Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1129/21.7 BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:03/17/2022
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
CONTRAINTERESSADO
ADJUDICATÁRIO
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO
NULIDADE CITAÇÃO
DIREITO À PROVA
Sumário:I - A não citação do réu implica a nulidade do processado posterior – cfr. art. 187.º do CPC, ex vi art.s 1.º e 23.º, do CPTA -, desde que a falta não se encontre sanada;
II - Há falta de citação nas situações descritas nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 188.º CPC, designadamente, «Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável» -cfr. respetiva alínea e).
III - No caso em apreço a Recorrente alega que não chegou a ter conhecimento do ato (da ação) por facto que não lhe foi imputável - cfr. citado art. 188º, nº 1, alínea e), CPC -, tendo requerido a produção de prova, designadamente testemunhal, para o efeito;
IV - Por ter prescindido dos meios de prova requeridos pela Recorrente, a despacho recorrido não pode manter-se, muito particularmente, por violação do princípio da proibição de indefesa que decorre do art. 20.º da CRP;
V - A falta de citação do contrainteressado adjudicatário, numa ação de contencioso pré-contratual que visa a anulação, entre outros, do ato de adjudicação, não pode deixar de significar a preterição do litisconsórcio necessário passivo – cfr. disposições conjugadas dos art.ºs 78.º, n.º 2, al. f), 87.º, n.º 1, al. a), 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 1, al. f), e art. 102.º, do CPTA –, pois que o resultado a que o despacho recorrido chega – da irrelevância da falta de citação do contrainteressado adjudicatário, numa ação de anulação do ato de adjudicação e do contrato, que foi, entretanto, celebrado - é, para este tribunal de recurso, um resultado inadmissível.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:D/

Admite-se a junção do documento de fls. fls. 2938 e ss., ref SITAF - comprovativo do visto prévio emitido pelo Tribunal de Contas, em 06.10.2021, no âmbito do Processo nº 1… -, ao abrigo do art. 651.º do CPC, ex vi art.s 1.º e 140.º, do CPTA, e devidamente ponderados que foram os fundamentos invocados pelo Recorrente Município de Leiria.
*

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Município de Leiria, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 19.10.2021, que julgou procedente a ação de contencioso pré-contratual interposta por T…, S.A., assim decidindo pela anulação do ato de adjudicação da empreitada de construção do Pavilhão Desportivo e Centro Escolar de Marrazes à contrainteressada N…, S.A., exclusão da sua proposta e consequente anulação do contrato celebrado entre si e o Município Recorrente, assim como a exclusão da proposta da Contrainteressada E…, mais condenando o Município Recorrente a adjudicar a empreitada em causa à concorrente T…, S.A.

Nas alegações de recurso que apresentou, o Recorrente culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 2856 e ss., ref. SITAF:

«(…)

1. Como se infere da douta Sentença recorrida (página 28/38), no presente recurso está em causa a análise e interpretação do documento exigido pelo artigo 10.º, n.º 1, alínea d), subalínea I) do Programa do Procedimento, o qual determinava que as propostas deveriam ser constituídas, entre outros, por um Plano de Trabalhos sob a forma de diagrama de barras, Plano de mão de obra e Plano de Equipamento.
2. Considerou incorretamente o Tribunal a quo que, “atento o disposto nos artigos 361º e 43º do CCP, o plano de trabalhos deve necessariamente referir-se a todas as espécies de trabalhos previstas.”

3. Não pode concordar-se com esta afirmação, atenta a interpretação que o Tribunal a quo faz da expressão “espécies de trabalhos”. A palavra “espécie” deriva do latim species, que significa "tipo" ou "aparência". “Espécie de trabalhos” de uma empreitada refere-se, pois, a um tipo geral e abstrato de trabalhos, e não a todos os trabalhos que integram, densificam ou detalham o Mapa de Quantidades.

4. A expressão “espécie de trabalhos” ínsita no artigo 361º-1 do CCP não postula a descrição de todos os trabalhos ou tarefas em que se desdobra a execução da obra, mas apenas o tipo, geral e abstrato, dos trabalhos a realizar.

5. Assente que não é preciso ser-se exaustivamente detalhado na enumeração dos trabalhos levados ao Plano de Trabalhos - não se exigindo, designadamente, a enumeração de cada uma das tarefas em que se decompõem os trabalhos - não pode acompanhar-se o decidido quando se afirma que o Plano de Trabalhos apresentado pela Contrainteressada N… “apenas parcialmente se encontra em conformidade com as regras que regulam a sua elaboração, uma vez que o plano não contém previsão de todas as espécies de trabalhos anunciadas no mapa de quantidades que integra o caderno de encargos patenteado a concurso”. 6. Ao ajuizar nestes termos, a Sentença incorreu em erro de julgamento.

7. A Contrainteressada N… indicou, para todos os pontos do Plano de Trabalhos, a respetiva duração, datas de início e datas de conclusão e, outrossim, as atividades predecessoras, como se documenta em 17º e 18º destas Alegações. Neste conspecto, só uma visão estrenuamente formalista permite afirmar que se verificam omissões no Plano de Trabalhos apresentado por aquela Contrainteressada.

8. As espécies de trabalho estão individualizadas, assinalando-se, para cada uma delas, a duração, a respetiva data de início e a data de conclusão e a(s) atividade(s) predecessora(s), permitindo-se, assim, à Entidade Demandada e à Fiscalização da obra um controle efetivo do ritmo e sequência da execução da obra.

9. Do mesmo modo, a Contrainteressada E… apresenta cada espécie de trabalhos, indicando a duração, as respetivas datas de início e conclusão, como se evidencia em 23º e 25º destas Alegações, de novo se incorrendo em formalismo exacerbado, quando conclui estarmos em presença de um Plano de Trabalhos omissivo.

10. O plano de trabalhos é um documento elaborado pelo empreiteiro em que este descreve o ritmo que se compromete a imprimir na execução da obra. 11. Nem o artigo 361º do CCP, nem o artigo 10º, nº 1, alínea d), subalínea I) do Programa de Concurso definem o que são “espécies de trabalhos”.

12. À falta de uma noção legal própria e de elementos de interpretação da lei que apontem noutro sentido (seja a sua letra, a ratio, a inserção sistemática ou outro) é insuscetível de censura, a metodologia adotada pela Contrainteressadas N… e E…, que apresentaram, sem detalhar, as categorias ou espécies dos trabalhos a executar.

13. Nada impede que na elaboração de planos de trabalhos se agreguem atividades de uma mesma espécie, conquanto seja possível ao dono da obra pública controlar a execução das atividades em que se decompõe a prestação do empreiteiro, o que acontece in casu.

14. Inexiste qualquer incompletude relevante nos Planos de Trabalho considerados: embora não evidenciem os artigos em que se decompõem algumas espécies de trabalhos, os Planos de Trabalho apresentados pelas Contrainteressadas N… e E… satisfazem plenamente o exigido na lei e nas peças do procedimento, ao explicitarem a duração de cada atividade, as respetivas datas de início e de termo, e as atividades predecessoras, indicando, pois, as espécies de trabalhos necessárias para o controlo dos prazos contratuais e de gestão da obra, quer por parte da equipa de fiscalização, quer da própria Entidade Adjudicante, ao conterem o total das atividades/tarefas previstas, todas elas com expressa indicação de sequenciação de trabalhos e dos respetivos prazos de execução, incluindo a representação/ identificação do caminho crítico do plano de trabalhos.

15. Tendo presente a teleologia que preside às normas do artigo 361º CCP - controlar o ritmo e sequência da execução empreitada e, reflexamente, o prazo de execução da obra-os Planos de Trabalhos apresentados pelas Contrainteressadas N… e E… são suficientes para dar cumprimento ao estatuído no seu número 1 e no artigo 10º, nº 1, alínea d), subalínea I) do Programa do Procedimento, incorrendo a douta sentença em erro de julgamento quando considera que assim não é.

16. Tendo em conta que é indicada a duração dos trabalhos e a respetiva data de início de execução, cabe à fiscalização averiguar se os trabalhos se iniciaram, e se foram disponibilizados os meios humanos e equipamentos para a sua execução. Em fase de execução da obra, o "modus operandi" da fiscalização baseia-se na análise do cumprimento do descrito no MQT (tarefas descritas, unidades de medida e quantidades), servindo os Planos de Trabalho apresentados o fim a que se destinam. Com os elementos constantes dos Planos de Trabalho apresentados pelas Contrainteressadas N… e E…, a servirem de indicação do ritmo de execução dos trabalhos que os concorrentes se propõem implementar, a fiscalização e o dono da obra conseguem apurar qualquer desvio ao Plano de Trabalhos, reagindo nos termos legais aplicáveis. 17. Aberta está, pois, a possibilidade de o Dono da obra intervir, modificando, em qualquer momento, o Plano de Trabalhos em vigor por razões de interesse público (cláusula 8.º do Caderno de Encargos).

18. Os planos de trabalhos apresentados permitem controlar, sem necessidade de maior detalhe ou decomposição de capítulos, se há derrapagem de prazo, aferindo o eventual incumprimento das atividades identificadas, destarte permitindo, de acordo com o n.º 1 do artigo 404.º do CCP, solicitar à entidade executante a apresentação de um Plano de Trabalhos Modificado, adotando as medidas de correção que sejam necessárias para recuperar o atraso verificado, de modo a cumprir o prazo estipulado contratualmente.

19. Atendendo a que não existe qualquer omissão ou contradição ao nível das espécies dos trabalhos a executar há que reconhecer que os planos de trabalho, mão de obra e equipamentos apresentados pelas empresas em causa são aptos ao fim a que se destinam: correta perceção do ritmo e sequência da obra, consequentemente controlo e fiscalização efetiva dos trabalhos.

20. Não se lobriga qualquer violação do artigo 43º do CCP, 361º do CCP (por remissão do artigo 57º-2 b) do mesmo diploma), artigo 10º nº 1, alínea d), subalínea I) do Programa de Procedimento, inexistindo, outrossim, falta de qualquer documento a que alude a alínea c) do nº1 do artigo 57º CCP, configuradora de causa de exclusão das propostas das contrainteressadas N… e E…, conforme disposto no artigo 70º-2 f) daquele diploma. 21. Ao invés, os Planos de Trabalhos foram corretamente apresentados, quer no que toca ao diagrama gráfico (barras) exigido, quer quanto às especificações que deles devem constar para permitir a sua função, bem tendo andado o júri do procedimento quando não excluiu as propostas da 1ª e 2ª contrainteressadas.

22. Os fundamentos de exclusão de propostas, ao reduzirem o universo concorrencial, devem ser interpretados restritivamente.

23. Ao ter procedido à adjudicação da empreitada à 1ª Contrainteressada, o Réu cumpriu escrupulosamente o bloco de legalidade aplicável ao procedimento de concurso público nº 11/2021/DCIP – T- 16/2021- Construção do Pavilhão Desportivo e Centro Escolar de Marrazes e, outrossim, os princípios que norteiam a atividade administrativa e a contratação pública em particular, mormente os da legalidade, da prossecução do interesse público, da concorrência, da imparcialidade e da boa-fé.

