Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00349/05.6BEBRG |
![]() | ![]() |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 03/11/2010 |
![]() | ![]() |
Relator: | Francisco Rothes |
![]() | ![]() |
Descritores: | RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – GERÊNCIA DE FACTO – PRESUNÇÃO JUDICIAL - ART. 11.º DO CRC |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - À luz do regime da responsabilidade subsidiária prevista no art. 24.º, n.º 1, da LGT, em qualquer das suas duas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência. II - É à AT, como exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos da reversão da execução fiscal. III - Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto. IV - Do art. 11.º do CRC resulta apenas que se presume que é gerente de direito aquele que consta como gerente do registo comercial. V - O tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição quanto à gerência de facto, pode utilizar presunções judiciais, motivo por que, com base na gerência de direito e noutras circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, pode, usando de regras de experiência, inferir a gerência de facto. VI - O juiz não pode inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a uma presunção legal. VII - Acresce que a AT, pese embora a possibilidade referida em V, que assiste ao tribunal em sede de oposição à execução fiscal, não pode dispensar-se de alegar no despacho de reversão a gerência de facto. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO 1.1 Foi instaurado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Secção de Processos de Viana do Castelo, contra a sociedade denominada “Cor Grafique - , Lda.” um processo de execução fiscal para cobrança coerciva de dívidas provenientes de contribuições para a Segurança Social dos meses de Agosto de 2000 a Outubro de 2001. A execução reverteu contra ARNALDO (adiante Executado por reversão, Oponente ou Recorrido) por a Exequente o ter considerado responsável subsidiário por essas dívidas. 1.2 O Executado por reversão opôs-se à execução fiscal, pedindo que a mesma fosse julgada extinta quanto a ele (() É neste termos que interpretamos o pedido formulado: «declarando-se a ilegitimidade do oponente relativamente às dívidas dos autos».). Para isso invocou, em síntese, o seguinte: 1.3 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga começou por eleger a questão a dirimir como a de saber se o Oponente é responsável subsidiário pelas dívidas exequendas. Salientando que a responsabilidade subsidiária dos gerentes pelas dívidas exequendas era regulada pelo art. 24.º da Lei Geral Tributária (LGT) e depois de referir as duas situações aí previstas, considerou que em ambas se exige a gerência de facto como pressuposto da reversão, a provar pela Fazenda Pública, sendo que a gerência de direito, por si só, não faz presumir a gerência de facto. Assim, e porque no período a que respeitam as dívidas exequendas não está provada a gerência efectiva por parte do Oponente, nem sequer a gerência de direito, concluiu que não está verificado um dos pressupostos da sua responsabilização a título subsidiário, pelo que a oposição à execução fiscal procede com o fundamento previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 1.4 O Ministério Público, através do seu Representante junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, interpôs recurso dessa sentença para este Tribunal Central Administrativo Norte, o qual foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 1.5 O Recorrente apresentou alegações que resumiu em conclusões do seguinte teor: «I - Os documentos do processo, servindo de base à matéria de facto, não deveriam conduzir à demonstração de que o oponente renunciou à gerência em 27-1-2000 [(() É manifesto o lapso: como resulta do corpo das alegações, queria dizer-se 1-03-2000 onde se escreveu 27-01-2000.)], conforme resulta das alíneas h), i) e j) da factualidade provada, mas sim no dia 19-4-2002; II - Ainda que assim não se entenda, e de dê relevo jurídico ao primeiro dos referidos momentos, sempre a dita renúncia seria inoponível à Fazenda Pública. III - Decidindo em contrário infringiu a douta sentença os artigos 11, 12, n.º 1 e 14, n.º 1, todos do Código do Registo Comercial, e 350, n.º 1, do C. Civil. IV - Deve, pois, ser revogada e substituída por outra que considere a renúncia do autor como operante somente desde 19-4-2002, e decrete a improcedência da acção. No entanto, Vossas Excelências, venerandos Desembargadores, uma vez mais, melhor farão 1.6 O Oponente não contra alegou o recurso. 1.7 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, os Juízes adjuntos tiveram vista dos autos. 