Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:719/24.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/26/2025
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:RECLAMAÇÃO
NULIDADE
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário:Tendo sido suscitada no processo uma questão, relativamente à qual em outro processo se haja decidido o reenvio prejudicial para o TJUE, justifica-se que, ao abrigo do disposto nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, ambos do CPC, seja declarada a suspensão da instância, até admissão desse reenvio ou, admitido, proferida pronúncia por esse Tribunal de Justiça.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

Vem a O… Sociedade Unipessoal, Lda., interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a reclamação do ato do órgão de execução fiscal por si apresentado, contra a decisão de indeferimento do pedido de reconhecimento da nulidade da citação, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3654202401061232, instaurado para cobrança de dívida de IRC do exercício de 2013, relativa a recuperação de auxílios de Estado da Zona Franca da Madeira, no valor de € 1 343 130,36.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

A) «O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu pela improcedência da reclamação judicial deduzida pela Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 276.º e seguintes do CPPT, da decisão de indeferimento do pedido de reconhecimento de nulidade da citação efetuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3654202401061232, da autoria da Exma. Sr.ª Dr.ª E…, Diretora de Finanças Adjunta de Lisboa, em delegação de competências da Diretora-Geral de Finanças de Lisboa;
B) A Sentença recorrida deve ser reformada quanto a custas, na modalidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos dos artigos 613.º, n.º 2 e 616.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, relativamente a todas as instâncias (primeira e recurso), uma vez que se encontram verificados os requisitos previstos no artigo 6.º, n.º 7 do RCP;
C) Ao recurso deve ser reconhecido efeito suspensivo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 278.º, n.ºs 6 e 8 e 286.º, n.º 2, in fine, do CPPT e em linha com a jurisprudência dos tribunais superiores, sob pena de perder o recurso o seu efeito útil;
D) O Tribunal a quo entendeu que:
a. a citação realizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3654202401061232 cumpre com as formalidades legais, nos termos dos artigos 189.º e 190.º do CPPT, uma vez que a AT informou em que circunstância havia ou não suspensão do processo de execução fiscal, de acordo com a sua interpretação das disposições da Decisão da Comissão sobre a recuperação dos auxílios de Estado da Zona Franca da Madeira;
b. ainda que houvesse nulidade da citação, a mesma não seria atendível, porquanto a defesa da Recorrente não ficou prejudicada, nos termos do artigo 191.º, n.º 4 do CPC;
c. inexistiu qualquer decisão prévia à citação que fosse comunicada aquando desta, acerca da suspensão do processo de execução fiscal e da possibilidade de pagamento em prestações; inexistindo um ato administrativo, não houve violação do direito de audição prévia, nem falta de fundamentação; a citação tem apenas carácter comunicativo, representando um “mero ato opinativo”, que não tem a virtualidade de impedir sem mais a suspensão do processo de execução fiscal, nem a capacidade de definir o regime do processo de execução fiscal aplicável.
E) A Sentença recorrida é nula por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, nulidade que deve ser reconhecida nos termos do disposto do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT, porquanto:
a. a. para ter decidido como decidiu – i.e., para ter entendido que as formalidades legais da citação foram observadas porquanto a AT informou a Recorrente da possibilidade de suspensão do processo de execução fiscal através da prestação de garantia ou da sua suspensão – teria de ter dado como provado que o teor dessa citação incluía, de facto, uma qualquer menção à prestação ou dispensa de garantia, o que não é o caso;
b. antes, o que sucedeu in casu, foi justamente o contrário: tendo dado como provada a realização de uma citação da qual não consta qualquer referência à possibilidade ou impossibilidade de prestação de garantia ou dispensa da mesma, ainda assim conclui que a AT cumpriu o dever que sobre si recaía por ter alegadamente feito constar essa informação da citação;
F) Caso assim não se entenda, o que não se concede, sempre se dirá que a Sentença recorrida padece de erro de julgamento, devendo ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a reclamação totalmente procedente quanto aos 3 pontos analisados pelo Tribunal a quo;
