Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:240/13.2BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:03/23/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DEFINIÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL.
PRAZO DE PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DAS CONTRIBUIÇÕES, OU QUOTIZAÇÕES, PARA A SEGURANÇA SOCIAL.
SITUAÇÃO DE AUTOLIQUIDAÇÃO (CFR.ARTº.131, DO C.P.P.T.).
NÃO EXISTÊNCIA DE ACTO ADMINISTRATIVO OU TRIBUTÁRIO PRÉVIO, DEFINIDOR DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA.
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL COM FUNDAMENTO NA INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA IMPROCEDE.
QUESTÕES NOVAS.
Sumário:1. As contribuições para a segurança social podem definir-se, actualmente, como prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, assim se configurando como verdadeiros impostos, afectas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas activas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de protecção social. O montante das contribuições (da entidade empregadora em relação aos trabalhadores por conta de outrem) e quotizações (dos trabalhadores por conta de outrem) é determinado de acordo com a incidência da taxa contributiva na remuneração auferida pelo trabalhador, pertencendo a responsabilidade do seu pagamento à entidade empregadora, enquanto substituto tributário.
2. O prazo de pagamento voluntário das contribuições, ou quotizações, para a segurança social terminava no dia quinze do mês seguinte àquele a que diziam respeito (cfr.artº.18, do dec.lei 140-D/86, de 14/6; artº.10, nº.2, do dec.lei 199/99, de 8/6). Actualmente, esse prazo decorre entre o dia dez e o dia vinte do mês seguinte àquele a que dizem respeito (cfr.artº.43, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/9, e que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/2011).
3. No caso “sub judice” encontramo-nos perante situação de autoliquidação (cfr.artº.131, do C.P.P.T.) que não carece da prática de qualquer acto de liquidação pela entidade credora. Nestas situações, ultrapassado o prazo legal de pagamento, a entidade credora procede à extracção da certidão de dívida com vista à instauração da execução visando a cobrança coerciva da dívida de contribuições, assim não existindo um acto administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação tributária.
4. Pelo apontado motivo de inexistência de acto administrativo ou tributário prévio definidor da obrigação, não pode proceder a oposição à execução fiscal instaurada com fundamento na inexigibilidade por o executado não ter sido notificado da liquidação previamente à instauração da execução fiscal, tudo em sede de situações em que, de acordo com a lei, estamos perante autoliquidação de contribuições para a segurança social.
5. O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
L..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. do Funchal, exarada a fls.153 a 157 do presente processo que julgou totalmente improcedente a oposição intentada pelo recorrente, visando a execução fiscal nº...., a qual corre seus termos na Secção de Processo Executivo da Madeira da entidade recorrida, “Instituto da Segurança Social da Madeira, IP”, processo este no qual surge como executado o ora apelante e visando a cobrança de dívidas de contribuições para a segurança social referentes aos meses de Julho de 2010 a Outubro de 2011, no montante total de € 3.304,90.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.229 a 235 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso vem interposto da douta sentença de 19.06.2016, que julgou improcedente a oposição apresentada, por entender que o Instituto de Segurança Social da Madeira não estaria sujeito à prática de qualquer acto administrativo e/ou tributário previamente à instauração do processo de execução fiscal, mesmo no presente caso em que se verificou uma ausência absoluta de qualquer liquidação oficiosa e/ou autoliquidação;
2-O recorrente entende que o Tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do Direito aplicável ao caso concreto, na medida que fez tábua rasa do disposto no artigo 63.°, n.° 1, do Decreto Regulamentar n.°1-A/2011, de 3 de Janeiro, e nos artigos 36.°, n.° 1, do CPPT e 77.°, n.° 6, da LGT, violando, ainda, as normas constitucionais previstas no artigo 103.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e no artigo 6.°, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH);
