Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:927/17.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:03/12/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:REVERSÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
PRESUNÇÃO LEGAL DE CULPA CONSAGRADA NO ART.º 24.º, N.º 1, ALÍNEA B) DA LGT
INSOLVÊNCIA
QUESTÃO NOVA
Sumário:I - Para se poder dizer que a ação ou omissão do Recorrente foi adequada à insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos exequendos, deve seguir-se o processo lógico da prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a ação se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo ex ante.
II – No caso, o Recorrente, ao invés de alegar e provar factualidade que permitisse concluir que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários exequendos não resulta do incumprimento dessas disposições, limitou-se a procurar demonstrar a existência de uma situação de dificuldades de tesouraria, sem fornecer explicações para a mesma, e não dando conta, conforme devia, de quaisquer medidas concretas que tenha adotado tendentes a obviar o incumprimento e falta de pagamento das dívidas executadas.
III – A sustação dos processos de execução fiscal que se verifica na sequência da declaração de insolvência da devedora originária não impede a reversão das dívidas tributárias contra o responsável subsidiário, caso se verifiquem os respetivos pressupostos legais (cf., designadamente, o art.º 23.º, n.º7 da Lei Geral Tributária - «LGT»). Nestes casos, impõe-se, contudo, que a AT respeite os limites da excussão prévia, impostos pelos n.ºs 2 e 3 do art.º 23.º da LGT.
IV – Nunca tendo sido invocada, no momento oportuno, a questão da extinção da execução fiscal por inexistência de bens do revertido, a mesma não pode ser conhecida pelo Tribunal ad quem, dado tratar-se de questão nova (ius novorum) que não é de conhecimento oficioso.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M…, melhor identificado nos autos, veio apresentar recurso da sentença proferida em 14/11/2023 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a oposição apresentada no processo de execução fiscal («PEF») n.º 2194200801018019 e apensos (2194200801071360 e 21942009010075594), contra si revertidos, instaurados originariamente contra a sociedade «E… Imobiliária Lda.», para cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto do Selo, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») e Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis («IMT»), dos anos de 2005, 2006 e 2005, respetivamente, no montante global de € 5.727,05.
Nas suas alegações, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

«A) Surgem as presentes alegações no âmbito do Recurso Administrativo interposto da sentença datada de 14.11.2023 por notificação com a referência 006107188 datada de 15.11.2023 e que produz os seus efeitos a 20.11.2023 nos termos do art. 248º do CPC, sentença essa que julgou totalmente improcedente a oposição deduzida com os fundamentos de não ter sido provada a falta de culpa do revertido, bem como não ter considerado que havia nova citação do revertido em execução suspensa como novo ato processual e com o que o recorrente não se pode conformar.
B) Deduziu o aqui recorrente a presente oposição fiscal que teve como fundamento ter sido a execução intentada em violação aos seguintes pontos:
a) a inexistência de prova de todos os responsáveis subsidiários na citação de reversão e não tendo sido o oponente citado da citação da reversão em relação ao outro sócio;
b) a reversão não integrar quaisquer factos constitutivos da culpa do oponente na insuficiência patrimonial da executada;
c) a reversão ter sido proferida em execução fiscal e definida contra gerente declarado insolvente não podendo ser instaurada como processo inovatório nem tão pouco prosseguir contra o oponente;
d) Não ter sido a divida reclamada no processo de insolvência para o qual a Fazenda Nacional tinha sido previamente citada nos termos do art., 37º do CIRE;
e) Tão pouco tal divida ter sido reclamada, como verificação ulterior de créditos e após o despacho de reversão, nos termos do art. 146º do CIRE;
C) Não obstante a ilegalidade formal da reversão, que aqui se reitera, e em concreto relativamente ao recorrente também à própria reversão, e sem prejuízo de a mesma ter ocorrido em pleno processo de insolvência do revertido e recorrente, faltam os pressupostos contidos no art. 24º da LGT, pois foi o presente processo de reversão dirigido ao ora recorrente como gerente inscrito da sociedade E… Imobiliária, Lda. e sem determinação do efetivo conceito de culpa que surge no art. 24º da LGT.
D) E na presente oposição o conceito de culpa fundamenta-se, não na atividade do recorrente, em plena crise aumentar os réditos da sociedade mas sim em ter praticado todos os atos de melhor gestão com os réditos que a sociedade possuía.