1.8 A questão suscitada pelo Recorrente e que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez ou não correcto julgamento no que respeita à responsabilidade do Oponente pelas dívidas exequendas. Como adiante procuraremos demonstrar, a questão, pese embora o enquadramento que lhe foi dado pelo Recorrente, passa por saber se está ou não demonstrada a gerência de facto do Oponente no período relevante para a constituição daquela responsabilidade. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO2.1 DE FACTO 2.1.1 Na sentença recorrida, o julgamento de facto foi feito nos seguintes termos: «2.1. Matéria de facto provada 2.2. Matéria de facto não provada Não se provou a demais matéria alegada relevante para a discussão da causa. 2.3. Motivação da decisão de facto A decisão sobre a matéria de facto baseou-se nos documentos juntos aos autos. Quanto à prova testemunhal produzida, importa referir que a testemunha António Castelão, que referiu ser o dono do prédio onde estava instalada a “Cor Grafique” e que conhecia esta sociedade, respondeu não saber quem “geria” a mesma nos anos de 2000 e 2001. Por outro lado, as testemunhas Rui Miguel Marinho e François Regueira, porque também são revertidos na execução e tinham a qualidade de gerentes de direito, têm um manifesto interesse em alijar as suas próprias responsabilidades, imputando-as a um terceiro, neste caso o aqui Oponente. Os seus depoimentos, porque claramente parciais e sem credibilidade, face após próprios documentos que constam dos autos, foram desconsiderados pelo Tribunal. A testemunha Joana Marucho, só trabalhou na Cor Grafique em 2002 e, portanto, de relevante em relação aos anos de 2000 e 2001 nada sabe. Finalmente a testemunha António Vilarinho, funcionário da Segurança Social, também nada revelou saber com interesse para a apreciação da causa». * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR Instaurada execução fiscal contra a sociedade denominada “Cor Grafique - , Lda.”, a mesma reverteu contra Arnaldo , que a AT considerou responsável subsidiário pelas dívidas exequendas, provenientes de contribuições para a Segurança Social dos meses de Agosto de 2000 a Outubro de 2001 e cujo prazo de pagamento voluntário terminou no dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam. O Executado por reversão opôs-se à execução fiscal invocando como fundamento a falta de exercício da gerência de facto à data a que respeitam os factos tributários. Alegou, em resumo, que apenas foi gerente de dívida desde a constituição da sociedade – em 24 de Janeiro de 2000 – até 1 de Março de 2000, data em que renunciou à gerência. Mais alegou que, apesar do registo da renúncia à gerência só ter ocorrido em 19 de Abril de 2002, a partir de 1 de Março de 2000 não mais exerceu qualquer função na sociedade originária devedora como gerente. A oposição foi julgada procedente porque o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga considerou que incumbe à Fazenda Pública a prova da gerência de facto enquanto pressuposto da reversão. Assim, entendendo que à Fazenda Pública «incumbia provar que, não obstante a renúncia, o Oponente continuou a gerir a sociedade nos períodos aqui em causa» e que «essa prova, manifestamente, não foi feita», concluiu pela verificação da ilegitimidade substantiva do Oponente, fundamento previsto na alínea b) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT, e pela procedência da oposição à execução fiscal. O Ministério Público, através do seu Representante junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, recorreu da sentença. Considera, em síntese, que nela se fez errado julgamento no que se refere à gerência de facto do Oponente, que, a seu ver, deveria dar-se como provada, desde a data da constituição da sociedade até à data do registo da renúncia, com base na presunção decorrente da gerência de direito. Isto, se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, no que respeita à presunção, com base no disposto no art. 11.º do Código do Registo Comercial (CRC) e, no que respeita ao prazo, mais concretamente ao seu termo final, com base na inoponibilidade à Fazenda Pública da renúncia à gerência antes do registo. Por isso, enunciámos a questão a apreciar e decidir nos termos em que o fizemos no ponto 1.9. 2.2.2 DA GERÊNCIA DE FACTO COMO REQUISITO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTA NO ART. 24.º DA LGT E SOBRE A RESPECTIVA PROVA A tese do Recorrente, como vimos de dizer, assenta no pressuposto de que, demonstrada que esteja a gerência de direito, dela se deve inferir a gerência de facto com base no disposto no art. 11.º do CRC. Vejamos: Porque as dívidas exequendas se referem aos anos de 2000 e 2001, o regime de responsabilidade subsidiária aplicável à situação dos autos é o resultante do disposto no artigo 24.