Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:874/22.4BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:CRISTINA ALEXANDRA PAULO COELHO DA SILVA
Descritores:IRC
AUTOLIQUIDAÇÃO
ART. 131º DO CPPT
RECLAMAÇÃO GRACIOSA NECESSÁRIA
Sumário:I– As causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enumeradas no artigo 615º do CPC, dispondo-se no mesmo que, para além das demais situações elencadas, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Esta situação pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la.
II– Não ocorre qualquer nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos da decisão e o seu segmento decisório quando se julga a impropriedade do meio processual parcial e, em consequência, se absolve a Fazenda Pública parcialmente da instância.
III– Nas situações de autoliquidação, por força do disposto no art. 131º do CPPT, a reclamação graciosa é condição de impugnação judicial.
IV- A inexistência de reclamação graciosa prévia torna o acto inimpugnável e a consequência é a absolvição da Fazenda Pública da instância, por força do disposto no artigo 89º, nº 1, al i) do CPTA.
IV– A obrigatoriedade de reclamação graciosa como condição de impugnação judicial em nada belisca os princípios constitucionais da tutela jurisdicional nem da verdade fiscal.
V- Os actos tributários feridos de vício de violação de lei, quer seja por erro nos pressupostos de facto, quer seja por erro nos pressupostos de direito, são anuláveis e não nulos.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO
T........., S.A., melhor identificada nos autos, impugnou judicialmente, ao abrigo dos artigos 99.º e seguintes do CPPT, as autoliquidações de IVA referentes aos períodos de 07/2016 e 08/2016, no valor de € 245.149,35.
*
O Tribunal Administrativo de Fiscal de Leiria, por decisão de 11 de Maio de 2023, julgou procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.
Não concordando com a decisão, a Impugnante veio dela interpor recurso.
***
A Impugnante, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
I. Estabelece o artigo 615.º, nº 1, alínea c) do CPC aplicável subsidiariamente por via do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, que: 8 “1 - É nula a sentença quando:
(…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”
II. Em sede de impugnação a Recorrente requereu que fosse declarado a nulidade insanável de todo o processado posterior à apresentação das declarações periódicas de IVA por referência aos períodos de tributação de 07/2016 e 08/2016 decorrente dos vícios apontados e que motivaram a apresentação da impugnação judicial subjacente aos autos.
III. Do texto da decisão recorrida, relativamente a esta matéria em concreto, o Tribunal a quo considerou: “Assim declara-se a nulidade parcial dos presentes autos quanto ao pedido de anulação “de todos os atos subsequentes ao ato de liquidação mormente, os processos de execução fiscal nºs ........... e ............., eventuais processos de contraordenação e processos de natureza criminal”, cf. artigo 193.º, n.º 1, do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.”
IV. Assim, atenta a fundamentação ao cimo transcrita, deveria a impugnação judicial apresentada ter sido julgada procedente por provada, ou pelo menos, sido declarada a nulidade insanável dos autos e toda a tramitação subsequente à apresentação das declarações de IVA aqui sindicadas.
V. Ao invés, em sede decisória, o Tribunal a quo decidiu: “Nestes termos, com os fundamentos fáctico-jurídicos expostos, decide-se: a) Julgar procedente a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato e, em consequência, absolver a Fazenda Pública da instância; b) Condenar a Impugnante em custas sem prejuízo da isenção de custas de que beneficia.”
VI. Salvo o devido respeito, que se diga, é todo – cotejada a fundamentação constante da sentença em mérito com o dispositivo que a integra, resulta clara a existência de uma oposição entre o texto da fundamentação e o excerto decisório.
VII. Ambas as proposições apresentadas demonstram-se absolutamente inconciliáveis entre si.
VIII. O que, nos termos do artigo 615.º, nº 1, alínea c) do CPC acarreta a nulidade da sentença recorrida – nulidade que desde já aqui se deixa invocada.
DA DECISÃO PROPRIAMENTE DITA
IX. O presente recurso vem interposto da douta decisão proferida nos autos que julgou procedente a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.
