuízos que possam decorrer da situação;
b) Cumpridas as formalidades que tenha por convenientes e adequadas, sendo afastada a solução afirmada na decisão reclamada, que seja afirmado o direito do reclamante a inscrever-se, no mais curto espaço de tempo possível, de modo a não prolongar a situação em que se encontra e inerentes prejuízos, no quarto ano do mestrado integrado de medicina”
(cfr. doc. de fls. 16 a 21 do suporte físico do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
9) Em 06/10/2020 foi elaborada a informação n.º SGA/AJ/31/2020, da qual consta, além do mais, o seguinte:
Após análise do caso cumpre informar o seguinte:
A – O estudante encontra-se a frequentar um ciclo integrado de estudos, designado MIM.
B – Entre o terceiro e o quarto anos do MIM existe uma condição, denominada “ano barreira” que impede que os estudantes desse ciclo de estudos possam inscrever-se no quarto ano, caso não tenham realizado com sucesso todos os ECTS correspondentes aos três primeiros anos desse ciclo de estudos.
C – A existência do “ano barreira” funciona como uma espécie de precedência, destinada a impedir que os estudantes do MIM possam iniciar a parte desse ciclo de estudos, correspondente à fase do Mestrado, sem que tenham concluído a parte inicial/anterior desse mesmo ciclo de estudos que, quando perspetivada autonomamente, corresponde à Licenciatura.
D – A existência de um “ano barreira” apenas condiciona a forma corno é realizado o percurso escolar do estudante no ciclo de estudos, integrado, que escolheu frequentar.
E – O denominado “ano barreira” faz parte, desde 2016, do Plano de Estudos do MIM, tendo sido aprovado pelas entidades universitárias competentes da UC bem como pela entidade externa responsável pelo processo de acreditação do ciclo de estudos – a A3ES (Agenda de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior).
F – Segundo o Plano de Estudos do Ciclo de estudos que frequenta, o estudante não reúne condições para poder realizar a inscrição no 4º ano do MIM, em virtude de não ter concluído os 180 ECTS respeitantes aos três primeiros anos. De acordo com o exposto, afigura-se-nos inteiramente correta a informação que, nesse sentido, foi prestada pela FMUC ao estudante.
G - Numa outra vertente, afigura-se-nos improcedente o argumento invocado pelo estudante de que o “ano barreira”, por ter sido “criado” após o seu ingresso no MIM, não lhe é, por esse facto, aplicável. Pelo contrário, o “ano barreira” integra o Plano de Estudos do MIM e as suas regras são aplicáveis a todos os estudantes por ele abrangidos a partir do início da sua vigência. Critério aliás similar ao que ocorre nos casos em que a componente curricular de um Plano de Estudos é alterada 2.
H – Relativamente à interpretação feita pelo estudante na reclamação/recurso hierárquico que apresentou, sobre a aplicação do artigo 6º, da Lei nº 38/2020, de 18.08, embora compreendamos a motivação que a ela preside, não a acompanhamos.
I – O referido artigo dispõe o seguinte:
Artigo 6.º
Candidaturas a ciclos de estudos
1 – As candidaturas em ciclo de estudo para a obtenção de mestrado ou doutoramentos podem, excecionalmente, ser realizadas sem a conclusão do ciclo de estudos anteriores e durante o período de tempo necessário para a conclusão do mesmo.
2 – A admissão no cicio de estudos a que o estudante se candidata é condicional, passando a definitivo no momento da conclusão do ciclo de estudos anterior.
3 – Os estudantes que beneficiem do direito previsto no n.º 1 não podem ser prejudicados nos procedimentos de seriação e candidatura em ciclo de estudo para a obtenção de mestrado ou doutoramento.” (s.n.)
J – Como facilmente se depreende da leitura desse artigo, a situação que o legislador procurou acautelar, atendendo ao cenário de pandemia existente, foi a possibilidade de os interessados – em prosseguir os seus estudos num ciclo de estudos subsequente àquele que frequentam –, poderem candidatar-se a esse ciclo de estudos, diferenciado, sem necessidade de terem concluído a ciclo de estudos anterior (que ainda se encontram a frequentar) e sem que sejam prejudicados na análise das candidaturas apresentadas nesse contexto e posteriores processos de seriação.
Aliás, a própria epígrafe do artigo “candidaturas a ciclos de estudos” comprova, só por si, o que acabamos de referir. E, se dúvidas existissem, o legislador logo tratou de esclarecer, no nº 1 daquele artigo, que a norma se destina apenas a “candidaturas em ciclo de estudo para a obtenção de mestrado3 ou doutoramentos. O que, manifesta e comprovadamente, não é o caso do agora reclamante/recorrente que se encontra a frequentar um ciclo de estudos integrado que, pelo interesse manifestado, pretende prosseguir.
Ou seja, a realização do percurso escolar definido pelo Plano de Estudos do MIM, contrariamente à situação prevista no artigo 6º, da Lei nº 38/2020, de 18.08, não depende de qualquer candidatura. O percurso escolar que os estudantes terão que realizar no MIM encontra-se definido para a totalidade do ciclo de estudos que, sublinhe-se uma vez mais, é um ciclo de estudos integrado.
A existência de um “ano barreira” no MIM, apenas define o percurso escolar que os estudantes terão que realizar dentro de um único e mesmo ciclo de estudos. E, quanto a este aspeto, a FMUC na resposta anteriormente dada ao agora reclamante/recorrente, salientou já – e bem –, não ser admissível a alteração do percurso escolar dos estudantes que se encontra definida no Plano de Estudos do MIM em vigor, no qual se inclui, com inteira legitimidade, o “ano barreira”.
K – Face ao exposto, discordamos, com o devido respeito, da interpretação apresentada pelo reclamante/recorrente quando defende ser aplicável ao seu caso – em especial no que diz respeito à sua transição do 3º para o 4º ano do MIM –, o disposto no artigo 6º, da Lei nº 38/2020, de 18.08.
Desde logo, porque o âmbito de aplicação da referida norma não abrange, de todo, a situação do reclamante/recorrente, bem distinta da configurada pelo legislador. A sua pretensão não é a de realizar uma candidatura a um ciclo de estudos distinto e subsequente daquele que frequenta, mas sim, a prossecução do ciclo de estudos integrado em que ingressou e a que pretende dar continuidade.
L – Salvo melhor opinião, não estamos, in casu, perante uma omissão do legislador que deva ser integrada por via interpretativa, mas antes, perante urna opção claramente assumida por este que não contempla, nem se coaduna, com a interpretação efetuada pelo reclamante/recorrente.
Com efeito, não pode olvidar-se, conforme disposto no nº 3, do artigo 9º, do Código Civil, que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Como julgamos suceder no caso em apreço.
Conclusões:
De acordo com a análise e entendimento suprarreferidos somos de parecer que a reclamação/recurso hierárquico apresentado não reúnem os requisitos que permitam o seu deferimento.
Assim sendo, para efeito de prossecução de estudos, deve o reclamante/recorrente inscrever-se nas unidades curriculares que lhe falta completar para concluir a componente curricular de 180 ECTS, respeitantes aos três primeiros anos do MIM que tem vindo a frequentar. A inscrição no quarto ano do MIM apenas poderá ocorrer depois de obtidos os 180ECTS mencionados.
O reclamante/recorrente poderá, no entanto, realizar – se assim o entender –, exames antecipados às unidades curriculares em falta, nos termos que lhe foram sugeridos pela FMUC.
(cfr. doc. de fls. 31 a 34 do processo administrativo).
10) Em 09/10/2020 a “reclamação/recurso hierárquico” apresentado pelo A. foi objeto de decisão de indeferimento, nos seguintes termos:
Embora compreendendo e lamentando os problemas de saúde do estudante, o requerimento apresentado não possui objetivamente condições para ser deferido. O ano barreira, constituindo-se como uma figura próxima da precedência, faz parte integrante do plano de estudos do Mestrado Integrado em Medicina, devidamente aprovado pela Agência de Acreditado e Avaliação do Ensino Superior e tem sido aplicado a todos os estudantes que nele ingressam. A alegada possibilidade excecional aberta pelo artigo 6º, da Lei nº 38/2020, de 18 de agosto, não parece adequar-se a ciclos de estudos integrados, que são ciclos unos e que não implicam qualquer tipo de candidatura e seriação no acesso ao mestrado, situação que o legislador terá tido a preocupação de salvaguardar face à possibilidade, devido à situação excecional de saúde pública vivenciada, de atrasos na conclusão de ciclos de estudos precedentes.
Assim sendo, para efeito de prossecução de estudos, o Estudante deve inscrever-se em 2020/2021 nas unidades curriculares que lhe faltam para concluir os 180 ECTS respeitantes aos três primeiros anos do MIM que tem vindo a frequentar. A inscrição no quarto ano do MIM apenas poderá ocorrer depois de obtidos os 180 ECTS mencionados, podendo o Estudante realizar, se assim o entender, exames antecipados, na época extraordinária, às unidades curriculares em falta, nos temos que lhe foram sugeridos pela FMUC e que permitiriam ao Estudante, em caso de resultado positivo, solicitar à Faculdade a possibilidade de inscrição no quarto ano.
(cfr. doc. de fls. 41 e 42 do processo administrativo).
11) Através de e-mail enviado em 09/10/2020, foi o A. notificado de que o seu requerimento “foi apreciado tendo nele sido exarado despacho superior cujo projeto de decisão aponta no sentido do seu indeferimento”, mais tendo sido notificado para “se pronunciar, por escrito, querendo, sobre a proposta de decisão e respetivos fundamentos”, sendo que, “esgotado o prazo concedido para a realização de audiência prévia sem que o correspondente direito tenha sido exercido, o sentido da decisão exarada no requerimento tornar-se-á definitivo” (cfr. doc. de fls. 25 do suporte físico do processo).
12) Em 14/10/2020 o A. requereu a inscrição, por via da época extraordinária de outubro, nos exames das cadeiras de Anatomia III e Farmacologia II, pedido que foi deferido em 19/10/2020, nos seguintes termos:
Defiro, excecionalmente, o pedido do estudante considerando o prejuízo, para o seu percurso académico e em particular devido ao ano barreira, que decorre da não inscrição na época extraordinária nos exames de Farmacologia II e Anatomia III.
Considerando ainda que, em consequência da publicação do recente regulamento académico, foram necessários ajustes do sistema informático, designadamente para permitir o acesso dos estudantes finalistas do 1.º ciclo ao requerimento para solicitar o acesso à época extraordinária, facto que só veio a acontecer no dia 13 de outubro, não deve ser cobrado o emolumento associado a este requerimento.
(cfr. doc. de fls. 15 e 16 do processo administrativo).
13) Consta de relatório médico datado de 07/08/2020 e relativo ao ora A., além do mais, o seguinte:
“O doente supracitado apresentava queixas de diminuição progressiva da visão do olho esquerdo desde há 2 anos, tendo-se acentuado no último ano, o que se tem traduzido em queixas de cansaço e cefaleias. Esta diminuição progressiva da visão provoca também um maior cansaço nos trabalhos de leitura, assim como nos trabalhos a computador, necessitando de intervalos maiores de repouso.
(...)
O olho esquerdo por apresentar doença da córnea progressiva grave, queratocone (é uma doença da córnea em que por fragilidade das fibras de colagénio, a córnea deixa de ter curvatura original e fica com uma curva mais irregular e em cone, acentuando o astigmatismo e diminuindo a visão não sendo possível que esta melhore com correção de óculos).
A 6 de agosto de 2020 foi operado ao queratocone com a técnica de crosslinking na tentativa de parar a progressão. Caso a progressão da doença não pare pode vir a precisar de um transplante de córnea. A possível melhoria da visão do olho esquerdo com esta técnica cirúrgica será lenta e ao longo de vários meses”
(cfr. doc. de fls. 22 do suporte físico do processo).
14) O A. encontra-se inscrito, a título provisório, no ano letivo de 2020/2021, em unidades curriculares do 4.º ano do MIM, tendo sido lacrada a inscrição em 14/10/2020 (acordo e cfr. doc. de fls. 43 do processo administrativo).
15) A petição inicial da presente intimação deu entrada em juízo no dia 13/10/2020 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).
*
Factos não provados:
Não há factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.”
**
III.B.DE DIREITO
b.1. Da nulidade da sentença por por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão- artigo 615.º, n.º1, alínea b) do CPC.
3.2. O Apelante assaca à sentença recorrida vício de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º1, alínea b) do CPC, decorrente de na sentença recorrida o Tribunal a quo não ter indicado : (i)as normas ao abrigo das quais foram criados os “anos barreira”; (ii) as normas que atribuem essas competências às universidades e (iii) a razão e ou fundamento que levou a que se considerasse que essa alteração se consubstancia em mera alteração “na definição da respetiva estrutura curricular e do respetivo plano de estudos”.
Na tese do Apelante, a fixação de um ano barreira traduz-se por si só, na completa alteração/ destruição do regime antes vigente de mestrado integrado, situação que não tem nenhuma similitude com a que é versada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional citada na sentença recorrida para fundamentar a inexistência de qualquer frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados”, sendo que, não cuidou sequer o Tribunal a quo, de demonstrar, qual era então a base legal, ou seja as normas legais em vigor que dariam sustentação à criação inovadora dos impostos “anos barreira”, únicos que foram invocados e na sentença considerados como impeditivos da transição do Autor para o 4.º ano e assim para a fase do mestrado do MIM. Refere que o Tribunal a quo, sem cuidar de dizer qual é a norma específica que lhe dá adequado suporte, apenas afirma que entende “ como natural, razoável e perfeitamente plausível que, no decurso da frequência de um determinado curso superior, a instituição que o ministra, ao abrigo das disposições legais aplicáveis e na prossecução das suas atribuições e autonomia técnica e científica, se veja na necessidade de introduzir alterações na definição da respetiva estrutura curricular e do respetivo plano de estudos, alterações essas que, entrando em vigor, se tornam imediatamente aplicáveis a todos os estudantes que se encontram já a frequentar o curso, bem como àqueles que o venham, mais tarde, a frequentar, assim garantindo uma uniformização, a nosso ver indispensável, na aplicação das regras de frequência do curso a todos os estudantes no mesmo inscritos.” E conclui que, se a sentença o afirma, impor-se-ia que indicasse quais são afinal as disposições legais aplicáveis ao abrigo das quais foram criados os “anos barreira”, quais as normas que atribuem essa competência às universidades, como também, ainda, por que razão e ou fundamento essa alteração de consubstancia em mera alteração “na definição da respetiva estrutura curricular e do respetivo plano de estudos”, sendo que, não o fazendo, está a sentença ferida de nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.
Mas sem razão.
3.2.1. As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente elencadas no art.º 615º do CPC ex vi artigos 1º e 95º do CPTA e reportam-se a vícios formais da sentença em si mesma considerada, decorrente de na respetiva elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao último conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão judicial em si mesma considerada, ou seja, reafirma-se, vícios formais que afetam essa decisão de per se ou os limites à sombra dos quais esta é proferida.
Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com vícios quanto ao julgamento da matéria de facto nela realizado ou à decisão de mérito nela proferida, decorrentes de o juiz ter incorrido numa distorção da realidade factual julgada provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do realizado pelo tribunal a quo (error facti) e/ou por ter incorrido em erro na aplicação do direito (error iuris). Nos erros de julgamento assiste-se ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais aquela é proferida, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in iudicando, atacáveis em via de recurso Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
3.2.2. Lê-se no artigo 615.º, n.º1 alínea b) do CPC que «é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
Por referência aos ensinamentos do professor Alberto dos Reis, é recorrente a afirmação de que apenas haverá nulidade da sentença quando ocorra a falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, nomeadamente, a falta de discriminação dos factos provados, ou a genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito -, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação (por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processos Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 703 e 704, e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 332).
3.2.3.Afigura-se-nos, porém, que perante o atual quadro constitucional, em que, nos termos do disposto no artigo 205.º, n.º1 da CRP, se prevê a imposição de um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficientes, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório.
3.2.4.Por conseguinte, dir-se-á que a sentença só é nula por falta de fundamentação quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito e ainda quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.
A concreta «medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto» (Ac. do STJ, de 11.12.2008, citado pelo Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo nº 772/11.7TBVNO-A.C1).
Reitera-se, porém, que saber se a «análise crítica da prova» foi, ou não, corretamente realizada, ou se a norma selecionada é a aplicável, e foi corretamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (conforme Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo nº 00A3277).
3.2.5.No caso em apreço, a leitura da decisão recorrida não deixa subsistir qualquer dúvida quanto às razões determinantes da improcedência da ação. Nela, não só vêm discriminados os fundamentos de facto, como claramente são indicados os fundamentos de direito que estribaram a decisão recorrida, o que tudo, foi bem percetível para o apelante.
Conforme consta da sentença recorrida foi através de despacho da Vice-Reitora da UC que se estabeleceu os referidos “anos barreira” no final dos 3.º e 5.º anos do MIM da FMUC, pelo que a previsão da existência desses “anos barreira” tem origem administrativa e não normativa.
Assim, não tinha a UC que indicar a lei ou qualquer outra fonte legal de onde emergiu a criação dos referidos “anos barreira”, uma vez que a sua fonte é o referido despacho, não padecendo, por essa razão, de qualquer nulidade por falta de fundamentação
A questão de saber se a prolação do referido despacho que consagrou a imposição dos “anos barreira” no MIM da FMUC, podia ser proferido nos termos em que foi pela Vice-Reitora da UC, designadamente, se existia previsão legal que lhe conferia essa competência, é matéria que, a verificar-se, releva em sede de erro de julgamento e não como fundamento do invocado vício de nulidade.
