Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 497/25.6BELRA |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/30/2025 |
| Relator: | ISABEL VAZ FERNANDES |
| Descritores: | EXECUÇÃO FISCAL PRESCRIÇÃO CONTAGEM CITAÇÃO REINÍCIO. |
| Sumário: | I – A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do artigo 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do artigo 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do artigo 327.º do CC). II - O processo que importa estar findo para que se equacione o reinício da contagem do prazo prescricional é o processo de execução fiscal e não o de oposição. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO A Fazenda Pública veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em 09 de junho de 2025, que julgou parcialmente procedente a reclamação intentada por M... e A... contra o indeferimento do pedido de prescrição de dívida bem como a anulação dos processos executivos n.ºs 2127200801033425 e 2127202001011537, através de oficio n° 0359-c, de 2025.04.16 do órgão de execução fiscal. B) Resumidamente concluiu bem o Tribunal que, tendo o prazo de prescrição sido interrompido com a citação dos Reclamantes, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas. C) No entanto, considerou o douto tribunal, que sobre o sobredito processo de execução fiscal já havia recaído decisão judicial, confirmada por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que colocou fim ao processo, notificado em 4 de Novembro de 2016, tendo essa decisão por efeito o reinício da contagem do prazo prescricional de oito anos a partir de tal data. D) Em consequência desse entendimento, foi, a final, julgada parcialmente procedente a reclamação judicial e, em consequência, declaradas prescritas as dívidas referentes ao processo de execução fiscal n.º 2127200801033425; E) Não podemos deixar de dissentir da decisão proferida, pelas razões que sustentam o presente recurso; F) Ora efetivamente, os ora reclamantes vieram, ao abrigo do disposto no art. 276º e seguintes do CPPT, apresentar reclamação do não reconhecimento da prescrição das dividas em execução fiscal, no entanto por sentença proferida em 06-05-2016 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, as dívidas foram consideradas como não prescritas, tendo a mesma decisão sido confirmada por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de julho de 2016; G) Aqui chegados, não poderá a Fazenda Pública acompanhar o entendimento sufragado pelo tribunal a quo, que considerou que a sobredita decisão teve por efeito o reinício da contagem do prazo prescricional de oito anos a partir de tal data. H) Em suma, o ato interruptivo da citação tem efeito duradouro, sendo que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo, a que deve ser equiparada a declaração em falhas. I) Uma decisão que ponha termo ao processo, segundo o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), será aquela que determina a extinção da execução fiscal ou que reconheça a prescrição da dívida. J) A que, como vimos, deve ser equiparada a declaração em falhas. K) Nos presentes autos não ocorreu qualquer decisão que tenha determinado a extinção da execução ou tenha reconhecida a prescrição da dívida, antes pelo contrário, tivemos uma decisão de não reconhecimento da prescrição, que, salvo melhor opinião, não deverá ter por efeito o reinício da contagem do prazo prescricional; L) Logo, em face do exposto, considerando, o efeito duradouro da interrupção do prazo prescricional, advindo da citação dos executados, não pode proceder o pedido de reconhecimento da prescrição, visto que ainda não se encontra esgotado o prazo previsto no artigo 48 n.º 1 da LGT. M) Entende-se, por isso, que também aqui o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, N) Por tudo o exposto, deverá então ser revogada a sentença recorrida, e julgada improcedente a presente reclamação judicial. Nestes termos e nos restantes de Direito que o distinto Tribunal entender por bem suprir, advoga a Representação da Fazenda Pública a procedência do presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação da sentença do Tribunal a quo, com o que V. Exas. farão a almejada Justiça!» * Os Recorridos, apresentaram contra-alegações nos seguintes termos: «1) Os Recorridos apresentaram reclamação do Indeferimento do Pedido de Prescrição das dívidas exequendas, alegando o que acima se transcreveu; 2) Notificada para o efeito a Reclamada, apresentou resposta alegando o que consta de fls.; 3) Por Sentença de fls. foi decidido o acima transcrito; 4) Não se conformando com a Sentença de fls., a Reclamada/Recorrente apresentou recurso para o Venerando Tribunal alegando que erro de julgamento; 5) Não assiste razão à Recorrente quanto ao invocado erro de julgamento pelo douto Tribunal; 6) O douto Tribunal aplicou e interpretou corretamente as normas aplicáveis ao caso em concreto; 7) Bem andou a Meritíssima Juiz