3-Para além de que a douta decisão do Tribunal a quo se apresenta em manifesta contradição com a linha jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo, que vem sufragando a tese de que nos casos de liquidação oficiosa de contribuições para a Segurança Social, designadamente resultantes de acto inspectivo ou de incumprimento da obrigação de autoliquidação por banda do contribuinte, “(...) o cálculo das contribuições que Ihe correspondam (...), constitui um verdadeiro acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo (...) sujeito ao regime de notificação dos actos tributários nos termos do disposto nos artigos 36° n° 1 do CPPT e 77 n° 6 da L.G.T., devendo ser notificado ao contribuinte no prazo de caducidade de quatro anos previsto no artigo 45 da Lei Geral Tributária.”;
4-Pelo que, o objecto do presente recurso consiste em saber se também no presente caso, em que o contribuinte (ora recorrente) não tem qualquer obrigação legal de autoliquidação contributiva, estaria ou não o Instituto de Segurança Social da Madeira obrigado a prática de um acto administrativo e/ou tributário para fixação e/ou liquidação oficiosa do montante das contribuições, previamente a instauração e citação para o processo de execução fiscal;
5-Ora, o recorrente conforma-se com a matéria de facto que foi fixada pelo Tribunal a quo;
6-Desde logo por que está assente e cristalino nos autos que o recorrente não autoliquidou nenhuma contribuição para a Segurança Social, por nunca ter sido notificado de qualquer acto administrativo e/ou tributário prévio e por entender que continuava isento de contribuições;
7-Assim como o Instituto de Segurança Social da Madeira também não liquidou quaisquer contribuições, não notificou o recorrente de qualquer decisão fixação da base contributiva ou Iiquidação, nem o notificou para o exercício do direito do audição prévia relativamente a qualquer suposta Iiquidação oficiosa, tendo-se limitado a instaurar os autos de execução fiscal nº.... e a citar o recorrente para esses autos, sem sequer fundamentar a quantia exequenda;
8-A citação foi, portanto, o primeiro e único acto do Instituto de Segurança Social da Madeira, com vista à Iiquidação e cobrança da quantia exequenda;
9-Donde se conclui que ninguém (nem o recorrente, nem o Instituto de Segurança Social) liquidou as supostas contribuições que constituem a quantia exequenda !
10-Porém, no caso dos autos - i.e., de um profissional liberal, pessoa singular - a Iiquidação das contribuições devidas à Segurança Social faz-se nos termos dos artigos 132.° e ss., do referido CRCSPSS, mais precisamente de acordo com o artigo 162°, n.° 3, do CRCSPSS, nos termos do qual: “O rendimento referido nos números anteriores (que constituirá, portanto, a base tributável) é apurado pela instituição de segurança social competente com base nos valores declarados pare efeitos fiscais.”;
11-Para o efeito, dispõe o artigo 63°, n.° 1, do Decreto Regulamentar n.° 1-A/2011, de 3 de Janeiro, que: “Para efeitos do cumprimento da obrigação contributiva, o rendimento relevante, a base de incidência e a taxa contributiva fixados oficiosamente são comunicados ao trabalhador independente.”;
12-O recorrente entende que a referida comunicação com a fixação oficiosa do rendimento relevante, da base de incidência e da taxa contributiva constituem o acto tributário de Iiquidação das contribuições dos trabalhadores por conta própria, cabendo-Ihes efectuar o pagamento mensal das contribuições que tiverem sido previamente fixadas/liquidadas pelo Instituto de Segurança Social;
13-Todavia, como resulta da factualidade assente nos autos, o recorrente nunca foi notificado de qualquer acto de fixação oficiosa do seu rendimento relevante, da base de incidência e da taxa contributiva, razão pela qual considera inexigível a quantia exequenda nos presentes autos;
14-Com efeito, a posição jurisprudencial firmada pelo Acórdão do Pleno, do Supremo Tribunal Administrativo no douto Acórdão de 26.02.2014, no processo n. 01481/13, esclarece que as contribuições para a Segurança Social - tal como é o caso dos presentes autos - são consideradas impostos ou pelo menos equiparadas a impostos;
15-Como tal, a sua liquidação e cobrança deve ser feita nos termos da lei, como prescreve o artigo 103, nº.3, da CRP;
16-Sendo que, no caso concreto, deve ser feita nos termos do artigo 162.°, do CRCSPSS e do artigo 63.°, nº. 1, do Decreto Regulamentar 1-A/2011, de 3 do Janeiro, com respeito ao disposto no artigo 36, do CPPT e no artigo 77, n.° 6, da LGT;