Assim, é manifesta a improcedência da nulidade da sentença arguida pelo Apelante.
b.2.. do erro de julgamento sobre a matéria de facto
3.3. O Apelante assaca erro de julgamento sobre a matéria de facto inserta nos pontos 3.º, 7.º e 9.º do elenco dos factos provados ( cfr. conclusões 9.ª, 10.ª e 11.ª das alegações de recurso).
Antes de analisar o invocado erro de julgamento sobre a matéria de facto, precise-se que por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação ou de ampliação for(em) insuscetível (eis) de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente. Isto é, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela modificação da matéria de facto for, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, irrelevante para a decisão a proferir, então, torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, mesmo que em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo de facto anteriormente formulado, sempre o facto que viesse a ser considerado provado (ou não provado) continuaria a ser juridicamente inócuo.
Quer isto dizer, portanto, que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação ou da pretendida ampliação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de ser levada a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contrariaria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2º nº 1, 137º e 138º do CPC aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA. (Cf. Ac. Relação de Guimarães, de 11/07/2017; Ac. da RC, de 24.04.2012; Ac. da RC, de 14.01.2014; Ac. R Lisboa, de 26/09/2019, www.dgsi.pt).
Como se escreveu em Acórdão deste TCAN, proferido em 31/05/2013, no processo n.º 00724/10.4BEPR: “(…) XIV.O julgador deve proceder ao julgamento de facto selecionando da alegação feita pelas partes aquela realidade factual concreta tida por provada e necessária à apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas da causa, não sendo de exigir a fixação ou a consideração de factualidade que se repute ou se afigure despicienda para e na economia do julgamento da causa.
XV. Nesse e para esse julgamento o decisor, tendo presente o objeto da ação, deverá atentar aos posicionamentos expressos pelas partes nas suas peças processuais quanto às alegações factuais invocadas entre si, aferindo e selecionando aquilo em que estão de acordo e aquilo de que divergem, na certeza de que existindo matéria de facto controvertida que releve para a apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas para a causa importa proferir despacho saneador com elaboração de matéria de facto assente e base instrutória [arts. 511.º, n.º 1 CPC, 87.º e 90.º do CPTA], seguido de ulterior instrução quanto a tal realidade factual controvertida [arts. 513.º, 552.º, n.º 2, 577.º, n.º 1, 623.º, n.º 1, 638.º, n.º 1 todos do CPC, e 90.º do CPTA] e, por fim, emissão de decisão sobre tal matéria de facto [arts. 646.º, n.º 4 e 653.º, n.º 2 do CPC, 91.º e 94.º do CPTA].
XVI. Não pode o juiz, uma vez confrontado com existência de factualidade controvertida essencial para a boa e correta decisão da causa e sob pena de ilegalidade por preterição das mais elementares regras, suprimir ou omitir qualquer daquelas fases processuais precludindo os direitos das partes em litígio, seja em termos de ação ou de defesa.
XVII. Note-se que face ao nosso sistema probatório o julgador no julgamento de facto detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos objeto de discussão em sede de julgamento com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

XVIII. Este sistema não significa minimamente puro arbítrio por parte do julgador já que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão (…)”. Cfr. No mesmo sentido, Acs. do TCAN de 14/01/2014, proc. 02699/09.3BEPRT; de
05/02/2021, proc. n.º 00182/10.3BEVIS;

3.3.1.No caso em análise, a matéria de facto que o Apelante pretende que seja alterada e/ou eliminada dos factos assentes é irrelevante para a solução jurídica do caso, como passamos a demonstrar.
3.3.2.Quanto ao ponto 3.º da fundamentação de facto, nele, a 1.ª Instância deu como provado que: No ano letivo de 2019/2020, o A. estava inscrito no 3.º ano do MIM e obteve aprovação a 169 dos 180 ECTS necessários para concluir tal ano, uma vez que não foi aprovado em duas das unidades curriculares em que se encontrava inscrito, mormente Anatomia III e Farmacologia II, situação que o impediu de se inscrever no 4.º ano do MIM no ano letivo de 2020/2021, devido à vigência e aplicação do “ano barreira” (acordo; cfr. doc. de fls. 24 do suporte físico do processo e doc. de fls. 31 a 34 do processo administrativo)”.
O Apelante pretende que devem ser expurgadas as expressões não verdadeiras e outras que não se assumem sequer como factos, passando aquele ponto 3 a ter a seguinte redação: “No ano letivo de 2019/2020, o A. estava inscrito no 3.º ano do MIM e obteve aprovação a 169 dos 180 ECTS necessários para concluir os três primeiros anos, tendo as RR, por esse facto, impedido que o A. se inscrevesse no 4.º ano do MIM, no ano letivo de 2020/2021, enquanto não concluísse os 180 ECTS, invocando que tal se devia à vigência e aplicação do “ano barreira.
Salvo o devido respeito, não se vê nenhuma razão que justifique a reformulação do referido ponto 3.º dos factos assentes. O Réu alega não ser exata a afirmação “uma vez que não foi aprovado em duas das unidades curriculares em que se encontrava inscrito, mormente Anatomia II e Farmacologia “, porquanto, no que se refere a “Anatomia II”, não se deveu ao facto de não ter obtido aprovação. Porém, independentemente das razões subjacentes, e de o Apelante ter ou não efetuado exame de avaliação, a verdade é que não obteve aprovação nessas duas unidades curriculares, pelo que, não se vê razão para que essa indicação não conste do indicado ponto, sendo certo que, como o próprio apelante admite, são necessários 180 ECTS para concluir o 3.º ano do MIM.
No que tange à afirmação “ situação que o impediu de se inscrever no 4.º ano do MIM no ano letivo de 2020/2021, devido à vigência e aplicação do “ano barreira”, também não se vê razão atendível para essa referência deixa de constar do referido ponto 3, na medida em que, independentemente da bondade ou não dessa razão, é um facto incontroverso que foi por essa razão que o Apelante foi impedido de se inscrever no 4.º ano do MIM da FMUC.
Daí não decorre nenhum juízo valorativo sobre a vigência e aplicação do “ano barreira”, mas apenas revela as razões que justificam a posição da apelada de impedir a inscrição do apelante no 4.º ano do MIM.
3.3.3.Por sua vez, no ponto 7.º da fundamentação de facto, o Tribunal a quo deu como assente a seguinte facticidade: “Através de e-mail enviado no mesmo dia 14/09/2020, o Conselho Pedagógico da FMUC informou o A. da sua concordância com a interpretação constante da resposta enviada pelos serviços de apoio académico da FMUC em 11/09/2020, referida supra no ponto 5) (cfr. doc. de fls. 24, no verso, do suporte físico do processo)”.
O Apelante pretende que do mesmo passe a constar apenas que: “Através de e-mail enviado no mesmo dia 14/09/2020, o Presidente do Conselho Pedagógico da FMUC informou o A. da sua concordância com a interpretação constante da resposta enviada pelos serviços de apoio académico da FMUC em 11/09/2020”.
Ou seja, pretende que fique a constar deste ponto que a referida informação que lhe foi veiculada, foi-lhe transmitida pelo Presidente do Conselho Pedagógico da FMUC e não pelo Conselho Pedagógico da FMUC.
Ora, na economia dos presentes autos, o que releva é ter sido transmitida ao autor a referida informação. Como bem argumenta a apelada, essa alteração não tem nenhum significado relevante para a causa, uma vez que, o que resulta dessa comunicação devidamente assinada pelo Presidente do Conselho Pedagógico da FMUC, é que o mesmo transmite a posição do dito Conselho Pedagógico, que, como não poderia deixar de ser, vincula o aludido órgão. Não está em causa a posição pessoal do mesmo.
Termos em que improcede o invocado erro de julgamento, mantendo-se inalterada a matéria que consta do desse ponto.
3.3.4. Por fim, no ponto 9.º da fundamentação de facto deu-se como assente que: “Em 06/10/2020 foi elaborada a informação n.º SGA/AJ/31/2020, da qual consta, além do mais, o seguinte:
Após análise do caso cumpre informar o seguinte:
A – O estudante encontra-se a frequentar um ciclo integrado de estudos, designado MIM.
B – Entre o terceiro e o quarto anos do MIM existe uma condição, denominada “ano barreira” que impede que os estudantes desse ciclo de estudos possam inscrever-se no quarto ano, caso não tenham realizado com sucesso todos os ECTS correspondentes aos três primeiros anos desse ciclo de estudos.
C – A existência do “ano barreira” funciona como uma espécie de precedência, destinada a impedir que os estudantes do MIM possam iniciar a parte desse ciclo de estudos, correspondente à fase do Mestrado, sem que tenham concluído a parte inicial/anterior desse mesmo ciclo de estudos que, quando perspetivada autonomamente, corresponde à Licenciatura.
D – A existência de um “ano barreira” apenas condiciona a forma corno é realizado o percurso escolar do estudante no ciclo de estudos, integrado, que escolheu frequentar.
E – O denominado “ano barreira” faz parte, desde 2016, do Plano de Estudos do MIM, tendo sido aprovado pelas entidades universitárias competentes da UC bem como pela entidade externa responsável pelo processo de acreditação do ciclo de estudos – a A3ES (Agenda de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior).
F – Segundo o Plano de Estudos do Ciclo de estudos que frequenta, o estudante não reúne condições para poder realizar a inscrição no 4º ano do MIM, em virtude de não ter concluído os 180 ECTS respeitantes aos três primeiros anos. De acordo com o exposto, afigura-se-nos inteiramente correta a informação que, nesse sentido, foi prestada pela FMUC ao estudante.
G - Numa outra vertente, afigura-se-nos improcedente o argumento invocado pelo estudante de que o “ano barreira”, por ter sido “criado” após o seu ingresso no MIM, não lhe é, por esse facto, aplicável. Pelo contrário, o “ano barreira” integra o Plano de Estudos do MIM e as suas regras são aplicáveis a todos os estudantes por ele abrangidos a partir do início da sua vigência. Critério aliás similar ao que ocorre nos casos em que a componente curricular de um Plano de Estudos é alterada 2.
H – Relativamente à interpretação feita pelo estudante na reclamação/recurso hierárquico que apresentou, sobre a aplicação do artigo 6º, da Lei nº 38/2020, de 18.08, embora compreendamos a motivação que a ela preside, não a acompanhamos.
I – O referido artigo dispõe o seguinte:
Artigo 6.º
Candidaturas a ciclos de estudos
1 – As candidaturas em ciclo de estudo para a obtenção de mestrado ou doutoramentos podem, excecionalmente, ser realizadas sem a conclusão do ciclo de estudos anteriores e durante o período de tempo necessário para a conclusão do mesmo.
2 – A admissão no cicio de estudos a que o estudante se candidata é condicional, passando a definitivo no momento da conclusão do ciclo de estudos anterior.
3 – Os estudantes que beneficiem do direito previsto no n.º 1 não podem ser prejudicados nos procedimentos de seriação e candidatura em ciclo de estudo para a obtenção de mestrado ou doutoramento.” (s.n.)
J – Como facilmente se depreende da leitura desse artigo, a situação que o legislador procurou acautelar, atendendo ao cenário de pandemia existente, foi a possibilidade de os interessados – em prosseguir os seus estudos num ciclo de estudos subsequente àquele que frequentam –, poderem candidatar-se a esse ciclo de estudos, diferenciado, sem necessidade de terem concluído a ciclo de estudos anterior (que ainda se encontram a frequentar) e sem que sejam prejudicados na análise das candidaturas apresentadas nesse contexto e posteriores processos de seriação.
Aliás, a própria epígrafe do artigo “candidaturas a ciclos de estudos” comprova, só por si, o que acabamos de referir. E, se dúvidas existissem, o legislador logo tratou de esclarecer, no nº 1 daquele artigo, que a norma se destina apenas a “candidaturas em ciclo de estudo para a obtenção de mestrado3 ou doutoramentos. O que, manifesta e comprovadamente, não é o caso do agora reclamante/recorrente que se encontra a frequentar um ciclo de estudos integrado que, pelo interesse manifestado, pretende prosseguir.
Ou seja, a realização do percurso escolar definido pelo Plano de Estudos do MIM, contrariamente à situação prevista no artigo 6º, da Lei nº 38/2020, de 18.08, não depende de qualquer candidatura. O percurso escolar que os estudantes terão que realizar no MIM encontra-se definido para a totalidade do ciclo de estudos que, sublinhe-se uma vez mais, é um ciclo de estudos integrado.
A existência de um “ano barreira” no MIM, apenas define o percurso escolar que os estudantes terão que realizar dentro de um único e mesmo ciclo de estudos. E, quanto a este aspeto, a FMUC na resposta anteriormente dada ao agora reclamante/recorrente, salientou já – e bem –, não ser admissível a alteração do percurso escolar dos estudantes que se encontra definida no Plano de Estudos do MIM em vigor, no qual se inclui, com inteira legitimidade, o “ano barreira”.
K – Face ao exposto, discordamos, com o devido respeito, da interpretação apresentada pelo reclamante/recorrente quando defende ser aplicável ao seu caso – em especial no que diz respeito à sua transição do 3º para o 4º ano do MIM –, o disposto no artigo 6º, da Lei nº 38/2020, de 18.08.
Desde logo, porque o âmbito de aplicação da referida norma não abrange, de todo, a situação do reclamante/recorrente, bem distinta da configurada pelo legislador. A sua pretensão não é a de realizar uma candidatura a um ciclo de estudos distinto e subsequente daquele que frequenta, mas sim, a prossecução do ciclo de estudos integrado em que ingressou e a que pretende dar continuidade.
L – Salvo melhor opinião, não esta mos, in casu, perante uma omissão do legislador que deva ser integrada por via interpretativa, mas antes, perante urna opção claramente assumida por este que não contempla, nem se coaduna, com a interpretação efetuada pelo reclamante/recorrente.
Com efeito, não pode olvidar-se, conforme disposto no nº 3, do artigo 9º, do Código Civil, que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Como julgamos suceder no caso em apreço.
Conclusões:
De acordo com a análise e entendimento suprarreferidos somos de parecer que a reclamação/recurso hierárquico apresentado não reúnem os requisitos que permitam o seu deferimento.
Assim sendo, para efeito de prossecução de estudos, deve o reclamante/recorrente inscrever-se nas unidades curriculares que lhe falta completar para concluir a componente curricular de 180 ECTS, respeitantes aos três primeiros anos do MIM que tem vindo a frequentar. A inscrição no quarto ano do MIM apenas poderá ocorrer depois de obtidos os 180ECTS mencionados.
O reclamante/recorrente poderá, no entanto, realizar – se assim o entender –, exames antecipados às unidades curriculares em falta, nos termos que lhe foram sugeridos pela FMUC.
(cfr. doc. de fls. 31 a 34 do processo administrativo)”.

Quanto ao ponto 9.º, o apelante advoga que o mesmo deve ser eliminado por a matéria nele vertida, não assumir a natureza de facto.
Neste ponto, o Tribunal a quo dá como assente que no dia 06/10/2020 foi elaborada a informação n.º SGA/AJ/31/2020, cujo teor é o que consta desse ponto, na qual se proceda à sua reprodução, sendo que, o que constitui facto, é a posição da UC perante a questão que lhe foi submetida à apreciação, e não o teor da resposta propriamente dita, em particular no que respeita às questões de direito ali suscitadas, pelo que, sua eliminação não se justifica em ordem em ordem à boa da causa.
Aqui chegados, impõe-se julgar improcedentes todos os fundamentos de recurso invocados para sustentar o erro de julgamento sobre a matéria de facto que o Apelante impetra à decisão recorrida, mantendo-se inalterado o julgamento efetuado pela 1.ª Instância sobre a matéria de facto.
b.3. do erro sobre o mérito da decisão ao julgar decorrente da violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança e da segurança jurídica ao considerar aplicável ao autor a imposição do “ano barreira” criada pelo Despacho n.º 9881/2016, uma vez que entrou em vigor já o autor tinha concluído o 1.º ano do MIM na FMUC;
3.4. O autor moveu a presente ação contra a UC tendo em vista impugnar a validade do ato administrativo que não admitiu a sua inscrição no 4.º ano do MIM da FMUC, por não ter completado os 180 ECTS necessários para transitar do 3.º para o 4.º ano.
3.4.1.O TAF de Coimbra proferiu decisão liminar por via da qual decidiu condenar a UC a admitir a inscrição provisoria do autor no MIM, de modo a que fosse garantida ao autor a possibilidade de frequentar o 4.º ano do MIM até que houvesse uma decisão judicial que decidisse em termos definitivos se lhe assistia o direito a transitar do 3.º para o 4.º ano do MIM sem ter completado os 180 ECTS previstos como necessários para a obtenção do grau de licenciatura mas apenas 169 ECTS.
3.4.1.O presente recurso vem assim interposto da decisão final proferida pela 1.ª Instância que confirmou a validade do ato administrativo impugnado e negou ao autor a possibilidade de o mesmo se inscrever, a título definitivo, no 4.º ano do MIM na FMUC, no ano letivo de 2020/2021.