X. Para tanto sustentou que: “Ora, nos termos do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração. (…) Volvendo aos presentes autos é precisamente este o caso em apreciação, ou seja, a apresentação de impugnação judicial sem que a Impugnante tenha apresentado previamente junto da Administração Tributária reclamação graciosa por forma a provocar a emissão de um ato impugnável. De sublinhar que, estando em causa a apresentação de DP´s no ano de 2016 há muito que se encontra precludido o prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, para apresentar reclamação graciosa necessária, cf. factos fixados nas alíneas A) e B) supra. Termos em que procede face ao exposto a exceção dilatória de inimpugnabilidade das autoliquidações de IVA em causa, cf. artigos 131.º, n.º 1, do CPPT artigo 89.º, n.os 1, 2 e 4, alínea i), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT.”
XI. Entendimento esse com o qual a Recorrente não se conformar.
XII. O artigo 131.º, nº 1 do CPPT estabelece que:
“1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.”
O Tribunal a quo considerou que decorrido o prazo de dois anos sem que a autoliquidação haja sido colocada em crise – tal omissão faz precludir o direito de sindicar tal liquidação.
XIII. Entendimento com o qual a Recorrente não se pode conformar por entender e sustentar que tal interpretação consubstancia uma clara situação de indefesa – situação de indefesa essa que é vedada pela própria Constituição.
XIV. Mas não só, tal interpretação afronta o princípio da verdade fiscal na medida em que é dada prevalência à forma em detrimento da matéria.
XV. Ora, tal entendimento interpretativo merece a nossa mais firme censura.
XVI. Desde logo, porque da literalidade da norma resulta que a lei determina um prazo de 2 anos pra apresentar reclamação graciosa prévia à apresentação de impugnação judicial.
XVII. Questionamos… Findos os 2 anos estabelecidos na norma do nº 1 do artigo 131.º do CPPT já não será possível ao sujeito passivo sindicar o ato de autoliquidação?
XVIII. Ora, a resposta à questão só poderá ser, como aliás, terá de ser, negativa!
XIX. Pois, não se pode manter na ordem jurídica uma situação que padece de desconformidade e viola o princípio da verdade fiscal.
XX. Assim, entendemos que, decorridos 2 anos contados do ato de autoliquidação de IVA ainda assim será lícito e legítimo ao contribuinte sindicar tal ato.
XXI. Para tal, ultrapassados que estejam os dois anos estabelecidos no nº 1 do artigo 131.º do CPPT já não terá o mesmo de recorrer previamente à via administrativa (reclamação graciosa) podendo, de imediato, lançar mão do meio de reação judicial – no caso dos autos a impugnação judicial.
XXII. Esta parece-nos a interpretação que melhor se coaduna com o espírito o legislador e que vai de encontro aos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico globalmente considerado.
XXIII. Interpretação contrária, como aquele que é seguida na decisão em mérito ter-se-á de ter por desconforme com a Lei Fundamental e, nessa medida, por mera cautela de patrocínio desde já se deixa aqui invocada a inconstitucionalidade da interpretação normativa efetuada ao artigo 131.º, nº 1 do CPPT quando interpretada no sentido de o recurso à via judicial estar limitado à apresentação no prazo de 2 anos de reclamação graciosa nos casos de autoliquidação, por violação do princípio de proibição da indefesa, enquanto aceção ao direito e aos tribunais – artigo 20º da CRP. MAS NÃO SÓ,
XXIV. Outras razões existem que tributam no sentido por nós pugnado.
XXV. Como resulta da matéria de facto provada, a Recorrente apresentou impugnação judicial onde sindicou os atos de autoliquidação por referência aos períodos de IVA de 07/2016 e 08/2016.
XXVI. Do artigo 102.º do CPPT resulta que:
“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;
f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.
2 - (Revogado.)
3 - Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.
4 - O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias.”
XXVII. Do texto do normativo transcrito resulta quanto ao nº 1 a obrigatoriedade da impugnação judicial ser apresentada no prazo de três meses contados dos factos constantes das alíneas do mesmo nº 1.
XXVIII. Por outro lado, o nº 3 do artigo 102.º do CPPT estabelece que a impugnação judicial poderá ser deduzida a todo o tempo caso o fundamento seja a nulidade.
XXIX. Ora, cotejado o normativo transcrito com os fundamentos vertidos para a impugnação judicial subjacente aos autos e, bem assim, para o pedido formulado pela Recorrente – resulta cristalino que os vícios assacados às autoliquidações sindicadas são, pela sua própria natureza, reconduzíveis à categoria de nulidades.
XXX. Assim, fazendo a subsunção jurídica da factualidade constante dos autos com o estabelecido na disposição normativa do nº 3 do artigo 102.º do CPPT verificamos que as liquidações sindicadas poderiam ser judicialmente impugnadas para além do prazo de 2 anos previsto no nº 1 do artigo 131.º do CPPT.