17-Para estes casos em que não existe qualquer autoliquidação prévia da entidade empregadora, nem apresentação das denominadas "declarações de remunerações” remete-se para o conteúdo do douto Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.02.2014, proferido no Processo n. 01481/13, publicado em www.dgsi.pt;
18-O recorrente entende, pois, que o acto oficioso de fixação do rendimento relevante, da base de incidência e da taxa contributiva, constituirá o denominado acto tributário de liquidação cuja notificação prévia se impunha, antes da instauração da execução;
19-Tal notificação prévia, para além de ser obrigatória, tem ainda a virtualidade de possibilitar ao contribuinte o exercício do seu direito de reclamação e/ou impugnação;
20-Pelo que, perante tal omissão, devia o Tribunal a quo ter julgado a oposição procedente, declarando a inexigibilidade da quantia exequenda nos presentes autos, tal como foi suscitado em sede de oposição e uma vez que o Instituto da Segurança Social da Madeira não notificou o recorrente de qualquer acto tributário ou administrativo conducente à liquidação da quantia exequenda, antes da instauração da execução;
21-Para além de que o Tribunal a quo podia e devida, ainda, ter reconhecido a caducidade do direito à liquidação de tais contribuições uma vez que, até à data da prolação da douta sentença, o Instituto de Segurança Social da Madeira não havia notificado o ora recorrente de qualquer liquidação, conforme previsto no artigo 45. da LGT;
22-De outro modo, o recorrente (e todos os trabalhadores por conta própria) depara-se com a necessidade de efectuar o pagamento coercivo da quantia exequenda, sem conhecer a fundamentação das contribuições que lhe estão a ser exigidas (i.e., base de incidência e taxa contributiva) e sem que lhe sobrem quaisquer meios legais de reacção contra a ilegalidade da quantia exequenda;
23-Tudo isto consubstanciando uma clara violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto com toda a sua força apodíctica no artigo 20, da CRP e no artigo 6, da CEDH;
24-Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e proferindo-se douta decisão que reconheça a inexigibilidade da quantia exequenda ao ora recorrente, com os demais efeitos legais.
X
A entidade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.237 a 244 dos autos), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
1-Em 11/05/2007, o recorrente requereu ao Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM a sua inscrição como trabalhador independente, optando pelo esquema de protecção obrigatório e escolhendo o 1º. escalão de remuneração (1.5 SMR);
2-Na sequência de um contrato de trabalho celebrado com a Universidade da Madeira, o recorrente beneficiou de um período de isenção de pagamento de contribuições, por se encontrar a exercer actividade por conta de outrem, abrangida por regime obrigatório de protecção social, e ter remuneração mensal igual ou superior ao valor da retribuição mínima regional;
3-A 30.06.2010, o contribuinte informou a Segurança Social o termo do contrato de trabalho com a Universidade da Madeira, cessando a condição de isenção e ficando deste modo obrigado a retornar o pagamento das contribuições como trabalhador independente a partir de Julho de 2010, conforme decorre do artº. 46° do Decreto-lei n.° 328/93, de 25 de Setembro;
4-Em 30/04/2013, o oponente foi citado de que foi instaurado o processo de execução fiscal n. ..., para pagamento da quantia exequenda de € 2.819,62 e acrescidos de € 485,28, no total de € 3.304,90;
5-A legislação aplicável aos trabalhadores independentes à data em que o contribuinte se inscreveu na segurança social era o Decreto-lei n. 328/93, de 25 de Setembro;
6-O Decreto-lei n.° 328/93, de 25 de Setembro, que então estabelecia o regime geral de segurança social dos trabalhadores independentes, entretanto revogado pela Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2011, Código Contributivo, não prevê qualquer prazo de liquidação para as contribuições, pelo que a LGT, como lei geral, não pode derrogar lei especial, não se aplicando o respetivo n.°1 do art.°. 45;
7-Pelo que as dívidas de contribuições à Segurança Social e, neste caso concreto, dívida de contribuições de trabalhador independente e juros de mora, não carecem de qualquer ato prévio de liquidação;
8-Nem, por outro lado, o ISSM, IP-RAM procedeu a qualquer liquidação oficiosa resultante de acto inspectivo ou de incumprimento da obrigação de autoliquidação por banda do contribuinte;