ao decidir como decidiu; 8) Conforme decidido e fundamentado na douta Sentença já ocorreu a prescrição da dívida; 9) Não houve incorreta aplicação do direito ao caso em discussão nos presentes autos; 10) A decisão proferida baseou-se na prova documental junta aos autos; 11) Pelo que bem andou a Meritíssima Juiz ao decidir como decidiu; 12) Falece os argumentos alegados pela Reclamada, visto que os mesmos carecem de fundamento legal; 13) A decisão proferida obedece a todos os requisitos legais impostos, estando a mesma clarificada e fundamentada na Sentença de fls., não padecendo a mesma de quaisquer vícios que lhe são imputados pela Recorrente; 14) O recurso apresentado pela Recorrente não merece provimento, uma vez que a Meritíssima Juiz a “quo” interpretou bem as normas aplicáveis ao caso concreto, tendo em conta a prova documental junta aos autos; 15) Sendo certo que a Sentença recorrida não viola as disposições legais que a Recorrente invoca nas suas alegações; 16) E sendo certo que a convicção da Meritíssima Juiz a quo se formou com base em todo o suporte documental junto aos autos; 17) Face a todos os motivos supra explanados, deve a Sentença ora recorrida manter-se na íntegra, requerendo-se assim a prolação de Acórdão que determine a improcedência do recurso interposto, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes. Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve Sentença recorrida manter-se na íntegra, requerendo-se assim a prolação de Acórdão que determine a improcedência do recurso interposto pelo Réu/Recorrente, com todas as consequências daí resultantes, fazendo-se a costumada: JUSTIÇA.» * O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.* Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão. * - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «De acordo com a prova documental constante dos autos, com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados, os seguintes factos: A) Em 24 de Junho de 2008 foi instaurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, contra os Reclamantes, o processo de execução fiscal n.º 2127200801033425, por dívidas de I.R.S. dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 no valor de € 663.375,74, com data de pagamento voluntário até 2 de Junho de 2008. (Cfr. certidões de dívida a fls. 29 a 36 dos autos) B) Por ofício datado de 24 de Junho de 2008, o Serviço de Finanças de Ourém remeteu ao Reclamante M... comunicação denominada “citação” da qual consta o seguinte teor:
(Cfr. Aviso de Recepção assinado a fls. 39 dos autos) D) Por ofício datado de 24 de Junho de 2008, o Serviço de Finanças de Ourém remeteu à Reclamante A... comunicação denominada “citação” da qual consta, nomeadamente, o seguinte teor: “(…)
(Cfr. documento a fls. 40 dos autos) E) Em 25 de Agosto de 2008 a Reclamante A... recebeu a comunicação constante na alínea anterior, mostrando-se o Aviso de Recepção assinado pela mesma. (Cfr. Aviso de Recepção assinado a fls. 39 dos autos) F) Em 15 de Fevereiro de 2020 a Autoridade Tributária e Aduaneira instaurou contra o Reclamante M... processo de execução fiscal n.º 2127202001011537, por dívidas de I.M.I. do ano de 2020, no valor de € 10,94, com prazo de pagamento voluntário até 31 de Janeiro de 2020. (Cfr. documento a fls. 161 e 162 dos autos) G) Por ofício datado de 25 de Fevereiro de 2020 o Serviço de Finanças de Ourém remeteu ao Reclamante M... comunicação denominada “citação postal” da qual consta o seguinte teor: “(…) “(texto integral no original; imagem)” (Cfr. documento a fls. 176 dos autos) H) Por sentença de 6 de Maio de 2016, proferida no âmbito do processo 352/16.0BELRA, foram as dívidas referentes ao processo de execução fiscal n.º 2127200801033425, consideradas não prescritas. (Cfr. sentença constante a fls. 80 a 89 dos autos) I) A sentença constante na alínea anterior foi confirmada por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Julho de 2016, notificada em 4 de Novembro de 2016. (Cfr. consulta SITAF)» * Factos não provados «1. O Reclamante M... recebeu a comunicação constante na alínea G) do probatório. * Motivação da decisão de facto «A decisão sobre a matéria de facto realizou-se com base na análise do teor dos documentos constantes nos autos, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como da consulta ao SITAF. O facto constante no n.