Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00711/15.6BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/18/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Alexandra Alendouro
Descritores:PEDIDO CAUTELAR TEMPORALMENTE DELIMITADO; IMPOSSIBILIDADE/INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE;
CONDENAÇÃO EM CUSTAS; APOIO JUDICIÁRIO ENTRETANTO CONCEDIDO; NULIDADE DA SENTENÇA; OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I – Não ocorre nulidade, por omissão de pronúncia, da decisão cautelar impugnada, dado a mesma ter apreciado todas as questões suscitadas cujo conhecimento não se encontrava prejudicado pela solução daquelas.
II – O prosseguimento da acção cautelar, com pedido temporalmente delimitado, carece de utilidade, considerando a sua inviabilidade face ao decurso do tempo.
III – Nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, excepto se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido – artigo 536.º n.º 3, do CPC.
IV – Face à concessão do benefício do apoio judiciário, após a prolação da decisão recorrida, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e nomeação e pagamento de compensação de patrono, não cabe ao recorrente liquidar as custas do processo, nem na 1ª instância, nem nesta. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:WPT
Recorrido 1:UNIVERSIDADE DE COIMBRA – SASUC
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
WPT interpôs o presente recurso da decisão proferida no TAF de Coimbra, no âmbito da providência cautelar requerida contra a UNIVERSIDADE DE COIMBRASASUC, visando a suspensão de eficácia da decisão de 12.08.2015 proferida pela Administradora dos SASUC, na parte em que não assegurou, em resposta a pedido formulado, alojamento alternativo à residência universitária da qual foi expulso por anterior decisão (objecto de outro processo cautelar), “para o mês de agosto daquele ano”, e consequentemente, a condenação da requerida a, de imediato lhe assegurar tal alojamento, que declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC ex vi do artigo 1.º do CPTA, dela absolvendo a Requerida.
*
O Recorrente pede a revogação da decisão recorrida com consequente prosseguimento dos autos, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
a) “A douta Sentença prolatada em 30/10/2015 a folhas … dos autos, padece de nulidade, designadamente por omissão de pronúncia, e de erro de julgamento.

b) Desde logo, na parte em que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, em consequência, condenou o requerente, ora recorrente, nas custas do processo padece de erro de julgamento pois não foi o interessado que deu causa a tal inutilidade.

c) A utilidade da presente providência cautelar não se restringia/restringe apenas ao alojamento do mês de Agosto, já findo, mas também tem a ver com o direito à Bolsa de Estudo a que se candidatou em tempo e que só não lhe foi ainda concedida por errada interpretação pelos SASUC do disposto nos artigos 3º nº 1 alínea c) ponto i do DL nº 204/2009 e do Despacho nº 8.442-A/2012, face às garantias prescritas nos artigos 15º nº 1, 18º nº 1 e 266º da CRP (V. Doc. A, em anexo).

d) Tal entendimento revela-se materialmente inconstitucional por violar o direito fundamental à igualdade de tratamento prescrito no artigo 15º nº 1 da CRP.

e) Tanto mais que com a concessão dessa Bolsa de Estudo, o interessado pode, tal como ainda pretende, continuar a usufruir de alojamento em residência universitária dos SASUC, pois ainda não logrou concluir o seu mestrado (defesa de tese) mercê das vicissitudes que os autos ilustram.

f) A conclusão do seu mestrado pode ainda ser realizado na época especial de Janeiro / Fevereiro de 2016 ao abrigo da sua matrícula de 2014/2015 ainda em vigor.

g) Seja como for, inexiste qualquer decisão proferida em tempo pela entidade requerida no Processo de Inquérito nº 38/2015, que permita aplicar ao ora recorrente qualquer «sanção de expulsão da residência», ao contrário do que foi considerado na decisão administrativa objecto da presente providência cautelar.

h) Tão pouco é legítima e legal a invocação pelos SASUC da invocada dívida de alojamento, atento o facto de se estribar em dois contratos de alojamento nulos, cuja declaração expressamente requereu.

i) Seja como for, o interessado desde logo requereu a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida que a Entidade Requerida insistiu em prosseguir, apesar do prescrito nos artigos 128º e 129º do CPTA, se necessário com recurso ao disposto no 121º nº 1 do CPTA.