24. Mal andou o Tribunal a quo ao referir que as omissões apontadas na Sentença recorrida não poderiam ser supridas através de um pedido de esclarecimentos, nos termos do artigo 72.º do CCP. 25. Nesta matéria, ao invés do ajuizado, deve prevalecer a doutrina do Acórdão do STA, de 03/12/2020, Processo nº02189719.6BEPRT disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b4a7c82171409f4380258639004275f9?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1

segundo o qual a não apresentação dos planos de trabalhos exigidos na proposta só pode levar à exclusão de uma proposta quando, na situação concreta em que a questão se coloque, se comprove que a sua falta contende com a avaliação da mesma ou que resulte do caderno de encargos a sua essencialidade.

26. Ainda que se entendesse existir omissão nos Planos de Trabalhos, por exibirem um grau de minúcia ou completude tidos por insuficientes, o Tribunal a quo deveria averiguar se a falta reveste intensidade, gravidade ou censurabilidade tal que seja idónea para pôr em causa a adjudicação e os princípios estruturantes da contratação pública, mormente os princípios da concorrência e da proporcionalidade. É que sendo obrigatória a apresentação do Mapa de Trabalhos, importa aferir das consequências que resultam da respetiva incompletude, quando compaginada com os termos previstos nos preceitos legais aplicáveis, designadamente, se a falta conduz irremediável e imediatamente à exclusão da proposta, como se entendeu na decisão recorrida.

27. O artigo 4º-1 do CCP determina que “À contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência". Na situação sub judice, excluir as propostas das Contrainteressadas redunda em violação do princípio da concorrência.

28. A análise da intensidade das pretensas omissões deve ser efetuada tendo como referencial uma ideia de proporcionalidade, de modo que pequenas omissões não redundem em desproporcionadas exclusões.

29. A entender que se estava perante omissões relevantes, o Tribunal a quo deveria ter-se colocado a seguinte questão: a pretensa omissão não poderia ser sanada através de esclarecimentos a solicitar e prestar nos termos do artigo 72º do CCP? Convidar as Contrainteressadas a apresentar esclarecimentos, seria, então, a solução justa, ao invés da exclusão de propostas.

30. Na ausência de solicitação de esclarecimentos, o Tribunal a quo até poderia decidir pela anulação do ato de adjudicação da empreitada de Construção do Pavilhão Desportivo e Centro Escolar de Marrazes à Contrainteressada N… e pela anulação do contrato, mas não poderia decretar a exclusão das propostas das Contrainteressadas e condenar o ora Recorrente a adjudicar a empreitada em causa à Autora. Uma tal decisão faria regredir o procedimento à fase de análise das propostas, admitindo-se, então, esclarecimentos que, naturalmente, não poderiam resultar em ampliação dos prazos das espécies de trabalhos constantes dos Mapas de Trabalho alegadamente incompletos, ou em ampliação do prazo de execução da obra.

31. Assim se impunha, tanto mais que a decisão sob recurso acarreta um enorme e irreparável prejuízo para o interesse público.

32. Na verdade, a decisão sob recurso implica, para o Município de Leiria, um brutal dispêndio de mais € 1.455.116,33, numa obra cuja adjudicação foi submetida a visto prévio do Tribunal de Contas e por ele já visada.

33. E nem se diga que os esclarecimentos podem redundar numa alteração da proposta das concorrentes em apreço, num momento em que as contrainteressadas já conheciam as propostas das demais concorrentes, porquanto tais esclarecimentos estarão sempre limitados pelo princípio da intangibilidade das propostas e pelo próprio nº 2 do artigo 72º do CCP, não sendo de todo admissíveis esclarecimentos que “contrariem elementos constantes dos documentos que constituem as propostas”, que “alterem ou completem os respetivos atributos” (in casu o único atributo relevante é o preço) ou que “visem suprir omissões que determinem a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 70º CCP” (situação afastada pela indicada ponderação da proporcionalidade).

34. Nem todas as omissões ou incompletudes dos Planos de Trabalho determinam a exclusão das propostas (neste sentido Pedro Matias Pereira, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 14/06/2018, publicada na Revista de Contratos Públicos, nº 19 (janeiro 2019), páginas 137 a 139 que data venia se transcreve: “Haverá certamente casos em que os esclarecimentos que se peçam e prestem sobre incompletudes e omissões do Plano de Trabalhos (de certo tipo e natureza) se conterão dentro do legalmente admissível, designadamente por não colocarem em causa as restrições inscritas no nº 2 e na parte final do nº 3 do artigo 72º do CCP, o que aliás se coaduna com a doutrina e jurisprudência citada no próprio Acórdão sob anotação”)

35. Partindo do enquadramento legal que enunciámos, consideramos que uma racional interpretação da lei, que atenda aos elementos histórico, sistemático, teleológico e à unidade do sistema jurídico, aponta no sentido de a não densificação dos Planos de Trabalhos só poder levar à exclusão de uma proposta caso, na situação concreta em que a questão se coloque, se comprove que a sua falta contende com a avaliação da proposta, o que in casu não acontece uma vez que o critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade de avaliação do preço da proposta enquanto único aspeto de execução do contrato a celebrar.

36. A decisão recorrida viola os artigos 43º, 57º-1 c) e 2 b), conjugado com o artigo 361º, e artigo 70º-2 f) todos do CCP, aprovado pelo DL nº 18/2008, de 29 de janeiro, na redação aplicável ao concurso em causa, a qual lhe foi conferida pelo DL nº 170/2019, de 4 de dezembro e, outrossim, o artigo 10º, nº 1, alínea d), subalínea I) do Programa de Procedimento.(…)»


A Recorrida, T…, S.A., contra-alegou, tendo ali concluído como se segue - fls. 2900 e ss. do SITAF:
«(…)
a) O Recorrente alega que, considerando a matéria de facto dada como assente e o constante no Programa de Procedimento, a decisão recorrida não alcança a solução jurídica correta no caso sub judice, por erro de julgamento.
b) Alega que não só i) os Planos de Trabalhos não padecem dos vícios que lhes são apontados, como outrossim, ii) tais desconformidades/imprecisões, seriam passíveis de ser corrigidas através de um pedido de esclarecimento aos concorrentes.
c) Defende o Recorrente que os Planos de Trabalhos das contrainteressadas cumprem as exigências do programa de concurso, por contemplarem todas as espécies de trabalhos, mas não tem razão.
d) Como se demonstrou nos exemplos expostos nestas contra-alegações, em ambos os casos os Planos de Trabalho padecem de graves deficiências, aliás bem detectadas e apontadas na douta sentença recorrida.
e) A Recorrida abstém-se de reproduzir aqui os exemplos dados, para evitar desnecessárias e fastidiosas repetições, mas fica evidente que existem omissões nos Planos de Trabalhos apresentados pelas contrainteressadas, as quais vão prejudicar ou impedir a aplicação de normas substantivas relacionadas com a execução do contrato.
f) Que, de resto, só servem para salvaguardar o interesse público, uma vez que estamos em presença de fundos (dinheiro) públicos que tem necessariamente que ser assegurada a sua boa e criteriosa gestão.
g) O Plano de Trabalhos é um instrumento de execução da empreitada que se destina a “defender” a Entidade Adjudicante, aqui recorrente, de imprevistos, omissões e imprecisões no decurso da execução da empreitada, daí a sua enorme relevância jurídica e técnica.
h) Assim, andou bem o Tribunal a quo na análise da matéria de facto e na fundamentação da sentença.
i) Por outro lado, as exigências do artigo 361.º, terão de ser consideradas em conjugação com o disposto no artigo 43.º do CCP (Caderno de encargos do procedimento de formação de contratos de empreitada). j) Conforme indica a Sentença, o Programa do Procedimento no ponto 10.º, n.º 1, alínea d), subalínea I), tal como de resto o art. 57.º, n.º 2 al. b) do CCP, exigia um Plano de Trabalhos ¯tal como definido no artigo 361.º do CCP.
k) O que não foi cumprido pelas contrainteressadas, conforme resulta à saciedade da análise do plano de trabalhos junto com o PA.
l) Em concreto, verifica-se que os Planos de trabalhos que não indicam todas as espécies de trabalhos e os correspondentes meios que lhe estarão afetos, quer no cronograma temporal, quer no plano da mão-de-obra e no plano dos equipamentos necessários, o que viola claramente o disposto nos artigos 361.º e 43.º do CCP.
m) Conforme conclui a sentença, esta omissão é causa de exclusão da proposta nos termos do disposto no artigo 70º, n.º 2, al. f) do CCP, o qual dispõe que ¯São excluídas as propostas cuja análise revele: f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”, pois que como aí se adiantou a proposta apresentada pela contra-interessada não cumpriu o disposto nos artigos 57, n.º 2, al. b) do CCP e no Programa de Procedimento, violando o disposto no 361º do CCP.
n) Omissão esta que não poderia ser suprida com recurso ao pedido de esclarecimentos aos concorrentes prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CCP, como decorre da jurisprudência do STA que se aplica neste ponto e deve ser seguida – Cfr. Ac. STA, Proc. 0395/18, de 14.06.2018,
o) Impondo-se, portanto, a exclusão das propostas, como bem decidiu a douta sentença recorrida, que se deverá manter.
p) O facto de a proposta da recorrida ser “aparentemente” mais onerosa do que a das contrainteressadas não impede a exclusão destas nem justifica a sua aceitação, apesar de ilegais.
q) Defender-se esta tese é admitir-se que sob um “pretenso preço mais baixo” se pode cometer todas as ilegalidades e atropelos à lei, olvidando que na maioria das vezes “o barato sai mais caro”.
r) E até mesmo influenciar o preço final da obra, com claro prejuízo para o R. e o erário público.
s) Sendo certo que o valor da proposta da recorrida está abaixo do preço-base (preço que o Recorrente estava disposto a pagar pela empreitada) e que o preço proposto pela contrainteressada N… é substancialmente inferior ao preço médio de todas as propostas apresentadas, pondo até em causa a sua capacidade de cumprir e executar a empreitada.
t) O Tribunal a quo não excedeu em momento algum o seu papel de ente fiscalizador e de asseverar o cumprimento e reposição da legalidade (quando esta se mostre violada).
u) Não efectuou qualquer juízo valorativo de ordem puramente técnica, limitando-se a dar cumprimento ao caderno de encargos e à Lei e não incorreu em qualquer erro de julgamento, pelo que se deve manter a decisão recorrida e o recurso ser julgado totalmente improcedente.
(…)».

Na sequência de incidente suscitado pela Contrainteressada N… S.A., o tribunal a quo decidiu, por despacho de 20.12.2021 - cfr. fls. 3152 e ss. do SITAF- julgar improcedendo a invocada nulidade da citação da Contrainteressada N… S.A, mais tendo considerado sanada a questão da não notificação àquela da sentença proferida nos autos, pois que havia sido entretanto efetuada, determinando, por fim, que, face ao assim decidido, o prazo para interposição de recurso pela contrainteressada N… S.A., apenas iniciaria a sua contagem após concretização da notificação deste mencionado despacho.