º 1 dos factos não provados foi assim considerado, em virtude de não existir meio de prova junto aos autos que demonstre o mesmo.» * - De Direito Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto do recurso que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao julgar parcialmente procedente a reclamação em virtude de ter considerado prescrita parte da dívida exequenda. Na óptica da Recorrente, o Acórdão proferido pelo STA mencionado na sentença recorrida, a que se refere a alínea I) da matéria de facto assente, não constitui decisão que ponha fim ao processo de execução fiscal, pelo que não há lugar ao reinício da contagem do prazo de prescrição. Refere que uma decisão que ponha termo ao processo, segundo o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), será aquela que determina a extinção da execução fiscal ou que reconheça a prescrição da dívida. Afirma que nos presentes autos não ocorreu qualquer decisão que tenha determinado a extinção da execução ou tenha reconhecida a prescrição da dívida. Termina pugnando pela revogação da sentença recorrida e improcedência da reclamação. Adiante-se que a Recorrente tem razão. Do probatório resulta que, no âmbito do processo nº352/16.0BELRA, em 8 de Julho de 2016, foi proferido Acórdão pelo STA que confirmou a sentença do TAF de Leiria que tinha considerado não prescritas as dívidas em cobrança coerciva no PEF nº 2127.2008/01033425. A sentença recorrida, a nosso ver, mal, entendeu que o referido Acórdão do STA colocou fim ao processo, para efeitos de contagem do prazo de prescrição, pelo que considerou ser de reiniciar o respectivo prazo a partir de então. Recuperemos o que se escreveu na sentença, a este propósito: “(…) verifica-se que sobre este processo de execução fiscal já recaiu decisão judicial, confirmada por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que colocou fim ao processo, notificado em 4 de Novembro de 2016, conforme resulta da alínea I) do probatório. Desta forma, em consonância com o já exposto, o prazo de prescrição de oito anos, interrompido com o acto de citação dos Reclamantes, reiniciou a sua contagem a partir de tal data. Transcorrendo o prazo prescricional de oito anos, desde Novembro de 2016, verifica-se que o mesmo chegou ao seu termo em Novembro de 2024, visto que nada nos autos permite concluir que tenha existido qualquer causa de suspensão ou de interrupção, ocorrida entre tais períodos temporais. Nestes termos, forçoso é concluir pela prescrição da dívida referente ao processo de execução fiscal n.º 2127200801033425.(…)” A sentença recorrida não se pode manter, já que considerou, erradamente, que o Acórdão do STA a que se refere a alínea I) da matéria de facto assente teria posto fim ao processo. Parece-nos que terá incorrido em alguma confusão de conceitos, uma vez que o processo que importa estar findo para que se equacione o reinício da contagem do prazo prescricional é o processo de execução fiscal e não o de oposição, como parece ter entendido a sentença. Por elucidativo, invocamos o Acórdão do STA, de 16/02/2022, proferido no âmbito do processo nº 1208/21.0BEBRBRG, onde se escreveu o seguinte: “(…) Sobre a questão decidenda neste apelo, importa consignar que a jurisprudência do STA, há muito, defende, esmagadoramente, que nos casos onde “o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas” ou, noutra formulação, “a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar” (ver, acórdão, do STA, de 2 de setembro de 2020 (705/19.2BELLE), com vasta indicação doutrinal e jurisprudencial; disponível em www.dgsi.pt). Em razão desta última, podemos, pois, assentar que a citação, enquanto causa interruptiva do instituto da prescrição, transversal a todo o tipo de dívidas (civis, tributárias – art. 49.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) - e equiparadas…), detém e opera com um duplo efeito; instantâneo (interrompe, no sentido de que faz parar a contagem e inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente) e, por outro lado, duradouro (não deixa começar a correr novo prazo de prescrição até ao termo do processo, v.g., em que decorra a cobrança coerciva da dívida). Posto isto, conferido que, in casu, a sentença recorrida apreciou e decidiu (concluindo pela não prescrição), a matéria da, invocada, prescrição de dívida (exequenda), cujo pagamento é exigido ao, aqui, rte, em conformidade com a coligida jurisprudência, só podemos acolher o respetivo julgamento, tanto mais, como, igualmente, se justificou e assumiu, no supra identificado aresto, que o reconhecimento do, dito, efeito duradouro da citação “não viola os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas nem as garantias dos contribuintes” (Cf., ainda, acórdãos do Tribunal Constitucional (TC) de 26 de setembro de 2012 (890/2011), de 7 de janeiro de 2014 (905/2012) e de 12 de fevereiro de 2015 (179/2013)..)(…)” Assim sendo, por não ter sido proferida qualquer decisão que pusesse fim ao processo de execução fiscal nº 2127.2008/01033425, não há que reiniciar a contagem do prazo de prescrição, pelo que as dívidas não estão prescritas, contrariamente ao decidido. Assim, merece provimento o recurso, pelo que será de revogar a sentença e considerar improcedente a reclamação também quanto ao processo de execução fiscal nº 2127.2008/01033425. * III- Decisão Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a reclamação. Custas pelos Recorridos. Registe e notifique. Lisboa, 30 de Setembro de 2025 (Isabel Vaz Fernandes) (Susana Barreto) (Luísa Soares) |