j) Por fim, atenta a urgência na resolução da situação sub judice e antevendo a demora na sua resolução, o interessado desde logo requereu a convolação da presente providência cautelar em processo principal, o que também foi desconsiderado.

k) Sobre estas concretas questões o Tribunal a quo não se pronunciou, o que fere de nulidade a douta sentença sob recurso por omissão de pronúncia e/ou de fundamentação bastante.

l) A douta sentença sob recurso violou as normas legais contidas nos artigos 615º nºs 1 alíneas b) e d) e 4 do CPC, 7º, 50º nº 2, 90º nº 1, 95º nºs 1, 3 e 4, 118º nº 3, 121º nº 1, 128º e 129º do CPTA 2º alíneas b), d) e e), 18º nº 1, 22º nº 6, 23º e 50º nº 1 do DL 135/99, 161º nº 2 alíneas a), d), f), g), j) e l) do NCPA e 15º nº 1, 18º nº 1, 204º, 205º nº 1, 266º e 268º nº 3 da CRP.”.

Requer a procedência do recurso e, em consequência, a revogação da decisão impugnada, com todas as legais consequências.

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A Recorrida contra-alegou, concluindo como segue:

I. O caso concreto visava assegurar uma determinada situação de facto, num determinado espaço temporal: conferir ao ora Recorrente alojamento numa específica Residência Universitária durante o mês de Agosto de 2015.
II. Configurando a produção de um efeito útil para o sujeito processual activo um dos requisitos essenciais para a existência de qualquer acção judicial, inexistindo esse efeito não faz sentido que o Tribunal se ocupe de uma lide inócua, por razões de economia de meios, de tempo, e de sobrecarga desnecessária dos tribunais.

III. Nessa medida, constitui um requisito necessário de qualquer acção, configurando um dos designados pressupostos processuais, ou seja, conjunto de condições de que se devem encontrar reunidas para a apreciação de qualquer questão por um Tribunal, cuja inobservância origina uma excepção peremptória, entendida como qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito que o Requerente se arroga, que, quando arguida e julgada procedente, determina a absolvição da Requerida da instância.

IV. Ainda que, genericamente, a procedência da exceção peremptória arguida não seja suficiente para que o Tribunal se abstenha de apreciar as restantes questões suscitadas, no caso concreto, as mesmas encontravam-se dependentes da circunstância de facto que deu origem à referida excepção, tornando-se o realojamento do Requerente durante o mês de Agosto de 2015 impossível pela natural decorrência do tempo.

V. Assim, nunca a apreciação da questão do realojamento em Agosto de 2015, ainda que viesse a ser de sentido favorável ao Recorrente, produziria o efeito pretendido, já que se circunscreve unicamente ao referido quadro temporal.

VI. O Recorrente apenas incluiu no seu pedido a suspensão da eficácia de determinado acto administrativo e a convolação da providência cautelar em acção principal, o que não abarca a questão do direito à bolsa de estudo, não podendo o Tribunal decidir mais do que lhe foi proposto apreciar de acordo com o princípio do pedido, enquanto manifestação do princípio do dispositivo, plasmado no artigo 3.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.

VII. Os factos relativos ao direito à bolsa de estudo constituem parte da factualidade trazida ao processo pelo Recorrente no requerimento inicial, tendo servido para alicerçar o respectivo pedido, constituindo, portanto, a causa de pedir e não um pedido efectuado pelo ora Recorrente.

VIII. A apreciação das nulidades invocadas pelo Recorrente quantos aos referidos contratos por parte do Tribunal a quo configura uma tarefa que se encontra prejudicada pela procedência da excepção de inutilidade superveniente da lide, porquanto nunca teria qualquer influência na questão da suspensão do acto administrativo posto em causa, pois sempre o decurso do tempo impossibilitaria o realojamento na Residência Universitária durante o mês de Agosto de 2015, pelo que se estaria a exigir ao Tribunal a quo que apreciasse uma questão cujo resultado prático sempre se encontrava inquinado.