º da LGT. Como a jurisprudência há muito assentou e o Juiz do Tribunal a quo bem referiu, as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes das sociedades de responsabilidade limitada e as condições da sua efectivação são as que estejam em vigor no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, ou seja, à data em que se constituiu a dívida tributária (cf. art. 12.º, do Código Civil (CC) e art. 12.º da LGT) (() Neste sentido, com indicação de doutrina e de numerosa jurisprudência, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5.ª edição, II volume, anotação 16 ao art. 204.º, págs. 334/335.). De acordo com tal regime, a responsabilidade subsidiária dos gerentes tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente. É o que resulta, inequivocamente, do texto do proémio do n.º 1 daquele preceito legal, onde se alude expressamente ao exercício de funções (() «Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam […] funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados» (itálico nosso).) e se esclarece que a responsabilidade subsidiária aí prevista não exige sequer a gerência nominal ou de direito (() «Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados» (itálico nosso)».). Ou seja, a lei exige para a responsabilização ao abrigo do art. 24.º da LGT a gerência efectiva ou de facto, o efectivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito. «Se o administrador ou gerente de direito não exercia quaisquer funções de gerência de facto, não se justificava que fosse formulado em relação a ele um juízo de culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dívidas fiscais e não o fazer, dívidas essas de que, sem um exercício ao menos parcial da gerência, não poderia ter sequer conhecimento» (() JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 26 ao art. 204.º, pág. 349. ). Como também bem salientou a sentença recorrida, é à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam a reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência da gestão de facto (de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – cf. art. 342.º, n.º 1, do CC e art. 74.º, n.º 1, da LGT). É que não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função (() A única presunção consagrada no art. 24.º, n.º 1, da LGT, é a presunção de culpa dos gestores pela falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, que consta da alínea b).). Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC). Contrariamente ao que sustenta o Recorrente, da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal (cf. art. 11.º do CRC (() Diz o art. 11.º do CRC: «O registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida».)) de que é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência. É certo que, provada que esteja a nomeação do oponente para a gerência de direito, pode o juiz, com base nesse facto e noutros, revelados pelos autos, e fundando-se nas regras da experiência, de que deverá dar devida conta (() O juiz está obrigado a fundamentar o julgamento de facto, como decorre do art. 123.º, n.º 2, do CPPT.), presumir que o oponente exerceu de facto a gerência. Como ficou dito no acórdão de 10 de Dezembro de 2008 da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 861/08 (() Apêndice ao Diário da República de 11 de Fevereiro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32240.pdf), págs. 1479 a 1483, e com texto integral também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b3fff1ad6e751ece8025752300525073?OpenDocument.), «eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumida no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte («certeza jurídica») de esse exercício da gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ele tenha acontecido». Mas tal presunção, porque não está prevista na lei, é meramente judicial. Como é sabido, há presunções legais, que são as que estão previstas na lei, e presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência, que são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos» (() Cf. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 502.) (cf. arts. 350.º e 351.º do CC). Quanto à presunção judicial, cumpre relembrar aqui que não pode sustentar-se o seu “funcionamento automático”, como não pode dizer-se que parte alguma dela beneficie ou que alguém tenha de ilidi-la, designadamente opondo-lhe contraprova. Impõem-se alguns considerandos a esse propósito, tanto mais que o Recorrente afirma que o art. 11.º do CRC encerra uma presunção de gerência de facto (() Tese que refutámos já, referindo que a presunção do art. 11.º do Código do Registo Comercial é apenas relativamente à gerência de direito, de «que existe a situação jurídica», de acordo com a sua letra.) e que pertencia ao Oponente «o ónus de a ilidir, nos termos do art.