XXXI. Ao decidir de modo diverso, a douta decisão recorrida violou o estabelecido no nº 3 do artigo 102.º e nº 1 do artigo 131.º, ambos do CPPT.
TERMOS EM QUE, Concedendo provimento ao recurso agora interposto e revogando a decisão recorrida, farão Vossas Excelências a acostumada, JUSTIÇA!
***
A Fazenda Pública não contra-alegou.
***
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
***
Colheram-se os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos.
***
DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 639º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.
No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber:
- A sentença enferma de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão;
- A sentença incorreu em erro de julgamento por erro de Direito.
***
II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
Antes de mais, para efeitos de apreciação da matéria de exceção, fixam-se os seguintes factos:
A) Em 17/10/2016 foi apresentada declaração periódica de IVA em nome da Impugnante referente ao período de julho de 2017, na qual declarou IVA a favor do Estado no montante de €183.102,37 – cf. declaração cujo teor se dá por integralmente reproduzido a fls. 63-68 do SITAF;
B) Em 17/10/2016 foi apresentada de declaração periódica de IVA em nome da Impugnante referente ao período de agosto de 2017, na qual declarou IVA a favor do Estado no montante de €62.046,98 – cf. declaração cujo teor se dá por integralmente reproduzido a fls. 70-75 do SITAF;
C) Em 22/09/2022 foi apresentada a petição inicial que deu origem aos presentes autos, na qual pode ler-se: «(…) 3.º A Exequente e por referência aos períodos de IVA reclamados naqueles processos de execução fiscal procedeu à submissão das respetivas declarações periódicas no mesmo dia 17/10/2016. 4.º Contudo, relativamente às declarações de IVA dos períodos de 07/2016 e 08/2016 a Exequente detetou que tais declarações padeciam de um vício, vício esse que se traduz amiúde, na errónea quantificação no que ao apuramento de IVA a entregar nos cofres do Estado diz respeito, pois que, entre outros lapsos, não foi tido em conta no apuramento, despesas efetuadas pela Exequente. 5.º Algo que influiu claramente nos valores de IVA a deduzir e que forçosamente se repercute no valor do IVA entregar nos cofres do Estado. 6.º Porquanto, caso tais despesas como a aquisição de bens e serviços essenciais ao desenvolvimento da atividade (com IVA dedutível) fossem consideradas, tal importaria um menor valor de IVA a entregar nos cofres do Estado. (…)» (cf. petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e comprovativo de entrega a fls. 1 do SITAF).
***
A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:


“Compulsados os autos e analisada a prova documental que dos mesmos consta não existem quaisquer outros factos com relevância para a apreciação da matéria de exceção.”

***
- De Direito
A recorrente começa por arguir a nulidade da decisão recorrida por entender que na mesma existe uma clara oposição entre o texto da fundamentação e o excerto decisório, nos termos do art. 615º, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil (doravante CPC).
Apreciando.
As causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enumeradas no artigo 615º do CPC, dispondo-se no mesmo que, para além das demais situações elencadas, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
As nulidades das decisões não incluem o erro de julgamento, seja ele de facto ou de Direito (neste sentido, entre muitos outros, o acórdão STJ, de 9.4.2019, Procº nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1., in www.dgsi.pt). Deste modo, podemos afirmar que as nulidades das sentenças mais não são do que vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal. Estamos perante vícios de formação ou actividade que afectam a regularidade do silogismo judiciário da própria decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito. Já, pelo contrário, o erro de julgamento (error in judicando) que resulta duma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), de forma a que o decidido esteja em desconformidade com a lei.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos. Já quando na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional comete um erro de actividade. Os erros da primeira categoria são de carácter substancialafectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade.
Podemos, deste modo, afirmar que as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 615º do Código de Processo Civil visam o erro na construção do silogismo judiciário, nunca estando subjacente às mesmas quaisquer razões de fundo, essas sim, que conduziriam a erro de julgamento.
Concluindo, o erro de julgamento, a injustiça da decisão e a não conformidade da mesma com o direito aplicável, não constituem nulidades da sentença, mas sim erros de julgamento (neste sentido podemos ver Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686).
Em consequência, as nulidades das sentenças ditam a sua anulação, já as suas ilegalidades conduzem à revogação das mesmas (ex vi acórdão STJ de 17/10/2017, tirado no procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.).