IX. Por outro lado, e colocando a hipótese de uma eventual apreciação pelo Tribunal a quo da referida questão e na eventualidade da declaração de nulidade dos referidos contratos inexistiria qualquer direito do Recorrente de usufruir, como usufruiu, das Residências Universitárias durante mais de um ano, acrescendo que, ab inicio, nunca teria tido, como teve, direito a apresentar candidatura ao alojamento extraordinário para o mês de Agosto de 2015, inexistindo por necessária consequência, o acto administrativo em causa nos presentes, pelo que a finalidade e efeito útil do procedimento cautelar deixava de estar circunscrita àquele espaço temporal, para nunca ter existido.

X. Por fim, o artigo 121.º do CPTA permite que a decisão relativa à tutela cautelar se torne definitiva, verificados que sejam determinados requisitos, a saber: a natureza das questões assuma uma gravidade que permita concluir pela manifesta urgência na resolução definitiva do caso; e que o tribunal disponha da totalidade dos elementos necessários ao efeito.

XI. Se o pedido do Recorrente passava pela suspensão do acto administrativo que impedia o seu realojamento na Residência Universitária durante o mês de Agosto de 2015, com o término do referido mês, cessou a urgência, que constitui um dos requisitos do citado artigo, impossibilitando a convolação da providência cautelar em acção principal.

XII. Entender que o Tribunal a quo deveria ter convolado o procedimento cautelar em processo principal quando se encontrava perante uma excepção peremptória que julgada procedente levaria à absolvição da Recorrida da instância, resultava no mesmo efeito, quer estivéssemos no âmbito cautelar ou em processo principal: inutilidade de qualquer acto decisório.

Posto isto, considerando que não se verificam os vícios assacados à sentença recorrida, e que o Tribunal a quo julgou bem ao decidir pela procedência da excepção da inutilidade superveniente da lide e ao se abster de apreciar o restante pedido por decorrente dos factos que originaram a referida exceção deve o presente recurso ser julgado improcedente, por manifesta falta de fundamentação de facto e de direito atendível, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida”.

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O Ministério Público emitiu parecer, ao abrigo do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, no sentido de ser negado provimento ao recurso – cfr. fls 269 e ss.
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Dispensados os vistos, nos termos do disposto no artigo 36.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, foram os autos submetidos a julgamento.
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II – OBJECTO DO RECURSO
As questões a decidir, nos limites das conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, prendem-se com a questão de saber se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre (i) a questão do alegado “direito à bolsa por parte da recorrente”, considerada incluída no objecto do presente processo cautelar; (ii) a questão da invocada nulidade dos contratos de alojamento e sobre (i) o pedido de convolação do procedimento cautelar em processo principal; bem como de erro de julgamento quanto à declaração da inutilidade superveniente da lide e à condenação em custas.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. DE FACTO
Com interesse para a decisão do mérito da causa, encontram-se indiciariamente provados os seguintes factos:
A. O Requerente, nacional de S. Tomé e Príncipe, encontra-se a frequentar o Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (cf. doc. a fls. 17 dos autos em proc. fis. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
B. Em 01.09.2014, o Requerente subscreveu um «Contrato de Alojamento» com os Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra (cf. doc. a fls. 170 dos autos em proc. fis. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
C. Em 28.02.2015, o Requerente subscreveu um «Contrato de Alojamento» com os Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra (cf. doc. a fls. 171 dos autos em proc. fis. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
D. Na sequência de processo de inquérito movido pelos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra, foi determinada a aplicação da pena de expulsão de residência universitária (cf. docs. a fls. 18 a 21 dos autos em proc. fis. que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

E. O Requerente enviou para os serviços da Entidade Requerida uma exposição escrita remetida por correio eletrónico expedido em 31.09.2015, insurgindo-se contra a decisão referida na alínea anterior e peticionando a remessa de vários documentos referentes ao procedimento a esta subjacente (cf. doc. a fls. 22 a 23 dos autos em proc. fis. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

F. O Requerente enviou para os serviços da Entidade Requerida uma exposição escrita remetida por correio eletrónico expedido em 31.09.2015, qualificando-a como «recurso hierárquico» e dirigindo-a ao Sr. Reitor da Universidade de Coimbra, insurgindo-se contra a decisão referida na alínea «D» e peticionando a remessa de vários documentos referentes ao procedimento a esta subjacente (cf. doc. a fls. 24 a 25 dos autos em proc. fis. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

G. O Requerente interpôs neste Tribunal um processo cautelar peticionado a suspensão de eficácia do ato referido na alínea «D», que aqui corre com o n.º 699/15.3BECBR (cf. docs. a fls. 26 a 34 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
H. O Requerente recebeu em 12.08.2015 uma comunicação escrita expedida por correio eletrónico, da qual se retira que:



(cf. docs. a fls. 12 a 16 dos autos em proc. fis. que aqui se dão, para todos os efeitos legais como integralmente reproduzidos).