º 350, n.º 2, do Código Civil, «pela inversão do ónus da prova» e que «não só o recorrido não realizou de forma suficiente tal contraprova (apenas juntou a cópia de uma acta relevante apenas como “princípio de prova”), como, ao invés, alguma da que foi produzida através dos referidos documentos indicia precisamente o contrário da sua pretensão», tudo afirmações que pretendem sustentar uma tese que importa rebater. Como veio salientar o acórdão para resolução de conflito de julgados de 28 de Fevereiro de 2007, proferido no processo com o n.º 1132/06 pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (() Apêndice ao Diário da República de 5 de Dezembro de 2007 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32410.pdf), págs. 60 a 68, e com texto integral também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/95ea45b1b46109a88025729d005875f5?OpenDocument.-() Note-se que os recursos por oposição de acórdãos visam a uniformização da jurisprudência, motivo por que a lei atribuiu a competência para deles conhecer ao órgão máximo da jurisdição tributária – o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo (cf. art. 27.º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro). Assim, apesar de a jurisprudência do Pleno não ser obrigatória (cf. art. 664.º do CPC), é expectável que os Tribunais inferiores a sigam (ou que dela apenas se afastem quando refutem expressamente os respectivos fundamentos), sendo precisamente por essa razão que se prevêem recursos com a finalidade de uniformização de jurisprudência.), expressamente citado na sentença, por um lado, «provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe [à Fazenda Pública] provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização. Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal» e, por outro lado, «se faz sentido o regime contido no artigo 350.º n.º 2 do Código Civil, quando estabelece as condições em que podem ser ilididas as presunções legais, o mesmo regime nenhum sentido faria se aplicado às presunções judiciais. Quanto a estas, não se trata de as ilidir, produzindo contraprova ou prova em contrário, porque não há nenhum facto que, estando, em princípio, provado por força da lei, possa deixar de se dar por provado por obra dessa prova em contrário ou contraprova. Pela mesma razão não se pode afirmar […] que a Fazenda Pública beneficia da presunção judicial de gerência de facto e não tem que fazer prova desta para poder reverter a execução fiscal contra o gerente de direito. Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido». Feitos estes considerandos de carácter geral, regressemos ao caso sub judice. 2.2.3 DA PROVA DA GERÊNCIA DE FACTO O Recorrente sustenta que a sentença recorrida fez errado julgamento quando concluiu que o Oponente não era responsável pelas dívidas exequendas por não ter exercido a gerência de facto. Segundo ele, deve considerar-se que o Oponente foi gerente de direito da sociedade originária devedora desde a data em que a sociedade foi constituída (sendo que na escritura de constituição o Oponente foi nomeado gerente) até à data em que foi levada ao registo a sua renúncia à gerência, ou seja, desde 24 de Janeiro de 2000 até 19 de Abril de 2002 e, com base nessa gerência de direito, é de presumir a gerência de facto, atenta a presunção legal ínsita no art. 11.º do CRC. Como deixámos já dito, não existe presunção legal de que quem foi gerente de direito tenha exercido de facto funções de gerência e o julgador não pode presumir a gerência de facto exclusivamente com base na gerência de direito. Por isso, na ausência de quaisquer outros elementos que, conjugados com a gerência de direito, permitissem ao julgador inferir a gerência de facto, salvo o devido respeito, nem sequer interessa apurar se o Oponente pode ou não opor à Fazenda Pública a sua renúncia à gerência antes da data em que esta foi levada ao registo; mesmo admitindo-se a inoponibilidade à Fazenda Pública da renúncia à gerência antes desta ter sido levada ao registo, nunca poderia concluir-se que o Oponente foi gerente de facto da sociedade originária devedora. Sempre salvo o devido respeito, não pode afirmar-se que a simples qualidade de gerente de direito, desacompanhada de outros elementos, permita concluir que o Oponente, ora recorrido, exerceu a gerência de facto, que tenha praticado acto algum em representação da sociedade, mas apenas que foi gerente de direito. A admitir-se o contrário, estaria, afinal, a admitir-se a existência de uma presunção de “funcionamento automático”: demonstrada que ficasse a gerência de direito (facto conhecido), dela se extraía o exercício de facto da gerência. Ora, como deixámos já dito, na inexistência de presunção legal que permita que tal inferência se faça automaticamente (sem prejuízo da possibilidade de prova do contrário, nos termos previsto no n.