G) Quanto à nulidade da citação, a citação efetuada não observou as formalidades legais que lhe são impostas pelos artigos 189.º e 190.º do CPPT, sendo nula, nos termos do artigo 191.º, n.ºs 1 e 4 do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPC;
H) A AT, por estar vinculada ao princípio da legalidade, previsto no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, tem de fazer constar das citações efetuadas nos processos de execução fiscal as regras aplicáveis a este tipo de processo à luz da lei e não à luz do entendimento da AT sobre essa lei;
I) Mal andou o Tribunal a quo ao entender que as formalidades legais da citação estavam cumpridas, tendo laborado em erro de julgamento;
J) Isto porque:
a. a. a citação efetuada refere, em violação do disposto no artigo 190.º, n.º 2 do CPPT, que a apresentação de oposição à execução não tem efeito suspensivo do processo de execução;
b. a citação efetuada refere, em violação do disposto no artigo 189.º, n.º 1 do CPPT, que não é possível pedir o pagamento em prestações;
c. a citação efetuada omite, em violação do disposto no artigo 190.º, n.º 2 do CPPT, qualquer referência à possibilidade de prestação de garantia ou pedido de dispensa da mesma;
K) A nulidade da citação é atendível, nos termos do disposto no artigo 191.º, n.º 4 do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPC, porquanto das faltas verificadas resulta a possibilidade de prejuízo para a defesa da Recorrente;
L) Mal andou o Tribunal a quo ao entender que a defesa da Recorrente não foi prejudicada por esta ter apresentado, apesar do teor da citação, pedido de dispensa de garantia;
M) Isto porque:
a. a. nos termos do n.º 4 do artigo 191.º do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, a letra da lei não exige que a falta tenha efetivamente prejudicado a defesa do citado apenas impondo a possibilidade de a falta prejudicar a defesa do citado;
b. ao entender que, para avaliar o prejuízo causado pela falta da citação à defesa da Recorrente, tem de se adotar o critério do prejuízo efetivo, o Tribunal a quo contrariou, ilegalmente, a letra da lei, o entendimento da doutrina e da jurisprudência dos Tribunais Superiores;
c. tal entendimento viola os princípios da boa-fé e da legalidade, que vinculam a AT na sua atividade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, sendo, por isso, materialmente inconstitucional;
d. ainda que se adotasse o critério do prejuízo efetivo, como fez o Tribunal a quo (mal), o que não se concede, seria atendível a nulidade da citação, por ter sido prejudicada a defesa da Recorrente;
e. a Recorrente arguiu a nulidade da citação efetuada e, contra o teor da mesma, pediu dispensa de garantia e apresentou oposição à execução à qual pretendeu que fosse associado o efeito suspensivo do processo de execução fiscal;
f. contudo, em conformidade com o teor da mesma citação, a Recorrente não apresentou pedido de pagamento em prestações;
g. o Tribunal a quo adotou o critério do prejuízo efetivo e por isso bastou-se com a prova da apresentação do pedido de dispensa de garantia para concluir que a falta da citação não prejudicou a defesa da Recorrente;
h. porém, tinha de ter atribuído a mesma relevância, para efeitos dessa avaliação, à ausência de apresentação, pela Recorrente, de qualquer pedido de pagamento em prestações;
i. essa ausência demonstra que, ainda que fosse válido o critério do prejuízo efetivo, o que não se concede, o mesmo verificou-se in casu, motivo pelo qual a nulidade da citação é atendível nos termos do artigo 191.º, n.º 4 do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT;
N) Em face de tudo quanto se expôs, se requer a V. Exa. se digne aditar à matéria de facto dada como provada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 640.º, n.º 1 e 662.º, n.º 1, do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, os seguintes factos com base nos seguintes meios probatórios:
a. A citação efetuada no processo de execução fiscal n.º 3654202401061232 refere expressamente que não é possível apresentar pedido de pagamento da dívida em cobrança coerciva em prestações – cfr. documento constante da referência SITAF 006904336 a fls. 50 dos autos;
b. A citação efetuada no processo de execução fiscal n.º 3654202401061232 nada refere quanto à possibilidade de suspender o mesmo através da prestação de garantia idónea ou da concessão da dispensa da sua prestação – cfr. documento constante da referência SITAF 006904336 a fls. 50 dos autos;
c. A Reclamante não apresentou pedido de pagamento em prestações – cfr. processo administrativo junto aos autos.