E) Para determinar que não foi provada a ausência de culpa do oponente exigia a sentença recorrida que fosse provado que o oponente tomou medidas de fundo no que respeita ao funcionamento da empresa ou à sua sustentabilidade financeira acrescentando que as dificuldades que as empresas possam ter, não constitui justificação para a insuficiência de bens para o pagamento de dividas fiscais, tendo o recorrente produzido prova em que:
a) Justificou as dificuldades de mercado que determinaram a insuficiência económica da empresa;
b) Confirmou que, mesmo em depressão empresarial e dentro dos pelouros que lhe estavam atribuídos cumpriu rigorosamente todas as suas obrigações sociais privilegiando em especial o pagamento de salários e de colaboradores essenciais à estrutura societária.
F) Daqui resulta que, contrariamente ao que dispõe a sentença recorrida o recorrente demonstrou o fundamento da falta cada vez mais significativa em termos de meios financeiros em termos de factos objetivos de mercado e não atribuíveis à gerência, bem como o cumprimento mínimo das obrigações com os meios financeiros que a crise, designadamente no setor que se dedicava a sociedade E… originou, o que foi escamoteado pela sentença.
G) A reversão do responsável subsidiário, para o que o recorrente foi citado tem os efeitos de uma citação nova e de um processo novo, uma vez que, nos termos do nº 5 do art. 23º da LGT, fica tal responsável isento de juros de mora e custas caso efectue o pagamento, ou seja, é considerado como se ainda não estivesse em mora e mais do que isso como se se tratasse de um sujeito processual novo, que efectivamente é, sendo, por isso, a mesma a reversão um ato inovatório da execução com a constituição, igualmente inovatória de um novo sujeito tributário passivo.
H) Apesar de em vários passos da sentença recorrida é dito que, nos termos do art. 180º do CPPT, a execução fiscal pode ser interposta, mesmo estando a insolvência do recorrente declarada, isso não resulta do art. 180º nº 1 do CPPT quando diz que proferido o despacho judicial de declaração de insolvência serão sustados todos os processos que vierem a ser instaurados sobre a empresa.
I) Sendo o processo de insolvência do recorrente de 2012- Processo 1767/12.9SBSTB e sendo o despacho de reversão de 26.09.2013 é obvio que foi um despacho novo, de constituição de novo sujeito tributário passivo despacho esse concretizado já no âmbito da insolvência, de onde resulta a clara violação do art. 180º nº 1 do CPPT, devendo o despacho de reversão só ser concretizado após o termo do processo de insolvência onde, aliás, foi escutido todo o património do recorrente, não tendo a sentença sequer reconhecido nem se tendo debruçado sobre prescrição ou caducidade dos arts. 45º e 48º da LGT os quais, em processo fiscal são de conhecimento oficioso e que podem ser deduzidos pelo revertido como sujeito passivo fiscal novo.
J) Conforme consta da citação recebida, a reversão em causa foi decretada na execução que corre os seus termos contra a devedora originária E… Imobiliária, Lda., como ato inovatório de constituição de sujeito tributário passivo.
L) E nos termos da douta Sentença de insolvência junta, foi desde logo notificada a Fazenda Nacional e o próprio Ministério Publico, para reclamarem os seus créditos bem como para a avocação de todos os processos de execução fiscal pendentes contra o agora recorrente. O que não aconteceu.
M) Encontrando-se o processo de insolvência pendente à data do despacho de reversão e tendo sido a Fazenda Nacional citada, nos termos do art. 37º nº 5 do CIRE, era obrigação jurídica da Fazenda Nacional ter deduzido verificação ulterior de créditos, nos termos do art. 146º do CIRE, no prazo de 3 meses seguintes à respetiva constituição, ou seja, após o despacho de reversão, não podendo proceder a Fazenda Nacional a eventual reversão contra o oponente porquanto, como já se disse, a reversão constitui contra o revertido a citação para um processo novo, ou seja, a instauração de um processo novo, que deveria ter consistido uma reclamação
na execução.
N) Mesmo assim a procedência da execução colocada em função do despacho de reversão de 26.09.2013 em que esta nova execução contra o revertido ocorreu mais de 6 meses após a declaração de insolvência ocorrida a 28-03-2012, só poderia ter algum sentido existindo culpa do recorrente o que ficou provado e demonstrado por este.
O) Atenta a ausência de culpa demonstrada para os termos e efeitos do art. 24º da LGT, verifica-se que a reversão foi feita em execução fiscal suspensa em que foi criado um novo ato de constituição de novas partes processuais, como também, dentro da citação para a reversão, já o próprio revertido também se encontrava insolvente, não podendo a Fazenda Nacional olvidar que, na pendencia de um processo de insolvência só poderia ser paga, nos termos do art. 173º do CIRE, caso o seu crédito fosse reclamado e verificado por sentença no processo de insolvência.
P) E o que ficou definido no presente processo e que foi claramente demonstrado é que a verificação efetiva de insuficiência de património de devedora originária, nada teve a ver com atos imputáveis ao revertido ou de tal insuficiência ter ocorrido por sua culpa, sendo certo que o recorrente fez o que pôde sem culpa para ir cumprindo as obrigações da sociedade durante a sua gerência, a verdade ´que foi também claramente estranho à diminuição objetiva de réditos da sociedade.
Q) E a culpa pressupõe, o ato ativo de culpa e a prática de atos que impedissem que, tendo a empresa meios para o efeito, fossem solucionados os problemas financeiros e não inventar ativos inexistentes na empresa para fazer pagamentos.
R) Subsidiariamente, e de qualquer forma em termos ignorados pela sentença recorrida sempre se dirá que, e conforme consta de prova documental junta aos autos, a insolvência do recorrente foi encerrada após a liquidação de todos os seus bens e sem lhe ser concedido o direito à exoneração do passivo restante significando isto que o oponente não possui quaisquer bens penhoráveis na sua titularidade o que determinaria que, mesmo que a execução prosseguisse, nos termos do art. 272º alínea a) do CPPT, a execução fosse declarada em falhas por inexistência de património.
S) Violou assim a sentença recorrida:
a) ao admitir a culpa do recorrente por falta de diligencia em incrementar réditos, em vez de considerar a sua atuação positiva com os réditos existentes, os arts. 23º nº 5 e 24º da LGT;
b) ao não considerar como ilegal o ato tributário novo contra insolvente, os arts. 45º e 48º da LGT e 180º do CPPT;
c) ao não entender como violação por parte da Fazenda Nacional da Reversão interposta, os arts. 37º nº 5, 65º nº 3, 128º e 146º todos do CIRE
Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser admitido e julgado procedente e provado e, por via dele ser revogada a sentença recorrida e proferido douto acórdão em que seja determinado que sejam julgados procedentes os pedidos constantes da presente oposição,
Fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.»