O que veio a suceder, pois que contrainteressada N…, S.A., interpôs, efetivamente, recurso deste despacho interlocutório e da sentença, tendo ali concluído como se segue - fls. 3221 e ss. do SITAF:
(…)
1) A presente Apelação tem por objecto as decisões, constantes do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria de 20.12.2021, e que versaram sobre o pedido de declaração de nulidade processual, por falta da citação da Contrainteressada e agora Apelante “N…, SA”, formulado, comprovado e desenvolvido nos requerimentos desta de 24.11.2021, .3.12.2021 e 9.12.2021, todos constantes dos autos.
2) Inclui-se nas decisões referidas na conclusão anterior a de dar “sem efeito o ordenado no despacho proferido em 9.12.2021”, a de “mais indeferindo a prova requerida pela Contra-Interessada no seu requerimento de 24.11.2021”.
3) As decisões supramencionadas foram absorvidas noutra, igualmente constante do dito despacho de 20.12.2021, a qual declara que “improcede a invocada nulidade por falta de citação”.
4) Aquelas supramencionada decisões, embora possam ser qualificadas como sendo interlocutórias, são recorríveis, mas, salvo melhor entendimento, apenas com o recurso que neste mesmo acto é apresentado relativamente à sentença de 19.10.2021 (art. 142.º, n.º 5 do CPTA, em conjugação com o artigo 644.º, n.º 4 do CPC, e conforme se consignou, nomeadamente, do Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.3.2021, proferido no proc. n.º 312/20.7BEALM-S1).
5) O presente recurso versa, igualmente, sobre a sentença de 19.10.2021, mais precisamente sobre as decisões que recaíram sobre o mérito da acção, as quais estão todas interligadas: i) anular o acto de adjudicação da empreitada de “Construção do Pavilhão Desportivo e Centro Escolar de Marrazes” à aqui Apelante, mais determinando a exclusão da sua proposta; ii) anular o contrato de empreitada outorgado entre os Apelantes Município de Leiria e “N…, SA”, e condenar o Apelante Município de Leiria a adjudicar a empreitada à Apelada “T…, SA. - Quanto às decisões interlocutórias do despacho de 20.12.2021:
6) Quanto às decisões interlocutórias mencionadas nas conclusões supra 1) a 4), diga-se que é insofismável que a Apelante, nos presentes autos, tem o estatuto processual de Contrainteressada (artigos 10.º e 57.º da CPTA), sendo que a presente acção foi, igualmente, proposta contra aquela.
7) Sendo a Apelante Contrainteressada no presente processo, esta teria de ser, efectiva e realmente, citada da acção (artigo 81.º, n.º 1 do CPTA).
8) A ora Apelante reitera que a carta de citação, a que corresponderia o Aviso de Recepção de fls. 138 dos autos, jamais foi entregue a P…, isto é, ao suposto “P…” constante desse Aviso de Recepção, e que, em todo o caso, tal carta nunca chegou ao conhecimento da Apelante.
9) A decisão do TAF de Leiria de 20.12.2021, ao dar sem efeito, o seu despacho anterior de 9.12.2021 que ordenava a produção de prova requerida pela Apelante, infringe o princípio do esgotamento do poder jurisdicional.
10) Acresce que a decisão referida na conclusão anterior impediu, absolutamente, a Apelante de poder fazer a prova de que nem o aludido “P…” (por ausência na data e local consignados no aviso de
recepção), nem aquela alguma vez tinham recebido a predita carta de citação, tal como aquela alegou nos seus req. de 24.11.2021, 3.12.2021 e 9.12.2021.
11) De entre a prova solicitada absolutamente necessária, ressalta desde logo, a da tomada de declarações ao distribuidor postal do ofício de citação e ao supramencionado P….
12) Pelo que a decisão judicial, subsequente, de não produzir a prova requerida pela Apelante, para além de constituir uma verdadeira “decisão surpresa”, afrontou o princípio do contraditório (artigo 3.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA), na dimensão da possibilidade de efectuar a prova inerentemente necessária à factualidade alegada pela Apelante nos acima mencionados requerimentos.
13) A prova documental constante dos autos (designadamente, o Aviso de Recepção de fls. 138) não pode, em face do alegado e requerido pela Apelante, ser considerada suficiente para concluir que a correspondência da citação foi, realmente, entregue a P…, nem que a Apelante tomou conhecimento da citação, nem, ainda, que, se não tomou conhecimento da citação, tal se deveu a facto da responsabilidade da Apelante.
14) A Apelante discorda, com devido respeito, mas frontalmente, da consideração “sacralizada” (de infirmação impossível) que o tribunal de primeira instância atribuiu ao aviso de recepção de fls. 138, em face do procedimento especial, previsto na Lei n.º 10/2020, de 18 de Abril, em matéria de notificações e citações, designadamente na dispensa (substituição) da assinatura no Aviso de Recepção da pessoa a quem é entregue a citação.
15) É controverso que a Lei n.º 10/2020, de 18 de Abril, fosse, mesmo, (ainda) aplicável na data da pretensa efectivação da citação (18.8.2021), dado que, nem sequer vigorava, à data, qualquer estado de emergência (o anterior terminou no dia 30.4.2021).
16) Mesmo que a Lei n.º 10/2020, de 18 de Abril, estivesse ainda em vigor a 18.8.2021, a respectiva norma (artigo 2.º, n.º 5), ao prescindir da assinatura do receptor da citação, põe em causa princípios (legais e constitucionais) elementares, como o do efectivo conhecimento da existência, por determinado interessado, de um processo contra si instaurado e da possibilitação, assim, daquele vir defender-se (ou seja, defender os seus direitos contra a pretensão de um terceiro) e exercer o seu contraditório.
17) Ou seja: o dito art. 2.º, n.º 5 da Lei n.º 10/2020 infringe a segurança jurídica e a garantia de uma tutela jurisdicional que se quer efectiva.
18) O digno tribunal de primeira instância deveria, pois, prosseguir conforme tinha decidido no seu despacho de 9.12.2021, mandando que se procedesse à produção de prova.
19) Deverá, ainda, à luz do quadro legal e em linha com a jurisprudência conhecida, considerar-se que a intervenção da Contrainteressada/Apelante configura uma situação de litisconsórcio passivo necessário – conforme, designadamente, os art. 10.º, n.º 1, 57.º, 78.º, n.º 2, al. b), 81.º, n.º 1, 89.º, n.ºs 2 e 4, al. e), 155.º, n.º 2, todos do CPTA, e Ac. do TCA Norte de 22.1.2020 (proc. n.º 03084/14.0BEPRT), Ac. do TCA Sul de 28.12.2018 (proc. n.º 323/17.0BEBJA).
20) E, como se trata de uma situação de litisconsórcio passivo necessário, a falta de citação da Apelante (art. 188.º, n.º 1 do CPC), consubstanciando uma nulidade (até de conhecimento oficioso), deve acarretar a anulação do processado desde a citação, com a repetição de todo o processado, ex vi art. 187.º, alínea a) e 190.º, al. a) do CPC (conjugados com o art. 1.º e 23.º do CPTA), conforme a melhor jurisprudência, designadamente o Ac. do TCA Sul de 30.4.2015 (proc. n.º 10576/13).
21) A falta de citação da Apelante impediu-a absolutamente do exercício do seu essencial direito ao contraditório, desde logo, no de contestar a acção, pelo que se repercutiu, necessária e inelutavelmente, em todo o desenvolvimento subsequente dos presentes autos, desde logo, na sentença que acabaria por ser proferida nos mesmos e que decidiu do mérito da acção.
22) O tribunal a quo, no seu despacho de 20.12.2021, nas decisões que tomou relativamente à suscitada falta da citação da aqui Apelante, infringiu, designadamente, os artigos 3.º, n.ºs 1 e 3, 187.º, alínea a), 188.º, n.º 1, alínea e), 190.º, alínea a), 195.º, 196.º, 219.º, n.º 1, 223.º, n.º 1 e 3, todos do CPC ex vi art. 1.º e 23.º do CPTA, assim como os artigos 2.º, 7.º, 81.º, n.º 1 do CPTA, e os artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP.
23) Pelo que devem tais decisões ser revogadas pelo venerando tribunal ad quem, ordenando a anulação de tudo o que foi processado a partir da citação e a repetição da citação da aqui Apelante (ou, pelo menos, a concessão de novo prazo para contestação).
- Quanto à sentença:
24) No que respeita à sentença, mais precisamente, às decisões contidas nesta e que recaíram sobre o mérito da acção (cf. conclusão supra número 5), estas assentaram, em suma, na consideração de que o “Plano de Trabalhos” (PT) da Apelante, que serviu para instruir a respectiva proposta no concurso público em apreço, infringiu, parcialmente, o artigo 361.º do CCP, quando confrontado com o “Mapa de Quantidades de Trabalhos” (MQT) integrante do mesmo processo concursal, por não contemplar todas as “espécies de trabalhos” previstos neste MQT.
25) O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, como corolário daquele pressuposto, em face do artigo 70.º, n.º 2, alínea f) do CPTA, concluiu (mas mal) que a proposta da Apelante deve ser excluída, com a inerente anulação da adjudicação da empreitada.
26) Em matéria de “Plano de Trabalhos”, o programa do concurso apenas previa a exigência de que o mesmo fosse apresentado sob a forma de diagrama de barras (artigo 10.º, n.º 1, alínea i), subalínea I) do mesmo, constante do processo administrativo instrutor), exigência que foi respeitada pela Apelante.
27) Refira-se, ainda, que o critério de adjudicação da empreitada em apreço, em conformidade com o disposto no art. 74.º, alínea b) do CCP, é o da “proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade de avaliação do preço da proposta enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar” (ponto 18.º do Programa do Concurso, constante do processo administrativo instrutor).
28) O preço de cada proposta constituía, assim, o único atributo das mesmas para efeitos concursais, isto é, o elemento ou característica submetido à concorrência (art. 56.º, n.º 2 do CCP).
29) A Apelante apresentou Plano de Trabalhos a instruir a sua proposta, pelo que tal documento não se encontrava em falta, conforme a sentença em análise não deixa de reconhecer. 30) Não estando o Plano de Trabalhos em falta na proposta da Apelante e sendo o preço o único atributo das propostas, o júri do concurso não poderia propor a exclusão da proposta da Apelante e, subsequentemente, não poderia
a entidade adjudicante (o Réu/Apelante Município de Leiria) decidir tal exclusão.
31) Em todo o caso, deverá atender-se que não existe uma noção legal do que sejam “espécies de trabalhos” (referida no artigo 361.º do CCP), nem tal definição encontra previsão no Programa do Concurso da empreitada em causa.
32) O Plano de Trabalho cumpre, contem, a informação necessária no que respeita às “espécies de trabalhos” exigidas.
33) E tal “Plano de Trabalhos” está elaborado de modo que, na parte esquerda do mesmo, os trabalhos encontram-se inscritos numa tabela, formada várias colunas, designadas por “ID”, “Código Atividade”, “Atividade”, “Duração”, “Predecessoras”, bem como datas de “Início” e “Conclusão” (sendo estas
hipotéticas, por dependerem, desde logo, da data da posterior consignação dos trabalhos).
34) Nessa mesma tabela daquele “Plano de Trabalhos”, a cada um dos trabalhos corresponde uma linha.
35) Assim, os trabalhos (“Atividades”) surgem com as informações “ID”, um “Código Atividade”, uma “Duração”, quais os trabalhos que são a suas “Predecessoras”, bem como as datas de “Início” e “Conclusão”. 36) Constata-se, facilmente, que a informação (numeração) do “Código Atividade” do “Plano de Trabalhos” respeita a informação constante do “Mapa de Quantidade de Trabalhos” patenteado a concurso.
37) Por seu turno, a cada um dos trabalhos consignados na supramencionada tabela (isto é, a cada uma das linhas) da parte esquerda do dito “Plano de Trabalhos”, corresponde, na parte direita deste mesmo documento, uma barra cujo tamanho e disposição no documento variam consoante o início da sua execução (calendarização) na obra e a respectiva duração.
38) Ainda nesse PT, e de acordo com a legenda do mesmo, constatam-se facilmente as interdependências que existe entre os trabalhos (“atividades”), desde logo quais as relações de “predecessão” (ou precedência).
39) E com aquele mesmo documento, cabalmente, e já em sede de execução da obra, a entidade adjudicante fica apta a controlar e fiscalizar a execução do contrato de empreitada e o “ritmo” de desenvolvimento dos trabalhos, incluindo do respeito pelo prazo global de execução da obra em questão de 540 dias (cláusula 9.ª, n.º 1, al. c) do “Caderno de Encargos”) e dos prazos parciais referidos no PT.
40) No entanto, sem conceder, mesmo que se entendesse que o Plano de Trabalhos da Apelante, na sua composição, não apresentava o grau de suficiência de detalhe/decomposição dos trabalhos exigido, e considerando o referido nas conclusões 27) a 29) supra, sempre a consequência jurídica de tais vícios não poderia passar pela exclusão da proposta, mas sim, a de ser objecto de pedidos de esclarecimentos pelo júri de concurso.
41) Tal dever de oportunidade de prévios esclarecimentos encontra-se prevista no artigo 72.º, n.º 3 do CCP, na redacção introduzida pelo Decreto Lei n.º 111-B/2017, de 31.8, e que resulta da transposição da Directiva n.º 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa aos contratos públicos, e em linha com o artigo 56.º, n.º 3 desta Directiva.
42) Os motivos de exclusão das propostas num concurso público devem ser considerados como taxativos, e interpretados de uma forma muito exigente e restritiva, desde logo em honra dos princípios da proporcionalidade, transparência, igualdade e da concorrência art. 1.º-A, n.º 1 do CCP.
43) Assim, se, no procedimento concursal, tivesse ocorrido a exclusão da proposta da Apelante pelos motivos que vieram a ser consignados na sentença apelanda, o júri do concurso e, subsequentemente, a entidade adjudicante (Município de Leiria) teriam incorrido em ofensa de vários princípios e regras jurídicas, designadamente as contidas nos artigos 1.º-A, n.º 1 (princípios da proporcionalidade e da concorrência), artigos 57.º, n.º 2, alínea b), 70.º, n.ºs 1, 2, al. a) e f), 72,º, n.º 3, 74.º, n.º 1, al. b), 146.º,
n.º 2, al. d) e o), todos do CCP.
44) O que significa que a sentença em apreço, ao decidir-se pela exclusão da proposta da Apelante, padece de erro de julgamento, designadamente, por violação dos princípios e regras referidos na conclusão que antecede.
45) E, por decorrência, também sofrem do mesmo erro as decisões de anulação do acto administrativo da adjudicação da empreitada à Apelante “N…, SA”, da anulação do contrato de empreita outorgado, bem como de condenação do Réu/Apelante “Município de Leiria” a adjudicá-la à Apelada “T…, SA”.
46) Como respaldo da posição defendida pela aqui Apelante nas conclusões 27) a 45), invoca-se, aqui, a jurisprudência resultante dos arestos correspondentes aos Ac. do TCA Norte de 9.6.2017 (proc. n.º 00218/16.4BELRA), Ac. do TCA Sul de 27.2.2020 (proc. n.º 219/19.0BEFUN), Ac. do TCA Norte de 19.2.2021 (proc. n.º 00731/20.9BELSB) e, mais recentemente, do Ac. TCA Norte de 21.7.2021 (proc. n.º 00188/21.7BEAVR), o qual, em substância, acabou por ser confirmado pelo Ac. do STA de 7.10.2021
47) Mais se deve atender que, sendo o preço da proposta da Apelante de 5.414.000 Euros (a que acresce IVA), enquanto o da proposta da Apelada “T…, SA” é de 6.713,211,27 Euros (a que também se soma o IVA), a sentença em questão, para além de todo o prejuízo para a posição e interesses particulares daquela Apelante, acarreta, ainda, consequências altamente perniciosas para o erário público, pois condena à adjudicação a uma proposta 1.299.211,27 Euros mais cara.
48) Assim, se a sentença em apreço não for superiormente revogada, o Apelante adjudicante (ou seja, o erário público) perderá uma oportunidade de fazer a mesma obra por um valor menos dispendioso de 1.299.211.27 Euros (a que acresce o IVA).
49) E isto, relembra-se num concurso de empreitada em que, relembra-se, o preço é o único critério de adjudicação, e numa época e num quadro legal em que deve observar-se a contenção de custos públicos.
(…)”