O) Quanto à falta de audição prévia e da falta de fundamentação da decisão contida na citação:
a. andou mal o Tribunal a quo ao entender que inexiste qualquer decisão prévia à citação quanto ao regime da execução fiscal aplicável num caso como aquele em apreço, em que está em causa um processo de execução que visa a recuperação de auxílios de Estado considerados ilegais;
b. essa decisão existe e consubstancia um ato administrativo que, muito embora não tenha sido formalmente notificado à Recorrente, foi externalizado através da citação, sendo lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente;
c. a Recorrente não teve oportunidade de se pronunciar ao projeto desse ato desfavorável em sede de audição prévia, motivo pelo qual resulta violado o princípio da participação, consagrado nos artigos 267.º, n.º 5 da CRP e 60.º da LGT;
d. o referido ato padece do vício de falta de fundamentação, em violação do disposto no artigo 268.º, n.º 3 da CRP e 77.º da LGT, não sendo possível ao homem médio compreender em que medida a natureza da dívida – desacompanhada de qualquer contextualização adicional e considerando que em causa está a falta de pagamento do imposto resultante de uma liquidação adicional de IRC – serve o propósito de justificar que se entenda não ser possível a suspensão do processo de execução fiscal;
P) Quanto à aplicação parcial do regime jurídico do processo de execução fiscal:
a. andou mal o Tribunal a quo ao entender que, inexistindo qualquer decisão prévia à citação capaz de definir o regime do processo de execução fiscal aplicável no caso em concreto, não se verifica qualquer ilegalidade decorrente da aplicação parcial desse regime jurídico;
b. essa decisão existe e consubstancia um ato administrativo que, muito embora não tenha sido formalmente notificado à Recorrente, foi externalizado através da citação, sendo lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente;
c. não pode a AT, nessa decisão, entender aplicar apenas parte das regras do processo de execução fiscal, sem qualquer base ou fundamento legal, porquanto desse modo viola o princípio da legalidade, previsto no artigo 266.º, n.º 2 da CRP;
d. de resto, o STA entendeu já, num caso idêntico ao que se discute nestes autos, que se afigura ilegal a seleção que a AT faz das normas da execução fiscal aplicáveis a um processo que vise a recuperação de auxílios estatais considerados ilegais;
Q) A Sentença recorrida deve ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a reclamação judicial totalmente procedente, com as demais consequências legais.

Nestes termos e nos mais de Direito requer-se a V. Exa. se digne admitir o presente recurso e julgá-lo procedente, por provado, revogando a Sentença recorrida e substituindo-a por Acórdão que determine a procedência da reclamação, decida pela dispensa do pagamento do remanescente em sede de primeira instância e recurso, tudo com as demais consequências legais.


A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para o efeito não apresentou contra-alegações.

O Tribunal a quo, admitiu o recurso com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Seguidamente as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a eventual suspensão da presente instância nos termos dos artigos 269º, nº 1, alínea c) e 272º nº 1 do CPC, pelo menos até que o TJUE profira despacho de admissão do reenvio prejudicial que lhe foi submetido no âmbito do processo nº 299/24.7BEFUN.

Apenas a Recorrida respondeu, emitindo pronúncia no sentido de que a instância deverá ser suspensa até à pronúncia a emitir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia sobre aquela matéria [cfr. n.º 1 do art.º 272.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art.º 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

Os autos foram com vista ao Ministério Público que nada opôs à suspensão da presente instância.

Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar decidir.


II – Fundamentação

Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.

Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa apreciar se a sentença que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o despacho que indeferiu o pedido de declaração da nulidade da citação que a Recorrente lhe apresentara, padece de erro de julgamento, na seleção e interpretação dos factos e aplicação do direito.

Antes, porém, importa apreciar se deve ser ordenada a suspensão da instância para questionar o Tribunal de Justiça da União Europeia sobre: «se o n.º 3 do artigo 16.º do Regulamento (EU) 2015/1589 do Conselho (que institui os princípios da celeridade e eficácia) deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação das normas internas (designadamente dos artigos 169.º, 170.º do CPPT e n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 52.º da LGT), previstas no CPPT, que permitem a suspensão dos processos de execução fiscal, por via da sua dispensa da prestação da garantia, em processos cujas dívidas exequendas consistem nos auxílios de Estado cuja recuperação foi ordenada pela Comissão Europeia através da Decisão (EU) 2022/1414, da Comissão de 4 de Dezembro de 2020