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Não há registo de apresentação de contra-alegações pela Recorrida.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido de ser negado provimento do recurso.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com base em algum dos seguintes fundamentos:

(i) foi ilidida a presunção de culpa consagrada na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da Lei Geral Tributária («LGT») [conclusões A) a G) e P) e Q)];

(ii) o despacho de reversão viola o disposto nos art.ºs 45.º e 48.º da LGT e 37.º, n.º 5, 65.º n.º 3, 128.º e 146.º todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas («CIRE») e o art.º 180.º do CPPT [conclusões H) a O)];

(iii) as execuções fiscais devem ser declaradas extintas, com a consequente declaração em falhas, em razão da inexistência de quaisquer bens na esfera patrimonial do Recorrente [conclusão R)].

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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A) Em 14.12.1999, foi constituída a sociedade “E… IMOBILIÁRIA LDA”, que tem como objeto social compra e venda e arrendamento de imóveis, revenda dos adquiridos, administrar e gerir empreendimentos imobiliários com capital social de € 10.000,00 distribuídos por 4 quotas de € 2.500,00 cada, duas pertencentes a M… e outras duas pertencentes a M… (cf. certidão permanente da sociedade a fls. 80 e 81do SITAF);
B) Na data identificada em A) foram designados gerentes M… e M… (cf. certidão permanente da sociedade a fls. 80 e 81do SITAF);
C) A sociedade identificada em A) obrigava-se com a intervenção conjunta dos dois gerentes exceto nos atos de mero expediente em que era suficiente a intervenção de um gerente (cf. certidão permanente da sociedade a fls. 80 e 81do SITAF);
D) Em 18.03.2008 foi instaurado contra a sociedade identificada em A) o processo de execução fiscal nº 2194200801018019 para cobrança de imposto do selo, de março de 2005, no montante de € 246,96, com data limite de pagamento voluntário de 24.02.2008 (cf. fls. 74 e 75 do SITAF);
E) Em 12.08.2008 foi instaurado contra a sociedade identificada em A) o processo de execução fiscal nº 2194200801071360 para cobrança de IRC do ano de 2006, no montante de € 3.473.54, com data limite de pagamento voluntário a 06.07.2008 (cf. fls. 135 e 136 do SITAF);
F) Em 12.08.2008 foi instaurado contra a sociedade identificada em A) o processo de execução fiscal nº 21942009010075594 para cobrança de IMT do ano de 2005, no montante de € 2.006,55, cuja data limite de pagamento voluntário a 31.05.2007 (cf. fls. 138 a 140 do SITAF);
G) Por sentença datada de 28.03.2012 proferida no processo nº 1767/12.9TBSTB que correu termos no 4º juízo cível do Tribunal Judicial de Setúbal foi o ora Oponente declarado insolvente (cf. fls. 16 a 24 do SITAF);
H) Em 14.05.2013 os processos de execução fiscal identificados em E) e F) foram apensados ao processo de execução fiscal identificado em D) supra (cf. fls. 76 do SITAF);
I) Em 26.09.2013 foi proferido despacho de reversão pelo Chefe do Serviço de Finanças do Montijo com o seguinte teor:


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J) Em 26.09.2013 foi emitido pelo Serviço de Finanças do Montijo ofício denominado “Citação (Reversão)” dirigido ao oponente com o seguinte teor:


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K) Em 26.09.2013 foi emitido pelo Serviço de Finanças do Montijo ofício denominado “Citação (Reversão)” dirigido a M… com o seguinte teor:


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L) Em 30.09.2013 o Serviço de Finanças do Montijo enviou o sobredito ofício identificado em J) por via postal registada com aviso de receção com indicação alfanumérica RM936144862PT, tendo o mesmo sido rececionado pelo Oponente em 03.10.2013 (cf. fls. 130 do SITAF);
M) Em 30.09.2013 o Serviço de Finanças do Montijo enviou o sobredito ofício identificado em K) por via postal registada com aviso de receção com indicação alfanumérica RM936144859PT, tendo o mesmo sido rececionado em 01.10.2013 (cf. fls. 131 do SITAF);
N) Em 03.10.2013 foi emitido pelo Serviço de Finanças do Montijo ofício denominado “Notificação nos termos do art.º 233º do CPC – Citação em reversão” dirigido a M… e remetido por via postal registada com aviso de receção com indicação alfanumérica RM895100697PT, com o seguinte teor:

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O) A notificação identificada na alínea antecedente foi entregue a 07.10.2013 (cf. fls. 134 do SITAF).»




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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Inexistem factos alegados, mormente, asserções fáticas tendentes a demonstrar a culpa na insuficiência do património e que careçam de figurar como não provados, em face das possíveis soluções de direito, com relevância para a decisão da causa.»
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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«Nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT (aplicável ex vi n.º 1 do artigo 211.º do CPPT), e dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, o tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Nestes termos, a convicção deste Tribunal fundou-se na análise crítica de toda a prova constante dos autos, nomeadamente nos documentos carreados pelas partes e constantes do processo de execução fiscal, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, tendo sido considerados os factos relevantes para a decisão, dentro das várias soluções plausíveis da questão de direito.
Relativamente à prova testemunhal, não obstante a testemunha B…, ter assumido a função de contabilista da sociedade devedora originária de 2004 a 2015, a verdade é que relativamente à factualidade alegada e, concretamente, à ilisão da culpa nada soube precisar e substanciar espácio-temporalmente e para o efeito.
Não obstante, tenha evidenciado que o Oponente esteve insolvente e que, na sua opinião, sempre teve uma atitude escrupulosa enquanto gerente, a verdade é que tais alegações não foram minimamente corporizadas, mormente, em termos documentais e com a devida consubstanciação temporal.
Ainda relativamente ao concreto giro comercial da empresa pouco ou nada informou o tribunal apenas dizendo que recebia os documentos da devedora na empresa C… da qual o revertido também é sócio e gerente.
De relevar, adicionalmente, que quando perguntado se sabe o que o oponente fez em concreto para ultrapassar as dificuldades financeiras disse não saber, só sabia que não tinha conseguido pagar.
Daí que o Tribunal não tenha valorado o depoimento para efeitos de fixação factual atinente, designadamente, relativamente à ilisão da culpa, a qual, conforme veremos, se encontrava circunscrita na sua esfera jurídica.
No mesmo sentido se terá de inferir quanto à testemunha A… , porquanto embora enquanto advogado aposentado, tenha afirmado conhecer a sociedade devedora originária por via de ter prestado serviços a outra empresa relacionada – C… e afirmado que a devedora originária foi criada para efetuar operações imobiliárias, a verdade é que, à semelhança do outro depoimento o mesmo foi pouco circunstanciado no espaço e no tempo, logo insuscetível de valoração neste e para este âmbito probatório.
No que concerne às declarações de parte, as mesmas foram espontâneas, e prestadas sem hesitações, de todo o modo o Tribunal não pode descurar a circunstância de que é parte interessada nos presentes autos, ou seja, tem interesse no resultado da ação e, nessa medida, o seu testemunho tem de ser valorado com essa circunstância específica.
Note-se, outrossim, que nos dizem as regras da experiência que as pessoas têm uma maior tendência a recordar factos favoráveis do que factos desfavoráveis pelo que o seu depoimento não é absolutamente isento. Acresce, igualmente, que a declaração de parte revela-se de superior interesse no que tange a factos de índole estritamente pessoal e demonstráveis por prova tendencialmente única.
De facto, o Tribunal não conseguiu em concreto obter qualquer circunstância ou facto que demonstrasse que o Oponente desenvolveu esforços no sentido de evitar o colapso financeiro da empresa, tanto mais que, sendo o mesmo gestor de empresas e economista tinha de ter especiais conhecimentos e soluções nesta área.
As suas alegações foram genéricas e careciam de especial particularização que no caso inexistiu.
Mais resulta das declarações de parte que o Oponente responsabiliza, apenas, a crise económica pelo fracasso da empresa.
Portanto, na essência, o que importava demonstrar nos presentes autos pelas testemunhas, era a ausência de culpa do revertido na insuficiência de património da devedora originária, porquanto as demais questões em apreço se bastam com a prova documental.
Ter-se-á, portanto, de concluir que os testemunhos foram parcos em factos concretos, demonstrando que tinham um conhecimento indireto da realidade da empresa e quando questionados diretamente sobre concretas ações do oponente enquanto gerente afirmaram “não saber”, não obtendo, assim, o tribunal qualquer facto relevante que possa ser considerado provado por via da prova testemunhal.»
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III.B De Direito