Perante o que, a Recorrida T…, S.A, contra-alegou, tendo concluído como se segue - fls. 3279 e ss. do SITAF:
(…)
a) A recorrente por se insurgir contra o douto despacho de fls … que julgou improcedente a arguida nulidade por falta de citação, contudo e salvo melhor entendimento, não tem razão, uma vez que o douto despacho recorrido fez uma correcta aplicação da Lei aos factos em causa.
b) A citação foi remetida para a sede da recorrente, por via postal registada com aviso de receção, tendo este aviso foi devolvido ao Tribunal com a indicação de que a correspondência fora recebida por um “P…” com o nº de cartão de cidadão 10303962, em 11.08.2021
c) Como muito bem refere o douto despacho em crise, à data da citação estava em vigor a Lei nº 10/2020, de 18.04, a qual prevê a dispensa de assinatura por parte de quem recebe a citação - art. 2º, nº 1. Essa assinatura é substituída pela simples recolha dos dados (nome e número de cartão do cidadão) de que recebe a missiva, dados esses depois colocados no AR pelo funcionário dos serviços postais - art. 2º, nº 2, daquele diploma legal.
d) A citação da recorrente foi remetida para a sua sede, facto que não existem quaisquer dúvidas, bem como não subsiste qualquer que alguém forneceu ao funcionário dos serviços postais a identificação do Sr. P… e só poderia ter sido este a fazê-lo (ou alguém da Empresa) pois não se concebe que o carteiro tivesse conhecimento prévio desses elementos de identificação de um funcionário da Recorrente.
e) Pelo que, ainda que a citação não fosse recebida pelo Sr. P… - o que só por mera facilidade de raciocínio de concede - sempre teria sido algum outro funcionário da recorrente, presente na sede na altura da distribuição postal, que tivesse conhecimento dos elementos de identificação daquele senhor. E mesma a ter ocorrido esta circunstância - o que não se concede - sempre a citação teria ocorrido legalmente, inexistindo a nulidade invocada.
f) Diga-se que não é de todo verosímil que alguém que não o Sr. P… tenha recebido a citação. Se este funcionário estivesse de férias - como alega a recorrente - de que modo poderia o carteiro ter tido conhecimento dos seus elementos de identificação? Seriam fornecidos por algum colega de trabalho que não se quis identificar? Mas qual o motivo para esse comportamento? Teriaessa atitude sido orquestrada com o objectivo de, mais tarde, alegar a falta de citação e assim atrasar o processo?
g) São muitas dúvidas, muitas questões cuja resposta é desconhecida e que extravasam a normalidade do dia-a-dia de uma empresa com a dimensão da recorrente, em que há sempre alguém para receber a correspondência. Se essa pessoa não a entregou a quem devia, tal facto só é imputável à mesma e à sua organização.
h) O Tribunal ad quo reanalisou a questão e os documentos existentes nos autos e julgou-se apto a decidir desde logo. É um poder do Tribunal, que entende que se encontra já produzida nos autos toda a prova necessária para a decisão e rejeita a realização de diligências desnecessárias, que só teriam como resultado uma maior morosidade processual e um atraso evitável do processo.
i) O presente processo é um processo urgente, em que a Lei pretende que seja resolvido em tempo útil, isto é, antes de realizada a empreitada a concurso.
j) A Recorrida subscreve integralmente a argumentação e decisão do douto despacho em causa quanto à posição processual da recorrente. Pese embora se trate de questão que não é pacífica, a jurisprudência e doutrina dominantes - especialmente as mais recentes - vieram acolher a tese do litisconsórcio voluntário quando há intervenção de contrainteressado. Como bem diz o douto despacho em crise, o contencioso administrativo tem especificidades próprias que impedem a simples transposição dos quadros jurídicos presentes no processo civil.
k) No contencioso administrativo de impugnação de actos, como é o caso, os particulares potencialmente lesados pela procedência da acção têm que ser citados mas não são réus. O réu é sempre o Estado, em qualquer das suas vertentes, ou o concessionário público. O particular está presente e pode defender os seus direitos mas é apenas um contrainteressado, que só indirectamente é visado na decisão. O único condenado é o réu, não o contrainteressado, e é ao réu - e apenas a ele - que cabe dar execução ao decidido.
l) Todas estas circunstâncias impedem que a figura processual do contrainteressado se possa reconduzir a um litisconsórcio necessário, no qual ambos os litisconsortes têm posições iguais no litígio e podem ser condenados no final. Portanto, de iure condito e não só de iure condendo, a presença dos contrainteressados particulares nos litígios administrativos deverá ser enquadrada como litisconsórcio voluntário. Por assim ser, ainda que se considere nula a citação - o só por cautela se admite - essa nulidade não implicaria a anulação de todo o processado, como prescreve o art. 190º, al. b), do CP Civil.
m) Acresce que, o despacho em crise salvaguarda a posição da recorrente, que dispôs de todo o prazo legal para recorrer, o que fez. Pode assim apresentar os seus argumentos a este Venerando Tribunal, em nada ficando prejudicada a sua posição, tanto mais que não ocorreu produção de prova e a recorrente não apresenta argumentos que não tenham sido aduzidos pelo réu Município.
n) Pelo exposto, deve ser mantido o despacho de 20.12.2021, sendo a citação da recorrente N… julgada válida.
o) O Recorrente alega que a decisão recorrida não alcança a solução jurídica correta no caso sub judice, por erro de julgamento.
p) Alega que não só i) os Planos de Trabalhos não padecem dos vícios que lhes são apontados, como outrossim, ii) tais desconformidades/imprecisões, seriam passíveis de ser corrigidas através de um pedido de esclarecimento aos concorrentes.
q) Defende o Recorrente que os Planos de Trabalhos das contrainteressadas cumprem as exigências do programa de concurso, por contemplarem todas as espécies de trabalhos, mas não tem razão.
r) Como se demonstrou nos exemplos expostos nestas contra-alegações, em ambos os casos os Planos de Trabalho padecem de graves deficiências, aliás bem detectadas e apontadas na douta sentença recorrida.
s) A Recorrida abstém-se de reproduzir aqui os exemplos dados, para evitar desnecessárias e fastidiosas repetições, mas fica evidente que existem omissões nos Planos de Trabalhos apresentados pelas contrainteressadas, as quais vão prejudicar ou impedir a aplicação de normas substantivas relacionadas com a execução do contrato.
t) Que, de resto, só servem para salvaguardar o interesse público, uma vez que estamos em presença de fundos (dinheiro) públicos que tem necessariamente que ser assegurada a sua boa e criteriosa gestão.
u) O Plano de Trabalhos é um instrumento de execução da empreitada que se destina a “defender” a Entidade Adjudicante, aqui recorrente, de imprevistos, omissões e imprecisões no decurso da execução da empreitada, daí a sua enorme relevância jurídica e técnica.
v) Assim, andou bem o Tribunal a quo na análise da matéria de facto e na fundamentação da sentença.
w) Por outro lado, as exigências do artigo 361.º, terão de ser consideradas em conjugação com o disposto no artigo 43.º do CCP (Caderno de encargos do procedimento de formação de contratos de empreitada).
x) Conforme indica a Sentença, o Programa do Procedimento no ponto 10.º, n.º 1, alínea d), subalínea I), tal como de resto o art. 57.º, n.º 2 al. b) do CCP, exigia um Plano de Trabalhos ¯tal como definido no artigo 361.º do CCP.
y) O que não foi cumprido pelas contrainteressadas, conforme resulta à saciedade da análise do plano de trabalhos junto com o PA.
z) Em concreto, verifica-se que os Planos de trabalhos que não indicam todas as espécies de trabalhos e os correspondentes meios que lhe estarão afetos, quer no cronograma temporal, quer no plano da mão-de-obra e no plano dos equipamentos necessários, o que viola claramente o disposto nos artigos 361.º e 43.º do CCP.
aa) Conforme conclui a sentença, esta omissão é causa de exclusão da proposta nos termos do disposto no artigo 70º, n.º 2, al. f) do CCP, o qual dispõe que ¯São excluídas as propostas cuja análise revele: f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”, pois que como aí se adiantou a proposta apresentada pela contra-interessada não cumpriu o disposto nos artigos 57, n.º 2, al. b) do CCP e no Programa de Procedimento, violando o disposto no 361º do CCP.
bb) Omissão esta que não poderia ser suprida com recurso ao pedido de esclarecimentos aos concorrentes prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CCP, como decorre da jurisprudência do STA que se aplica neste ponto e deve ser seguida – Cfr. Ac. STA, Proc. 0395/18, de 14.06.2018,
cc) Impondo-se, portanto, a exclusão das propostas, como bem decidiu a douta sentença recorrida, que se deverá manter.
dd) O facto de a proposta da recorrida ser “aparentemente” mais onerosa do que a das contrainteressadas não impede a exclusão destas nem justifica a sua aceitação, apesar de ilegais.
ee) Defender-se esta tese é admitir-se que sob um “pretenso preço mais baixo” se pode cometer todas as ilegalidades e atropelos à lei, olvidando que na maioria das vezes “o barato sai mais caro”.
ff) E até mesmo influenciar o preço final da obra, com claro prejuízo para o R. e o erário público.
gg) Sendo certo que o valor da proposta da recorrida está abaixo do preço-base (preço que o Recorrente estava disposto a pagar pela empreitada) e que o preço proposto pela contrainteressada N… é substancialmente inferior ao preço médio de todas as propostas apresentadas, pondo até em causa a sua capacidade de cumprir e executar a empreitada.
hh) O Tribunal a quo não excedeu em momento algum o seu papel de ente fiscalizador e de asseverar o cumprimento e reposição da legalidade (quando esta se mostre violada).
ii) Não efectuou qualquer juízo valorativo de ordem puramente técnica, limitando-se a dar cumprimento ao caderno de encargos e à Lei e não incorreu em qualquer erro de julgamento, pelo que se deve manter a decisão recorrida e o recurso ser julgado totalmente improcedente.
(…)”.»