9-Sendo que, no caso em concreto, o recorrente cumpriu, conforme lhe era legalmente exigido, com a obrigação de se inscrever e optar por um regime e escalão contributivo, competindo-lhe igualmente proceder à liquidação dos montantes a pagar à segurança social a título de contribuições de trabalhador independente, ao aplicar a taxa legal escolhida à remuneração convencional;
10-Não estando, consequentemente, o ISSM, IP-RAM obrigado à prática de qualquer acto administrativo e/ou tributário prévio para fixação e/ou liquidação oficiosa do montante das contribuições de trabalhador independente, previamente à instauração e citação do contribuinte para o processo de execução fiscal;
11-Deste modo, não pode deixar de se concluir que não existe caducidade da quantia exequenda nos presentes autos, sendo a mesma exigível, em conformidade com o que foi decidido pelo Tribunal a quo, devendo-se confirmar a sentença recorrida, que julgou improcedente a oposição apresentada pelo contribuinte L..., por entender que, perante os factos provados, não estaria o Instituto de Segurança Social da Madeira sujeito à prática de qualquer acto administrativo e/ou tributário previamente à instauração do processo de execução fiscal.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.259 a 261 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.154 e 155 dos autos):
1-Reportado ao dia 10/01/2006, o oponente, L..., com o n.i.f. …, declarou o início da actividade de comissionista, como trabalhador independente, nos serviços do Centro de Segurança Social da Madeira (cfr.documento junto a fls.46 e 47 dos presentes autos);
2-Na declaração identificada no nº.1, o opoente requereu ao Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM a sua inscrição como trabalhador independente, para exercer a actividade profissional de comissionista, optando pelo esquema de protecção obrigatório e escolhendo o 1º. escalão de remuneração/1,5 x SMR (cfr.documento junto a fls.46 e 47 dos presentes autos);
3-Em 11/07/2007, o oponente requereu ao Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM a sua inscrição como trabalhador por conta de outrem, na Universidade da Madeira, como técnico superior, com uma remuneração ilíquida de € 1.325,68, com início da prestação de trabalho em 1/07/2007 (cfr.documentos juntos a fls.64 a 66 dos presentes autos);
4- Em 19/07/2007, o oponente requereu no Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM, a isenção de pagamento de contribuições, por se encontrar a exercer actividade por conta de outrem, abrangida pelo regime obrigatório da protecção social e ter remuneração mensal igual ou superior ao valor da retribuição mínima regional (cfr.documento junto a fls.62 e 63 dos presentes autos);
5-O requerimento mencionado no nº.4 foi deferido por despacho de 24/09/2007, com efeitos a 2007/08 (cfr.documentos juntos a fls.61 a 63 dos presentes autos);
6-Em 30/06/2010 o contrato do oponente com a Universidade da Madeira cessou, tendo este apresentado ao Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM declaração de situação de desemprego (cfr.documento junto a fls.69 e 70 dos presentes autos);
7-Em 30/04/2013, o oponente foi citado de que foi instaurado o processo de execução fiscal nº...., o qual corre seus termos na Secção de Processo Executivo da Madeira, da entidade recorrida, “Instituto da Segurança Social da Madeira, IP”, visando o pagamento da quantia exequenda de € 2.819,62 e acrescidos de € 485,28, no total de € 3.304,90, relativo a contribuições para a segurança social referentes aos meses de Julho de 2010 a Outubro de 2011 de trabalhador independente (cfr.documentos juntos a fls.1 a 4 do processo de execução fiscal apenso; documentos juntos a fls.14 e 15 dos presentes autos);
8-No ano de 2009, o oponente declarou em sede de IRS, nos rendimentos da Categoria B, outras prestações de serviços e outros rendimentos (inclui mais-valias) um rendimento ilíquido de € 2.225,62 (cfr.documento junto a fls.16 a 18 dos presentes autos);
9-No ano de 2010, o oponente declarou em sede de IRS, nos rendimentos da Categoria B, outras prestações de serviços e outros rendimentos (inclui mais-valias) um rendimento ilíquido de € 3.043,62 (cfr.documento junto a fls.19 a 21 dos presentes autos);
10-No ano de 2011, o oponente declarou em sede de IRS, nos rendimentos da Categoria B, outras prestações de serviços e outros rendimentos (inclui mais-valias) um rendimento ilíquido de € 3.353,02 (cfr.documento junto a fls.22 a 23 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos alegados relevantes pra a decisão da causa a dar como não provados.