I. O Requerente enviou para os serviços da Entidade Requerida uma exposição escrita remetida por correio eletrónico expedido em 19.08.2015, insurgindo-se contra a decisão referida na alínea anterior designando-a como «Reclamação» (cf. doc. a fls. 35 a 36 dos autos em proc. fis. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
J. O Requerente enviou para os serviços da Entidade Requerida uma exposição escrita remetida por correio eletrónico expedido em 19.08.2015, insurgindo-se contra a decisão referida na alínea anterior designando-a como «Recurso Hierárquico», endereçando-a ao Sr. Reitor da Universidade de Coimbra (cf. doc. a fls. 37 a 39 dos autos em proc. fis. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
K. Em 21.08.2015, o Requerente, através do seu Advogado apresentou neste Tribunal um r.i. que deu origem aos presentes autos tendo peticionado a suspensão de eficácia do despacho referido na alínea «H», sem lhe ter sido assegurado um alojamento alternativo no corrente mês de Agosto, bem como pediu que a Entidade Requerida lhe assegurasse alojamento imediato até serem decididas as impugnações graciosas que intentou e referidas nas duas alíneas anteriores (cf. fls. 1 a 43 dos autos em proc. fis.).

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A matéria de facto dada como provado teve por base os documentos juntos aos autos.
Não ficaram demonstrados outros factos com interesse para a decisão do mérito da causa, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo.”.
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2. DE DIREITO
2.1. Da nulidade imputada à sentença recorrida por omissão de pronúncia.

Alega o Recorrente que o tribunal a quo omitiu pronúncia sobre questões que deveria ter apreciado.

Mais propriamente que nada refere quanto a questões invocadas no Requerimento inicial, a saber, as relativas ao alegado direito à bolsa por parte do Recorrente – a qual, na sua perspectiva, se insere no objecto da providência cautelar – à nulidade dos contratos de alojamento na residência universitária em causa, e, por fim ao pedido que diz ter formulado, em requerimento avulso, de convolação do procedimento cautelar em processo principal.

Omissões que ferem a decisão recorrida de nulidade de acordo com o disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea d), do CPC.

Apreciemos.

As causas determinantes de nulidade de decisões judiciais correspondem a irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua validade encontrando-se tipificadas, de forma taxativa, no artigo 615.º do Código do Processo Civil, detendo uma delas natureza formal (n.º 1, al. a)) e respeitando as demais ao conteúdo da decisão (n.º 1, als. b) a e) CPC), nestas se integrando a nulidade suscitada nos autos. O que não se confunde, naturalmente, com errados fundamentos de facto e/ou de direito.

Dispõe a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Preceito que deve ser compaginado com a primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma segundo o qual O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Ou seja, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto (processual), quando realmente debatidos entre as partes.

Assim, a contrario, a nulidade em causa não ocorrerá quando a sentença aprecie todas as questões suscitadas, directamente ou por remissão para outras decisões ou doutrina, mesmo que não tenha em conta todos os argumentos apresentados pelas partes, nem quando o conhecimento de questão, considerado omisso, se encontre prejudicado pela solução dada a outras questões.

cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), Comentário ao Código de Processo Civil, volume V, p. 143; Antunes Varela ob. cit, p. 112; Rodrigues Bastos, ob. cit, p. 228; M. Teixeira de Sousa in Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 220 e 221 e os Acórdãos, entre outros, do STA/Pleno de 21.02.2002, R. 034852STA, de 10.03.2005, R. 046862, de 03.07.2007, R. 043/07, de 11.9.2007, R. 059/07, de 10.09.2008, R. 0812/07, de 28.01.2009, R. 0667/08, e de 28.10.2009, R. 098/09 de 17/03/2010, R. 0964/09; do STJ de 09.10.2003, R. 03B1816, de 12.05.2005, R. 05B840 in www.dgsi.pt.