Neste Tribunal Central Administrativo Sul, o DMMP não emitiu pronúncia.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com entrega prévia do texto do acórdão aos Mmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir

Tendo presentes as alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente Município e pela Recorrente CI e respetivas conclusões, importa delimitar as questões a decidir no âmbito dos presentes recursos, nos seguintes termos:

Do recurso interposto da sentença pelo Recorrente Município e pela Recorrente CI, por erro de julgamento de direito, por referência ao disposto nas disposições conjugadas dos art.s 43º, 57º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea b), 361º, e 70º, n.º 2, alínea f), todos do CCP, aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29.01, na redação aplicável ao concurso em causa, a qual lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 170/2019, de 04.12. e, bem assim, o art. 10º, nº 1, alínea d), subalínea I) do Programa de Procedimento, por ter decido, em consequência, pela:

i) anulação do ato de adjudicação da empreitada de "Construção do Pavilhão Desportivo e Centro Escolar de Marrazes", mais determinando a exclusão da sua proposta;

ii) anulação do contrato de empreitada outorgado pela Entidade Demandada Município de Leiria e a Recorrente; e, por fim, pela

iii) condenação da Entidade Demandada a adjudicar a empreitada à A., ora Recorrida T…, S.A..

A Recorrente CI recorre ainda do despacho proferido pelo tribunal a quo a 20.12.2021, sobre a suscitada nulidade da sua citação, imputando-lhe os seguintes erros de julgamento:

i) por impossibilidade deste dar sem efeito o ordenado em despacho anterior, sobre a mesma questão, e por consubstanciar uma decisão surpresa por ter decido de imediato a questão em causa;

ii) por violação do direito à prova, ao ter indeferido a prova por si requerida no âmbito deste incidente, por requerimento de 24.11.2021; e, consequentemente,

iii) por ter julgado improcedente a invocada nulidade de citação, por falta de citação, com as demais consequências legais.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida, é aqui transcrita ipsis verbis - cfr. fls. 228 e ss., do SITAF:
«(…)
1) Por anúncio com o n.º 3311/2021, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 50, de 12.03.2021, foi publicitada a abertura de concurso público relativo a contrato de empreitada de obras públicas, com a designação Construção do Pavilhão Desportivo e Centro Escolar de Marrazes, sendo entidade adjudicante o Município de Leiria – fls. 56-57 processo administrativo, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas;
2) Do teor do programa do procedimento correspondente ao concurso a que se refere o ponto anterior extrai-se, designadamente, o seguinte:
“(…) Artigo 1.º – Objecto do Concurso
1. O objeto do concurso consiste na construção do pavilhão desportivo e centro escolar de Marrazes (código 45214200-2 – Construção de Edifícios escolares), de acordo com as condições definidas no Caderno de Encargos
(…)
Artigo 10.º - Documentos que constituem a proposta
1 - A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
(…)
b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar:
i) Proposta e lista de preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no projecto de execução com indicação do valor total da proposta, conforme ANEXO III – MAPA QUANTIDADES DE TRABALHO (…)
d. Documentos exigidos pelo programa do concurso que contenham os termos ou condições, relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule:
I) Plano de Trabalhos sob a forma de diagrama de barras, plano de mão de obra e plano de Equipamento;
II) Plano de Pagamentos, sob a forma de diagrama de barras e Cronograma Financeiro.
(…)
Artigo 18.º – Critério de Adjudicação
1. O critério no qual se baseia a adjudicação, em conformidade com o disposto na alínea b) do artigo 74.º do CCP, é o da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade da avaliação do preço da proposta enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar.
(…)” – fls. 50-55 do processo administrativo, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas;
3) Do mapa de quantidades de trabalho final, após análise de erros e omissões, extrai-se, nomeadamente, o seguinte (e dando-se aqui por reproduzido o demais mapa quanto aos demais (sub)artigos, num total de 77 páginas): (…) (documento no original) - (…)” – cf. fls. 169-207 do processo administrativo, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas;

4) No âmbito do procedimento identificado em 1) foram apresentadas propostas pelas seguintes empresas, com os respectivos preços propostos: (documento no original) - - fls. 235-1347 e 1348-1350 do processo administrativo junto aos autos, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas;

5) A proposta da Contra-Interessada N…, com um preço global de 5.414.000,00 EUR, incluía, para além do mais, Plano de Trabalhos, Plano de Mão de Obra e Plano de Equipamentos, com o seguinte conteúdo: (documento no original) - (…)” – fls. 314, 317-318 e 320 do processo administrativo, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas;

6) A proposta da Contra-Interessada E…, com um preço global de 6.679.000,00 EUR, incluía, para além do mais, Plano de Trabalhos, Plano de Mão de Obra e Plano de Equipamentos, com o seguinte conteúdo: (documento no original) - (…)” – fls. 950-952 e 959 do processo administrativo, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas;

7) Em 28.05.2021 foi elaborado relatório preliminar referente ao procedimento identificado no ponto 1), no qual se conclui pela seguinte ordenação das propostas:
“(…)
«Imagem no original»
(…)” – fls. 1349-1350 do processo administrativo, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas;

8) A Autora apresentou pronúncia relativamente ao relatório a que se refere o ponto anterior, defendendo, em suma, a rectificação da “(…) análise efectuada às propostas apresentadas e, em consequência, sejam excluídas as propostas dos concorrentes ordenados em Primeiro e Segundo lugar, N…, S.A. e E…, LDA. e, em consequência, seja ordenada a proposta da T…, S.A., em primeiro lugar por ser de facto a que apresenta a proposta economicamente mais vantajosa, na sua componente global” - fls. 1351- 1354 do processo administrativo, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas;

9) Em 29.06.2021 foi elaborado relatório final referente ao procedimento identificado no ponto 1), no qual o júri do procedimento deliberou, para além do mais, não aceitar os argumentos invocados pela Autora no âmbito do direito de audiência prévia e manter a ordenação das propostas constante do relatório preliminar – fls. 1364-1365 do processo administrativo, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas;

10) Em 06.07.2021, a Câmara Municipal de Leiria proferiu deliberação de aprovação do relatório final e de adjudicação da proposta apresentada pela Contra-Interessada N… – fls. 1370 do processo administrativo, para as quais se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas;

11) Em 29.07.2021 foi celebrado, entre a Entidade Demandada e a Contra-Interessada N…, o contrato n.º …/2021, relativo à empreitada de Construção do Pavilhão Desportivo e Centro Escolar de Marrazes - fls. 1407 do processo administrativo, para as qual se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidas.
*
Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.
*
A decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa efectuou-se com base na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, bem como na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos, concretamente os juntos pelas partes e o processo administrativo junto aos autos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, os quais não foram impugnados e dada a sua natureza e qualidade mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.
(…)». (negritos nossos).