Insurge-se o Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, pugnando pela sua revogação com fundamento, na essência, na verificação dos seguintes vícios:

(i) ilisão da presunção de culpa consagrada na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT [conclusões A) a G) e P) e Q)];


(ii) o despacho de reversão viola o disposto nos art.ºs 45.º e 48.º da LGT e 37.º, n.º 5, 65.º n.º 3, 128.º e 146.º todos do CIRE e o art.º 180.º do CPPT [conclusões H) a O)]; e,

(iii) as execuções fiscais devem ser declaradas extintas, com a consequente declaração em falhas, em razão da inexistência de quaisquer bens na esfera patrimonial do Recorrente [conclusão R)].

Considera, por seu turno, o EMMP junto deste Tribunal, que as conclusões recursivas devem ser julgadas improcedentes e, em consequência, deve ser mantida a sentença recorrida na ordem jurídica

Vejamos, então.

Antes de entrarmos, na apreciação em concreto das conclusões que constam das alegações de recurso, importa, desde já, relevar que o Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no art.º 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento, alteração ou supressão ao probatório, apenas se limitando a convocar, ainda que genericamente, a existência de um erro de julgamento de facto, sem qualquer indicação clara e expressa dos factos que considera provados, nem o específico meio probatório em que sustenta o seu entendimento.

Mais cumpre ressalvar, neste concreto particular, que não traduz qualquer impugnação da matéria de facto as alegações contempladas em E) e F) das respetivas conclusões, desde logo, porque não basta ao Recorrente defender, globalmente, que a decisão sobre a matéria de facto está incorreta, carecendo, como visto, de indicar que concretos pontos de facto estão incorretamente julgados, que concretos meios probatórios suportam esse entendimento e que concretos factos entendem que devem ser considerados provados ou não provados. E por assim ser, face ao supra expendido considera-se a matéria de facto devidamente estabilizada.

Feito este breve introito, e mantendo-se, como visto, o probatório inalterado, há, então, que aferir da bondade da censura endereçada pela Recorrente na presente lide recursiva.

Apreciemos.

Quanto à ilegitimidade por falta de culpa no não pagamento das dívidas exequendas

O Recorrente alega, em suma, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que não resulta provado, segundo entende, que teve culpa na falta de pagamento dos créditos exequendos, concluindo, assim, que face aos elementos probatórios constantes nos autos logrou ilidir a presunção legal de culpa consagrada no art.º 24.º n.º 1, alínea b), da LGT.

Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que não tem razão o Recorrente. Vejamos, então, porquê.

In casu, é indisputada a gerência de facto da executada originária por parte do Recorrente, defendendo, no entanto, que é parte ilegítima ao abrigo do art.º 24.º, n.º1, alínea b) da LGT, porquanto não lhe pode ser imputada a falta de pagamento das dívidas tributárias.

Quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o art.º 204.º, n.º 1, al. b) do CPPT que a oposição pode ter como fundamento a «[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida».

Encontramo-nos, assim, perante uma ilegitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda. Quanto à questão da legitimidade do responsável subsidiário encontramo-nos face a leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial.

É, com efeito, pacífica a jurisprudência no sentido da aplicação a cada situação da lei que rege sobre o ónus da prova vigente no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, visto se estar perante norma de cariz substantivo e atento o princípio tradicional da não retroatividade da lei substantiva, consagrado no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil («CC»).

Ora, no caso que agora nos ocupa, é aplicável o regime constante no art.º 24.º da LGT, que, no que importa, refere o seguinte no seu n.º 1:

«[o]s administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.».

O citado art.º 24.º da LGT consagra nas suas alíneas a) e b) uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre:

(i) as dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cf. a parte final da alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT); e,

(ii) as demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária («AT»), ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova da culpa dos mesmos na insuficiência do património social.

No caso vertente, conforme resulta do recorte probatório dos autos, o despacho de reversão fundamentou-se na alínea b), do n.º 1, do art.º 24.º da LGT (cf. pontos I. e J. da factualidade provada), por estar assente e ser indisputado que o Recorrente exerceu funções de gerente da sociedade devedora originária, quer no período em que as dívidas se constituíram, quer no período em que se venceram, estando, por conseguinte, onerado com a respetiva presunção de culpa, imputando-lhe a falta de pagamento.

Razão pela qual, compete, assim, apurar se o Recorrente logrou ilidir a presunção de culpa que sobre ela recai nos termos desta disposição legal, da qual resulta ser-lhe assacado o ónus da prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

Dir-se-á, numa tentativa de densificar os contornos da ilisão da apontada presunção de culpa, que o que se presume é que o gestor não atuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial as contempladas no art.º 64.º do Código das Sociedades Comercias («CSC»), que lhe impõem a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.