º 2 do art. 350.º do CC), a mesma só pode fazer-se quando, face à prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumida no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, o julgador entenda que nas circunstâncias do caso há uma probabilidade forte (certeza jurídica (() Como salientam ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, ob. cit., págs. 435/436, a demonstração da realidade dos factos que interessam ao julgamento da causa, «com a finalidade do seu julgamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, sob pena de o Direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens. A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador em estado de convicção, assente na certeza relativa do facto».)) de ter ocorrido o exercício da gerência e que inexistem razões para duvidar desse exercício. O facto de o Oponente constar do contrato social como gerente de direito da sociedade originária devedora, por si só, nada permite concluir quanto à prática efectiva de qualquer acto em representação da sociedade. Aliás, o contrato social pode não ter sido, necessariamente, cumprido: é bem possível que a sociedade tenha prosseguido a sua actividade à margem ou mesmo sem observância do pacto social (() A própria lei admite tal possibilidade, motivo por que no art. 24.º da LGT, como antes no art. 13.º do CPT, este na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, consagra que também respondem subsidiariamente pelas dívidas das sociedades, aqueles que, não sendo gerentes de direito, exerceram de facto as funções correspondentes.). Assim, e na ausência de quaisquer outros meios probatórios que imponham decisão no sentido de que o Oponente praticou algum acto em representação da sociedade (() Nos termos do disposto no art. 690.º-A, n.º 1, alínea b), do CPC, constitui ónus do recorrente que impugne o julgamento da matéria de facto especificar «os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida».), não encontramos motivo algum para modificar o julgamento efectuado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga. Era à Fazenda Pública que competia alegar a factualidade que permitisse concluir que o Recorrido exerceu efectivas funções como gerente no período a considerar, o que não fez. Se é certo que o Tribunal com competência para o julgamento da matéria de facto pode inferir a gerência de facto da gerência de direito, trata-se de uma presunção judicial que só pode ser usada pelo Tribunal e em sede do julgamento da matéria de facto. Não pode pretender-se que, ao abrigo dessa possibilidade concedida ao julgador no julgamento da matéria de facto (uso de regras de experiência), não recai sobre a Fazenda Pública o ónus da prova da gerência de facto. Muito menos se pode pretender que a Fazenda, ao abrigo dessa possibilidade, fique dispensada de alegar essa gerência efectiva, o efectivo exercício de funções de gerência, como requisito para reverter a execução ao abrigo do art. 24.º da LGT. Por tudo o que deixámos dito, o recurso não merece provimento. 2.2.4 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - À luz do regime da responsabilidade subsidiária prevista no art. 24.º, n.º 1, da LGT, em qualquer das suas duas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência. II - É à AT, como exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos da reversão da execução fiscal. III - Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto. IV - Do art. 11.º do CRC resulta apenas que se presume que é gerente de direito aquele que consta como gerente do registo comercial. V - O tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição quanto à gerência de facto, pode utilizar presunções judiciais, motivo por que, com base na gerência de direito e noutras circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, pode, usando de regras de experiência, inferir a gerência de facto; mas não pode inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a uma presunção legal. VI - Acresce que a AT, pese embora a possibilidade referida em V, que assiste ao tribunal em sede de oposição à execução fiscal, não pode dispensar-se de alegar no despacho de reversão a gerência de facto. * * * 3. DECISÃOFace ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, negar provimento ao recurso. Sem custas por delas estar isento o Recorrente (arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 73.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais). * Porto, 11 de Março de 2010 (Francisco Rothes) (Fonseca Carvalho) (Moisés Rodrigues) |