3.4.2.O autor, na ação que intentou, invocou essencialmente duas ordens de razões de cuja consideração resultava, a seu ver, o direito a inscrever-se no 4.º ano do MIM da FMUC, a saber: (i)por um lado, o respeito pelos princípios constitucionais da confiança, da segurança jurídica e da igualdade, que impunham que se considerasse inaplicável ao seu caso a regra do “ano barreira”, uma vez que, quando se inscreveu no MIM da FMUC no ano letivo de 2015/2016 e durante a frequência do 1.º ano do mesmo, não existia nenhum “ano barreira”, que impedisse a progressão normal nos ciclos de estudos desse MIM; (ii) por outro lado, a aplicação do regime que decorre do art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 16/08 que impunha que a regra do “ano barreira” tivesse sido afastada, in casu.
3.4.3.Resulta das conclusões de recurso, que os argumentos que o Apelante invoca contra a sentença sob sindicância são no essencial coincidentes com as razões que elencou na ação contra o ato impugnado, pretendendo que este Tribunal ad quem proceda à reponderação desses argumentos e revogue a decisão recorrida, substituindo-a por outra que lhe reconheça o direito a frequentar, em termos definitivos, o 4.º ano do MIM.
3.4.4. O Apelante insiste quer na ilegalidade da aplicação do Despacho n.º 9881/2016 por via do qual foi criado o denominado “ano barreira” no final, respetivamente, dos 3.º e 5.º do MIM, impedindo a transição para os 4.º e 6.º anos, sem que estejam concluídas todas as unidades curriculares das fases precedentes, quer na ilegalidade decorrente de ter-lhe sido negada a aplicação do artigo 6.º da Lei 38/2020, de 18 de agosto, .
3.4.4. Começando pela análise do primeiro erro de julgamento quanto ao mérito da decisão que o Apelante impetra à decisão, contrariamente ao entendimento que foi perfilhado pela julgadora a quo, o mesmo entende que não lhe pode ser vedado o direito a inscrever-se no 4.º ano do MIM no ano letivo de 2020/2021, uma vez que não lhe é aplicável o designado “ano barreira”, criado através do Despacho n.º 9881/2016, por a isso se opor a garantia de efetivação dos princípios da confiança e da segurança jurídica e o princípio da igualdade, consagrados na Constituição (CRP), princípios esses cuja efetivação só será garantida através da aplicação do regime que vigorava aquando da admissão da sua candidatura, no ano de 2015, em que o ciclo de estudos do mestrado integrado de medicina na FMUC não comportava a existência de um qualquer ano barreira, cuja criação ocorreu apenas no ano de 2016, num momento em que já havia concluído o 1.º ano do curso.
3.4.5. Sustenta que a aplicação ao seu caso do “ano barreira” , atendendo a que quer aquando da sua candidatura ao MIM da FMUC no ano letivo de 2015/16, quer durante todo esse 1.º ano letivo que frequentou, não existia, não estando a progressão nos estudos dentro do MIM da FMUC sujeita à imposição de qualquer “ano barreira”, traduz a imposição de uma regra que ofende de modo inesperado e desproporcionado as suas expectativas, em sentido claramente desfavorável, tratando-se de uma imposição que não estava prevista na lei, que não existia na prática do ensino superior, e por isso de uma inovação, com a agravante de o ser administrativamente, violando de modo inesperado e desproporcionado as expectativas que tinha ao inscrever-se no MIM de inexistência desse obstáculo à progressão nos seus estudos. Contrariamente ao que se afirma na sentença recorrida, advoga que não se está perante uma alteração “natural, razoável e plausível”, nem perante uma mera alteração na definição estrutura curricular e do plano de estudos do mestrado integrado em Medicina (MIM). Trata-se antes da criação de puros obstáculos à normal progressão dos alunos no MIM, resultantes, não da lei, mas duma imposição administrativa, que se traduziram na divisão desse mestrado, a respeito da normal progressão que existia antes no mesmo dos estudantes, em três fases, passando a impor que esses tivessem de ter aprovação em todas as unidades curriculares antes de poderem progredir para o 4.º ano (fim da fase que atribui o grau de licenciatura, ou seja os três primeiros anos, e em que se inicia a fase de mestrado), como depois, no final do quinto ano, que precede o Estágio Programado e Orientado.
Por outro prisma, considera ainda que o Tribunal a quo errou ao entender que a situação em apreço é similar às situações versadas nos acórdãos do Tribunal Constitucional citados pela sentença recorrida, de cuja jurisprudência emerge não haver “um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados”, sendo que, no caso, o Tribunal a quo nem sequer cuidou, como se lhe impunha, de demonstrar também, já que o teve por pressuposto, qual era então a base legal que daria sustentação à criação inovadora dos impostos “anos barreira”, únicos que foram invocados e na sentença considerados como impeditivos da transição do Autor para o 4.º ano e assim para a fase do mestrado do MIM. Adianta que a sentença atribui afinal às Recorridas a qualidade de legislador, sendo nesse pressuposto que depois se pronuncia sobre a apreciação no caso da invocada violação de princípios constitucionais, pelo que se importaria que referisse, para que dúvidas não ficassem nesse âmbito, qual é a noma legal vigente na ordem jurídica que atribui essa competência, o que não se fez minimamente, quando, como é consabido, o princípio da legalidade impõe que, no âmbito da sua atuação, a Administração respeite a lei, mediante a sua subordinação a todo o bloco legal.
3.4.6. Argumenta ainda que, contrariamente ao sustentado na sentença recorrida, não se está perante uma mera alteração na definição da estrutura curricular e do respetivo plano de estudos. E isso porque por “«Plano de estudos de um curso» se entende o conjunto organizado de unidades curriculares em que um estudante deve obter aprovação – alínea b), do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 42/2005. Nesse definido âmbito se não encontra, mesmo que implicitamente, a possibilidade de introdução / criação, como se disse administrativa, de um qualquer “ano barreira” que impeça a progressão dos alunos dentro dos ciclos de estudos, incluindo pois o mestrado integrado (do modo como a lei lhes dá enquadramento), sendo que, a ser de outra forma, permitida estaria também a introdução de obstáculos da mesma natureza durante a frequência de quaisquer outros ciclos de estudos, assim nomeadamente de licenciatura, mestrado (não integrado) e doutoramento. Daí que, não se tratando assim de obstáculo que se deva ter por integrado enquanto mera regra do plano de estudos, careça em absoluto de sustentação legal e constitucional a afirmação, constante da sentença, de que o Autor / recorrente não tivesse uma expectativa, justificada, legítima e fundada, de que não fosse introduzido, repete-se administrativamente, aquele obstáculo à sua progressão normal dentro do MIM – por se tratar, pelo contrário, de uma criação, inovadora, não espertada nem expectável, que não tem a ver com o conteúdo do plano de estudos.
Vejamos se lhe assiste razão.
3.4.7.Prima facie, antes de entramos na apreciação do invocado erro de julgamento importa analisar a disciplina legal que consta do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março, na sua atual redação, que estabelece o regime jurídico dos “Graus e Diplomas do Ensino Superior”, uma vez que do ponto de vista metodológico se nos afigura útil começar por perceber o que é um mestrado integrado por contraposição aos mestrados ditos normais, quais as fases que o integram, que relações existem entre as diversas fases desse mestrado integrado, quais os graus que o mesmo confere e quais os respetivos requisitos, e quem pode alterar a estrutura curricular e o plano de estudos de um mestrado integrado.
3.4.8.Nos termos do artigo 4.º, n.º1 “ as instituições de ensino superior conferem os graus académicos de licenciado, mestre e doutor”.
Quanto ao grau de licenciado, dispõe o artigo 7.º que “o acesso e o ingresso no ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado são regulados por diplomas próprios” (art.º 7.º).
O artigo 9.º, n.º1 estabelece que, “no ensino universitário, o ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado tem 180 a 240 créditos e uma duração normal compreendida entre seis e oito semestres curriculares de trabalho dos alunos”.
Por sua vez, decorre do disposto no artigo 10.º que “o ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado é integrado por um conjunto organizado de unidades curriculares denominado curso de licenciatura”.
O grau de licenciado, nos termos do artigo 11.º, é “conferido aos que, através da aprovação em todas as unidades curriculares que integram o plano de estudos do curso de licenciatura, tenham obtido o número de créditos fixado” . De notar, ainda, que nos termos do artigo 14.º “o órgão legal e estatutariamente competente de cada instituição de ensino superior aprova as normas relativas às seguintes matérias: (..) b) condições de funcionamento; c) estrutura curricular, plano de estudos e créditos, nos termos das normas técnicas a que se refere o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 42/2005, de 22 de fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 107/2008, de 25 de junho; (..) f) regime de precedências; (..)” (art.º 14.º).
Por seu turno, no que se refere ao grau de mestre, “podem candidatar-se ao acesso ao ciclo de estudos conducente ao grau de mestre: a) titulares do grau de licenciado ou equivalente legal; b) titulares de um grau académico superior estrangeiro conferido na sequência de um 1.º ciclo de estudos organizado de acordo com os princípios do Processo de Bolonha por um Estado aderente a este Processo; c) titulares de um grau académico superior estrangeiro que seja reconhecido como satisfazendo os objetivos do grau de licenciado pelo órgão científico estatutariamente competente do estabelecimento de ensino superior onde pretendem ser admitidos; d) detentores de um currículo escolar, científico ou profissional, que seja reconhecido como atestando capacidade para realização deste ciclo de estudos pelo órgão científico estatutariamente competente do estabelecimento de ensino superior onde pretendem ser admitidos” (art.º 17.º, n.º 1). Em regra, “o ciclo de estudos conducente ao grau de mestre tem 90 a 120 créditos e uma duração normal compreendida entre três e quatro semestres curriculares de trabalho dos alunos” (art.º 18.º, n.º 1).
3.4.9.Com particular relevo para o caso dos autos, importa considerar o disposto no artigo 19.º, no qual, sob a epígrafe “Ciclo de estudos integrado conducente ao grau de mestre”, se estabelece que:
“1 - No ensino universitário, o grau de mestre pode igualmente ser conferido após um ciclo de estudos integrado, com 300 a 360 créditos e uma duração normal compreendida entre 10 e 12 semestres curriculares de trabalho, nas seguintes áreas de formação:
a) Arquitetura e Urbanismo;
b) Ciências Farmacêuticas;
c) Medicina;
d) Medicina Dentária;
e) Medicina Veterinária.
2 - O acesso e ingresso no ciclo de estudos referido no número anterior rege-se pelas normas aplicáveis ao acesso e ingresso no ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado.
3 - No ciclo de estudos referido no n.º 1, é conferido o grau de licenciado aos que tenham realizado os 180 créditos correspondentes aos primeiros seis semestres curriculares de trabalho.
4 - O grau de licenciado referido no número anterior deve adotar uma denominação que não se confunda com a do grau de mestre.
5 - As normas regulamentares a que se refere o artigo 26.º devem prever a possibilidade de ingresso no ciclo de estudos referido no n.º 1 por licenciados em área adequada, bem como a creditação neste ciclo de estudos da formação obtida no curso de licenciatura” (sublinhado e negrito nosso).
Por fim, de salientar que nos termos do artigo 26.º “o órgão legal e estatutariamente competente de cada instituição de ensino superior aprova as normas relativas às seguintes matérias: a) regras sobre a admissão no ciclo de estudos, em especial as condições de natureza académica e curricular, as normas de candidatura, os critérios de seleção e seriação, e o processo de fixação e divulgação das vagas e dos prazos de candidatura; b) condições de funcionamento; c) estrutura curricular, plano de estudos e créditos, nos termos das normas técnicas a que se refere o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 42/2005, de 22 de fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 107/2008, de 25 de junho; (...) f) regimes de precedências e de avaliação de conhecimentos no curso de mestrado; (...)”.
3.5.Da consideração do regime legal que se acabou de enunciar, podem retirar-se as seguintes conclusões, conforme bem se refere na decisão recorrida:
(i) “-o Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior faz corresponder a cada um dos graus académicos de licenciado, mestre e doutor, individualmente considerados, um determinado e específico ciclo de estudos, sujeito a regras próprias de acesso e ingresso, de frequência e de definição da estrutura curricular e dos respetivos ECTS necessários à sua conclusão, ciclos de estudos esses que, naturalmente, têm de ser completados, com sucesso e aproveitamento, para que o interessado obtenha o grau de licenciado, de mestre e/ou de doutor”;
(ii)”-o mesmo Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior prevê, ainda, no ensino universitário, a possibilidade de obtenção do grau de mestre após conclusão de um (único) ciclo de estudos integrado, em determinadas áreas de formação, nas quais se inclui a Medicina; neste caso em particular, estamos em presença de um (único) ciclo de estudos, individualmente considerado, conducente, no final da formação desse (único) ciclo, ao grau de mestre, sem prejuízo de, se o interessado completar 180 ECTS correspondentes aos primeiros seis semestres curriculares de trabalho, lhe ser conferido o grau de licenciado – tudo isto, note-se, dentro do mesmo e único ciclo de estudos integrado”.
3.5.1. Voltando ao caso em análise, pode concluir-se que o curso superior que o A. se encontra a frequentar corresponde a um ciclo de estudos integrado conducente ao grau de mestre, in casu, o Mestrado Integrado em Medicina (MIM), ministrado na FMUC, tal como previsto no art.º 19.º do Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior.
3.5.2.Isso mesmo resulta também do Despacho n.º 9881/2016, no qual se refere que o MIM é um curso conducente à obtenção do grau ou diploma de Mestre, na área da Medicina, sendo o número de créditos necessário à obtenção do referido grau de 360 ECTS e sendo a duração normal do curso de 12 semestres, distribuídos por 6 anos de estudo, de acordo com o plano de estudos definido, para cada um desses anos e respetivos semestres, no anexo ao referido Despacho n.º 9881/2016. Por outro lado, prevê-se nesse Despacho a imposição dos “anos barreira” no termo dos 3.º e 5.º anos do MIM, o que significa que os estudantes só poderão transitar para o ano curricular subsequente após obtenção da totalidade dos ECTS dos anos precedentes. O termo do 3.º ano do MIM corresponde ao momento de conclusão da Licenciatura em Ciências Básicas da Saúde, ao passo que o final do 5.º ano marca o período que precede o Estágio Programado e Orientado.
3.5.3. Como bem se refere na sentença recorrida, importa sublinhar que no caso em análise “estamos perante um único ciclo de estudos (integrado), que se estrutura e desenvolve ao longo de 6 anos, com regras próprias de transição entre os anos que compõem esse único ciclo de estudos, conducente, no final, à obtenção do grau de mestre. Por outras palavras, quando um estudante se candidata ao MIM e é admitido, ingressa o mesmo num (único) curso superior, composto por um (único) ciclo de estudos integrado que se estrutura e desenvolve durante 12 semestres, entre os quais vai transitando automaticamente, cumpridos os requisitos e regras definidas pela instituição de ensino superior para as transições de ano, tendo em vista a conclusão, a final, dos 360 ECTS necessários à obtenção do grau de mestre. Daqui resulta que a única candidatura que existe ao MIM é a candidatura inicial do estudante, quando pretende matricular-se no curso e ingressar no seu 1.º ano, com a expectativa de ir transitando sucessivamente de ano, para assim concluir, completados todos os créditos necessários, o (único) ciclo de estudos em que foi admitido, obtendo o grau de mestre”.
3.5.4. Mas, note-se, sem prejuízo de, completados os três primeiros anos desse ciclo de estudos, com os 180 ECTS necessários à obtenção do grau de licenciado, o aluno ter direito ao grau de licenciado em Ciências Básicas da Saúde, o que nos permite naturalmente concluir que, pese embora o mestrado integrado seja composto por um único ciclo de estudos destinado, a final, à obtenção do grau de mestre em medicina, a verdade é que existem fases perfeitamente autonomizadas dentro desse mestrado, de tal modo que é legitimo concluir-se pela existência de um paralelismo inegável entre a frequência dos 3 primeiros anos do MIM, com a fase de licenciatura nos demais cursos em que o mestrado não é integrado. E daí que um aluno que tenha frequentado com sucesso o MIM mas que no final do 3.º ano decida não prosseguir estudos tenha direito à obtenção do grau de licenciado, desde que reúna os referidos 180 ECTS, tal como os alunos que frequentaram os demais cursos conferentes do grau de licenciatura.
3.5.5.Conforme resulta do elenco dos factos provados na sentença, o Apelante encontrava-se a frequentar o ciclo integrado de estudos, designado por MIM, desde o ano letivo de 2015/2016, na FMUC, quando em 03/08/2016 foi publicado, no Diário da República, 2.ª Série, n.º 148, o Despacho n.º 9881/2016 de 17 de março de 2016, proferido pela Vice-Reitora da Apelada, por via do qual procedeu à aprovação e criação do ciclo de estudos integrado conducente ao grau de mestre em Medicina, sob proposta da FMUC, nos termos do Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24/03, com a expressa menção de que tal ciclo de estudos foi acreditado pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior e registado pela Direção-Geral do Ensino Superior com o n.º R/A-CR 92/2015 de 10/07/2015, vindo a respetiva estrutura curricular e plano de estudos publicada em anexo ao aludido Despacho. A esse ciclo de estudos ou curso, com a designação “Mestrado Integrado em Medicina”, conducente ao grau ou diploma de “Mestre”, foi fixada uma duração normal de 12 semestres, correspondentes a um total de 6 anos, sendo que o último ano é referente ao “Estágio Programado e Orientado” e ao “Trabalho Final”. De acordo com o ponto 10 do anexo (“Observações”) ao Despacho n.º 9881/2016, “são introduzidos “anos barreira” no termo dos 3.º e 5.º anos do MIM. A fixação de um “ano barreira” significa que os estudantes só poderão transitar para o ano curricular subsequente após obtenção da totalidade dos ECTS dos anos precedentes. O termo do 3.º ano do MIM corresponde ao momento de conclusão da Licenciatura em Ciências Básicas da Saúde, ao passo que o final do 5.º ano marca o período que precede o Estágio Programado e Orientado”.