Nesta sede, aditam-se ainda à decisão, os seguintes factos, que se revelam com interesse, designadamente, para conhecer do recurso do despacho interlocutório de 20.12.2021 – cfr. art. 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA:

12. A 19.10.2021 foi proferida sentença pelo tribunal a quo – cfr. fls. 2856 e ss., ref. SITAF;

13. Em Sessão Diária do Visto, de 06.10.2021, foi concedido visto prévio pelo Tribunal de Contas, no âmbito do Processo nº …/2021 (Empreitada de Construção do Pavilhão Desportivo e Centro Escolar de Marrazes) – cfr. documento junto a fls. 2938 e ss., ref SITAF;

14. O ofício de citação da Contrainteressada N… S.A., para os termos da ação, foi remetido para a sua sede - cfr. fls. 30-41, 125-126 e 138, todas ref. SITAF;

15. No correspondente aviso de receção foi aposta a informação de que o mesmo foi recebido por P…, constando do mesmo o respetivo número de identificação – cfr. fls. idem;

16. O referido aviso de receção não se encontra assinado – cfr. fls. idem.

II.2. De direito

Embora a sentença recorrida, de 19.10.2021, seja cronologicamente anterior ao despacho interlocutório recorrido, de 20.12.2021, por uma questão de lógica de cognição dos fundamentos apresentados pela Recorrente CI, no âmbito do recurso interposto das decisões constantes deste despacho, e atendendo às repercussões processuais que poderão ser retiradas de uma decisão favorável à Recorrente, neste âmbito, entende-se ser adequado que a ordem de conhecimento dos erros de julgamento invocados se inicie por estes.

Vejamos então por partes.

i) Do erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo ao ter dado sem efeito, no despacho recorrido de 20.12.2021, o que havia ordenado em despacho anterior, proferido em 09.12.2021 – cfr. fls. 3131, ref. SITAF.

Alega a Recorrente CI que o despacho recorrido, de alguma forma, não poderia ter “revogado” o despacho anterior, por esgotamento do poder jurisdicional e por se consubstanciar uma decisão surpresa.

Mas sem razão.

Desde logo porque o despacho anterior, de 09.12.2021, ao determinar que « notifique a Contra-Interessada N… para, no prazo de 2 dias, indicar a morada do Posto dos CTT a que se refere no seu requerimento de 24.11.2021.

Após fornecimento dos dados solicitados, notifique o Posto dos CTT em causa para, no prazo de 5 dias, vir identificar o funcionário que procedeu à entrega do ofício de citação da Contra-Interessada N… e, bem assim, para prestar os esclarecimentos que tiver por convenientes quanto aos procedimentos adoptados para efeitos de entrega do expediente em questão.», nada decide, pois que apenas determinou a prática de diversos atos nos autos, pelo que não faz sentido falar em “esgotamento do poder jurisdicional”.

Assim como não é correto aplicar a figura da decisão surpresa, pois que esta apenas surge quando existe uma violação do princípio do contraditório, em desrespeito pelo estatuído, designadamente, no art. 3.º, nº 3, do CPC, o que não sucedeu no caso em apreço pois que a Recorrente CI expressamente admite ter sido ouvida em relação a todos os aspetos da decisão tomada no despacho em apreço, e efetivamente foi – cfr. requerimentos de 24.11.2021 e 03.12.2021.

Outra questão é saber se a decisão imediata da suscitada nulidade da citação da Recorrente CI pode ter contendido, designadamente, com o seu direito à prova e com o princípio da proibição de indefesa, o que conheceremos de seguida.

ii) Do erro de julgamento em que incorreu o despacho recorrido ao ter indeferido a prova requerida pela contrainteressada, ora Recorrente CI no seu requerimento de 24.11.2021 – cfr. fls. 3005 e ss., ref. SITAF – do qual consta, designadamente, o seguinte:

«(…)

15°.

A Requerente, que é uma pessoa colectiva constituída sob a forma de sociedade anónima, tem a sua sede social na Rua P….., n.° ……., escritório 3, 1600-8….. Lisboa, desde o dia 30.12.2019 - cf. impressão da certidão permanente online, com o código de acesso 8…-1…..6-1….., mais precisamente a Insc. 8, Ap. 22/2……….., doc. 10.

16°.

A Requerente, fosse através de qualquer legal representante, fosse através de qualquer seu trabalhador, nunca recebeu, incluindo na predita sede, qualquer carta de citação referente aos presentes autos.

17°.

E jamais chegou ao conhecimento da Requerente qualquer citação para a presente acção.

18°.

Pelo que, ou o digno tribunal não efectuou qualquer citação tendo a aqui Requerente como destinatária,

19°.

Ou, então, se a citação foi expedida, esta, por razões que a Requerente desconhece, nunca chegou ao seu conhecimento.

20°.

Mais se refira, aliás, que a Requerente, até à presente data, nunca foi notificada de qualquer termo do processo.

21°.

A Requerente, na realidade, desconhecia completamente a existência do mesmo.

22°.

Razão, pela qual a Requerente também nunca constituiu, anteriormente, mandatário para efeitos destes autos,

23°.

Nem interveio nos mesmos em momento prévio ao do presente Requerimento, designadamente para apresentação da Contestação que entendesse deduzir.

24°.

Conforme já supra se alegou, a Requerente apenas tomou conhecimento da existência do processo em questão e da sentença judicial porque o Município a informou de tal,

25°.

Sendo a Requerente, assim, apanhada totalmente de surpresa!

(…)

Prova Testemunhal

A) Requer-se a inquirição das seguintes testemunhas, a notificar para o efeito:

1- Dr. P…, com domicílio profissional na sede da ora Requerente;

2- Dr. P…, com domicílio profissional na sede da ora Requerente;

3- Dr. J…, com domicílio profissional na Avenida ……, n.° ……, …. ….., …. - ….. Lisboa;

B) Mais requer a V. Ex.a que, no caso do digno tribunal ter expedido a citação e/ ou a notificação da sentença para a Requerente, por via postal, se oficie o posto local dos CTT de Lisboa (do conhecimento da Requerente, será o Posto de Carnide), a fim de vir indicar a identificações do(s) seu(s) funcionário(s) que terá(ão) executado a entrega de tal citação e/ou notificação na sede da Requerente (Rua P…, n.° ….., escritório…., 1…-… Lisboa, freguesia de C….., concelho de Lisboa).

No seguimento de tal indicação, aquele(s) funcionário(s) seja(m) notificado(s) pelo tribunal a fim de serem inquirido(s) como testemunha(s), pois afigura-se que o seu depoimento será essencial para a descoberta da verdade material e para a boa decisão do presente Incidente.

Junta: 10 documentos (…)».

O tribunal a quo, ao decidir, considerou, em suma, o seguinte:

«(…) A propósito das formalidades da citação, como bem salienta a N…, decorre do disposto nos artigos 223.°, n.°s 1 e 3 e 246.°, n.° 2 do Código de Processo Civil (CPC) que a citação das pessoas colectivas é efectuada por meio de carta de citação endereçada para a respectiva sede no caso de a mesma se encontrar inscrita no ficheiro central de pessoas colectiva do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (como é o seu caso), sendo citadas na pessoa dos seus legais representantes, mas considerando-se, ainda, pessoalmente citadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.

Desde logo se constata que tais formalidades foram cumpridas no caso em apreço, por se verificar que o ofício de citação da Contra-Interessada, para os termos da presente acção, foi remetido para a sua sede (cf. 30-41, 125-126 e 138 dos autos).

Mais se constata que no correspondente aviso de recepção se encontra aposta a informação de que o mesmo foi recebido por P…, constando ainda do mesmo o respectivo número de identificação.

Ora, relativamente ao invocado pela N… quanto ao facto de o aviso de recepção não se encontrar assinado pelo referido P…, não correspondendo os escritos dali constantes à sua assinatura, cumpre chamar aqui à colação a Lei n.° 10/2020, de 18 de Abril, a qual estabelece o regime excepcional e temporário quanto às formalidades da citação e da notificação postal, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.

Decorre do artigo 2° do diploma em análise o seguinte:

“() 1 - Fica suspensa a recolha da assinatura na entrega de correio registado e encomendas até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID -19.

2 - A recolha da assinatura é substituída pela identificação verbal e recolha do número do cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio idóneo de identificação, mediante a respetiva apresentação e aposição da data em que a recolha foi efetuada.

3 - Em caso de recusa de apresentação e fornecimento dos dados referidos no número anterior, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente na carta ou aviso de receção e devolve-o à entidade remetente.

4 - Nos casos previstos no número anterior, e qualquer que seja o processo ou procedimento, o ato de certificação da ocorrência vale como notificação, consoante os casos.

5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, as citações e notificações realizadas através de remessa de carta registada com aviso de receção consideram-se efetuadas na data em que for recolhido o número de cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio legal de identificação.

6 - O disposto neste artigo aplica-se, com as necessárias adaptações, às citações e notificações que sejam realizadas por contacto pessoal" — realce nosso.

Ou seja, à luz da norma transcrita, a qual se mantém ainda em vigor, não é actualmente exigida a assinatura do aviso de recepção de correio registado, a qual se dispensa e é substituída pela identificação verbal e recolha do número do cartão de cidadão de quem recepciona o correio, tanto bastando para que se considere efectuada a citação realizada através de remessa de carta registada com aviso de recepção.

Bem se compreende, portanto, que o aviso de recepção referente à citação da Contra- Interessada não se encontre assinado, mas não tinha de o ser, bastando para a perfeição da respectiva citação a identificação, pelo distribuidor do serviço postal, da pessoa que recepcionou o ofício em discussão e do seu número de identificação, o que foi concretizado em 11.08.2021 — data em que, portanto, se considera efectuada a citação da Contra-Interessada N…, nos termos do artigo 2.°, n.° 5 da Lei n.° 10/2020.

Já no que se refere ao alegado pela Contra-Interessada quanto à circunstância de P… se encontrar de férias na referida data e, por esse motivo, não podia o mesmo ter recepcionado o ofício de citação, decorre da análise dos documentos constantes dos autos (concretamente do aviso de recepção de fls. 138 dos autos e da declaração de fls. 3129) que o número de identificação aposto no aviso de recepção corresponde efectivamente ao número de cartão de cidadão de P….

Atendendo a tal circunstância, assume-se como inverosímil a tese da Contra-Interessada de que o distribuidor postal não entregou o ofício em discussão a P…, porque na verdade conseguiu apurar correctamente o respectivo número de identificação, dados que naturalmente apenas poderia obter se tal lhe fosse transmitido por quem recebeu o correio.