Consigna-se que não se tomou em consideração a demais matéria alegada por esta integrar factos inócuos para a decisão da causa ou não integrar factos mas antes meras conclusões, juízos de direito e considerações subjectivas…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A matéria de facto dada como assente nos presentes autos foi a considerada relevante pare a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito.
O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, pela análise crítica efectuada dos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal, os quais não foram impugnados pelas partes, conjugados com os depoimentos prestados pelas testemunhas A…, jurista, a desempenhar funções como Directora da Secção do Processo Executivo no Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM e P…, a qual reside com o oponente em união de facto…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso este Tribunal julga provada a seguinte matéria de facto que se reputa igualmente relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
11-Em 14/5/2013, o opoente/recorrente requereu junto do Instituto de Segurança Social da Madeira a isenção do pagamento de contribuições para a segurança social relativamente aos anos de 2010 e 2011, mais fundamentando tal pedido no facto do seu rendimento anual relevante não ultrapassar seis vezes o indexante de apoios sociais/IAS (cfr.documento junto a fls.72 e 73 dos presentes autos);
12-O pedido de isenção identificado no nº.11 foi indeferido por despacho de 16/05/2013, dado que nos anos de 2010 e 2011 o opoente/recorrente teve rendimentos ilíquidos superiores a seis vezes o IAS, assim sendo exigíveis as contribuições respectivas em sede de regime dos trabalhadores independentes, tudo nos termos do artº.6, nº.1, al.a), do dec.lei 328/93, de 25/9 (cfr.documento junto a fls.92 dos presentes autos).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a oposição que originou o presente processo, mais tendo absolvido do pedido a entidade exequente e ora recorrida.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente alega, em síntese, que nunca foi notificado de qualquer acto de fixação oficiosa do seu rendimento relevante, da base de incidência e da taxa contributiva, razão pela qual considera inexigível a quantia exequenda, mais não tendo qualquer obrigação legal de autoliquidação contributiva. Que devia o Tribunal “a quo” ter julgado a oposição procedente, declarando a inexigibilidade da quantia exequenda nos presentes autos, tal como foi suscitado em sede de oposição e uma vez que o Instituto da Segurança Social da Madeira não notificou o recorrente de qualquer acto tributário ou administrativo conducente à liquidação da quantia exequenda, antes da instauração da execução. Que se deve reconhecer a caducidade do direito à liquidação das contribuições que constituem a dívida exequenda, uma vez que, até à data da prolação da sentença pelo Tribunal “a quo”, o Instituto de Segurança Social da Madeira não havia notificado o ora recorrente de qualquer liquidação, conforme previsto no artº.45, da L.G.T. Que o Tribunal “a quo” produziu uma incorrecta aplicação do direito aplicável ao caso concreto, na medida que fez tábua rasa do disposto no artº.63, nº.1, do Decreto Regulamentar 1-A/2011, de 3/1, nos artºs.36, nº.1, do C.P.P.T., e 77, nº.6, da L.G.T., violando, igualmente, as normas constitucionais previstas nos artºs.20 e 103, nº.3, da C.R.P., e no artº.6, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem/CEDH (cfr.conclusões 1 a 23 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
As contribuições para a segurança social podem definir-se, actualmente, como prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, afectas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas activas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de protecção social (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5760/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/05/2015, proc.5665/12; Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social, Natureza, Aspectos de Regime e de Técnica e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº.12, 2010, pág.81 e seg.).