3.5.6.A estrutura curricular do MIM da FMUC compreende, por conseguinte, dois “anos barreira”, respetivamente, no termo do 3.º e 5.º anos do MIM, que correspondem ao momento de conclusão da Licenciatura em Ciências Básicas da Saúde, e o termo do 5.º ano ao período que antecede o início do Estágio Programado e Orientado, de tal como que, por força da existência desses “anos barreira”, os estudantes de medicina só poderão transitar para o ano curricular subsequente após a obtenção da totalidade dos ECTS dos anos precedentes.
3.5.7.Significa tal, que por força do primeiro ano barreira, os alunos da FMUC só poderão transitar para a segunda fase do MIM, o mesmo é dizer, para a fase do Mestrado propriamente dito, caso tenham concluído integralmente a fase correspondente à Licenciatura, ou seja, caso tenham completado a totalidade dos 180 ECTS previstos para essa primeira fase do ciclo de estudos do MIM. Caso não tenham completado a totalidade dos ECTS previstos para os 3 primeiros anos do ciclo de estudos não podem transitar para o 4.º ano, ou seja, para a fase seguinte do mestrado propriamente dito.
3.5.8. A senhora juiz a quo considerou não existir nenhum obstáculo que impedisse o autor de se ver sujeito à imposição do referido “ano barreira”, e como tal, que afastasse a impossibilidade de o mesmo não poder transitar para o 4.º ano do MIM da FMUC sem ter completado os 180 ETCS necessários à conclusão da fase da licenciatura, decorrente do referido Despacho n.º 9881/2016.
3.5.9.Entendeu, por conseguinte, que a circunstância do autor se ter inscrito no MIM da FMUC, no ano letivo de 2015/2016 e de a criação do “ano barreira”, ter ocorrido apenas quando o mesmo já tinha concluído a frequência do 1.º ano do curso, que daí não decorre qualquer violação do princípio constitucional da confiança legítima e da segurança jurídica.
3.6.Para o efeito, pese embora tenha começado por considerar que está em causa o exercício de um direito fundamental do autor à educação, conquanto está em causa aceder à devida formação no âmbito do curso superior que se encontra a frequentar na FMUC, e por isso, pela aplicação do regime previsto na Lei Fundamental para os direitos, liberdades e garantias, em especial, do disposto no seu art.º 18.º, em cujo n.º3 se prevê que as leis restritivas “não podem ter efeito retroativo” considerou queNo caso concreto, a aplicação imediata da regra do “ano barreira”, definida no Plano de Estudos do MIM que foi fixado através do Despacho n.º 9881/2016, a todos os alunos e estudantes que já se encontrem a frequentar esse mesmo curso ou ciclo de estudos (como é o caso do A.) – e não apenas àqueles que se venham a matricular e a inscrever no MIM em momento posterior – configura, a nosso ver, e assente que está a sua natureza restritiva, um caso de retrospetividade ou de retroatividade inautêntica, porquanto as situações que se esgotaram e se decidiram por completo no passado (isto é, os estudantes que já completaram o ciclo de estudos) escapam, naturalmente, à aplicação daquela regra. Esta apenas afetará situações originadas no passado na medida em que, como se viu, os estudantes em causa, no momento da entrada em vigor do “ano barreira”, se encontrem a frequentar o MIM e não tenham transitado, ainda, seja para o 4.º ano, seja para o 6.º ano do respetivo plano curricular: ou seja, tal regra aplica-se para o futuro a estudantes que se encontrem já matriculados, inscritos e a frequentar o ciclo de estudos, embora em resultado de factos ocorridos no passado (a matrícula e a inscrição no curso foi efetuada antes da entrada em vigor da regra do “ano barreira”)”.
3.6.1E nesse enquadramento, que subscrevemos, sustentou que a “aplicação desta regra do “ano barreira” introduzida pelo Despacho n.º 9881/2016 só incorrerá em violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de direito democrático (art.º 2.º da CRP), se ofender de modo arbitrário, inesperado ou desproporcionado as expectativas dos seus destinatários.
3.6.2.E para aferir se a aplicação ao autor da regra do “ano barreira” prevista no Despacho n.º 9881/2016, ofendia de modo arbitrário e desproporcionado as expectativas do autor, o Tribunal a quo convocou jurisprudência do Tribunal Constitucional, discorrendo a este respeito que o TC já se pronunciou reiteradas vezes “ sobre o sentido de tal inadmissibilidade, arbitrariedade ou onerosidade excessiva (pese embora por referência a atos legislativos, mas cujo entendimento pode ser, segundo cremos, plenamente transposto para as regras ou normas regulamentares criadas pela Administração, incluindo as instituições de ensino superior).”, começando por citar o acórdão n.º 287/90, de 30/10/1990, no qual se adiantou que “a ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios: a) afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a 1.ª revisão)” . Citou ainda o Acórdão n.º 285/92, de 22/07/1992, no qual o TC ponderou não haver “com efeito, um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime de casamento, de arrendamento, do funcionalismo público ou das pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes”, acrescentando que o legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção do regime legal”.
3.6.3.Transpondo essa jurisprudência do Tribunal Constitucional para a situação sub judice, a 1.ª Instância considerou que da aplicação da regra do “ano barreira” aos estudantes que, como o A., já se encontravam, desde momento anterior à entrada em vigor dessa regra, a frequentar o MIM em causa, não decorreu nenhuma violação aos princípios da confiança e da segurança jurídicas, na medida em que não se pode afirmar que “quando o A. escolheu frequentar o MIM na FMUC, porque este não comportava, à data (em 2015), qualquer “ano barreira” e porque não tinha, por isso, razões para prever a possibilidade da sua criação posterior, a situação de ver “barrado” o seu acesso ao 4.º ano por aplicação imediata dessa nova regra ofendeu de modo arbitrário, inesperado ou desproporcionado as suas expectativas – tudo porque se trataria, segundo o A., de uma alteração com a qual não poderia contar” , uma vez que se afigura “como natural, razoável e perfeitamente plausível que, no decurso da frequência de um determinado curso superior, a instituição que o ministra, ao abrigo das disposições legais aplicáveis e na prossecução das suas atribuições e autonomia técnica e científica, se veja na necessidade de introduzir alterações na definição da respetiva estrutura curricular e do respetivo plano de estudos, alterações essas que, entrando em vigor, se tornam imediatamente aplicáveis a todos os estudantes que se encontram já a frequentar o curso, bem como àqueles que o venham, mais tarde, a frequentar, assim garantindo uma uniformização, a nosso ver indispensável, na aplicação das regras de frequência do curso a todos os estudantes no mesmo inscritos.” E acrescentando que “ não poderá servir como obstáculo à aplicabilidade imediata dessas eventuais novas regras a todos os estudantes abrangidos e integrados no mesmo plano de estudos, incluindo àqueles que já se encontravam a frequentá-lo, a circunstância de as mesmas não estarem em vigor quando alguns desses estudantes iniciaram a frequência do curso, já que estes não podiam ter uma expectativa, justificada, legítima e fundada, de que o plano de estudos e as regras para o mesmo definidas se manteriam imutáveis desde o momento em que se inscreveram até ao momento em que vão concluir o curso e de que jamais uma eventual alteração a essas regras lhes seria aplicável durante o seu percurso académico.
E partilhamos, neste ponto, do entendimento da R. de que, se assim não fosse, uma outra solução seria impraticável, já que se daria azo a que uma instituição de ensino superior, por qualquer alteração que introduzisse às regras da estrutura curricular vigentes num certo momento num determinado curso, fosse obrigada a fazer coexistir regras e estruturas curriculares já extintas com outras que fossem sucessivamente entrando em vigor, por força daquelas alterações, consoante o ano de ingresso de cada estudante.
Não se nos afigura, por conseguinte, de atender à afirmação do A. de que a aplicação da regra do “ano barreira” à sua situação concreta, apenas porque, no ano em que ingressou no curso, a mesma ainda não estava em vigor, violou as suas legítimas expectativas e a garantia de efetivação dos princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídica. Trata-se, ao invés, de uma mutação da ordem jurídica – in casu, da estrutura curricular do MIM que o A. se encontrava a frequentar e de algumas das regras ao mesmo aplicáveis – com que, razoavelmente, os destinatários da mesma – todos os estudantes a frequentar o MIM – poderiam contar, não se revelando, pois, a aplicação imediata, ao caso do A., da regra do “ano barreira” como arbitrária, inesperada ou desproporcionada, em ofensa das suas legítimas e justificadas expectativas.
Daí que também não obste à conclusão a que chegámos a alegação de que, estando já a frequentar o MIM, não teria o A. efetivas possibilidades de pedir transferência para outra faculdade de medicina em que esse mestrado não comportasse qualquer regime dessa natureza – com uma regra equivalente à do “ano barreira”. Não se compreende, aliás, em que medida essa alegada impossibilidade de transferência “agrava” a afetação da confiança e da segurança jurídica no caso concreto, tanto para mais que o A. nem sequer alega, de modo justificado, que foi a efetiva inexistência de um qualquer “ano barreira” que, entre outros fatores, o terá levado a, decisivamente, escolher a FMUC para iniciar a sua formação superior.”
3.6.4. Pese embora, à primeira evidência, a tese perfilhada pelo Apelante se afigure como plausível, conquanto como bem se refere na sentença não deixa de se estar perante uma situação de retrospetividade, a verdade é que, analisado os contornos específicos da situação concreta em causa nestes autos, à luz da jurisprudência que o Tribunal Constitucional tem vindo a emanar em relação a várias situações onde também se questionava a possibilidade de estarem a ser violados os princípios da confiança e da segurança jurídica em virtude de alterações legais surgidas posteriormente ao inicio de relações jurídicas que já estavam parcialmente constituídas em momento prévio a essas mesmas alterações normativas, também se nos afigura que no caso vertente, tal como considerou a 1.ª Instância, não estamos perante uma situação da qual resulte a violação arbitrária, desproporcional e injustificada da situação jurídica com que o autor se viu confrontado com a imposição do referido “ano barreira” na transição do 3.º para o 4.º ano do MIM.
Vejamos.
3.6.5.Não questionamos que a introdução de um “ano barreira“ no fim dos 3.º e 5.º ano do MIM ministrado na FMUC constitui uma medida absolutamente inovatória face ao quadro regulamentar existente à data da inscrição do Autor naquele MIM, no ano letivo de 2015-2016.
3.6.6.A imposição da aprovação nos 180 ECTS no primeiro ciclo de estudos do MIM da FMUC como condição para que os alunos possam ver aceites a sua inscrição no 4.º ano do MIM, determinada pelo Despacho n.º 9881/2016, de 17/03/2016, publicado em Diário da República, 2.ª S., n.º 148, de 03/08/2016, aplicável a todos os alunos que já se encontravam inscritos e a frequentar o MIM, em relação aos quais, à data da respetiva inscrição, não existia esse obstáculo ao prosseguimento de estudos, sem o estabelecimento de um regime transitório para os que já se encontram matriculados e a frequentar esse MIM, leva a que tenha de concluir-se que se está perante uma decisão administrativa que, em relação a esses alunos, afeta a situação jurídica dos mesmos quanto ao que era até então a normal progressão no respetivo ciclo de estudos, uma vez que, daí em diante, essa normal progressão será obstaculizada pela imposição do “ ano barreira”, forçando-os a que tenham necessariamente de reunir os referidos 180 ETCS sob pena de ficaram barrados no 3.º ano, e de não progredirem no respetivo ciclo de estudos para a fase seguinte.
3.6.7.Daí que, tenha de concluir-se que o despacho impugnado afeta o processo de formação do autor uma vez que, reafirma-se, tendo-se inscrito no MIM no ao letivo de 2015-2016, vê, no final da frequência do 1.º ano desse MIM, publicado um despacho que introduz uma alteração no processo de formação contínua relativo ao seu MIM, por via do qual o seu processo de formação em curso ( ainda não concluído) cujas bases ou pressupostos se iniciaram em momento anterior à entrada em vigor do aludido despacho passa a estar condicionado pela necessidade de reunir os 180 ETCS para transitar do 3.º para o 4.º ano.
3.6.8.Contudo, no caso, naturalmente que não estamos perante uma situação de retroatividade em sentido próprio Conforme referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “a proibição incide sobre a chamada retroatividade autêntica, em que as leis restritivas de direitos afetam posições jusfundamentais já estabelecidas no passado ou, mesmo, esgotadas. Ela abrangerá também alguns casos de retrospetividade ou de retroatividade inautêntica (a lei proclama a vigência para o futuro mas afeta direitos ou posições radicadas na lei anterior) sempre que as medidas legislativas se revelarem arbitrárias, inesperadas, desproporcionadas ou afetarem direitos de forma excessivamente gravosa (...). A razão de ser deste requisito está intimamente ligada à ideia de proteção da confiança e da segurança aos cidadãos, defendendo-os contra o perigo de verem atribuir aos seus atos passados ou às situações transatas efeitos jurídicos com que razoavelmente não podiam contar” (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 394 – sublinhado nosso).
porque o referido despacho não veio afetar uma situação já estabilizada ou resolvida. Porém, o referido despacho, ao não prever um regime transitório para os alunos que já se encontravam inscritos no MIM em data anterior à sua vigência, materializa uma retrospetividade desfavorável ao autor, que passou a ver-se confrontado com a impossibilidade de se inscrever no 4.º ano do MIM, sem previamente completar as 180 ETCS, que conferem o grau de licenciatura em Ciências Básicas da Saúde, quando não fora esse despacho, poderia progredir normalmente no seu processo de formação.
3.6.9.Acontece que, excluindo os casos de retroatividade proibida expressamente previstos na Constituição, o juízo-ponderação de que o Tribunal Constitucional vem lançando mão para apreciar as restantes situações potencialmente lesivas do princípio da segurança jurídica assenta no pressuposto de que o princípio do Estado de Direito contido no artigo 2.º da CRP implica "um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas".
3.7.Neste sentido, "a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança [...], terá de ser entendida como não consentida pela lei básica" (cfr. Acórdão 556/03, disponível em w.tribunalconstitucional.pt). Tudo está em saber, portanto, em que circunstâncias a afetação da confiança dos cidadãos deve ser considerada "inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa", sendo sobejamente conhecidos os critérios que a jurisprudência constitucional estabilizou a este propósito (cf., por exemplo, os Acórdãos n.os 287/90, 303/90 e 399/10, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) e que vêm claramente enunciados na sentença recorrida.
3.7.1.Assim, a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não pudessem contar (i); e quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes, o que remete para uma ponderação a efetuar nos termos do princípio da proibição do excesso (ii).
3.7.2.Por outras palavras, a conclusão pela inadmissibilidade de uma medida legislativa à luz do princípio da proteção da confiança dependerá, em primeiro lugar, de um juízo sobre a legitimidade das expectativas dos cidadãos visados, que deverão ser fundadas em boas razões, e cuja consistência carece, de acordo com a jurisprudência constitucional, da exteriorização de uma conduta estadual concludente e apta a gerar expectativas de continuidade, por um lado, e da materialização ou tradução em atos ("planos de vida") da confiança psicológica dos particulares, por outro.
3.7.3.Comprovada essa legitimidade, segue-se, em segundo lugar, um juízo quanto à prevalência do interesse público subjacente à medida sobre o interesse individual (a expectativa legítima) sacrificado pela mesma (cf. Acórdão 556/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Mesmo quando as alterações legislativas evidenciem aquela prevalência, é ainda necessário apurar se a afetação da confiança assim implicada não é desrazoável ou excessiva, ou seja, "se o fim do legislador podia ser alcançado por via menos agressiva da confiança e dos interesses dos particulares - por exemplo, através da previsão de disposições transitórias ou indemnizatórias" (Jorge Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2011, p. 269).
3.7.4.A jurisprudência do Tribunal Constitucional Crf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 505/2008, 188/2009, 85/2010 e 509/2015. é unânime no entendimento de que só haverá violação do princípio da confiança quando se possa afirmar que: (i) O Estado adotou comportamentos que geraram nos cidadãos «expetativas» de continuidade; (ii) que essas expectativas são legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; (iii) que os cidadãos realizaram planos de vida assentes na expectativa legitima da manutenção do “comportamento” do Estado; e (iv) que não ocorram razões de interesse publico a justificar a cessação desse comportamento.
3.7.5.Não obstante a completa e hábil fundamentação que consta da sentença recorrida, e a resenha que nela se faz da jurisprudência do TC sobre a questão de saber quando pode afirmar-se estar-se perante a violação dos referenciados princípios ante uma alteração normativa que afete ou altere os pressupostos em relação a uma relação jurídica já iniciada, afigura-se-nos útil lançar um olhar sobre o modo como o Tribunal Constitucional decidiu nos seus Acórdãos n.ºs 355/13 e 773/14 a questão da pretensa inconstitucionalidade das normas dos artigos 11.º, n.ºs 4 e 6, e 15.º, n.º 5 do D.L. n.º 74/2004, de 26 de março, na redação conferida pelo D.L. n.º 42/2012, de 22/02, por via das quais foram introduzidas alterações ao ENSINO RECORRENTE e, bem assim, as razões pelas quais considerou inconstitucionais, nos seus Acórdãos n.ºs 176/2012, 275/2012 e 277/2012, as alterações introduzidas ao REGIME DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR DOS ATLETAS DE ALTA COMPETIÇÃO.