No caso que aqui nos ocupa, a recorrente invoca que a sentença recorrida enferma da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 615º do CPC, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão.
Concretizando a sua alegação defende que o tribunal a quo ao ter decidido a nulidade parcial dos presentes autos quanto ao pedido de anulação “de todos os atos subsequentes ao ato de liquidação mormente, os processos de execução fiscal nºs ........... e ..............., eventuais processos de contraordenação e processos de natureza criminal, cf. artigo 193.º, n.º 1, do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT”, e ao não ter, em consequência, julgado a impugnação procedente, incorre numa clara contradição entre a sua fundamentação e o segmento decisório.
Cumpre desde já esclarecer que como jurisprudência constante do STJ, a nulidade da sentença contemplada nesse preceito pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
Neste sentido podemos ver o que é afirmado pelo STJ no seu acórdão de 26/01/2017, no proc. 8838/12.0T8BVNG.P2.S1, com o qual se concorda pelo que transcrevemos no excerto relevante para os presentes autos:
“(…)   III - A causa de nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c), ocorre quando “há um vício real de raciocínio do julgador em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.”.
Em face do exposto, cumpre verificar se a sentença recorrida enferma do vício que lhe é assacado pela Recorrente.
Na sentença recorrida, a propósito da análise da excepção dilatória referente ao erro parcial na forma de processo quanto à alegada falta de citação nos processos de execução fiscal, discorre do seguinte modo:
O erro na forma de processo consubstancia uma nulidade processual que constitui exceção dilatória que determina a absolvição da Fazenda Pública da instância (cf. artigos 193.º, 576.º, n.º 2, 278.º, n.º 1, alínea e) e 577.º, alínea b), do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 2.º do CPPT), exceto se não subsistirem obstáculos à convolação (cf. artigos 97.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT) e 98.º, n.º 3, do CPPT).
Decorre do princípio da tipicidade das formas processuais, consagrado no artigo 2.º, n.º 2, do CPC, que a cada direito corresponde o meio processual adequado para o fazer valer em juízo.
Neste sentido, a análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e a sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve, tal como se sumariou no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 21/06/2018, proc. n.º 1919/10, disponível em www.dgsi.pt, “ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário)”.
Na análise sobre a propriedade do meio processual dever-se-á ainda ter presente que a cada direito corresponde, em princípio, uma única forma processual adequada para esse efeito, não podendo os meios processuais serem utilizados indiscriminadamente, cabendo ao seu autor escolher, dentro do respetivo catálogo legal, aquela que melhor se coaduna para o fim pretendido – cf. neste sentido o acórdão do STA de 30/09/2009, proc. n.º 626/09, disponível em www.dgsi.pt.
De acordo com o disposto no artigo 97.º, n.º 1, alíneas d), n) e o) do CPPT o processo judicial tributário compreende a impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, bem como o recurso dos atos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso, compreendendo ainda a oposição à execução fiscal.
Recorde-se que, tal como se prevê no artigo 204.º, alíneas c) e i), do CPPT, a oposição à execução fiscal poderá ter por fundamento a falsidade do título executivo, bem como quaisquer “fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título”.
E ressalve-se que nos termos previstos no artigo 276.º do CPPT as «decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância.»
Neste sentido segue-se de perto, por se concordar, o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte em 13/12/2018, processo n.º 01128/11, disponível em www.dgsi.pt, de cuja fundamentação se transcreve o seguinte excerto para melhor elucidação: «(…) A oposição, que tem a natureza de uma contestação, visa, em regra, a extinção da execução fiscal, enquanto a nulidade da citação apenas pode determinar a repetição do acto com suprimento das irregularidades que determinaram a anulação e a repetição dos actos subsequentes que, porque dependentes da citação anulada, tenham sido também anulados (cfr. artigo 165.º/2 do CPPT).
Assim, porque a nulidade da citação não tem como efeito a extinção da execução fiscal não pode ser erigida, em circunstância alguma, como fundamento de oposição à execução fiscal.
Há apenas uma situação excepcional em que se admite o conhecimento da nulidade ou falta de citação em processo de oposição, que é quando tal conhecimento seja necessário para analisar qualquer questão que deva ser apreciada na oposição. Isto é, será possível o conhecimento incidental da nulidade quando a questão da sua existência seja uma questão prévia relativamente a qualquer questão incluída no âmbito da oposição - cfr. acórdão do STA, de 07/12/2011, Processo n.º 0172/11 e acórdão do TCAN, de 29/01/2015, proferido no âmbito do processo n.º 00307/13.7BECBR. (…)».