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

«A) Por despacho de 20-01-2024, foi proferida decisão final acerca da liquidação adicional de IRC, do exercício de 2013, relativa à Reclamante, para recuperação de auxílios de Estado, referente à Decisão da Comissão (UE) 2022/1414 da Comissão de 4 de dezembro de 2020, sobre o Regime III da Zona Franca da Madeira – (cf. documento a fls. 6 a 21 da referência SITAF 006916690, a fls. 205 dos autos);
B) Em 07-02-2024, foi efetuada a liquidação adicional de IRC, do exercício de 2013, com o valor a pagar de € 1.237.448,94 – (cf. documento a fls. 22 da referência SITAF 006916690, a fls. 205 dos autos);
C) Em 16-02-2024, foi emitida nota de cobrança relativa à liquidação adicional identificada na alínea anterior, com o valor total a pagar de € 1.343.130,36 – (cf. documento a fls. 24 da referência SITAF 006916690, a fls. 205 dos autos);
D) Em 09-04-2024, foi emitida certidão de dívida, para instauração do processo de execução fiscal contra a Reclamante, relativa ao IRC de 2013, com o valor da quantia exequenda de € 1.343.130,36, que recebeu o n.º 36420240161232, – (cf. documento constante da referência SITAF 006904336, a fls. 50 dos autos);
E) Em 09-04-2024, no âmbito do processo de execução fiscal identificado na alínea anterior, através do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira, foi emitido ofício de citação, cujo teor se dá aqui por reproduzido e de que consta, além do mais, o seguinte:
«Fica citado(a)1 da instauração do processo de execução fiscal identificado para cobrança da seguinte dívida:
1) A dívida em causa decorre do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira2, podendo ser consultada na sua área reservada do Portal das Finanças3.
2) A contar da presente citação deverá pagar a totalidade da dívida no montante total de € 1.347.683,33, no prazo de 30 dias, utilizando a referência de pagamento infra, no Multibanco, nos CTT, nas Instituições Bancárias, através de homebanking ou junto dos Serviços de Finanças. Após os 30 dias, deve emitir um novo documento de pagamento, na sua área reservada do Portal das Finanças ou solicitar a sua emissão junto de um Serviço de Finanças.
3) Pode ainda, no referido prazo de 30 dias, querendo:
a) Requerer Dação em Pagamento4, através de bens móveis e imóveis;
b) Apresentar Oposição Judicial5, com os fundamentos previstos na lei não revestindo este meio de defesa carácter suspensivo da execução atendendo à natureza da dívida em causa.
4) Face às características da dívida, não poderá requerer o pagamento em prestações.
[…]
2 Decisão (UE) 2022/1414 da Comissão de 4 de dezembro de 2020 relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C) (ex-2018/NN) aplicado por Portugal a favor da Zona Franca da Madeira (ZFM) – Regime III, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º L217/49 de 28-08-2022.
[…]»
– (cf. documento constante da referência SITAF 006904336, a fls. 50 dos autos);
F) Em 10-04-2024, foi o ofício de citação entregue na caixa postal eletrónica da Reclamante – (cf. documento constante da referência SITAF 006904338, a fls. 57 dos autos);
G) Em 15-04-2024, no âmbito do processo de execução fiscal em causa nos autos, foi arguida a nulidade da citação através de requerimento, cujo teor se dá aqui por reproduzido e de que consta, além do mais, o seguinte:
«[…]