3.7.5.No acórdão 355/2012, o TC considerou não serem inconstitucionais, por alegada violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, dedutível do artigo 2.º da CRP, as normas dos artigos 11.º, n.ºs 4 e 6, e 15.º, n.º 5 do D.L. 74/2004, na versão alterada pelo D.L. 42/2012, e na interpretação segundo a qual as alterações normativas consagradas se aplicam, sem previsão de regime transitório, a todos os alunos matriculados no ensino secundário recorrente. E fê-lo, partindo do pressuposto, por um lado, que “a legitimidade das expectativas dos cidadãos não está dependente do apuramento de uma mera convicção psicológica destes na estabilidade de um dado regime jurídico, antes carece de ser escrutinada à luz de um filtro objetivo, que teste a repercussão que a conduta estadual possa razoavelmente ter produzido nos cidadãos afetados, e à luz de um filtro normativo, o qual, mais do a que licitude das expectativas, deve determinar a validade-legitimidade (as "boas razões") destas tendo em conta os princípios jurídico-constitucionais vigentes. Posto isto, se o período de tempo transcorrido desde a última alteração legislativa ao regime jurídico do ensino recorrente pode ter dado alguma consistência às expectativas dos indivíduos abrangidos, certo é que a legitimidade destas surge inelutavelmente afetada, não só porque a reação estadual se afigurava objetivamente expectável, como porque tais expectativas não se acham fundadas em boas razões, isto é, em razões compatíveis com a teleologia normativa do ordenamento jurídico-constitucional.”
3.7.6.Estabelecendo um paralelismo entre a situação tratada neste aresto do TC e a situação em causa nestes autos, mais evidente se torna que a imposição ao autor do referido “ano barreira” nas condições apuradas não pode configurar a violação dos princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídica, uma vez que, não pode afirmar-se, primeiro, como sustenta o autor, que tinha a legitima expectativa a que pudesse progredir no ciclo de estudos referente ao MIM na FMUC sem a existência de um ano barreira, só porque quando se inscreveu nesse MIM da FMUC não existia a sua previsão, que apenas passou a existir quando já tinha concluído o 1.º anos de frequência do MIM. É que, como bem nota a senhora juiz a quo, é “natural, razoável e perfeitamente plausível que no decurso da frequência de um determinado curso superior, a instituição que o ministra, ao abrigo das disposições legais aplicáveis e na prossecução das suas atribuições e autonomia técnica e científica, se veja na necessidade de introduzir alterações da definição da respetiva estrutura curricular e do respetivo plano de estudos, alterações essas que, entrando em vigor, se tornam imediatamente aplicáveis a todos os estudantes que se encontrem já a frequentar o curso, bem como àqueles que o venham, mais tarde, a frequentar, assim garantindo uma uniformização” na aplicação das regras de frequência do curso a todos os estudantes no mesmo inscritos.
3.7.8.De facto, não é compatível com a dinâmica própria da vida e do funcionamento das instituições, onde se incluem as universidades, que se conceba a impossibilidade de serem introduzidas alterações na estrutura curricular, no plano de estudos ou nas regras relativas aos ciclos de formação, onde se incluem os mestrados integrados, quando reclamadas pela melhor satisfação do interesse público de assegurar uma educação e formação adequadas e adaptadas às novas exigências e desafios que os tempos modernos de acelerada mudança impõem, mantendo as licenciaturas ou os mestrados integrados aprisionados a um modelo com o qual a gestão dessas organizações não já se revê.
3.7.9.Ademais, a alteração introduzida pelo Despacho n.º 9881/2016, no que se refere à imposição de um ano barreira, no caso do autor, surgiu num momento em que o mesmo tinha ainda pela frente um significativo caminho a trilhar, conquanto, tinha ainda de frequentar o 2.º e o 3.º anos do MIM, e por conseguinte, tempo suficiente não só para se inteirar, que, uma vez terminada a frequência do 3.º ano do seu MIM, só transitaria para o 4.º ano caso concluísse com sucesso todas as unidades curriculares da fase de licenciatura do seu MIM, ou seja, caso realizasse os 180 ETCS, como um tempo razoável para se organizar e preparar em ordem a superar esse obstáculo, de modo algum se podendo sustentar que foi confrontado com uma decisão surpresa no momento em que terminou o 3.º ano e contava progredir para o 4.º ano.
3.8.Outrossim, no Acórdão n.º 176/2012 ( e também nos acórdãos n.ºs 275/2012 e 277/2012) é interessante verificar que o Tribunal Constitucional, a propósito das alterações legislativas introduzidas ao regime legal de acesso ao ensino superior dos atletas de alta competição concluiu pela inconstitucionalidade das mesmas, tendo para o efeito efetuado a seguinte ponderação: “ A alteração legislativa que vem questionada não coloca diretamente em causa a garantia constitucional de acesso ao ensino superior, que se pode inferir, não do disposto no artigo 76.º, n.º 1, da Constituição, onde se estabelecem as regras, diretivas e objetivos a que deve subordinar-se o regime de acesso ao ensino superior, mas do disposto nos artigos 74.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da Constituição, na medida em que daqui se extrai, ainda que essencialmente como tarefa constitucional do Estado, um «direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso» e uma garantia de «acesso aos graus mais elevados do ensino» de acordo com as capacidades de cada um (v., neste sentido, o Acórdão n.º 353/2007 e doutrina aí citada).
No caso em apreço, não só esse direito de acesso se encontra intacto, como a recorrida beneficia de um regime diferenciado – mais favorável – de acesso ao ensino superior.
O problema é que a alteração legislativa em causa tornou mais exigente esse regime especial de acesso ao ensino superior dos praticantes desportivos de alto rendimento. Enquanto que, no anterior regime, apenas se impunha que concluíssem o ensino secundário, o que implicava, além do mais, ter aprovação nas disciplinas que correspondem às provas de ingresso, agora exige-se que obtenham as classificações mínimas fixadas pelos estabelecimentos de ensino superior para as provas de ingresso e para nota de candidatura no âmbito do regime geral de acesso. Cumpre dizer, todavia, que a alteração em causa não descaracteriza este regime especial de acesso como um regime mais benéfico relativamente ao regime geral, pois, ao contrário do que sucede neste, o regime especial de acesso ao ensino superior para os praticantes desportivos de alto rendimento continua a não estar limitado ao número de vagas disponíveis (numerus clausus), embora o número de estudantes a admitir em cada par estabelecimento/curso para o conjunto dos regimes especiais não possa exceder, em cada letivo, 10% das vagas aprovadas para o concurso nacional (cfr. artigo 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 393-A/99).
É também seguro que não estamos perante uma lei retroativa em sentido próprio, uma vez que não veio afetar uma posição da recorrida já estabilizada ou resolvida. À data da entrada em vigor da alteração legislativa (outubro de 2010), a recorrida encontrava-se a frequentar o 12.º ano de escolaridade e, como tal, ainda não reunia a primeira das condições gerais de apresentação ao concurso nacional de acesso e ingresso no ensino superior público (cfr. artigo 7.º do regime geral de acesso e ingresso no ensino superior, fixado pelo Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de setembro, alterado, à data, pelo Decreto-Lei n.º 90/2008, de 30 de maio).
Antes estamos perante uma alteração “retrospetiva”, na medida em que a nova lei veio exigir o preenchimento de condições anteriormente não exigidas, cuja verificação se afere por factos em parte já ocorridos (no caso, parte das provas de ingresso foram realizadas no ano letivo anterior à entrada em vigor da alteração). Tratando-se da formação sucessiva de requisitos do concurso de acesso, um deles reporta-se a um facto passado (os exames do 11.º ano de escolaridade), facto que, por aplicação das novas regras, ainda não em vigor no momento em que foi praticado, é, no presente, submetido a exigências restritivas da sua valência concursal.
Daí a questão de constitucionalidade a decidir nos presentes autos, que se resume a saber se é compatível com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, dedutível do artigo 2.º da Constituição, a alteração ao regime especial de acesso ao ensino superior dos atletas de alta competição constante do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, operada pelo Decreto-Lei n.º 272/2009, na parte em que passa a exigir aos estudantes abrangidos por este regime que «tenham obtido as classificações mínimas fixadas pelos estabelecimentos de ensino superior para as provas de ingresso e para nota de candidatura no âmbito do regime geral de acesso» quando aplicável a casos, como o da recorrida, em que parte dessas provas de ingresso foi realizada antes da mencionada alteração legislativa.
7. Estando envolvida, como está, a proteção da confiança dos particulares relativamente ao Estado legislador, deparamo-nos com um confronto entre dois valores igualmente acolhidos na Constituição: por um lado, a proteção da confiança dos particulares em não verem frustradas expectativas legítimas quanto à manutenção de um determinado quadro legislativo; e, por outro, a exigência de que o legislador, democraticamente eleito, disponha de uma ampla margem de conformação (e revisibilidade) da ordem jurídica infraconstitucional, com vista à prossecução do interesse público a que está vinculado (neste sentido, v. Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, 263-264).
A jurisprudência deste Tribunal Constitucional tem entendido que – para além das regras que estabelecem proibições expressas de retroatividade, quanto a leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, leis penais e leis criadoras de impostos – a afetação de legítimas expectativas dos cidadãos é violadora do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, quando seja de reputar “inadmissível e arbitrária”, devendo a “ideia geral de inadmissibilidade” ser aferida pelo recurso a dois critérios: (i) afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e (ii) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição desde a 1.ª revisão (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 158/2008, que retoma as formulações do Acórdão n.º 287/90).
Estes apertados critérios foram estabelecidos para situações em que os cidadãos detinham apenas meras expectativas legítimas, como é o caso da aqui recorrida.
Já vimos que a norma aqui sindicada constitucionalmente afeta desfavoravelmente as expectativas daqueles que, como a recorrente, frequentavam o 12.º ano de escolaridade à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 272/2009 e eram titulares do estatuto de atleta de alta competição. Resta saber em que medida essas expectativas são dignas de tutela.
Já foi acentuado que a revisibilidade das leis é inerente às mesmas e a matéria em causa – estabelecimento de um regime especialmente favorável para um determinado grupo de estudantes – insere-se na ampla margem de conformação do legislador ordinário.
(…) Mas o que está questionado não é a bondade do sentido da alteração legislativa, mas a sua aplicação imediata aos casos, como os da recorrida, em que os estudantes já realizaram os exames (ou parte deles) para os quais se passa a exigir que tenham obtido as classificações mínimas fixadas para as provas de ingresso e para a nota de candidatura.
Nesta situação, quando o estudante se apresentou aos exames nacionais do 11.º ano, realizados no ano letivo anterior (2009/2010), não lhe era possível estabelecer metas e estratégias conformes e adequadas ao cumprimento de uma exigência de classificações mínimas que, à data, não lhe era aplicável. Pelo contrário, a lei então vigente não incentivava um especial cuidado com tais provas, uma vez que apenas exigia aos atletas de alta competição a aprovação nas disciplinas do ensino secundário correspondentes às provas de ingresso. Uma gestão do tempo (e a sua repartição na preparação dessas disciplinas e no treino desportivo) que tenha procurado tirar proveito desse regime mostra-se razoável e justificada. E o interessado não tinha qualquer razão para se precaver contra a possibilidade de o regime em vigor deixar, quanto a este ponto específico, de o beneficiar, por força da aplicação retrospetiva de um outro, tanto mais que esse regime se encontrava estabilizado por uma vigência normativa de largos anos.
Forçoso é, por isso, concluir que estamos perante uma alteração legislativa com que, razoavelmente, os destinatários da norma não podiam contar, na medida em que essa alteração implica ter em consideração factos já parcialmente realizados (classificações obtidas em provas realizadas antes da entrada em vigor da referida lei). E não se diga, em contrário, que aos estudantes colocados nesta situação sempre teria sido possível efetuar novos exames para melhoria da nota. Ainda que assim fosse, mantém-se a razão, determinante, de tais estudantes não contarem, justificadamente, com uma posterior modificação do valor de tais provas no âmbito do seu regime especial de acesso ao ensino superior. Essa modificação é sempre causa de uma prejudicial afetação de expectativas, pois o eventual exercício do direito de repetir as provas do 11.º ano representaria sempre uma notória sobrecarga de esforço, com riscos para o rendimento escolar nas disciplinas do ano letivo em curso.
Da análise precedente resulta que estamos perante uma situação de confiança legítima, cuja afetação por uma mutação legislativa provoca consequências gravosas na esfera do confiante, não sanáveis por medidas ao alcance do próprio, dentro dos limites da razoabilidade e da proporcionalidade.
Nessa situação, como se deixou dito, por último, no Acórdão n.º 396/2011, «há que proceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração».
Nessa ponderação, ganha relevo decisivo a consciencialização de que a satisfação dos interesses particulares não requeria a continuidade normativa, mas apenas, mais mitigadamente, a emissão de uma disposição transitória, que ressalvasse da aplicação da lei nova os praticantes que já houvessem efetuado as provas do 11.º ano. A tutela, nesses termos, do investimento de confiança não comprometeria significativamente o propósito prosseguido pela mutação do regime especial de acesso ao ensino superior dos atletas de alta competição, entrando também em linha de conta com o limite de entradas ao abrigo de regimes especiais, fixado em 10% das vagas aprovadas para o concurso nacional (artigo 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 393-A/99). Só uma premência absoluta do interesse público, que não se descortina, poderia justificar a aplicação imediata e universal do novo regime.
A ponderação do peso relativo dos bens em confronto e do seu grau de afetação por cada uma das soluções em alternativa depõe no mesmo sentido, de salvaguarda da posição de confiança dos particulares. De facto, se é de atribuir um peso significativo ao interesse no fomento e preservação da qualidade e dignidade do ensino superior, a situação que se quis corrigir, pela sua natureza específica e alcance “periférico”, bem circunscrito, não tinha potencialidade lesiva do espaço nuclear, de proteção mais intensa e eficaz, de tal interesse.
Tudo ponderado, é de concluir que o interesse geral que não se nega estar subjacente à alteração legislativa questionada deve ceder nos casos e na medida acima delimitados, sob pena de se frustrarem, em violação do princípio da proteção da confiança, expectativas legitimamente fundadas.» (in http//www.dgsi.pt; cf., em igual sentido, os Acs. do TC n.º 275/2012, de 23.05.2012 e 277/2012, de 28.05.2012)”.
3.8.1.Neste sentido e precisamente sobre essa questão, já se tinha pronunciado o Supremo Tribunal administrativo, no Acórdão de 13/07/2011, processo n.º 345/11, considerando que a alteração das regras legais no ano letivo então em curso, atentava contra os princípios da confiança e segurança jurídicas. Nessa decisão refere-se o seguinte: «…a tomada em consideração de factos anteriores à entrada em vigor da lei nova, no procedimento concretizador do direito especial da autora de acesso ao ensino superior, agravando o respectivo condicionamento, ofende os princípios da confiança e da segurança ínsitos na ideia de Estado de Direito Democrático (Vide, J.J.Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6ª ed., p. 454) (Cfr. Acórdão nº 188/2009 do T. Constitucional, publicado no DR, II Série, nº 95, de 2009.05.18, p. 19389 e segs.) (art. 2º da CRP). No caso em apreço, não sobram dúvidas de que a aplicação retrospectiva da lei nova é gravosa para o direito especial da autora, de acesso ao ensino superior (estando a autora a frequentar o 12º ano à data do início da vigência da lei nova, esta impõe a ponderação das médias dos anos lectivos passados e da classificação das provas de ingresso realizadas no ano lectivo anterior, isto é, as provas específicas de Biologia/Geologia e Físico-Química realizadas no 11º ano).
Essa nova regulação procedimental apresenta-se como excessivamente onerosa, portanto inadmissível, porque afecta, em sentido desfavorável, as expectativas da autora constituindo uma mutação da ordem jurídica com a qual a autora, já na recta final do seu percurso de acesso ao ensino superior não podia razoavelmente contar e que destrói o seu investimento de confiança na manutenção do regime legal e os seus planos de vida, sem que se veja que a afectação da sua relação jurídica já constituída, tenha sido ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes.
Portanto, não exceptuando a situação da autora, mediante qualquer instrumento de direito transitório, a lei nova, nessa medida, viola a norma e os princípios constitucionais mencionados. Impunha-se, como bem julgou o tribunal a quo, a sua desaplicação no caso concreto (art. 204º da CRP).» (cf., em sentido idêntico, o Ac. do STA n.º 428/11, de 13.07.2011, na mesma base de dados).
3.8.2.De notar que no caso das alterações ao regime dos atletas de alta competição, o TC concluiu pela legitimidade das expectativas daqueles, mas apenas em virtude de tal alteração legislativa tomar em consideração factos já parcialmente realizados antes da entrada em vigor dessas alterações normativas sem possibilidade de serem ultrapassados (classificações obtidas em provas realizadas antes da entrada em vigor das referidas normas), o que não sucede in casu, em que o autor está ainda a frequentar a primeira fase do MIM, tendo ainda pela frente o 2.º e o 3.º anos desse MIM para fazer, logo, o tempo razoável para se preparar de modo a que a imposição do referido “ano barreira” não constitua um obstáculo inultrapassável, não podendo invocar em seu proveito ter sido surpreendido por esse obstáculo, por dele ter tomado conhecimento num momento em que já nada poderia fazer, conquanto, tem pela frente dois anos em que está nas suas mãos ultrapassar ou não esse obstáculo, não se vendo que o mesmo esteja em desvantagem perante aqueles seus colegas que se inscreveram no MIM, ministrado na FMUC, no ano letivo seguinte ao seu, ou seja, em 2017-2018 e nos posteriores anos letivos.