De salientar que a nulidade insanável do processo de execução fiscal também não constitui fundamento de impugnação judicial nem sequer de oposição à execução fiscal como flui da jurisprudência unânime e uniforme proveniente do Supremo Tribunal Administrativo, com a qual se concorda integralmente, espelhada no acórdão proferido em 22/11/2017, processo n.º 0833/17, disponível em www.dgsi.pt, em cuja fundamentação de direito pode ler-se: «(…) Mas, de todo o modo, como refere a sentença recorrida, a nulidade insanável do processo de execução fiscal (por alegada falta de requisitos essenciais do título executivo), quando não puder ser suprida por prova documental, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do art. 204º do mesmo CPPT: deve, antes, ser arguida perante o órgão da execução fiscal (OEF), com a inerente possibilidade de reclamação para o Tribunal Tributário de eventual decisão desfavorável (cfr. a al. b) do nº 1 do art. 165º e o art. 276º, ambos do CPPT, bem como a reiterada jurisprudência mais recentemente firmada, entre outros, nos acórdãos do Pleno desta Secção do STA, de 16/11/2016, no proc. nº 0715/16 e de 06/05/2009, no proc. nº 0632/08. (…)»
(…)
Ora, no caso sub judice, constata-se que a Impugnante formulou o seguinte pedido: «Deve a presente impugnação judicial ser julgada procedente por provada e por via disso, ser anulada a liquidação do imposto por referência aos períodos de 07/2016 e 08/2016 e anulados todos os atos subsequentes ao ato de liquidação mormente, os processos de execução fiscal nºs .......... e ........., eventuais processos de contraordenação e processos de natureza criminal por não ser legalmente devida a entrega do referido IVA.»
E para alicerçar o pedido de anulação da liquidação do imposto, por referência aos períodos de 07/2016 e 08/2016, esgrimiu como causas de pedir nos artigos 15.º a 25.º da petição inicial, em síntese, que “existe um erróneo apuramento do IVA constante das declarações periódicas de IVA dos períodos de 07/2016 e 08/2016”, visando a Impugnante “anulação do ato de autoliquidação com fundamento na errónea quantificação do tributo em causa, nos termos do vertido no artigo 99º, alínea a) do CPPT, na estrita medida em que houve um deficiente apuramento de IVA a entregar nos cofres do Estado”.
Todavia a Impugnante consubstanciou o pedido de “anulação dos processos de execução fiscal nºs 1503201601381296 e ............” nas causas de pedir invocadas nos artigos 26.º a 38.º, 39.º a 44.º e 45.º a 47.º da petição inicial, que se reconduzem à falta de citação pessoal naqueles processos, bem como à omissão de resposta ao requerimento apresentado para dação em pagamento e à nulidade do processado subsequente às DP´s de IVA.
Em matéria de erro na forma de processo ao jurisprudência dos tribunais superiores refletida, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 28/05/2014, processo n.º 01086/13, disponível em www.dgsi.pt, tem-se pronunciado como consta do sumário do aludido acórdão, nos seguintes termos: «I- O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas. II - Tendo aquele que foi chamado à execução fiscal por reversão deduzido impugnação judicial em que pediu a anulação da liquidação que deu origem à dívida exequenda e, do mesmo passo e no mesmo articulado, pedido a anulação da decisão de reversão, verifica-se erro parcial na forma do processo, devendo desprezar-se este último pedido e prosseguir o processo apenas para conhecimento do primeiro, que é o único adequado à forma processual escolhida. (…)»
Deste modo no que concerne ao pedido de anulação dos processos de execução fiscal nºs ........... e ........ com fundamento na falta de citação pessoal naqueles processos, bem como na omissão de resposta ao requerimento apresentado para dação em pagamento e na nulidade do processado constata-se que a forma processual adequada à sua apreciação consiste na reclamação dos atos do órgão de execução fiscal ao abrigo dos artigos 276.º a 278.º do CPPT.
Contudo o pedido de anulação das liquidações de IVA referentes aos períodos de 07/2016 e 08/2016 com fundamento na “errónea quantificação do tributo” é idóneo para ser apreciado em sede de impugnação judicial, cf. artigo 99.º, alínea a), do CPPT.