Por conseguinte, à luz dos elementos documentais contantes dos autos, forçoso é concluir que a citação da Contra-Interessada N… foi efectuada em cumprimento das formalidades legais impostas para esse efeito, tendo o ofício de citação sido remetido para a sua sede, tal como constante do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, tendo o mesmo sido recepcionado por quem se encontrava naquelas instalações e se comprometeu a entrega-lo ao destinatário, o qual não procedeu à assinatura do aviso de recepção, mas foi correcta e devidamente identificado pelo distribuidor postal, à luz das prescrições constantes da Lei n° 10/2020. (…)». (sublinhados nossos).

Desde já se adianta que o assim decido não é para manter. Vejamos porquê.

A citação é «o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa» - cfr. art. 219.º, nº 1, do CPC.

As nulidades do processo, importando a anulação do processado, são desvios do formalismo processual, que operam através da prática de um ato proibido, por omissão de um ato prescrito na lei ou através da realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.

A não citação do réu implica a nulidade do processado posterior – cfr. art. 187.º do CPC, ex vi art.s 1.º e 23.º, do CPTA -, desde que a falta não se encontre sanada.

Há falta de citação nas situações descritas nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 188.º CPC, designadamente, «Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável» -cfr. respetiva alínea e).

Sobre as garantias ínsitas ao ato de citação, e com particular interesse para o caso em apreço, importa ter presente a jurisprudência do Tribunal Constitucional, sintetizada no acórdão n.º 773/2019, de 17.12.2019, nos seguintes termos:

«(…) a modalidade da citação por via postal simples não é, por si só, necessariamente e seja qual for o caso a que se aplique, incompatível com a Constituição; sê-lo-á, contudo, por violação do princípio constitucional da proibição de indefesa, consagrado no seu artigo 20.º, quando não oferecer, desde logo, as garantias mínimas de segurança e fiabilidade e tornar impossível ou excessivamente difícil a ilisão da presunção de recebimento da citação. (…) Não impondo a Constituição a adoção de qualquer forma específica para tais atos, que cumpre ao legislador escolher, no exercício dos poderes autónomos que marcadamente detém no domínio do processo civil, proíbe claramente soluções que se bastem com uma probabilidade remota ou vaga de conhecimento pelo réu da citação ou impeçam a demonstração por este do seu não conhecimento; a norma que regula a forma de realização do ato de citação deve, pois, dar garantias mínimas de segurança e fiabilidade e não pode tornar impossível ou excessivamente difícil a ilisão da presunção de recebimento oportuno desse ato, sob pena de incorrer em violação do princípio constitucional da proibição de indefesa, consagrado no seu artigo 20.º.» (sublinhados nossos).

Nesta medida, as exigências garantísticas que decorrem da doutrina que dimana da citada jurisprudência constitucional quanto à citação por carta simples, no pressuposto de esta poder tornar impossível ou excessivamente difícil a elisão da presunção de recebimento oportuno desse ato, têm de estar subjacentes também à possibilidade de prova em tribunal para o mesmo efeito.

Ou seja, se é certo que a o art. 20.º da CRP não proíbe em absoluto que a lei extraia de determinados factos certos, a presunção de que o réu ou requerido tomou ou podia ter tomado conhecimento do ato de citação ou notificação de modo a exercer em tempo o direito de defesa, esta não proibição tem como pressuposto que a mesma lei ou que os tribunais façam assentar essa presunção em elementos fiáveis e seguros e que não se vede ou inviabilize na prática a possibilidade de demonstração do contrário (1).

No caso em apreço a Recorrente CI alega que não chegou a ter conhecimento do ato (da ação) por facto que não lhe foi imputável - cfr. art. 188º, nº 1, alínea e), CPC., tendo apresentado meios de prova, designadamente testemunhal, para o efeito.

E bem, pois que para que se possa concluir pela falta de citação, não basta a alegação pela citanda de que não teve conhecimento do ato de citação, revelando-se ainda necessário que aquela alegue e demonstre não só que tal aconteceu, mas ainda que sucedeu devido a circunstâncias que não lhe são imputáveis (2). E, tratando-se de citação de pessoa coletiva sujeita a inscrição obrigatória no ficheiro central de pessoas coletivas, o recurso à respetiva sede estatutária (constante de tal ficheiro) como domicílio para efeitos de citação não se revela incompatível com os princípios de defesa e do contraditório, também não representando um excessivo ónus para a citanda a obrigação de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior.

Salvaguardando-se, porém, que o exercício do direito de defesa e de acesso à justiça se mostra suficientemente assegurado mediante a possibilidade que é concedida à citanda de ilidir a presunção estabelecida quanto ao conhecimento da citação, nos termos supra enunciados.

Não obstante, o tribunal a quo prescindiu da prova requerida pela Recorrente CI, em virtude de ter considerado inverosímil a tese da Recorrente, conciliada esta com a aplicação do disposto na Lei n.º 10/2020, de 08.04., que veio estabelecer um regime excecional e temporário quanto às formalidades da citação e da notificação postal previstas nas leis processuais e procedimentais e quanto aos serviços de envio de encomendas postais, atendendo à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e à doença COVID-19.

Vejamos.

A referida Lei nº 10/2020 de 18.04, na parte com interesse para o caso em apreço, refere que:

«Artigo 2º

Regime excecional

1- Fica suspensa a recolha da assinatura na entrega de correio registado e encomendas até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.

2 - A recolha da assinatura é substituída pela identificação verbal e recolha do número do cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio idóneo de identificação, mediante a respetiva apresentação e aposição da data em que a recolha foi efetuada.

3 – (…)

4 - Nos casos previstos no número anterior, e qualquer que seja o processo ou procedimento, o ato de certificação da ocorrência vale como citação ou notificação, consoante os casos.

5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, as citações e notificações realizadas através de remessa de carta registada com aviso de receção consideram-se efetuadas na data em que for recolhido o número de cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio legal de identificação.»

Vemos, pois, que mesmo em aplicação deste regime excecional, é necessário que o distribuidor do serviço postal identifique a pessoa que está a receber a carta e que recolha o número do respetivo cartão de cidadão, ou de qualquer outro documento idóneo de identificação, mediante a respetiva apresentação e aposição da data em que a recolha foi efetuada.

É assim necessário que o distribuidor do serviço postal se assegure que alguém recebe a carta e que verifique a sua identidade.

Ora, é nosso entendimento que a citação da Recorrente CI no autos em apreço, ao abrigo da citada Lei n.º 10/2020, não garante, com absoluta certeza, e ao contrário do que concluiu o tribunal a quo, que a CI, ora Recorrente, efetivamente tomou conhecimento do ato de citação transmitido desse modo, apenas permitindo concluir, verificado o primeiro daqueles pressupostos, que a CI provavelmente a recebeu ou que, atuando com a diligência de um bom pai de família, a podia ter recebido.


A harmonização dos interesses em conflito, o interesse da seriedade do ato de citação e o interesse de proteger a saúde pública em contexto de pandemia, não pode deixar de passar pela adoção de soluções que importem, para cada um deles, a compressão que se mostre necessária à salvaguarda do outro, sem afetação do respetivo conteúdo essencial.

Salvaguarda essa que entendemos não ter realizado o tribunal a quo na aplicação que fez das disposições legais aplicáveis ao caso em apreço, pois que, perante a inexistência de assinatura da pessoa que foi identificada no aviso de receção como tendo recebido a carta de citação, avançou, depois de concluir pela inverosimilhança da tese da Recorrente CI, prescindindo dos meios de prova, designadamente, testemunhais, pela mesma oferecidos.

Note-se que este procedimento não permite, na verdade, um comprovativo da receção da citação, consubstanciando, de facto, um modo excessivamente simplificado, porventura justificado dado o contexto de pandemia vigente, embora não seja questão sobra a qual se imponha discorrer no âmbito do presente recurso, para efetivação de uma citação.

De todo o exposto, conclui-se que a citação da CI Recorrente, tal como resulta ter sido efetuada nos autos – cfr. factos n.º 14 a 16 - exigia que o tribunal a quo, perante a suscitação do incidente de nulidade da mesma, permitisse à CI ter feito a prova que se propôs fazer sobre essa questão – cfr. requerimento de 24.11.2021, transcrito supra -, por forma a poder assim ilidir a presunção, cujo ónus de elisão, aliás, sobre si recaía (3) - cfr. citado art. 188.º do CPC.

Mais devendo ter ainda bem presente, o tribunal a quo, que, «Persistindo a dúvida se o réu teve ou não conhecimento da citação deve concluir-se pela nulidade da citação, por força dos artigos 188.º n.º1 e) e 191.º n.º1, do CPC.», cfr. ac. STJ de 06.06.2019, P. 1202/15.0T8BJA-A.E1.S1 (4).


Em face do que se impõe revogar o despacho recorrido, nesta parte, por violação do direito à prova e por consequente violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da CRP, conforme melhor explicitaremos infra.

Em face do que, e não obstante os restantes vícios imputados ao despacho recorrido se pudessem considerar prejudicados pelo assim decidido, considera este tribunal de recurso que, ainda assim, o conhecimento do último erro de julgamento que foi imputado a este despacho, permite uma análise mais completa da questão em apreço, razão pela qual do mesmo conhecerá também.

iii) Do erro de julgamento em que incorreu o despacho recorrido ao ter considerado que mesmo que a citação da Recorrente CI não tivesse ocorrido, tal facto seria irrelevante pois que não determinaria a anulação de todo o processado, em virtude de não se estar perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo.

Vejamos por partes.

Da presunção não ilidida de que a citação da Recorrente CI foi efetuada nos presentes autos.

Atentemos na fundamentação do despacho recorrido:

«(…) ainda que se admitisse que existiu qualquer irregularidade na citação efectuada), à situação em apreço sempre seria de aplicar o disposto no artigo 190.° do CPC, com as necessárias adaptações (considerando que não estamos perante um caso de pluralidade de réus em sentido estrito, mas sim de várias partes processuais do lado passivo — a entidade demandada e as contra-interessadas).

Do disposto nas alíneas a) e b) da norma em questão decorre que apenas nos casos de litisconsórcio necessário é que a falta de citação de uma das partes passivas determina a anulação do processado posterior à citação, nada se anulando se estivermos perante litisconsórcio voluntário.

Ora, no que concerne à intervenção da Contra-Interessada nos presentes autos, julgamos efectivamente que a mesma se reconduz a uma situação de litisconsórcio voluntário.