3.8.3.No caso em análise, não se está perante uma situação em que possa sustentar-se, à luz da jurisprudência do TC que a imposição ao autor do “ano barreira” configura uma modificação excessiva, arbitraria e desproporcional com que o autor não pudesse contar e que afeta de forma insuportável o princípio da confiança e da segurança jurídica. É que, a referida alteração, não obstante se repercutir nas condições de progressão do MIM, não altera nenhuma situação já constituída no passado de que o autor beneficie, conquanto o autor ainda se encontra a frequentar a primeiro fase do ciclo de estudos, como ademais essa alteração surge num momento em que ao autor é ainda possível preparar-se de modo a concluir todas as unidades de credito de que depende a obtenção do grau de licenciado ( 180 ETCS) por forma a não ver barrada a sua inscrição no 4.º ano de MIM. O facto, só por si, de à data em que se inscreveu no MIM não existir o referido “ ano barreira” e de a sua imposição ter sido aprovada já depois de se ter inscrito no MIM no ano letivo de 2015/2016 e ter sido, inclusivamente publicada já numa altura em que estava terminado o 1.º ano de frequência desse mestrado, não retirou ao autor, muito menos, de forma intolerável, por comparação aos demais alunos cuja inscrição no MIM se processou após a publicação desse despacho, a possibilidade de se preparar de modo a concluir todos os créditos necessários para poder transitar para o 4.º ano do MIM. No caso, não pode sequer afirmar-se que o autor foi apanhado de surpresa com essa alteração sem que para o efeito dispusesse de um tempo razoável para se preparar de modo a concluir todas as unidades curriculares necessárias à conclusão da licenciatura. Note-se, reafirma-se, o autor tinha ainda dois anos pela frente para se organizar de modo a concluir a totalidade das unidades curriculares, não podendo afirmar-se que não concluiu todas essas unidades curriculares por desconhecer a existência do referido obstáculo à normal progressão dos seus estudos.
3.8.4.O Apelante, advoga que a situação em causa não tem qualquer similitude com as situações sobre as quais o TC se pronunciou nos acórdãos citados na sentença recorrida, uma vez que, no caso não se está perante nenhuma alteração introduzida por uma norma legal, mas perante uma decisão administrativa, não tendo o Tribunal a quo referido qual a norma legal vigente na ordem jurídica ao abrigo da qual a Administração podia criar o referido “ano barreira”. Acrescenta ainda que a possibilidade de introdução/criação administrativa de um qualquer “ano barreira” , que impeça a progressão dos alunos dentro dos ciclos de estudos, incluindo o mestrado integrado não se pode ter como constituindo uma mera alteração ou regra do plano de estudos, carecendo por isso a Administração de norma habilitante para essa alteração. Aduz que a sentença atribui afinal à apelada a qualidade de legislador sem que tenha indicado expressamente qual a norma legal que previa a possibilidade de ser introduzido um ano barreira como sucedeu com o referido despacho, quando o princípio da legalidade impõe que a Administração respeite a lei mediante a sua subordinação ao bloco legal.
3.8.5.Dir-se-á que na sentença em recurso o Tribunal a quo depois de afirmar categoricamente estar em causa o exercício do direito fundamental do autor à educação, tendo em vista aceder à formação no âmbito do curso superior que se encontra a frequentar na FMUC, considerando a jurisprudência que tem sido veiculada de forma sólida e consistente pelo TC, como consta dos vários arestos citados, concluiu pela não violação dos princípios da confiança e da segurança jurídica, sem deixar, contudo, de assinalar que essa jurisprudência foi edificada pelo TC por referência a atos legislativos, mas que na opinião do julgador a quo o entendimento espelhado nesses arestos pode ser plenamente transposto para as regras ou normas regulamentares criadas pela Administração, incluindo as instituições de ensino superior.
3.8.6.E concordamos com este segmento da decisão. Note-se, em 1.º lugar, que a administração, encontra-se subordinada na sua atuação ao princípio da legalidade, previsto no art.º 266.º, n.º da CRP e concretizado no art.º 3.º, nº1 do CPC, que serve de “fundamento, critério e limite de toda a atuação administrativa” Cfr. FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª edição, página 40. Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II, página 42;. E no que ao princípio geral de direito do tempus regit actum concerne(art.º 12.º do CC), dir-se-á que também com referência ao direito administrativo, ao mesmo é geralmente imputado o sentido de que os atos administrativos se regem pelas normas em vigor no momento em que são praticados, independentemente da natureza das situações a que se reportam e das circunstâncias que precederam a respetiva adoção.
3.8.7.Conforme se consignou em parecer da Procuradoria-Geral da República Cfr. Parecer nº 43/47 do Conselho Consultivo da PGR;o momento da perfeição do ato fornece, pois, o critério temporal para a determinação da lei aplicável: aplicar-se-á a velha ou nova lei, conforme aquele momento for anterior ou posterior ao começo de vigência desta.
3.8.7.No mesmo sentido, tem-se vindo a pronunciar o Supremo Tribunal Administrativo Cfr. Neste sentido decidiram, pelo menos, os acórdãos da 1ª Secção, de 24.2.99-Rº 43459, de 14.3.02-Rº 47804, de 7.10.03-Rº 790/03, de 5.2.04-Rº 1918/02, de 22.6.04-Rº 1577/04, e deste Pleno, de 24.10.00-Rº 37621, de 6.2.02-Rº 35272, e de 5-05-2005-Rº 614/02.”
, para o qual a legalidade do ato administrativo afere-se pela realidade fáctica existente no momento da sua prática e pelo quadro normativo então em vigor, segundo a aludida regra, tempus regit actum.
3.8.8.Logo, não se estando perante um ato normativo mas perante um despacho do qual resultou a criação de uma regra de aplicação imediata e a propósito da qual se suscitam dúvidas sobre a sua suscetibilidade de ofender as legitimas expectativas criadas nos seus destinatários pelo regime vigente antes dessa regra, têm perfeita acuidade todas as considerações efetuadas nos citados arestos do TC, as quais são perfeitamente transponíveis para a realidade tratada nestes autos.
3.8.9.Por outro lado, quanto à falta de habilitação legal para a introdução por via administrativa do “ano barreira”, observe-se que compulsada a p.i. nela não descortinamos que o autor tenha questionado essa falta de atribuições legais da UC para que o competente órgão tivesse prolatado o despacho impugnado, no qual se estabeleceu a imposição dos referidos “anos barreira”, questão que apenas suscita no recurso e que, por isso, configura uma questão nova, cujo conhecimento está vedado a este Tribunal ad quem.
3.9.De qualquer modo, sempre se dirá que, à luz do disposto no DL n.º 74/2006, na redação vigente à data dos factos em causa nestes autos, nenhuma dúvida se oferece quanto à possibilidade que assistia à UC de aprovar a imposição ao nível do MIM da FMUC do referido “ano barreira”. Aliás, dir-se-á, em prejuízo da tese do apelante, que o despacho n.º 9881/2016, da autoria da Senhora Vice-Reitora da Universidade de Coimbra, consubstancia um despacho de alteração na definição da estrutura curricular e do respetivo plano de estudos e das regras do MIM, por via do qual se passou a impor, além do mais, aos alunos que estejam inscritos e que venham a inscrever-se nesse MIM, a obrigatoriedade de obterem aprovação em todas as unidades curriculares da primeira fase do ciclo de estudos, para progredirem para o 4.º ano e, bem assim, para progredirem, no final do 5.º ano, para a fase do Estágio Programado e Orientado. Porém, conforme resulta do disposto nos artigos 3.º e 26.º do DL 74/2006, na versão aplicável aos autos, o despacho em causa podia ser proferido por quem foi e nos moldes em que o foi. Ademais, consta do mesmo a expressa referência de que o ciclo de estudos nele contemplado, ou seja, o MIM, com as suas novas regras, foi acreditado pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior e registado pela Direção Geral do Ensino Superior com o n.º R/A-CR 92/2015, de 10/07/2015, vindo a respetiva estrutura curricular e plano de estudos publicada em anexo ao aludido Despacho.
3.9.1.Outrossim, o Apelante insurge-se ainda contra a sentença recorrida quando nela se afirma que outra solução seria impraticável, ou seja, que uma vez publicado o referido Despacho, seria impraticável a manutenção do regime anterior para aqueles que já se encontrassem a frequentar o MIM como era o caso do autor. E para tanto, argumenta que era perfeitamente possível a salvaguarda das suas legitimas expetativas a transitar para o 4.º ano do MIM, qual em nada alteraria a estrutura curricular do curso por referência aos demais alunos que tivessem de completar os 180 ECTS para progredirem.
3.9.2.E assim é efetivamente. Não seria por essa razão que a transição do autor para o 4.º ano do MIM traria alguma dificuldade na organização do MIM para a FMUC, uma vez que tal não implicava nenhuma particular adaptação da estrutura curricular do MIM ou do plano de estudos por essa razão. Porém, ainda que como alega o apelante, também não vislumbremos quais as dificuldades práticas, muito menos, relevantes, que adviriam da manutenção do regime anterior para os alunos que já se encontrassem inscritos no MIM, foi vontade da FMUC alterar a regra que permitia a progressão normal dos alunos no ciclo de estudos do MIM ministrado na mesma, impondo um “ano barreira” no final do 3.º ano e no final do 5.º ano e as razões pelas quais assim o entendeu não deixam de fazer sentir-se em relação aos alunos que já se encontram inscritos nesse MIM só porque já o frequentam. Ou seja, se a partir de determinado momento, qual seja, o momento em que decidiu proferir o Despacho n.º 9881/2016, a UC considerou que era conveniente que o MIM ministrado na FMUC passasse a comportar, durante o respetivo ciclo de estudos, dois anos barreira, é bom de ver que tais razões não deixariam de ser atuantes e válidas em relação aos alunos que já se encontravam inscritos nesse MIM e atuantes e válidas apenas para os que doravante se iriam inscrever e dai, a conveniência da sua rápida aplicação a todos os alunos que ainda não estivessem a frequentar o 4.º ano do MIM.
3.9.3.Por fim, invoca ainda o Apelante em defesa da sua tese o disposto no artigo 81.º do Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior, que sob a epígrafe “Mestrados e doutoramentos em curso”, estabelece que “aos estudantes que tenham solicitado admissão ao mestrado ou ao doutoramento aplica-se o regime jurídico vigente à data em que foram apresentados os respetivos pedidos”, para daí concluir ser legitimo considerar, ao invés do fez o Tribunal a quo, que não lhe pode/deve ser aplicado o regime dos “anos barreira”, dado que o mesmo se traduz numa alteração absolutamente determinante do regime do MIM, que impõe que se protejam as suas legítimas expectativas assim como a dos estudantes que já no decurso do MIM se viram confrontados com tão relevante e determinante alteração, que não se cinge a uma mera alteração da estrutura curricular.
3.9.4.A este respeito pode ler-se na sentença recorrida que :“Como bem refere a R., reportando-se o Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24/03, que aprovou aquele regime, à implementação do denominado “Processo de Bolonha”, que, como se sabe, introduziu profundas alterações no paradigma do nosso ensino superior, aquele normativo procurou salvaguardar as expectativas – essas sim, legítimas – dos alunos inscritos em mestrados e doutoramentos que tivessem obtido as suas licenciaturas no regime anteriormente vigente e agora profundamente alterado (“Pré-Bolonha”), assegurando que aos graus a que se tenham candidatado ainda antes da entrada em vigor do “Processo de Bolonha” se continuaria a aplicar o regime jurídico vigente à data dessa candidatura. Situação que, como se compreende, não é comparável com o caso do A. aqui em escrutínio.
Ante todo o exposto, temos que improcede o primeiro fundamento avançado pelo A. para afastar, no seu caso concreto, a aplicação da regra do “ano barreira” na transição do 3.º para o 4.º ano do MIM, na medida em que, como vimos, não ocorre qualquer violação dos princípios da confiança e da segurança jurídica, constitucionalmente consagrados”.
3.9.5.Para o Apelante, um tal entendimento não tem sustentação, uma vez que a seu ver a introdução de “anos barreira” se assume em tudo como equiparável às razões que levaram, em tal normativo, a que fosse estabelecida a salvaguarda da sua não aplicação aos estudantes já inscritos.
3.9.6.A este respeito, damos aqui por reproduzidas todas as considerações que supra efetuamos , das quais resulta não ocorrer nenhuma violação dos princípios da confiança e da segurança jurídicas por via da introdução do “ano barreira” e da sua aplicação imediata ao autor, enquanto aluno que se encontrava inscrito no MIM já desde o ano letivo de 2015-2016, pelo que, o facto do artigo 81.º do DL 74/2006 conter a previsão normativa de acordo com a qual “aos estudantes que tenham solicitado admissão ao mestrado ou ao doutoramento aplica-se o regime jurídico vigente à data em que foram apresentados os respetivos pedidos” em nada altera o sentido dessas conclusões. Além do mais, essa norma contempla um universo de situações em que as alterações provocadas pelo denominado “Processo de Bolonha” não se ficam pela mera imposição de limites à progressão num ciclo de estudos em função da completude ou incompletude da fase que o antecede, tratando-se de alterações profundas ao nível da própria conceção da estrutura curricular e planos de estudos dos mestrados e das licenciaturas que os precedem.
3.9.7.No caso em apreço, não há uma ofensa radical ou desproporcionada das expetativas do apelante, pelo que a sujeição do apelante ao “ano barreira” não é de modo a violar a confiança e a segurança jurídica que a CRP garante, podendo as relações ou situações jurídicas duradoiras ser legitimamente modificadas em sentido desfavorável aos seus titulares, sob pena de um conservadorismo inaceitável e prejudicial ao interesse público.
Termos em que julgamos improcedente o invocado fundamento de recurso, impondo-se, neste segmento, confirmar a sentença recorrida.
b.1.2.3 Do erro de julgamento decorrente da errada interpretação e aplicação da Lei n.º 38/2020, de 16 de agosto.
3.9.8.Para a hipótese de não vingar o anterior fundamento de recurso, o Apelante insurge-se contra a sentença recorrida invocando que a mesma não deu a devida aplicação ao regime decorrente da Lei n.º 38/2020, de 18 de agosto, tendo-se o Tribunal a quo escudado em argumentos meramente formais ao invés de convocar os critérios interpretativos da lei, de cuja consideração resultaria ser-lhe aplicável o regime previsto no artigo 6.º dessa Lei.
3.9.9.A Lei 38/2020, de 18 de agosto constitui um diploma que integra um pacote mais amplo de medidas temporárias e excecionais que foram aprovadas, umas pelo Governo, outras pela Assembleia da República, no contexto da emergência da crise sanitária provocada pela propagação do vírus Sars-Cov-2, denominado COVID 19, em ordem a minorar o impacto negativo das consequências dessa pandemia na vida das pessoas, das instituições e das empresas.
4.Nos termos do disposto no seu artigo 1.º trata-se de uma lei que aprovou um conjunto de medidas excecionais e temporárias para salvaguarda dos direitos dos trabalhadores e estudantes do ensino superior e no Sistema Científico e Tecnológico Nacional, que se aplica às instituições do ensino superior público ( art.º 2.º), destinada a vigorar a partir do dia seguinte ao da sua publicação e enquanto se mantiverem em vigor as medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia de SARS-CoV-2 ( art.º 7.º).
4.1.No artigo 6.º dessa Lei, sob a epígrafe “Candidaturas a ciclos de estudos” estabeleceu-se o seguinte regime legal:
“1 - As candidaturas em ciclo de estudo para a obtenção de mestrado ou doutoramentos podem, excecionalmente, ser realizadas sem a conclusão do ciclo de estudos anteriores e durante o período de tempo necessário para a conclusão do mesmo.
2 - A admissão no ciclo de estudos a que o estudante se candidata é condicional, passando a definitiva no momento da conclusão do ciclo de estudos anterior.
3 - Os estudantes que beneficiem do direito previsto no n.º 1 não podem ser prejudicados nos procedimentos de seriação e candidatura em ciclo de estudo para a obtenção de mestrado ou doutoramento.”
4.1.1.Na exposição de motivos desta Lei pode ler-se que, “com a aprovação do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, foi determinada a suspensão das ‘atividades letivas e não letivas e formativas com presença de estudantes em estabelecimentos de ensino públicos, particulares e cooperativos e do setor social e solidário de educação pré-escolar, básica, secundária e superior e em equipamentos sociais de apoio à primeira infância ou deficiência, bem como nos centros de formação de gestão direta ou participada da rede do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P.’, todas as Instituições do Ensino Superior foram encerradas e as aulas encontravam-se a ser dadas à distância através do recurso a meios tecnológicos. Contudo, existem cadeiras que, pela sua vertente exclusivamente prática - como atividades laboratoriais, trabalho de campo, seminários -, não podem ser lecionadas à distância e que terão (se ainda não iniciadas), após a cessação das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2, de ser realizadas, sem prejuízo do direito às férias dos estudantes e trabalhadores. Em alguns casos, nem as aulas teóricas estão a ser dadas com recurso ao dito ensino à distância, pois nem todas as Instituições ou estudantes possuem as mesmas condições para tal. A variedade de problemáticas surgidas durante o surto epidemiológico coloca a necessidade de soluções diferenciadas para responder às dificuldades práticas vividas pelos estudantes, pelos trabalhadores e pelas instituições. (...) Defendemos ainda que deverão ser tomadas medidas para que os estudantes não sejam prejudicados quanto à candidatura para outros ciclos de estudos, caso não tenham terminado o ciclo anterior” .