I – DA NULIDADE DA CITAÇÃO, POR PRETERIÇÃO DAS FORMALIDADES LEGAIS ESSENCIAIS
[…]
17. na mesma citação se afirma que, in casu, atendendo à natureza da dívida, a oposição nunca terá efeito suspensivo, e que não pode ser requerido o pagamento em prestações, em face das características da dívida (I)
18. Subtendendo-se, pois, que não pode ser constituída garantia nem concedida a sua dispensa.
[…]
26. O que a AT não pode é aplicar parcialmente um regime processual, com base em critérios que não se conhecem e sem indicação de base legal.
27. Não só vigora em Portugal um princípio da legalidade em matéria tributária, como de resto, jamais poderia ser aceite por um Estado de Direito que coubesse à administração fiscal a seleção de apenas partes da legislação de procedimento e processo, sem que sejam sequer conhecidas, de forma geral e abstrata, quais as normas aplicáveis.
[…]
32. Deste modo, verifica-se, in casu, uma nulidade insanável decorrente da falta de elementos legais essenciais da citação, como são:
[…]
33. nulidade que, nos termos do artigo 165.º, n.º 4 do mesmo diploma, é de conhecimento oficioso, podendo ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final,
34. pelo que se impõe a declaração da nulidade insanável, com a consequente anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, nos termos do disposto n.º 2 do artigo 165.º do CPPT), o que expressamente se requer para os devidos efeitos legais.
[…]
42. Assim sendo, não pode aplicar-se a legislação relativa ao procedimento de execução coerciva legalmente previsto para dívidas relativas a tributos, sem que as garantias dos contribuintes previstas nessa mesma legislação estejam asseguradas.
43. É que, ressalve-se, este não é o caso, por exemplo, da cobrança de taxas de portagem, cujas dívidas são cobradas pela AT, por determinação do artigo 17.º-A da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho,
44. já que in casu, não há lei habilitante.
45. É, assim, incontestável, que a defesa do executado está prejudicada pela ausência de indicação das garantias atribuídas pelo CPPT ao dispor da Requerente e que, aparentemente – e sem explicação – lhe estão a ser negadas, 46. pelo que, verificada a condição prevista no n.º 4 do artigo 191.º do CPC, deve a nulidade insuprível ser declarada, com todas as consequências legais.
[…]»
– (cf. documentos a fls. 32 a 48 da referência SITAF 006916690, a fls. 205 dos autos);
H) Em 08-05-2024, no âmbito do processo de execução fiscal em causa nos autos, a Reclamante elaborou requerimento de dispensa de prestação de garantia, que foi apresentado perante o órgão de execução fiscal – (cf. documento constante da referência SITAF 006914471, a fls. 113 dos autos);
I) Em 08-05-2024, no âmbito do processo de execução fiscal em causa nos autos, a Reclamante deduziu oposição à execução perante o Serviço de Finanças Oeiras 1 – (facto não controvertido – artigo 14.º da petição inicial);
J) Em 10-05-2024, no âmbito do processo de execução fiscal em causa nos autos, o órgão de execução fiscal entregou a oposição à execução deduzida pela Reclamante no Tribunal Tributário de Lisboa, que recebeu o número de processo 1110/24.4BELRS – (cf. documento a fls. 30 da referência SITAF 006916690, a fls. 205 dos autos);
K) Por despacho de 05-06-2024, foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia identificado na alínea anterior, com base em informação de que consta o seguinte:

«18. Consequentemente, tendo já expirado o prazo de recuperação de 8 meses estabelecido na decisão da comissão, afigura-se que qualquer pedido de dispensa de garantia solicitado pelo sujeito passivo, que implique a suspensão dos processos executivos, deverá ser recusada ou deve ser impedida a sua concessão oficiosa, nos casos em que tal esteja legalmente previsto.»
– (cf. documento constante da referência SITAF 006914472, a fls. 178 dos autos);
L) Por despacho de 05-06-2024, foi indeferida a arguição da nulidade da citação, com base em informação, cujo teor aqui se dá por reproduzido e de que consta, além do mais, o seguinte:
«V. ANÁLISE
Em face da decisão de recuperação dos auxílios ilegais proferida pela Comissão Europeia (Decisão (UE) 2022/1414 da Comissão de 4 de dezembro de 2020 relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C) (ex-2018/NN) aplicado por Portugal a favor da Zona Franca da Madeira (ZFM) — Regime III [notificada com o número C (2020) 8550]), recai sobre a República Portuguesa a obrigação de proceder à recuperação de tais auxílios, bem como dos respetivos juros, junto dos beneficiários dentro do prazo estipulado pela Comissão.
De acordo com o n.º 3 do artigo 16.º do Regulamento (UE) 2015/1589, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.º do TFUE - Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia “a recuperação será efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado-Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão”.
Ora, o artigo 5.º da Decisão (UE) 2022/1414 da Comissão, de 4 de dezembro de 2020, determina que “Portugal deve assegurar a execução da presente decisão no prazo de oito meses a contar da data da respetiva notificação”. O prazo de 8 meses indicado na decisão é, portanto, o prazo de recuperação estipulado pela Comissão.
Tal significa que os princípios estabelecidos no referido n.º 3 do artigo 16.º do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho (celeridade e eficácia) devem continuar a ser observados independentemente do prazo fixado pela Comissão se encontrar ultrapassado.
De realçar que a Constituição da República Portuguesa prevê que o direito da União Europeia é aplicável em Portugal nos termos definidos pelo próprio direito da União Europeia (artigo 8.º, n.º 4), o que inclui o primado do direito europeu de acordo com o que resulta da jurisprudência do TJUE - Tribunal de Justiça da União Europeia.
À luz dos princípios do primado do Direito da União e do efeito direto, as disposições do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho prevalecem sobre as disposições nacionais, sendo que, em consonância com o princípio da interpretação conforme ou compatível com o Direito da União, o intérprete e aplicador do direito nacional devem atribuir às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com o Direito da União.
Nestes termos, a questão que deve sempre ser colocada é se as disposições do direito interno, como, por exemplo, as constantes do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), permitem, ou não, a execução imediata e efetiva da decisão da Comissão.
Daí que, tendo em conta este princípio de recuperação imediata e efetiva dos auxílios que deve orientar a atuação dos Estados-Membros, se afigure que os mecanismos legalmente previstos e que possibilitam, por exemplo, o efeito suspensivo das reclamações graciosas ou da apresentação de impugnação quando for prestada garantia, não devem ser aplicáveis ao presente procedimento de recuperação.
[…]
Porém, pese embora esta possibilidade de utilização de meios alternativos, o ponto 126 da Comunicação da Comissão, estabelece expressamente que “Os diferimentos da recuperação ou os pagamentos em prestações após o prazo de recuperação implicariam que a obrigação de recuperação não é executada imediatamente e, por conseguinte, não são permitidos, mesmo que maximizem o retorno do Estado-Membro em causa.”.
VI. CONCLUSÃO
Saliente-se que, os deveres resultantes do primado do direito da União Europeia vinculam todas as entidades públicas, incluindo a AT e os órgãos jurisdicionais nacionais, pelo que, no caso concreto, o órgão da execução fiscal tem o dever de aplicar, fundamentadamente, a norma de direito da União Europeia seguindo interpretação da mesma que resulta da jurisprudência do TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia, afastando, independentemente do prazo de recuperação fixado pela Comissão se mostrar decorrido, a aplicação de toda e qualquer norma de direito nacional que colida com os princípios da celeridade e eficácia, o que inclui todo e qualquer fracionamento ou dilação temporal prevista nas normas nacionais.
Pelo que, face ao exposto na presente informação, afiguram-se sem fundamento as razões invocadas para a alegada nulidade da citação, pelo que deverá ser considerado que a citação foi validamente efetuada.
[…]»
– (cf. documento constante da referência SITAF 006904337, a fls. 51 dos autos);
M) Por correio registado de 24-06-2024, foi deduzida a presente reclamação, junto ao órgão de execução fiscal – (cf. documentos constantes da referência SITAF 006904335, a fls. 4 dos autos);
N) Em 25-06-2024, no âmbito do processo de execução fiscal em causa nos autos, o órgão de execução fiscal entregou a presente reclamação em tribunal – (cf. documento a fls. 60 da referência SITAF 006916690, a fls. 205 dos autos);
O) Em 04-07-2024, no âmbito do processo de execução fiscal em causa nos autos, o órgão de execução fiscal entregou a reclamação relativa ao pedido de dispensa de garantia, no presente Tribunal, que recebeu o número de processo 720/24.4BESNT – (cf. documento a fls. 60 da referência SITAF 006916690, a fls. 205 dos autos).”