Assim declara-se a nulidade parcial dos presentes autos quanto ao pedido de anulação “de todos os atos subsequentes ao ato de liquidação mormente, os processos de execução fiscal nºs ............ e ............, eventuais processos de contraordenação e processos de natureza criminal”, cf. artigo 193.º, n.º 1, do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.”
Como facilmente se retira do excerto supra transcrito, o Tribunal a quo declarou a nulidade parcial do presente processo de Impugnação judicial, em virtude de se verificar que existe erro parcial na forma de processo relativamente ao pedido de anulação de todos os actos subsequentes ao acto de liquidação, mormente os processos de execução fiscal, e não, como pretende a recorrente, a nulidade dos processos de execução fiscal como por si peticionado.
Na verdade, e como muito bem é referido pelo Tribunal a quo, a existência de erro na forma de processo, neste caso apenas parcial, origina uma nulidade processual que culmina com a absolvição da Fazenda Pública da instância relativamente a este pedido.
Foi exactamente isto que foi decidido pelo Tribunal a quo, pelo que concluímos, deste modo, que improcede a nulidade da sentença invocada pela recorrente.
*
Vem também a recorrente alegar a existência de erro de julgamento, uma vez que a sentença absolveu a Fazenda Pública da instância por ter julgado procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação de IVA dos meses de Julho e Agosto de 2016.
Sustenta a recorrente nas suas alegações de recurso que, por um lado, a interpretação que o Tribunal a quo efectuou do disposto no art. 131º do CPPT afronta o princípio da verdade fiscal na medida em é dada prevalência à forma em detrimento da matéria, bem como que viola o princípio de proibição da indefesa, enquanto acepção ao direito e aos tribunais previsto no artigo 20º da CRP (conclusões XI a XXIV) e, por outro lado, que as liquidações impugnadas são nulas como tal se deve considerar aplicável o disposto no art. 102º, nº 3 do CPPT (conclusões XXVI a XXXI).
Adiantamos desde já que não se assiste nenhuma razão à recorrente.
Comecemos por apreciar a questão da nulidade das liquidações.
Cumpre, antes de mais, esclarecer que os actos tributários mais não são do que actos administrativos em matéria tributária. Daqui decorre que em matéria de vícios do acto, o regime a aplicar será o constante do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA), como, aliás, resulta da alínea c) do art. 2º da Lei Geral Tributária (doravante LGT).
Como bem sabemos, em regra, os vícios dos actos administrativos implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando a lei expressamente o determine ou quando se verifiquem as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, designadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.
Podemos assim afirmar, duma forma genérica, que os vícios dos actos tributários geradores de anulabilidade são os vícios de violação de lei, seja por erro sobre os pressupostos de facto, seja por erro sobre os pressupostos de direito, bem como vícios de forma.
Um acto encontra-se ferido de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto sempre que ocorra uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do acto. Exemplo disto serão as situações em que a matéria tributável está erradamente quantificada ou se dá como existente um facto tributário que não existiu.
Já, por outra banda, deve afirmar-se que um acto tributário enferma do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito quando na prática do acto tenha sido efectuada uma errada interpretação ou aplicação do direito a aplicar.
Volvendo ao caso dos autos, o que estaria em causa nos autos em apreciação seria um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, uma vez que a recorrente considera que ocorreu uma errada quantificação na matéria tributável aquando da sua entrega das declarações de IVA para os meses de Julho e Agosto de 2016.
Ora, na sequência do acima exposto, tal vício nunca acarreta a nulidade do acto, mas apenas a sua anulabilidade. Em consequência nunca seria de aplicar o disposto no nº 3 do art. 102º do CPPT, como pretende a recorrente.
Assim sendo, improcedente terá de ser o presente recurso por a sentença recorrida não enfermar, nesta parte, do alegado erro de julgamento.
Vem ainda a recorrente alegar que a sentença enferma do mesmo erro de julgamento ao ter considerado que ao caso seria aplicável o disposto no artigo 131º do CPPT, em virtude de estarmos perante uma autoliquidação de IVA e, nestas situações, não tendo a impugnante, ora recorrente, reclamado graciosamente das liquidações nos actos se tornaram inimpugnáveis.
Apreciando.
Os sujeitos passivos de IVA são obrigados, de acordo com o disposto no art. 29º do CIVA, a apresentarem as suas declarações periódicas de imposto, com uma periodicidade mensal ou trimestral, dependendo do seu volume de negócios, donde resulta estarmos perante uma situação de autoliquidação do imposto.