4.1.2.É precisamente a interpretação a extrair do artigo 6.º desta Lei que constituiu tema de divergência entre a posição defendida pelo autor e pela ré, entendendo o primeiro que tinha direito a ver-lhe aplicado o regime decorrente dessa norma mas sustentando a ré que a dita norma não abarca a hipótese dos mestrados integrados, vindo o Tribunal a secundar a posição perfilhada pela ré, ora apelada.
4.1.3.Na sentença recorrida, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre esta questão em moldes que consideramos útil transcrever para uma melhor elucidação sobre os termos da questão que temos em mãos para decidir:
(…) o curso superior que o A. se encontra a frequentar corresponde, precisamente, a um (único) ciclo de estudos integrado conducente ao grau de mestre, in casu, o Mestrado Integrado em Medicina (MIM), ministrado na FMUC, tal como previsto no art.º 19.º do Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior.
(…)
O termo do 3.º ano do MIM corresponde ao momento de conclusão da Licenciatura em Ciências Básicas da Saúde, ao passo que o final do 5.º ano marca o período que precede o Estágio Programado e Orientado. No entanto – importa aqui sublinhar –, o certo é que estamos perante um único ciclo de estudos (integrado), que se estrutura e desenvolve ao longo de 6 anos, com regras próprias de transição entre os anos que compõem esse único ciclo de estudos, conducente, no final, à obtenção do grau de mestre. Por outras palavras, quando um estudante se candidata ao MIM e é admitido, ingressa o mesmo num (único) curso superior, composto por um (único) ciclo de estudos integrado que se estrutura e desenvolve durante 12 semestres, entre os quais vai transitando automaticamente, cumpridos os requisitos e regras definidas pela instituição de ensino superior para as transições de ano, tendo em vista a conclusão, a final, dos 360 ECTS necessários à obtenção do grau de mestre. Daqui resulta que a única candidatura que existe ao MIM é a candidatura inicial do estudante, quando pretende matricular-se no curso e ingressar no seu 1.º ano, com a expectativa de ir transitando sucessivamente de ano, para assim concluir, completados todos os créditos necessários, o (único) ciclo de estudos em que foi admitido, obtendo o grau de mestre.
Ora, como acima deixámos exposto, o escopo do art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08, são as candidaturas efetuadas para o ingresso num concreto ciclo de estudos para a obtenção do grau de mestre ou de doutor, caso em que se permite que tais candidaturas sejam apresentadas, a título excecional, mesmo quando os candidatos não tenham ainda concluído o ciclo de estudos anterior – diferente, portanto, do ciclo de estudos a que se candidatam – e durante o período de tempo necessário para a conclusão do mesmo.
Atendendo a tudo quanto acima ficou explicitado, entendemos que as situações visadas pelo legislador na previsão do art.º 6.º da Lei em referência foram tão somente aquelas em que os graus de mestre ou de doutor são obtidos e conferidos através da candidatura, admissão e frequência de um ciclo de estudos individualizado e autonomizado, na respetiva área de formação, e que pressupõe, por isso, a existência e conclusão de ciclos de estudos anteriores e perfeitamente diferenciados – conducentes, consoante os casos, ao grau de licenciado ou mestre –, com planos curriculares próprios, que os distinguem e autonomizam do ciclo de estudos conducente à obtenção desse grau de mestre ou doutor.
Não estão, por conseguinte, a nosso ver, incluídos na previsão do art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08, os casos em que o estudante foi admitido e encontra-se a frequentar um (único) ciclo de estudos integrado ou curso superior conducente ao grau de mestre, in casu, o MIM, uma vez que, neste âmbito, o estudante não apresenta uma candidatura autónoma quando conclui, no termo do 3.º ano, os créditos necessários que lhe permitem obter o grau de licenciado, tendo em vista ingressar no 4.º ano do MIM. O que acontece é que o estudante, completados tais créditos, simplesmente transita, de modo automático, do 3.º para o 4.º ano de um mesmo e único ciclo de estudos integrado.
Julgamos, pois, que, no caso concreto do A., o art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08, não pode ser invocado como fundamento para suspender ou afastar a aplicação do “ano barreira” e para, desse modo, permitir a transição ou passagem do mesmo do 3.º para o 4.º ano do MIM, tudo se passando como se o A. se pretendesse candidatar a um ciclo de estudos que o levaria a obter o grau de mestre e que pressupunha a conclusão de um ciclo de estudos anterior e perfeitamente autonomizado, conducente ao grau de licenciado. Já vimos, porém, que não é isso que sucede no (único) ciclo de estudos integrado conducente ao grau de mestre na área de formação de Medicina (MIM).
Aliás, o A. pretende que lhe seja aplicada uma regra excecional prevista para o acesso e ingresso em ciclos de estudos distintos e plenamente diferenciados, para obtenção do grau de mestre ou doutor, quando a sua situação se reconduz, na verdade, à transição de um ano curricular para outro ano curricular dentro do mesmo e único ciclo de estudos – transição que se viu impedido de efetuar devido ao funcionamento da regra do “ano barreira”, que impossibilita a transição para o 4.º ano do MIM se o estudante não completar a totalidade dos ECTS referentes aos anos precedentes –, não obstante o ano do qual pretende transitar (3.º ano) marque a conclusão da parte referente à licenciatura e o ano para o qual pretende transitar (4.º ano) marque o início da parte referente ao mestrado (integrado).
Esta situação, perfeitamente distinta, reafirmamos, não se nos afigura que caiba no âmbito de aplicação do disposto no art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08, considerando a sua letra e atento o elemento gramatical inerente à sua interpretação.
A questão que ora se pode colocar é a de saber – como também defende o A. – se a sua pretensão, dirigida à aplicabilidade do art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08, pode ser obtida através do recurso à interpretação extensiva desta norma, de modo a que se possa concluir que a sua situação, afinal, também foi contemplada pelo legislador.
Não cremos, todavia, que assim seja.
Estabelece, como se sabe, o art.º 9.º do Código Civil que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1), não podendo, porém, “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2). E, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).
Ora, a interpretação extensiva pressupõe que, por via interpretativa, se conclua que o legislador minus dixit quam voluit, ou seja, não podem restar dúvidas de que a letra da lei ficou aquém do seu espírito, que o legislador disse menos do que queria e, por isso, há que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo.
O certo é que, compulsada, desde logo, a exposição de motivos do projeto de lei que esteve na base da aprovação da Lei n.º 38/2020, de 18/08 – Projeto de lei n.º 440/XIV/1.ª, cujo art.º 8.º corresponde, sem alterações, ao art.º 6.º da versão final daquela Lei –, não vislumbramos que o legislador tenha efetivamente pretendido abranger no âmbito de aplicação daquela medida excecional as situações de transição de ano dentro de um mesmo e único ciclo de estudos integrado, quando o estudante não tenha completado e atingido o número de créditos necessários a essa transição e se veja, dessa forma, impedido de transitar de ano devido ao funcionamento do “ano barreira”.
(…)
Ora, o que decorre da exposição de motivos acima transcrita é a preocupação tida pelo legislador em salvaguardar a situação daqueles estudantes que, por força dos inevitáveis constrangimentos provocados no normal funcionamento dos cursos do ensino superior devido à pandemia em que vivemos – que levaram, em muitos casos, como é facto notório, ao encerramento de universidades e à implementação do ensino à distância –, não puderam, por factos e circunstâncias aos mesmos alheios e que se prenderam com as dificuldades criadas por aqueles constrangimentos na continuação da sua formação superior, concluir o ciclo de estudos que se encontravam a frequentar, o que, em situações normais, os impediria de se candidatarem a ciclos de estudos subsequentes, porque dependentes da conclusão do ciclo de estudos anterior. Foi neste cenário que o legislador entendeu dever criar um regime excecional, destinado a permitir que os estudantes pudessem candidatar-se a ciclos de estudos conducentes à obtenção do grau de mestre ou doutor ainda que, por motivos relacionados com os constrangimentos da pandemia, não tenham concluído o ciclo de estudos anterior (conducente ao grau de licenciado ou de mestre, consoante os casos).
A situação do A., como vimos, não é esta, já que o que o mesmo pretende é transitar de ano dentro do mesmo e único ciclo de estudos e prosseguir a sua formação nesse curso.
O A. viu-se impedido de transitar do 3.º para o 4.º ano do MIM porque não concluiu todos os ECTS dos anos precedentes: no ano letivo de 2019/2020, o A. estava inscrito no 3.º ano do MIM e obteve aprovação a apenas 169 dos 180 ECTS correspondentes a esses três anos, uma vez que não foi aprovado em duas das unidades curriculares em que se encontrava inscrito, mormente Anatomia III e Farmacologia II, situação que o impediu de se inscrever no 4.º ano do MIM no ano letivo de 2020/2021, devido à vigência e aplicação do “ano barreira”. E, segundo o que o mesmo alega, numa dessas cadeiras não obteve simplesmente aprovação, sendo que na outra cadeira terá sido impedido de se apresentar a exame com o argumento de que não teria presenças bastantes nas aulas práticas, pese embora ter apresentado justificação médica para tais ausências, no que se refere ao mês de setembro de 2019, a qual não terá sido, erradamente, considerada pelos serviços académicos.
Assim caracterizada e definida a pretensão do A., conjugada com a letra da lei e com o pensamento legislativo subjacente à norma do art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08, não vemos, salvo o devido respeito, em que medida o legislador pretendeu, de facto, incluir no âmbito de aplicação daquele preceito uma situação como a do A. e, em consequência, acabou por dizer menos do que queria, o que era indispensável para legitimar o recurso à aludida interpretação extensiva. Tal resultado, no caso concreto, não se mostra viável.
Por outro lado, a satisfação da pretensão do A. também não poderá, segundo entendemos, ser obtida mediante a constatação de que estaríamos perante uma lacuna da lei, a qual necessitaria de ser integrada, desde logo, mediante o recurso à aplicação analógica da solução vertida no referido art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08; ou, então, seria resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema, a qual deveria permitir o afastamento da regra do “ano barreira”.
Isto porque, para tanto, seria necessário, antes de mais, concluir que, de facto, se trata de uma lacuna da lei, cuja existência pressupõe, como se sabe, que haja falta de previsão e, consequentemente, de regulação de um caso concreto que deva ser juridicamente regulado.
Não é isso que sucede, manifestamente, no caso do A., cuja situação se mostra plenamente regulada, desde logo, pelas normas constantes do Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior e, sobretudo, pelas regras regulamentares previstas no Despacho n.º 9881/2016. Inexiste, pois, uma lacuna que necessite de integração.
Por fim, não colhe o argumento de que, interpretando-se o art.º 6.º da Lei n.º 38/2020 no sentido de permitir o acesso a mestrados não integrados sem a prévia conclusão da licenciatura e de, diversamente, já não o permitir nos mestrados integrados, tal violaria o princípio da igualdade de tratamento, também constitucionalmente consagrado.
Como salientado pela jurisprudência, “o princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global. Trata-se, aqui, de um princípio de conteúdo pluridimensional, que postula várias exigências, designadamente a de obrigar a um tratamento igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual de situações de facto desiguais, não autorizando o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais. Temos, assim, que tal princípio não pode ser entendido como um obstáculo ao estabelecimento pelo legislador de disciplinas diferentes, quando diversas forem as situações que as normas pretendam regular. No fundo, o que se pretende evitar é o arbítrio legislativo, mediante uma diferenciação de tratamento irrazoável, a que falte inequivocamente apoio material e constitucional objetivo, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo do limite externo de conformação da iniciativa do Legislador” (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23/05/2002, proc. n.º 0716/02, publicado em www.dgsi.pt).
Aplicando estes considerandos à situação dos autos, bastará referir que, como decorre de tudo quanto acima ficou exposto, a situação do A. – que pretende transitar de ano dentro de um mesmo e único ciclo de estudos integrado e, assim, afastar a aplicação da regra do “ano barreira” – não é idêntica, na sua materialidade, à situação de um estudante que pretende candidatar-se a um ciclo de estudos de mestrado ou doutoramento, totalmente diferenciado do ciclo de estudos anterior (de licenciatura ou de mestrado) – não se trata aqui de uma transição de ano –, mas que se viu impedido de o fazer por não ter concluído esse ciclo de estudos anterior, por razões que nada têm a ver com a aplicação de uma regra idêntica à regra do “ano barreira”.
Por conseguinte, tratando-se de situações desiguais, são as mesmas merecedoras, nessa medida, de tratamentos também eles diferentes, assim se cumprindo, aliás, o princípio constitucional da igualdade.
Poder-se-ia equacionar, claro está, se o legislador não deveria também ter previsto um regime excecional que abrangesse e acautelasse as transições de ano em ciclos de estudos integrados e que tenham sido dificultadas ou impedidas pelos constrangimentos ocasionados pela atual pandemia. No entanto, essa é uma questão que, aqui, não se coloca.
Assim, temos que improcede o segundo fundamento avançado pelo A. para afastar, no seu caso concreto, a aplicação da regra do “ano barreira” na transição do 3.º para o 4.º ano do MIM, na medida em que, como vimos, não lhe é aplicável o art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08.”
4.1.4.Ou seja, e em síntese, o Tribunal a quo considerou que a realização do percurso escolar definido pelo plano de estudos do MIM, contrariamente à situação prevista no art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08, não depende de qualquer candidatura, na medida em que estamos perante o mesmo, e único, ciclo de estudos, pelo que tal normativo não pode ter aplicação à situação do A., considerando que as situações que o legislador pretendeu abranger respeitam a mestrados e doutoramentos dotados de autonomia, respeitantes a ciclos de estudos distintos, e não a mestrados integrados, que fazem parte de um único e mesmo ciclo de estudos, pelo que, considerando que a pretensão do A. não é candidatar-se a um ciclo de estudos para a obtenção de mestrado, mas sim prosseguir normalmente com o ciclo de estudos integrado em que se encontra inscrito, não pode ver-lhe aplicado o disposto no art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, de 18/08. Ademais, se a intenção do legislador fosse, durante a situação de pandemia e a título excecional, permitir que os estudantes pudessem prosseguir os seus estudos, dentro do mesmo ciclo, independentemente de terem ou não obtido o número de ECTS necessário para transitar de ano, não teria, por certo, deixado de consagrar expressamente uma tal solução, admitindo que qualquer aluno pudesse, simplesmente e em qualquer circunstância, matricular-se no ano seguinte. Por fim, entende ainda o Tribunal a quo que sendo o normativo em causa uma norma excecional, nos termos do art.º 11.º do Código Civil, não é suscetível de aplicação analógica.
4.1.5.Diferentemente, o apelante considera que a decisão assim proferida enferma de erro de julgamento, e que o Tribunal a quo se limitou à posição cómoda de acolher os argumentos da apelada, de natureza formal, sem cuidar de convocar os critérios interpretativos da lei, acolhendo assim um entendimento que viola essa lei.
4.1.6.A tese do Apelante, é de que, o regime que decorre da aprovação da Lei n.º 38/2020, de 16/08, que estabelece medidas excecionais e temporárias para salvaguarda dos direitos dos trabalhadores e estudantes do ensino superior público, concretamente do seu artigo 6.º, tem em vista acautelar, atendendo ao cenário de pandemia existente, a possibilidade de os interessados em prosseguir os seus estudos numa fase/ciclo de estudos subsequente àquele que frequentam poderem aceder a essa fase/ciclo de estudos, diferenciado, sem necessidade de terem concluído a fase/ciclo de estudos anterior, não podendo valer, para afastar a aplicabilidade do art.º 6.º daquele Decreto-Lei à situação do A., o argumento de que o acesso à fase de mestrado do MIM (4.º ano e seguintes) não depende de qualquer candidatura. Na sua ótica, apesar do regime em que esse mestrado se estrutura, não deixa o mesmo de ser integrado por dois ciclos distintos, atribuindo o primeiro, correspondente aos primeiros três anos, precisamente o grau de Licenciatura em Ciências Básicas da Saúde, sendo que a criação do denominado “ano barreira” na FMUC mais o aproxima da situação comum aos mestrados não integrados, em que, em geral, a conclusão da licenciatura é pressuposto/requisito para se poder aceder àqueles. Uma interpretação diversa, além de contrária aos objetivos perseguidos com a aprovação e publicação desta lei especial, levaria a que o citado art.º 6.º permitisse o acesso a mestrados não integrados sem a prévia conclusão da licenciatura e, diversamente, já não o permitisse nos mestrados integrados, com eventual violação, para além do pensamento e intenção legislativos, do princípio da igualdade de tratamento, também constitucionalmente consagrado.
4.1.7.O modo de acesso, por candidatura ou não, não se traduz em requisito que o legislador tenha erigido como determinante para distinguir os estudantes quanto à aplicação da norma mas sim, diversamente, a intenção de permitir, excecionalmente, a todos eles o acesso às fases seguintes dos seus estudos, de mestrado ou doutoramento, ainda que não tenham concluído a fase/ciclo anterior – é essa a conclusão que resulta, aliás, da exposição de motivos do projeto e sua discussão.