Não se desconhecendo as divergências jurisprudenciais e doutrinais quanto a esta matéria, este Tribunal segue a posição da mais recente doutrina a este propósito, no sentido da inadmissibilidade da figura do litisconsórcio necessário passivo como figura enquadradora da relação Administração/contra-interessado, por a mesma parecer ser uma transposição acrítica dos quadros existentes no Direito Processual Civil, os quais, porém, não se coadunam com a especificidade das relações jurídicas subjacentes ao contencioso administrativo. (…) cf. Francisco Paes Marques, O estatuto processual dos contra-interessados nas acções impugnatórias e de condenação àprática de acto administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa n.° 124, 2017, pág. 33. De resto, no mesmo sentido aponta a posição mais recente de Mário Aroso de Almeida relativamente a esta questão (cf. Manual de Processo Administrativo, 5.a edição, 2021, págs. 271-272), (…) de acordo com o qual “(…) o objecto destes processos não se define por referência às situações subjectivas dos contra- interessados, titulares de interesses contrapostos aos do autor, mas à posição em que a Administração se encontra colocada, no quadro do exercício dos seus poderes de autoridade. Com efeito, a discussão em juízo centra-se na questão de saber se a Administração agiu ou não de modo ilegal e, por isso, se se anula ou não o acto administrativo, ou se se condena ou não a Administração a praticar o acto recusado ou omitido. Esta circunstância torna questionável o enquadramento que à situação dos contra-interessados tem sido dado no instituto do litisconsórcio necessário, que, por isso, parece dever ser objecto de revisão crítica ()”.

Não se contesta a ideia de que os contra-interessados são parte dos processos administrativos impugnatórios, como é o caso dos presentes autos, podendo neles intervir. Todavia, não julgamos que tal intervenção tenha subjacente um litisconsórcio necessário, regime que aqui se afasta.

Assim sendo, ainda que se verificasse alguma irregularidade que gerasse uma situação de falta de citação (o que como se viu, em todo o caso, não ocorreu), a verdade é que tal nunca teria a virtualidade de implicar a anulação do processado posterior à citação como pretende a N…, por tanto ser afastado pelo disposto no artigo 190.°, alínea b) do CPC — e sendo certo que a Entidade Demandada foi citada, contestou e a sua posição, no sentido da legalidade da adjudicação efectuada à Contra-Interessada N…, foi devidamente ponderada em sede da sentença proferida em 19.10.2021. (…)». (sublinhados nossos).

Valendo aqui todo o exposto sobre o erro do tribunal a quo ao ter prescindido dos meios de prova requeridos pela Recorrente CI, muito particularmente por violação do princípio da proibição de indefesa que decorre do art. 20.º da CRP, erra também o tribunal a quo ao ter consignado a irrelevância do facto de não ter sido citada a CI, em virtude de ter considerado que não se verifica uma situação de litisconsórcio necessário passivo e que, como tal, a referida nulidade da citação, a verificar-se, não determinaria a anulação de todo o processado – cfr. art.s 187.º, 188.º e 191.º, todos do CPC, ex vi art. 23.º do CPTA.

Vejamos.

O litisconsórcio é necessário, segundo dispõem os nºs 1 e 2 do art. 33.º, do CPC, quando a lei ou o contrato o impuserem ou quando resultar da própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.

Este efeito útil normal da decisão a proferir, afere-se pela insusceptibilidade de contradição apenas prática entre julgados, em termos de obstar a decisões que não possam definir estavelmente a situação jurídica sem atingir os diversos interessados na decisão.

De onde decorre que o instituto do litisconsórcio necessário natural visa evitar decisões inconciliáveis sob o ponto de vista prático e, consequentemente, obter segurança e certeza na definição das situações jurídicas.

Neste pressuposto, é para nós certo que o contencioso administrativo é muitíssimo mais permeável às especificidades das relações jurídicas administrativas que lhes estão subjacentes, tendo de atender à sua natureza multipolar ou poligonal, muito mais que a lei processual civil onde, na maior parte dos casos submetidos a litígio, apenas uma dualidade de partes se apresenta com interesses em juízo.

Desta permeabilidade decorrem muitas das especificidades do contencioso administrativo, designadamente, a figura do contrainteressado.

Sem prejuízo da ponderação e conhecimento da doutrina citada no despacho recorrido sobre a necessidade de que a aplicabilidade do instituto do litisconsórcio necessário aos contrainteressados «parece dever ser objecto de revisão crítica» (5), temos para nós que, no caso em apreço não consubstancia o melhor exemplo para que tal revisão critica se efetue.

E isto porque a não citação do contrainteressado adjudicatário, numa ação de contencioso pré-contratual que visa a anulação, entre outros, do ato de adjudicação, como sucede no caso em apreço, não pode deixar de significar a preterição do litisconsórcio necessário passivo, dando lugar à absolvição da instância – cfr. disposições conjugadas dos art.ºs 78.º, n.º 2, al. f), 87.º, n.º 1, al. a), 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 1, al. f), e art. 102.º, do CPTA – e do princípio da proibição de indefesa, por decorrência do art. 20.º da CRP, nos termos supra expostos – pois que o resultado a que o despacho recorrido chega – da irrelevância da não citação do adjudicatário, numa ação de anulação do ato de adjudicação e do contratos, que foi entretanto, celebrado - é, para este tribunal de recurso, um resultado inadmissível, pelas seguintes ordens de razões:

A Recorrente CI, enquanto adjudicatária, tem um prejuízo direto que decorre da procedência da ação de anulação do ato de adjudicação.

Seguindo a delimitação da figura dos contrainteressados, levada a acabo por Francisco Paes Marques (6), o adjudicatário estará incluindo no 1.º grau de interesse em reagir dos diversos sujeitos, na medida em que sofrerá um «prejuízo certo e imediato: sujeitos que encontram no acto administrativo a fonte dos seus direitos ou a consagração de um ónus, obrigação ou encargo que vai ser eliminado ou agravado, consoante os casos, por via da sentença de anulação (licença, acto de concessão), ou sujeitos cuja situação jurídica vai ser eliminada ou agravada por força do acto administrativo praticado na sequência da sentença de condenação (demolição de uma construção, ordem de inibição);».

Por conseguinte, a Recorrente CI deveria ter sido demandada na ação, sob pena de preterição de litisconsórcio necessário passivo.

A exigência da citação dos contrainteressados justifica-se pela necessidade de assegurar a realização do direito ao contraditório (7), exigência essa que decorre das normas da lei de processo nos tribunais administrativos supra citadas mas também do regime do recurso de revisão de sentença. De onde decorre que tenham de ser chamados à ação, em situação de litisconsórcio necessário passivo, não só a entidade que praticou o ato, como R. ou entidade demandada, mas também todos aqueles que são prejudicados pelo provimento do processo impugnatório, quer esse prejuízo resulte diretamente da anulação do ato – como sucede no caso concreto -, quer o mesmo advenha da afetação do interesse legítimo em que o mesmo seja mantido na ordem jurídica, os contrainteressados.

Chamamento que é obrigatório, em virtude de só assim se assegurar que todos aqueles que têm interesse legítimo em contradizer a pretensão apresentada em juízo o possam fazer (8).

Neste sentido tem sido também o entendimento dos tribunais superiores, designadamente, e entre muitos, os acórdãos do Supremos Tribunal Administrativo P. 0267/14, de 19/10/2017; P. 0872/16, de 09/02/2017; P. 01018/15, de 12/11/2015; P. 01438A/03, de 20/12/2007; P. 0756/05, de 17/07/2007; P. 0756/05, de 29/03/2006; P. 682/03, de 29/05/2003. Bem como do Tribunal Central Administrativo Sul, P. 323/17.0BEBJA, de 28/02/2018 e P. 488/07.9BELLE-B, de 14.05.2020, sendo que neste, a questão se colocou, precisamente, em sede de recurso de revisão de sentença, e cuja doutrina seguimos de perto, pois que no mesmo tivemos inclusive intervenção.

Acresce que, também por força dos princípios da tutela judicial efetiva, do contraditório e da igualdade das partes, é que nas ações impugnatórias se exige a identificação e posterior demanda de todos os contrainteressados que possam identificar-se a partir da causa de pedir e por via dos elementos documentais trazidos ao processo, aqui se incluindo os elementos inclusos no processo administrativo instrutor, sob pena de a sentença que aí se produza poder vir a ser declarada nula – designadamente no âmbito de um recurso de revisão - por se ter preterido aquela obrigação e, assim, reconhecendo a irrefutabilidade de tais princípios, o legislador consagrou o recurso de revisão como um remédio, embora excecional, que permite destruição dos efeitos do caso julgado nas situações taxativamente elencadas.

No caso em apreço, a Recorrente CI, transitada que estivesse a sentença proferida nos autos, poderia, ao abrigo do disposto no art. 696.º, alínea e), subalíneas i) ou ii), do CPC, interpor recurso de revisão, razão pela qual, imperioso se torna concluir, numa interpretação coerente de todos os preceitos legais citados, que entre a o R. Entidade Adjudicante e a CI adjudicatária, em ação de anulação do ato de adjudicação interposta por terceiro, se verifica um caso de litisconsórcio necessário, razão pela qual errou também o tribunal a quo ao ter concluído pela irrelevância de uma eventual ou efetiva nulidade de citação da CI.

Ao invés, verificada que seja a nulidade invocada, da mesma decorre a anulação de todo o processado após a apresentação das contestações dos demais citados nos autos, e ordenada repetição da citação da CI N…, ora Recorrente, seguindo-se depois os demais termos até final – cfr. citados art.s 187.º, 188.º e 191.º, do CPC, ex vi art. 23.º do CPTA.


Prejudicado fica, assim, o conhecimento dos erros de julgamento imputados à sentença recorrida.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul, em:

a) Conceder provimento ao recurso interposto pela contrainteressada contra o despacho de 20.12.2021;

b) revogar o despacho recorrido na parte em que prescindiu dos meios de prova, designadamente testemunhal, invocados pela contrainteressada, ora Recorrente, em sede de incidente de nulidade da citação, ordenando, em consequência, a baixa dos autos ao tribunal a quo para que proceda em conformidade;

c) não conhecer do recurso interposto pelo Recorrente Município e pela Recorrente contrainteressada contra a sentença proferida nos autos, em virtude de o seu conhecimento ter ficado prejudicado pela decisão anterior, mais devendo os autos seguir os demais termos até final, nos termos que melhor constam da fundamentação que antecede.

Custas pela Recorrida na presente instância de recurso.

Lisboa, 17.03.2022

Dora Lucas Neto (Relatora)

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira

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(1) Neste sentido v. ac. do TRL de 27.10.2020, P. 2459/19.3YRLSB-7, disponível em www.dgsi.pt
(2) Cfr. designadamente, ac. TRG de 16.01.2020, P. 3873/19.0T8VNF-A.G1, disponível idem em www.dgsi.pt
(3) Neste sentido v. também ac. de 09.02.2012, Tribunal da Relação de Guimarães, P. 4328/09.6TBBRG-B.G1, disponível em www.dgsi.pt
(4) Também disponível em www.dgsi.pt
(5) Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, op.cit.
(6) Conflitos entre Particulares no Contencioso Administrativo, 1.ª edição, Coimbra, Almedina, 2019, pgs. 557 e 558.
(7) Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pg. 393. No mesmo sentido, v. com muito interesse, Paulo Otero, Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal, in “Em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares”, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2001, pgs. 1075 a 1080.
(8) V. Carlos Fernandes Cadilha, in Dicionário de Contencioso Administrativo, art. 10.º, pgs. 202/204. Também, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos anotado, art. 57.º e, bem assim, Miguel Teixeira de Sousa, in CJA n.º 13, pg. 33.