Ora, diga-se já que não assiste razão ao Recorrente.

A questão do alegado direito a bolsa de estudo não configura pretensão processual formulada no presente processo que requeresse decisão do juiz, pois o pedido cautelar prende-se, unicamente, com a suspensão da eficácia do acto, já identificado, que não assegurou ao Requerente alojamento alternativo à residência universitária de que usufruía até ser expulso por anterior acto (cfr. alíneas D) e H) da factualidade assente), no mês de Agosto do ano transacto.

Mas, mesmo que os factos relatados pelo Requerente no Requerimento inicial, quanto ao “direito a bolsa de estudo”, se possam considerar como um reforço da fundamentação dos vícios imputados ao acto suspendendo, o juiz a quo, ao não conhecê-los, não violou o dever de pronúncia expresso nos preceitos referenciados, na medida em que, e desde logo, face à declarada inutilidade superveniente da lide, o conhecimento da (i)legalidade do acto suspendendo (naturalmente, de modo perfunctório, em sede dos requisitos de adopção da providência, previstos no artigo 120.º do CPTA, da aparência do bom direito na sua vertente mais forte (alínea a)) e na vertente negativa (alínea b)), encontrava-se prejudicado.

No que respeita à invocada questão da nulidade dos contratos de alojamento celebrados entre si e a Recorrida, o respectivo conhecimento, encontra-se igualmente prejudicado pela solução dada a outra questão: a da procedência da inutilidade superveniente da lide suscitada pela Requerida.

Com efeito, sendo consequência da declaração de inutilidade da lide, a absolvição da instância da Requerida, mostra-se não exigível a apreciação, por irrelevante ou inútil, de questões ligadas ao mérito da providência cautelar.

O mesmo sucedendo, por fim, quanto ao conhecimento do pedido, alegadamente formulado pelo Requerente, em requerimento avulso, de “convolação” do procedimento cautelar em processo principal – sem prejuízo de no corpo do referido requerimento nada constar sobre ele e na parte final do mesmo apenas se referir o seguinte “…requer …que se digne declarar a ineficácia dos actos de execução indevida que a entidade requerida insiste em prosseguir, se necessário com recurso ao disposto no 121.º n.º 1 do CPTA.”.

Isto é, a apreciação da pretensão de “convolação” do processo cautelar em processo principal (“antecipação do juízo sobre a causa principal”), de acordo com os pressupostos previstos no artigo 121.º do CPTA, encontra-se prejudicada pela solução dada à questão da invocada inutilidade superveniente da lide, constituindo um acto inútil.

Aliás, a razão de ser do instituto de antecipação do juízo sobre a causa principal, passível de ser usado pelo julgador quando o processo cautelar disponha da totalidade dos elementos necessários para o efeito e a urgência na resolução definitiva do caso o justifique, pressupõe a real intenção de decidir do mérito do pedido cautelar, agora em termos definitivos, o que conflitua com a impugnada decisão cautelar de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, enquanto circunstância que dispensa o julgador de aferir do mérito da pretensão em causa.

Neste contexto, a sentença recorrida expressamente exarou que, face ao decidido, “torna-se desnecessária a apreciação das demais questões suscitadas, designadamente as atentas à instrumentalidade da tutela cautelar (considerando o alegado pelo Requerente no art.º 39.º do r.i.), assim como as demais referentes ao mérito da tutela cautelar pretendida.”.

Deste modo, a sentença a quo não incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, improcedendo, nesta parte, o recurso.

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2.2. Do erro de julgamento imputado à decisão de inutilidade superveniente da lide

Sustenta o Recorrente que o tribunal a quo errou ao julgar inútil o prosseguimento dos autos cautelares, na medida em que, na sua perspectiva, a lide mantém um efeito útil que se estende, para além da questão da suspensão do acto administrativo que impediu o seu realojamento durante o mês de Agosto, à questão relacionada com o “direito a bolsa de estudo”, à qual se candidatou em tempo e que ainda não foi deferida por falta de autorização de residência permanente cuja concessão pediu ao SEF – não deferimento que, sustenta, viola a lei aplicável, por errada interpretação, e o princípio fundamental da igualdade.