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Inexistem outros factos provados ou não provados, com interesse para a decisão da causa.»


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não havendo indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e da posição assumida pelas partes nos articulados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.»


II.2 Do Direito

Notificada da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o despacho que, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3654202401061232, indeferiu o pedido de declaração da nulidade da citação dela veio recorrer para este TCAS.

O processo de execução fiscal em causa foi instaurado para cobrança coerciva de uma dívida de IRC, respeitante ao ano de 2013, apurada no processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira, tendo na sua origem a decisão (UE) 2022/1414 da Comissão Europeia de 2020.12.04, relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C) e a decisão de indeferimento reclamada, na sua essência, teve por base o entendimento de que o regime legal de suspensão da execução previsto no direito interno não se aplica por colidir com a natureza urgente do procedimento de recuperação dos auxílios ilegais previsto no direito comunitário Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho.

A sentença recorrida, acolheu este entendimento e julgou improcedente a reclamação judicial interposta da decisão de indeferimento.

É também contra este entendimento que vem interposto o presente recurso

Todavia, por ter procedência lógica sobre as demais, cumpre apreciar em primeiro lugar a questão de saber se deve ser ordenada a suspensão da instância para questionar o Tribunal de Justiça da União Europeia sobre se «o n.º 3 do artigo 16.º do Regulamento (EU) 2015/1589 do Conselho (que institui os princípios da celeridade e eficácia) deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação das normas internas (designadamente dos artigos 169.º, 170.º do CPPT e n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 52.º da LGT), previstas no CPPT, que permitem a suspensão dos processos de execução fiscal, por via da sua dispensa da prestação da garantia, em processos cujas dívidas exequendas consistem nos auxílios de Estado cuja recuperação foi ordenada pela Comissão Europeia através da Decisão (EU) 2022/1414, da Comissão de 4 de Dezembro de 2020»

A questão não é nova e sobre ela já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente nos acórdãos proferidos em 2024.09.11 proferidos nos processos nº 0117/24.6BEFUN, 148/24.6BEFUN e 0221/24.0BEFUN e de 2 e 23 de outubro de 2024, nos processos nº 0150/24.8BEFUN, 0278/24.4BEFUN, 0244/24.0BEFUN, 0118/24.4BEFUN e 0179/24.6BEFUN, todos disponíveis em www.dgsi.pt, e também este TCAS, nomeadamente no processo nº 133/24.8BEFUN e 136/24.2BEFUN que relatamos, no sentido de que seria de suspender a instância respetiva, nos termos do preceituado nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil por ter sido formulado no âmbito do processo nº 299/24.7BEFUN pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia para apreciação de questão idêntica e que o mesmo foi ali recebido e que lhe foi atribuído o n.º C-545/24.

Aderindo, sem reservas à fundamentação vertida nos citados acórdãos, do processo nº 148/24.6BEFUN transcrevemos:

(…)
3.2.5. Cumpre, então, agora, decidir. E, neste sentido, começamos por sublinhar que é de conhecimento oficial que estão pendentes neste Supremo Tribunal e no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal diversos processos cujos litígios tem por objecto a mesma questão de fundo que ora nos cumpre decidir. Sendo que, conforme informação prestada e documentalmente comprovada neste (e noutros processos), no âmbito do processo n.º 299/24.7BEFUN foi formulado ao TJUE pedido de reenvio prejudicial. O qual, segundo também documento constante dos autos, foi aí recebido, tendo-lhe sido atribuído o n.º C-545/24.
Ora, como se disse no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Novembro de 2006, no processo n.º 1216/05 (integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt ), «Tendo sido suscitada no processo uma questão essencial, relativamente à qual em outro processo se haja decidido o reenvio prejudicial para o TJUE, não faz sentido um segundo reenvio em relação a essa questão essencialmente idêntica. (…) justifica-se que, ao abrigo do disposto nos artigos 276.º, n.º 1, alínea c), e 279.º, n.º 1, ambos do CPC, seja declarada a suspensão da instância, até proferimento da pertinente pronúncia por esse Tribunal de Justiça.».
3.2.6. Assim, tendo em consideração a identidade da questão de mérito colocada em todos os processos mencionados e o pedido de reenvio prejudicial formulado, entende-se que é, por ora, e pelo menos até que o TJUE profira despacho de admissão do reenvio prejudicial que lhe foi submetido, de suspender a presente instância, nos termos do preceituado nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Este entendimento é inteiramente transponível para os presentes autos e é assim de suspender a presente instância pelo menos até que o TJUE profira despacho de admissão do reenvio prejudicial que lhe foi submetido.


Sumário/Conclusões:

Tendo sido suscitada no processo uma questão, relativamente à qual em outro processo se haja decidido o reenvio prejudicial para o TJUE, justifica-se que, ao abrigo do disposto nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, ambos do CPC, seja declarada a suspensão da instância, até admissão desse reenvio ou, admitido, proferida pronúncia por esse Tribunal de Justiça.


III – Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul, em suspender esta instância de recurso, até que esteja decidida pelo TJUE a admissibilidade do reenvio ou julgado de mérito o reenvio prejudicial que lhe foi enviado no âmbito do processo n.º 299/24.7BEFUN.

Notifique as partes e o Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCAS da presente decisão, mais se determina ao tribunal a quo que nos seja dado conhecimento de todas as comunicações que a partir da presente data lhe sejam realizadas pelo TJUE no âmbito do processo n.º 299/24.7BEFUN

Lisboa, 26 de junho de 2025

Susana Barreto

Lurdes Toscano

Luísa Soares