A culpa, aqui em causa, como também se encontra perfeitamente estabilizado pela jurisprudência (cf., entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - «STA» - de 08/11/2023, proc. n.º 0709/14.1BEALM, disponível em www.dgsi.pt), deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

Como sublinha, a este respeito, a jurisprudência, a culpa «consiste na omissão reprovável de um dever legal de diligência, que é de aferir em abstrato, tendo como padrão o zelo do bónus pater familiae colocado na veste de um gerente competente e criterioso» (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.10.2000, processo n.º 1564/98) e «afere-se em abstrato, pela diligência de um bom pai de família, operando com a teoria da causalidade, seguindo um processo lógico de prognose póstuma, por forma a averiguar se a atuação do gerente da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos fiscais» (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12.10.2004, processo n.º 00081/04, disponível em www.dgsi.pt).

Assim, «o ato ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido.
(…)
Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável» (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27.11.2014, processo n.º 06191/12, disponível em www.dgsi.pt).

No mesmo sentido, pode ler-se no acórdão do STA de 11.7.2012, processo n.º 0824/11, disponível em www.dgsi.pt, o seguinte:
«I - O facto ilícito suscetível de fazer incorrer o gestor na responsabilidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa atuação conducente à insuficiência do património da sociedade.
II - Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.».

Sérgio Vasques, refere a este propósito que «ao impor ao gestor o ónus de provar que “não lhe foi imputável a falta de pagamento” o que se lhe exige, afinal, é que demonstre que não foi por culpa sua que o património da empresa se tornou insuficiente para satisfazer a dívida tributária» (Manual de Direito Fiscal, 2ª edição, pág. 407) e que «A ilicitude está, numa e outra disposições, não na mera falta de pagamento, mas na violação das normas dirigidas à protecção dos credores da empresa. E, numa e outra disposições, essa violação haverá de ser culposa também. Só assim faz sentido o conjunto do art. 24.º» (in «A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária», Fiscalidade, n.º 1 (Jan.2000), pág.47-66).

Regressando, então, agora, ao caso dos presentes autos, e como acima já se apontou, tendo em conta a factualidade assente e o quadro normativo in casu aplicável, e na esteira da posição assumida na sentença recorrida, consideramos que o Recorrente não logrou provar que é parte ilegítima nas execuções fiscais em referência, porquanto não ilidiu a presunção de culpa ínsita na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT, não enfermando, por isso, a sentença recorrida do erro de julgamento que lhe vem assacado pelo Recorrente.

Senão vejamos.

Da factualidade estabilizada nos presentes autos, ressalta, desde logo, que foram instaurados pelo órgão se execução fiscal os PEF em causa para cobrança de dívidas de Imposto do Selo, IRC e IMT, dos anos de 2005 a 2006, no valor total de 5.727,05 Euros [cf. pontos D) a F) do probatório].

O que não se sabe, porque não vem alegado, é o que, em concreto, motivou o não pagamento dos aludidos créditos exequendos, pois nada ficou provado quanto à situação patrimonial da executada originária na data da sua constituição, vencimento ou mesmo anteriormente.

E também não se sabe o que a sociedade devedora originária fez em 2005 e 2006 (exercícios a que respeitam as dívidas exequendas – cf. pontos D), a F), I), e J) do probatório) para melhorar a sua situação financeira e patrimonial. É que não ficaram provados quaisquer factos que evidenciem os contornos concretos da atuação do Recorrente na condução dos destinos da sociedade devedora originária, o que seria indispensável para o Tribunal ponderar quanto à eventual censurabilidade da sua conduta.

Com efeito, nada é dito, e muito menos provado, quanto à gestão e administração da devedora originária que foi realizada pelo Recorrente para ultrapassar as dificuldades financeiras que, alegadamente, terão sido sentidas. Efetivamente, o que está em causa nos presentes autos é a culpa do Recorrente enquanto gerente da sociedade devedora originária, a qual, como visto, deve ser aferida pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, sendo, por isso, indispensável a alegação e prova de factos que revelem a gestão exercida por si.

Como já se disse, no caso dos presentes autos, das alegações vertidas na petição inicial e da prova produzida nos presentes autos não se consegue descortinar minimamente a atuação do Recorrente para ultrapassar eventuais vicissitudes sentidas pela executada originária que possam estar na génese do incumprimento verificado no pagamento dos impostos em causa, o que seria indispensável para ilidir a presunção de culpa no não pagamento dos créditos tributários exequendos, nos termos da alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT.

Para este efeito, manifestamente, não é suficiente a mera alegação da existência da difícil situação financeira vivenciada pela executada originária, que, aliás, nem sequer ficou demonstrada nos presentes autos, sendo, pois, necessário que tivesse demonstrado que atos de gestão praticou, qual o seu objetivo, e quais os resultados obtidos, pois apenas com essa informação poderia o Tribunal apreciar a sua atuação enquanto administradora.