Sendo que, mesmo a se reputar como válida a decisão de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, a mesma continua ferida de erro de julgamento na parte em que condenou o Recorrente nas custas, por não ter dado causa à inutilidade.

A Recorrida não concorda com tal argumentação, sustentado, em suma, que o Recorrente apenas incluiu no pedido cautelar a suspensão da eficácia do acto administrativo já identificado, na vertente em que lhe vedou alojamento na residência universitária em que se encontrava, durante o mês de Agosto do ano transacto e a consequente condenação da Demandada a assegurar-lhe de imediato tal alojamento, não podendo o Tribunal decidir mais do que lhe foi proposto apreciar. Assim o impedindo o princípio do pedido, enquanto manifestação do princípio do dispositivo, plasmado no artigo 3.º, n.º 1 do CPC que estabelece que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.

Vejamos.

Compulsados a causa de pedir e o pedido da acção cautelar sob recurso, constata-se que com a propositura da providência cautelar instaurada contra a Recorrida Universidade pretendeu o Recorrente suspender a eficácia do acto administrativo praticado por aquela, na vertente em que, e na sequência de execução de anterior acto de expulsão, lhe vedou alojamento na Residência Universitária do Pólo III dos SASUC, durante o mês de Agosto do ano de 2015.

Dela não se retirando qualquer pretensão de intimar a Recorrida a deferir o pedido de bolsa de estudo que o Recorrente terá formulado, e cujo indeferimento considera ilegal. Aliás, não se vê ligação relevante entre a suspensão do acto em causa – até porque temporalmente delimitado – com a não concessão da pretendida bolsa de estudo.

Seja como for, resulta claro dos autos, em especial do Requerimento inicial, a limitação da providência cautelar sub judice à suspensão do acto já identificado, com pedido de decretamento provisório, deles não constando nenhuma ampliação de pedido.

Ora, dado que o procedimento cautelar visava uma situação fáctica que, pelo natural decurso do tempo, se tornou impossível de assegurar (o realojamento do Requerente durante o mês de Agosto), o Tribunal a quo considerou verificada a suscitada inutilidade superveniente da lide, tendo declarado extinta a instância.

Lê-se na decisão a quo o seguinte:

Na presente situação, o Requerente veio pedir a suspensão de eficácia da decisão que terá sido proferida pela Sra. Administradora dos SASUC, datado de 12.08.2015 e a que se alude na alínea «H» da matéria de facto assente. Cumulativamente pediu o Requerente que a Entidade Requerida imediatamente lhe assegurasse o alojamento (…).

Nos presentes autos, cabe analisar, antes de mais a matéria de exceção invocada pela Entidade Requerida, nomeadamente no que diz respeito à invocada inutilidade da prossecução da presente lide.

O Requerente afirma que com o ato cuja suspensão é pedida, não lhe foi assegurado um alojamento alternativo durante o mês de agosto do corrente ano. Porém, na presente data, o peticionado já deixou de fazer sentido atento já ter decorrido o aludido mês, sendo que a tutela aqui pretendida a este se destinava.

Ora, quanto ao demais pedido, (…), há que ter em conta que o Requerente configura este pedido como sendo uma decorrência da suspensão dos efeitos pretendidos do aludido ato de 12.08.2015. Assim sendo, sendo inútil a tutela requerida consubstanciada no pedido de suspensão de eficácia, tornam-se inúteis quaisquer pedidos que naquela alicercem, ruindo consequentemente estes últimos.

Por isso, dadas as aludidas circunstâncias tornam, patentemente, a presente lide supervenientemente inútil, o que determina a extinção da presente instância (alínea e) do art.º 277.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA).

Assim sendo, torna-se desnecessária a apreciação das demais questões suscitadas, designadamente as atentas à instrumentalidade da tutela cautelar (considerando o alegado pelo Requerente no art.º 39.º do r.i.), assim como as demais referentes ao mérito da tutela cautelar pretendida.”.