4.1.8.O apelante advoga que, em face da vigência do aludido art.º 6.º da Lei n.º 38/2020, bem como do estado atual de dificuldade e incerteza em que vivemos e cuja manutenção durante este ano letivo é de prever, impõe-se, dando cumprimento ao mencionado normativo, que se afirme a suspensão da vigência do ano barreira, por afrontar diretamente e de modo expresso o regime naquele previsto, bem como o objetivo que se pretendeu alcançar com a sua estipulação legal.
4.1.9.Adiante-se que se nos prefigura que, ainda que as situações de mestrado integrado em que exista estabelecido um “ ano barreira” a impedir a progressão dos alunos da fase a que corresponde o grau de licenciatura em Ciências Básicas da Saúde para a fase do mestrado propriamente dito, essa destinada a obter, uma vez concluída com sucesso, o grau de mestre em Medicina, a não estar abrangida pela previsão do artigo 6.º da Lei 38/2020, constitui uma omissão do legislador que o mesmo não teria deixado de incluir na citada previsão normativa se em tempo a tivesse previsto.
4.2.Dito isto, vejamos então, se ao autor assiste o direito a beneficiar do regime transitório e excecional previsto no referido artigo 6.º da Lei 38/2020.
4.2.1.Como resulta à saciedade em face do que já se explanou, a dita Lei 38/2020, é uma lei especial e a situação que o legislador pretendeu acautelar com a previsão do artigo 6.º foi a de, atendendo ao cenário de pandemia, assegurar a possibilidade de os interessados poderem prosseguir os seus estudos sem necessidade de terem concluído o ciclo de estudos anterior, assim afastando o risco de abandono escolar, conforme se extrai da leitura da respetiva exposição de motivos, reconhecendo as maiores dificuldades que os alunos certamente enfrentaram nesse ano escolar, fruto das contingências impostas pela crise pandémica, que levou ao encerramento das universidades, com aulas à distância e outras alterações que só entorpeceram o processo de formação, agravando as condições para muitos alunos de concluírem com sucesso o ciclo de estudos relativo à obtenção das respetivas licenciaturas que se encontrassem a frequentar no ano letivo de 2019/2020.
4.2.2.A questão que se coloca está em saber se estando em causa o acesso à possibilidade de frequência de um mestrado integrado, que em sentido técnico-jurídico, é constituído por um único ciclo de estudos, e em que a passagem da fase da licenciatura para a fase de mestrado é automática, ou seja, não depende da apresentação de nenhuma candidatura à frequência do mestrado, nem de nenhuma seriação por parte do estabelecimento de ensino superior onde foi apresentada, mas apenas, no caso em análise, da conclusão dos 180 ETCS correspondentes á fase da licenciatura em Ciências Médicas da Saúde e da consequente inscrição no 4.º ano desse único ciclo de estudos, se está perante uma realidade que o legislador não incluiu na referida hipótese normativa, porque não a quis incluir, atendendo às aludidas diferenças do mestrado integrado.
4.2.3.Perante dúvidas sobre qual o sentido e o alcance com uma determinada norma deve valer, deve o interprete socorrer-se dos cânones interpretativos previstos no artigo 9.º do CC, sem deixar de ter em consideração como adverte Manuel de Andrade In “Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis”, Coimbra, 1978, pág. 26;, que interpretar “quando de leis se trata, significa algo diverso de interpretar em outras coisas: interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentre as várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (...) Os princípios da interpretação devem, por consequência, dar-nos não só a possibilidade de atrás das palavras encontrarmos os pensamentos possíveis, mas também a de entre os pensamentos possíveis descobrimos o verdadeiro”.
4.2.4.As regras sobre interpretação das normas apenas serão convocadas quando houver que escolher qual de entre diversos sentidos potencialmente equacionáveis, o que prevalece.
A metodologia interpretativa imposta pelo legislador parte, como não poderia deixar de ser, da própria letra da lei, pelo que o texto legal deve ser abordado nos termos hermenêuticos gerais das «regras da gramática». E uma vez fixado esse sentido textual, o mesmo servirá tanto de ponto de partida como de limite para as diversas interpretações possíveis (artigo 9º, nº2 do CC).
Assim, embora a
ratio da norma seja inquestionavelmente importante (artigo 9º, nº1 do CC), é pelo texto que se começa, pois só por absurdo nos poríamos a inquirir a ratio do texto sem antes o conhecer. O que não obsta a que a ratio, uma vez obtida, reflua depois para o aprimoramento do sentido do texto, de modo que de entre os seus sentidos possíveis se eleja o sentido prevalente, ou decisivo.
4.2.5.E na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador «consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (artigo 9º, nº3 do CC).
4.2.5.Segundo a doutrina, o intérprete, socorrendo-se dos «elementos interpretativos legais» acabará por chegar a uma das seguintes modalidades interpretativas: - interpretação declarativa; - interpretação extensiva; - interpretação restritiva; - interpretação revogatória e interpretação enunciativa. Cfr. Baptista Machado, in «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», 4ª impressão, Coimbra, 1990, páginas 183 a 188].
Note-se que «o regime da interpretação da lei assenta na enunciação de tipos de argumentos (ou “elementos”), os quais devem ser relevantes na determinação do significado da lei. Não são, contudo, estabelecidos- pelo menos no art.º 9.º do Código Civil- critérios sobre o peso relativo desses argumentos, que determinem quais os elementos de interpretação que devem prevalecer, no caso de diferentes elementos, quando considerados em separado, apontarem no sentido de diferentes interpretações» Cfr. PAULA COSTA E SILVA e MIGUEL BRITO BATOS Cfr. CJA, N.º122, pág. 11 e segts..
Como já se disse e é consabido, o intérprete deve partir do teor literal da lei, tendo em conta as regras da gramática e o uso corrente da linguagem.
4.2.6.Considerando o teor literal do artigo 6.º, o legislador usa as expressões “candidaturas” e utiliza a expressão “ciclo de estudos” para se referir, ora ao ciclo de estudos para a obtenção de mestrado e doutoramento , ora ao ciclo de estudos anteriores a esses graus, para além de se referir também aos procedimentos de seriação e candidatura em ciclo de estudos para a obtenção de mestrado ou doutoramento, com o que, em termos literais se está a referir diretamente, para o que nos interessa, aos mestrados normais.
4.2.7.Dir-se-á, assim, que no elemento literal da norma, não encontramos apoio direto para que por apelo exclusivo ao mesmo se possa considerar incluída na norma a referência aos mestrados integrados.
4.2.8.Mas, como vimos, para além do teor verbal da lei, deve atender-se à coerência interna do preceito, o lugar em que se encontra e as suas relações com outros preceitos (interpretação logico-sistemática). A essa luz, a interpretação deste preceito como excluindo do seu campo de previsão a situação dos mestrados integrados apenas é sustentável do ponto de vista da sua coerência interna, se considerarmos como dele excluídos somente os mestrados integrados em que os alunos transitam automaticamente do termo da fase correspondente à obtenção do grau de licenciatura para a fase do mestrado propriamente dito, ou seja, para a fase da obtenção do grau de mestre, sem que a não conclusão da fase da licenciatura barre a possibilidade de frequência da fase do mestrado propriamente dito. Mas já não será assim, nos casos em que, como revela a situação do autor, se esteja perante situações em que no âmbito de um mestrado integrado é estabelecido um sistema de “ano barreira” por via do qual se impõe a conclusão da fase destinada à obtenção da licenciatura para que o aluno possa prosseguir estudos, ou seja, progredir para a fase destinada à obtenção do grau de mestre, posto que, pese embora não se possa falar em termos técnico-jurídicos em ciclos distintos, porque não deixa de se estar perante um mestrado integrado, em que o aluno não tem de se candidatar à frequência de um mestrado, da sua livre escolha, e sujeitar-se a uma seriação mas apenas que se inscrever no ano correspondente a essa formação contínua tendo em vista a obtenção do grau de mestre, a verdade é que há um paralelismo de tal forma evidente com aquelas outras situações do mestrado dito normal, que a previsão do artigo 6.º seria incoerente do ponto de vista logico-sistemático se deixasse de fora do campo de previsão esta situação a que nos reportamos.
4.2.9.Por fim, diremos que a interpretação que fazemos é também a única que respeita a ratio do preceito (interpretação teleológica). Como é consabido, os argumentos teleológicos, assentam numa ideia de coerência valorativa do sistema, e de que os preceitos normativos devem ser interpretados no sentido que melhor prosseguir o objetivo pretendido pelo legislador. Deste modo, estes argumentos têm como momento basilar a determinação da finalidade prosseguida por cada norma.
4.3.Ora, apelando a este critério hermenêutico ( interpretação teleológica) não vemos como possa sustentar-se que o legislador não quis integrar no âmbito de abrangência desse regime especial instituído pelo artigo 6º da Lei 38/2020, de 18/08 os alunos do MIM, naquelas situações como é o caso versado nestes autos, em que o acesso à fase de estudos correspondente à obtenção do grau de mestre esteja condicionado à prévia conclusão de todas as unidades curriculares necessárias à obtenção do grau de licenciatura na fase antecedente. Pese embora se trate de um mestrado integrado, não deixa de ser integrado por duas fases distintas, ainda que não ciclos distintos na terminologia usada no DL 74/2006, sendo a primeira fase correspondente aos primeiros 3 anos, de cuja conclusão nasce para o aluno o direito ao grau de licenciado em Ciências Básicas da Saúde, e a segunda, destinada à obtenção do grau de mestre em Medicina, sendo certo, como bem argumenta o Apelante, que a criação do ano barreira na FMUC mais o aproxima da situação comum dos mestrados não integrados, em que a conclusão da licenciatura é requisito para se aceder ao mestrado.
4.3.1.Pensamos que esta interpretação é a que melhor se coaduna com a intenção visada pelo legislador com a aprovação da referida lei 38/2020, ao dispor nos termos sobreditos no artigo 6.º da mesma. O facto de se estar perante um mestrado integrado, em que se exige como condição previa para o acesso à fase seguinte do mestrado propriamente dito a conclusão de todas as unidades curriculares necessárias à obtenção da licenciatura em ciências básicas da saúde, não justifica de per se que em relação aos alunos desse mestrado integrado que não tenham concluído a sua licenciatura os mesmos não possam beneficiar do regime excecional previsto no artigo 6.º quando comparada a sua situação com as os demais alunos de licenciatura, que caso não tenham concluído a sua licenciatura, ainda assim se poderão candidatar e frequentar o ciclo de estudos referente ao mestrado.
4.3.2.A razão pela qual legislador assegurou aos últimos a possibilidade de se candidatem ao ciclo de estudos do mestrado sem que tenham concluído o ciclo de estudos correspondente à obtenção do grau de licenciado, qual seja, as dificuldades acrescidas e inesperadas provocadas pela pandemia nas condições de lecionação e de acesso dos alunos aos conteúdos lecionados, com aulas muitas vezes à distância, não deixam de se colocar com a mesma premência e acuidade em relação a estes outros alunos do mestrado integrado em medicina da FMUC.
4.3.3.Aliás, um tal entendimento seria frontalmente violador do princípio da igualdade, contrariamente ao que foi entendido pela 1.ª Instância.
4.3.4.É de notar que, nem a apelada, nem o Tribunal a quo na decisão que proferiu apresentam uma razão válida para que as razões que ditaram a aprovação da norma do artigo 6.º da Lei 38/2020, de 18/08 também não reclamem a aplicação do seu regime ao autor.
4.3.5.É certo que o legislador não faz referência expressa à situação dos mestrados integrados, porém, o facto de utilizar no artigo 6.º as expressões “candidatura” ou “ciclo” não basta para que, atendendo à ratio legis, se considere não abrangidas pela norma os mestrados integrados em que exista a obrigatoriedade da prévia conclusão da licenciatura para que se possa avançar para esse outra fase de formação.
4.3.6.Como bem nota o Apelante, não é despiciendo ter presente que por regra nos mestrados integrados o acesso à segunda fase é automático, donde melhor se percebe a razão pela qual o legislador não cuidou de fazer expressa referência às exceções a essa regra, ou seja, de se referir aos mestrados integrados em que exista o ano barreira como sucede in casu.
4.3.7.Ora, dada a inexistência de “ano barrreira” na maioria dos mestrados integrados, a questão do acesso ao mestrado não se coloca conquanto o mesmo é automático, pelo que sempre se impõe questionar porque razão então o legislador teria querido afastar essas poucas situações do regime que previu e que determinou que fosse aplicado, sendo que por maior que seja o esforço analítico que se faça, não se consegue descortinar qual a lógica de uma opção do legislador em deixar de fora as situações como a versada neste autos, as quais em nada diferem, em termos reais, das demais situações, sendo válidas igualmente as razões que conduziram o legislador a tal opção legislativa.
4.3.8.Aqui chegados é nossa convicção, tendo em conta os elementos disponíveis, que o legislador pretendeu incluir na previsão da norma do artigo 6.º da Lei n.º 38/2020, todos os casos em que estivesse em causa a transição das fases da licenciatura para a de mestrado e para a de doutoramento, ainda que para o efeito, o legislador tivesse dito menos do que pretendia dizer.
4.3.9.Por fim, concordamos que o modo de acesso, quando se refere a candidatura, não se traduz num requisito que o legislador tenha erigido como determinante e razão de ser para distinguir os estudantes quanto à aplicação da norma e sim, diversamente, a intenção de permitir, excecionalmente, a todos eles o acesso às fases seguintes dos seus estudos, de mestrados ou doutoramento, ainda que não tenham concluído a fase/ciclo anterior , sendo essa a conclusão que resulta da exposição de motivos do projeto.
4.4.Concordamos com o Apelante, quando advoga que para efeitos da aplicação da norma do artigo 6.º da Lei 38/2020, a sua situação é materialmente igual à dos estudantes que, frequentando uma licenciatura, pretendam candidatar-se seguidamente a um ciclo de estudos de mestrado não integrado, diferentemente do que se passa na grande maioria dos mestrados integrados, em que o acesso a essa fase é automática.
4.4.1.Assim, no caso impõe-se recorrer a uma interpretação extensiva da referida norma. Na interpretação extensiva o interprete estende a norma a situações não previstas na sua letra , mas compreendidas no seu espirito ( minus dixit quam voluit). No caso, partindo-se de um raciocínio por paridade de razão, uma vez que não restam dúvidas que na situação colocada, a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, há que adequar a letra ao respetivo espírito por via da interpretação extensiva Sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185/186;.
4.4.2.Termos em que se conclui pela procedência do invocado fundamento de recurso, impondo-se revogar a sentença recorrida no segmento em causa e, no uso dos poderes de substituição que assistem a este Tribunal, julgar procedente a ação, condenando a ré, a admitir a inscrição do autor a frequentar o 4.º do ano do MIM, por força do disposto no artigo 6.º da Lei 38/2020, de 18 de agosto, e nessa conformidade, permitir que o mesmo prossiga o ciclo de estudos destinados à obtenção do grau de mestre em Medicina no âmbito do MIM da FMUC.
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4.4.3.Na procedência do invocado fundamento de recurso, dispensamo-nos de conhecer do recurso interposto contra o despacho interlocutório que dispensou a produção da prova testemunhal requerida pelo autor, deduzido subsidiariamente pelo autor para o caso de não lograr obter o reconhecimento do seu direito.
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IV- DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar a sentença recorrida e, em substituição, decide-se julgar a ação procedente, condenando-se a Ré Universidade de Coimbra a reconhecer que o Autor tem direito a inscrever-se no quarto ano do Mestrado Integrado de Medicina, com todas as legais consequências daí decorrentes.
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Custas em ambas as instâncias pela ré (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

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Porto, 15 de julho de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Isabel Jovita

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i) Cfr. No mesmo sentido, Acs. do TCAN de 14/01/2014, proc. 02699/09.3BEPRT; de
05/02/2021, proc. n.º 00182/10.3BEVIS;

ii) Conforme referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “a proibição incide sobre a chamada retroatividade autêntica, em que as leis restritivas de direitos afetam posições jusfundamentais já estabelecidas no passado ou, mesmo, esgotadas. Ela abrangerá também alguns casos de retrospetividade ou de retroatividade inautêntica (a lei proclama a vigência para o futuro mas afeta direitos ou posições radicadas na lei anterior) sempre que as medidas legislativas se revelarem arbitrárias, inesperadas, desproporcionadas ou afetarem direitos de forma excessivamente gravosa (...). A razão de ser deste requisito está intimamente ligada à ideia de proteção da confiança e da segurança aos cidadãos, defendendo-os contra o perigo de verem atribuir aos seus atos passados ou às situações transatas efeitos jurídicos com que razoavelmente não podiam contar” (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 394 – sublinhado nosso).

iii) Crf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 505/2008, 188/2009, 85/2010 e 509/2015.

iv) Cfr. FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª edição, página 40. Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II, página 42;

v) Cfr. Parecer nº 43/47 do Conselho Consultivo da PGR;

vi) Cfr. Neste sentido decidiram, pelo menos, os acórdãos da 1ª Secção, de 24.2.99-Rº 43459, de 14.3.02-Rº 47804, de 7.10.03-Rº 790/03, de 5.2.04-Rº 1918/02, de 22.6.04-Rº 1577/04, e deste Pleno, de 24.10.00-Rº 37621, de 6.2.02-Rº 35272, e de 5-05-2005-Rº 614/02.”

vii) In “Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis”, Coimbra, 1978, pág. 26;

viii) Cfr. Baptista Machado, in «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», 4ª impressão, Coimbra, 1990, páginas 183 a 188].

ix) Cfr. PAULA COSTA E SILVA e MIGUEL BRITO BATOS Cfr. CJA, N.º122, pág. 11 e segts.