Assim, a verdade é que nada foi evidenciado quanto à conduta do Recorrente enquanto gerente, em termos de adequação e causalidade com a falta de meios para proceder ao pagamento dos créditos em cobrança coerciva, o que é fundamental para afastar a presunção de culpa ínsita na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT. Pelo que não podemos concluir que a insuficiência do património da devedora originária não pode ser imputada à atuação do Recorrente, dado que, como acima se indicou, nada ficou demonstrado, designadamente, quanto às diligências e medidas que in casu se revelariam adequadas, razoáveis e lógicas para fazer face aos constrangimentos que poderiam assolar a atividade da executada originária.

E isto porque, o que releva e que importaria provar é que o Recorrente encetou todas as diligências e quais foram para proceder ao pagamento das dívidas fiscais pendentes, e não limitar-se a remeter para a conjuntura e para as consequências dela decorrentes, competindo-lhe fazer prova positiva de quais as ações em concreto desenvolvidas enquanto gerente, nomeadamente se desenvolveu todos os esforços que lhe eram exigíveis e se empregou o melhor da sua experiência, saber e conhecimento para ultrapassar tais dificuldades. E quanto a este tema, nada foi alegado de concreto e provado nos presentes autos.

Pelo que no caso que agora nos ocupa, constatamos que nada se alegou e provou quanto à desresponsabilização do Recorrente pela criação e manutenção de uma situação de alega crise financeira, que levou a que ficassem por pagar as dívidas em causa. Assim, é evidente que ficou por provar que não foi por culpa do Recorrente que os créditos fiscais não foram pagos.

Em face do exposto, conclui-se que do acervo probatório dos autos não é possível ilidir-se a presunção com a qual se encontrava onerado, não tendo sido feita prova positiva por parte do Recorrente que não atuou com culpa na falta de pagamento das dívidas objeto de cobrança coerciva.

Destarte, tal como bem se concluiu na sentença recorrida, estão, efetivamente, reunidos os pressupostos legais para responsabilizar o Oponente, ora Recorrente, pelo pagamento das quantias exequendas cobradas coercivamente nos PEF n.º 2194200801018019 e apensos (2194200801071360 e 21942009010075594), pelo que improcedem estas conclusões de recurso.

Quanto à ilegitimidade do Recorrente por ter sido citado em reversão posteriormente à sua declaração de insolvência

Insurge-se, também, o Recorrente contra a sentença recorrida por, segundo considera, padecer de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, concretamente em relação ao disposto no art.º 180.º, n.º1 do CPPT. Vem, neste conspecto, o Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada, defendendo, fundamentalmente, que o disposto no art.º 180.º do CPPT e a declaração de insolvência da executada originária impedem que o órgão de execução fiscal opere a reversão da execução fiscal. Para tanto, invoca, também, o Recorrente a violação do preceituado nos arts.º 37.º, n.º 5, 65.º, n.º 3, 128.º e 146.º, todos do CIRE.

Considera, de igual forma, o EMMP junto deste Tribunal que as conclusões recursivas devem ser julgadas improcedentes e, em consequência, deve ser mantida a sentença recorrida.

Vejamos, então.

Adiantamos, também aqui, que a razão não está do lado do Recorrente, pois a sentença decidiu com muito acerto esta questão.

Concretizando,

Dispunha o art.º 180.º do CPPT, na redação aplicável, sob a epígrafe «Efeito do processo de recuperação da empresa e de falência na execução fiscal» o seguinte:

«1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da ação de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.
2 - O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respetivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.
3 - Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos.
4 - Os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos no prazo de 8 dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de falência.
5 - Se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.
6 - O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da ação.».


Também o CIRE no art.º 88.º (na redação aqui aplicável) estipulava o seguinte, no que para o caso que nos ocupa importa:

«1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do n.º 2 do artigo 85.º, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente.
(…)».

Resulta, pois claro, que as acima transcritas normas legais visam, numa dupla dimensão, a proteção do executado insolvente e, bem assim, a proteção dos credores que forem ao processo de insolvência reclamar os seus créditos de modo a poderem vir a ser pagos pelo produto da venda dos bens da massa insolvente, nas condições legalmente estabelecidas.

Pelo que o legislador determinou que, logo que declarada a insolvência (o caso que aqui interessa) os processos de execução não prossigam, devendo ser remetidos ao processo de insolvência (cf. art.º 180.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT).

Por seu turno, à data da prolação da sentença de insolvência e do despacho de reversão (28/03/2012 e 26/09/2013, respetivamente – cf. pontos G) e I) do probatório), já se encontrava em vigor o disposto no art.º 23.º, n.º 7 da LGT que veio esclarecer que o dever de reversão previsto no n .º 3 deste artigo («[c]aso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adoção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei») é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no n.º 2 do artigo 181.º do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal, sem prejuízo da adoção das medidas cautelares aplicáveis.