Mais se dirá que o prazo de pagamento voluntário das contribuições, ou quotizações, para a segurança social terminava no dia quinze do mês seguinte àquele a que diziam respeito (cfr.artº.18, do dec.lei 140-D/86, de 14/6; artº.10, nº.2, do dec.lei 199/99, de 8/6). Actualmente, esse prazo decorre entre o dia dez e o dia vinte do mês seguinte àquele a que dizem respeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2013, proc.4416/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/05/2015, proc.5665/12; artº.43, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/9, e que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/2011).
Ainda, as contribuições/quotizações para a segurança social devem considerar-se verdadeiros impostos (cfr.Nazaré da Costa Cabral, ob.cit., pág.83; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/2/2011, proc.4395/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5760/12).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da factualidade provada (cfr.nºs.1, 2 e 9 a 12 do probatório), deve concluir-se, com o Tribunal “a quo”, que nos encontramos perante situação de autoliquidação (cfr.artº.131, do C.P.P.T. - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/10/2011, proc.3520/09) que não carece da prática de qualquer acto de liquidação pela entidade credora. Nestas situações, ultrapassado o prazo legal de pagamento, a entidade credora procede à extracção da certidão de dívida com vista à instauração da execução visando a cobrança coerciva da dívida de contribuições, assim não existindo um acto administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação tributária (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 26/2/2014, rec.1481/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.496 e seg.).
Concretizando, sendo o próprio opoente/recorrente a dar impulso ao procedimento administrativo de inscrição na segurança social, enquanto profissional independente, mais sendo o respectivo enquadramento e opção de descontos da sua iniciativa, tendo cessado a situação de isenção a partir de Julho de 2010, volta a estar obrigado ao pagamento das contribuições conforme decorre do artº.158, nº.2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/9. A específica obrigação de pagamento das contribuições, enquanto profissional independente, resultava, quer do disposto no artº.33, do dec.lei 328/93, de 25/9, quer do disposto no citado artº.158, nº.2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
Mais se dirá que, conforme resulta da factualidade aditada ao probatório (nºs.11 e 12 supra), não gozava o opoente/recorrente da possibilidade legal de pedir a isenção de pagamento das contribuições para os anos de 2010 e 2011, dado ter declarado rendimentos ilíquidos de categoria B do I.R.S., auferidos enquanto profissional independente, superiores a seis vezes o indexante de apoios sociais/IAS, fixado para o ano de 2010 em € 419,22 (cfr.nºs.9 e 10 do probatório).
Em conclusão, pelo apontado motivo de inexistência de acto administrativo ou tributário prévio definidor da obrigação, não pode proceder a oposição à execução fiscal instaurada com fundamento na inexigibilidade por o executado não ter sido notificado da liquidação previamente à instauração da execução fiscal, tudo em sede de situações em que, de acordo com a lei, estamos perante autoliquidação de contribuições para a segurança social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/6/2012, rec.443/12).
Alega, igualmente, o recorrente que se devia ter declarado a caducidade do direito à liquidação das contribuições que constituem a dívida exequenda.
A questão sob apreciação não foi invocada no articulado inicial da presente oposição em 1ª. Instância. Na verdade, não se alcança do exame da petição inicial (cfr.fls.2 a 13 dos autos) que a matéria vertida nas conclusões que se deixaram expostas (a invocada caducidade do direito à liquidação das contribuições que constituem a dívida exequenda) haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal “a quo”, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada. Igualmente, não sendo matéria de conhecimento oficioso.
É que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/8/2012, proc.5857/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 9/7/2013, proc.6817/13). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.264, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.578, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P. Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
Concluindo, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dele se não conhece.
Por último, defende o apelante que o Tribunal “a quo” produziu uma incorrecta aplicação do direito aplicável ao caso concreto, na medida que fez tabua rasa do disposto no artº.63, nº.1, do Decreto Regulamentar 1-A/2011, de 3/1, nos artºs.36, nº.1, do C.P.P.T., e 77, nº.6, da L.G.T., violando, igualmente, as normas constitucionais previstas nos artºs.20 e 103, nº.3, da C.R.P., e no artº.6, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem/CEDH.
Não consubstancia o recorrente em que grau é que a decisão recorrida violou as normas constitucionais, convencionais e legais supra identificadas, sendo que este Tribunal igualmente não vislumbra tais violações, assim sendo de rejeitar este esteio do recurso.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 23 de Março de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)