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O assim decidido não merece censura.

A inutilidade e a impossibilidade supervenientes da lide estão previstas, como causas de extinção da instância, no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.

A lide torna-se inútil/impossível quando sobrevêm circunstâncias relacionadas com a impossibilidade ou desnecessidade adjectiva de o Autor lograr o objectivo pretendido com a acção proposta, por o mesmo ter-se tornado impossível ou já o ter atingido por outro meio – cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, v. III, pp. 367 e 373, Comentário ao Código de Processo Civil, v. III, pp. 364 e ss; Lebre de Freitas/ João Redinha/ Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, v. I, p. 512.

Noutra formulação, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide pressupõe que, na pendência da acção instaurada, ocorra um facto ou circunstância que claramente retire ao autor o interesse em agir, deixando este de obter da lide qualquer efeito útil ou utilidade, por a eventual procedência da acção não originar nenhuma modificação da situação concreta sujeita à apreciação do tribunal – cfr Acórdão do TCAN, de 15/07/2014, P. 00325/04.4BEPRT-A.

Em suma, o efeito útil a obter com a propositura de acção jurisdicional constitui um requisito necessário de acesso, prosseguimento e decisão do mérito dessa acção, não se justificando, na ausência de qualquer utilidade, por razões de economia de meios e de tempo dos tribunais, que os mesmos se ocupem de uma lide inócua.

No caso sob julgamento, o pedido cautelar visou assegurar uma determinada situação de facto, num determinado espaço temporal: conferir ao Recorrente alojamento numa específica Residência Universitária durante o mês de Agosto de 2015.

Pelo que, com o natural decurso do tempo (o término do referido mês), a situação de facto que o Recorrente visou assegurar cautelarmente, tornou-se impossível.

Ora, como já se viu, a produção de uma qualquer utilidade para o sujeito processual activo na decisão do mérito de acção judicial proposta constitui um dos requisitos essenciais para o seu prosseguimento, pelo que, falhando, no caso vertente, tal utilidade, por, considerando o modo como foi configurada a providência cautelar (e processualmente desenvolvida, mormente com indeferimento dos pedidos de decretamento provisório da providência e de declaração de ineficácia de alegados actos de execução indevida), a verificação de circunstância superveniente (no caso, o decurso do tempo) impedir que o Recorrente obtenha qualquer proveito na respectiva decisão de mérito, a instância cautelar tornou-se supervenientemente inútil.

Acompanha-se, assim, a sentença recorrida quando refere, em síntese, que “(...) na presente data, o peticionado já deixou de fazer sentido atento já ter decorrido o aludido mês, sendo que a tutela aqui pretendida a este se destinava, e que (...) sendo inútil a tutela requerida consubstanciada no pedido de suspensão de eficácia, tornam-se inúteis quaisquer pedidos que naquela alicercem, ruindo consequentemente estes últimos.”.

Termos em que, perante as circunstâncias descritas, o entendimento do Tribunal a quo não merece censura, improcedendo, nesta sede, os fundamentos de impugnação da sentença recorrida.

Improcede igualmente o fundamento de ataque ao segmento condenatório da Recorrente em custas “sem prejuízo da decisão a proferir quanto ao requerido apoio judiciário (1ª parte do n.º 3 do artº 536.º do CPC ex vi art,º 1 do CPTA).”.

Na verdade, não sendo imputável à Recorrida a impossibilidade ou inutilidade declarada nos autos, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente de acordo com o artigo 536.º n.º 3, do CPC na parte em que refere que nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, tal responsabilidade cai sobre o autor.

Seja como for, face à concessão do benefício do apoio judiciário ao Recorrente, após a prolação da decisão recorrida, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e nomeação e pagamento de compensação de patrono – cfr. 207 a 209 – não lhe cabe liquidar as custas do processo, nem na 1ª instância, nem nesta.


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Improcedendo a totalidade dos fundamentos de impugnação da decisão recorrida, improcede o presente recurso.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Sem custas, considerando o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e nomeação e pagamento de compensação de patrono de que beneficia o Recorrente – cfr. 207 a 209.

Notifique. DN.

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Porto, 18 de Março de 2016
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato
Ass.: Frederico Macedo Branco