Assim, o regime ínsito no n.º 7 do art.º 23.º da LGT deve, pois, como foi, atenta a sua natureza imperativa, ser observado em sede de reversão, nos casos de insolvência da executada originária, tendo em conta o disposto nos números 2 e 3 desta norma, assim como o regime que dimana dos art.ºs 153.º e 180.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT. Com efeito, uma vez verificada a insuficiência dos bens da executada originária e ainda sem que tenham sido penhorados e vendidos todos os bens que lhe restem, a AT deve avançar obrigatoriamente para a reversão, dado que já sabe que o seu património não vai ser suficiente para pagamento dos créditos exequendos, considerando a situação de insolvência verificada.

E tal despacho de reversão deve ser proferido mesmo que o quantum da responsabilidade do devedor subsidiário não esteja completamente determinado e que os autos de execução devam aguardar, quanto a si (revertido), que ocorra a completa excussão dos bens do executado e devedor originário, verificados que estejam, naturalmente, os restantes requisitos legalmente previstos para que possa ocorrer a reversão (neste sentido, vide, entre outros, o acórdão do STA de 14/02/2013, proc. n.º 01011/12, e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29/06/2017, proc. n.º 191/06.7BEBRG, disponíveis em www.dgsi.pt).


Donde, o despacho de reversão sub judice não é ilegal por afrontar o disposto no art.º 180.º, n.º1 do CPPT, nem os arts.º 37.º, n.º 5, 65.º n.º 3, 128.º e 146.º, todos do CIRE, tal como se entendeu na sentença recorrida, uma vez que encontra acolhimento na mecânica de funcionamento do instituto da reversão e da tramitação do processo de insolvência. Com efeito, a leitura conjugada dos acima indicados preceitos legais, permite, portanto, salvaguardar a posição do devedor subsidiário, no sentido de dever ser excutido previamente o património do devedor principal, bem como o direito de crédito da AT, ou o seu remanescente não pago pelo produto da venda dos bens do devedor principal, que será oportunamente exercido sobre o mesmo devedor subsidiário (irrelevando, assim, neste momento, saber se o deve dor subsidiário detém ou não bens que possam vir a satisfazer a dívida exequenda).

Porquanto, estando provado, nos presentes autos, que o despacho de reversão foi proferido na sequência do conhecimento de que havia sido declarada a insolvência da devedora originária, não há dúvida que não enferma da ilegalidade que lhe foi assacada pelo Recorrente, sem prejuízo de dever aguardar-se pela excussão dos bens da insolvente.

Diga-se, ainda, que o Recorrente não logrou densificar minimamente, conforme deveria, em que medida é que se encontra violado o preceituado nos art.ºs 45.º e 48.º da LGT, sendo certo que este Tribunal, tendo em conta a factualidade assente nos presentes autos, também não vislumbra que tenha ocorrido a infração do disposto naquelas normas, não havendo, por isso, necessidade de nos alongarmos nestes temas.

Em consequência, concluímos que improcedem também estas conclusões recursivas formuladas pela Recorrente.


Quanto à extinção das execuções fiscais, com a consequente declaração em falhas, em razão da inexistência de quaisquer bens na esfera patrimonial do Recorrente

Compulsada a sentença recorrida, verifica-se que na mesma não foi conhecida a agora pretendida declaração em falhas com referência aos PEF em causa. E tal sucedeu porque tal questão não foi suscitada pelo ora Recorrente no momento oportuno, ou seja, na petição inicial.

Por isso, quanto ao consignado na conclusão R) das alegações de recurso, estamos perante uma «questão nova», estando, por isso, vedado a este Tribunal de recurso o conhecimento da mesma.

Senão vejamos.

Como é sabido, os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão, mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/10/2020, processo n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Com efeito, o processo civil português consagra o chamado princípio da preclusão, ao qual subjaz o ónus de alegação no momento oportuno dos factos essenciais, sem prejuízo, naturalmente, das questões que sejam de conhecimento oficioso ou supervenientes.

Na verdade, como decorre do art.º 627.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi art.º 281.º CPPT, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com exceção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida, sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas.

Os recursos são, pois, meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais de primeira instância, e não obter decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – neste preciso sentido vejam-se Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pág. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, págs. 80-81 e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 119 .

Também a jurisprudência é pacífica e consolidada nesse sentido, podendo ver-se nesse sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do STA: de 13/03/2013, proc. n.º 0836/12, de 28/11/2012, proc. n.º 598/12 e de 27/06/2012, proc. n.º 218/12, todos disponíveis em
www.dgsi.pt.

In casu, verifica-se, pois, que na presente instância foi efetivamente invocada a já referida questão nova, que, como já referimos, não foi oportunamente suscitada perante o Tribunal a quo.

Assim, sendo questão nova e não sendo a mesma do conhecimento oficioso, não pode ser aqui apreciada, votando ao insucesso o alegado pelo Recorrente a este propósito.

Em face do exposto, é inelutável a conclusão que o recurso jurisdicional interposto não merece provimento, sentido em que de seguida se decidirá.

*

IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 12 de março de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Isabel Vaz Fernandes)

(Luisa Soares)