Este diploma legal prevê a possibilidade, no seu artigo 78º, nº 6, de os sujeitos passivos poderem corrigir as declarações por si apresentadas quando as mesmas apresentem erros de cálculo ou materiais.
Na verdade, estabelece aquele preceito que:
6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.”
Por outro lado, estabelece o art. 98º do CIVA, sob a epígrafe “Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução” que:
1 - Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.
2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.
3 - Não se procede à anulação de qualquer liquidação quando o seu valor seja inferior ao limite previsto no n.º 4 do artigo 94.º
Dos dois preceitos supra transcritos resulta que os sujeitos passivos de IVA, têm ao seu dispor dois meios para corrigir erros constantes das suas declarações de IVA, a saber:
- Quando estejamos perante erros materiais ou de cálculo, os sujeitos passivos devem, no prazo de dois anos, regularizar a situação, ao abrigo do disposto no nº 6 do art. 78º do CIVA.
- Quando estejamos perante erros de direito, poderão os sujeitos passivos, no prazo de quatro anos, apresentar um pedido de revisão oficiosa dos actos de autoliquidação, ao abrigo do disposto no citado art. 98º, nº 2 do CIVA (neste sentido podemos ver, entre muitos outros os acórdãos do STA de em 02/12/2020, no proc. nº 0136/14, em 18/11/2020 no proc. nº 01783/13 e de 07/04/2021 no proc. n.º 02315/14).
Em qualquer dos casos, e porque a Administração Tributária não tem qualquer intervenção directa na liquidação, caberá sempre aos sujeitos passivos a obrigação da iniciativa da regularização da situação, seja por via da regularização ao abrigo do art. 78º, nº 6, seja por via do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação, nos termos do art. 98º do CIVA.
Na verdade, nas situações de autoliquidação de imposto, a Administração Tributária não pratica qualquer acto de liquidação, limitando-se a aceitar (sem prejuízo, naturalmente, da possibilidade de inspeccionar os sujeitos passivos) as declarações apresentadas pelos contribuintes e os pagamentos por eles efectuados.
Importa ainda convocar o disposto no art. 131º do CPPT que, sob a epígrafe “Impugnação em caso de autoliquidação”, preceitua o seguinte:
1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.
2 - (Revogado.)
3 - Quando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, não há lugar à reclamação necessária prevista no n.º 1.
Por força deste preceito, sempre que estejamos perante situações de autoliquidação de impostos e, novamente, porque não existe qualquer acto de liquidação praticado pela Administração Tributária, os contribuintes têm de despoletar uma actuação daquela entidade por forma a possuírem um acto administrativo no sentido que lhe é atribuído pelo Código de Procedimento Administrativo (art. 148º) para deduzirem uma impugnação judicial.
No caso do IVA, como já vimos acima, e por força do disposto nos arts. 29º e 40º do CIVA, são os sujeitos passivos quem procedem à entrega das suas declarações de IVA e ao pagamento do imposto ali apurado, pelo que sempre nos encontraremos perante uma situação de autoliquidação e, em consequência, aplicável se torna este art. 131º do CPPT.
A propósito da necessidade de reclamação prévia nos casos de autoliquidação esclarece Joaquim Freitas da Rocha, in Lições de Procedimento e Processo Tributário, 4ª edição, Almedina, pag. 224: “Parece que se pode encontrar um argumento convincente na ideia de que, nestas situações, em rigor, ainda não existe propriamente um conflito de pretensões entre o credor tributário e o sujeito passivo que justifique a entrada em cena de um órgão jurisdicional. Com efeito, até ao momento da autoliquidação, se as coisas decorrerem de acordo com a normalidade, a Administração ainda não manifestou por forma alguma a sua vontade e, consequentemente, ainda nada fez que possa eventualmente lesar o contribuinte. Assim sendo, justifica-se que, antes de ingressar em Tribunal, esta questão mereça uma apreciação por parte daquela e, porventura, a liquidação feita seja alvo de uma correcção que satisfaça as pretensões do interessado”.
De tudo o exposto, resulta que a falta de reclamação graciosa prévia à impugnação judicial, que constitui um requisito necessário de impugnação, determina a inimpugnabilidade do acto de autoliquidação.
A consequência da inimpugnabilidade do acto é verificação dum obstáculo processual ao conhecimento do mérito da causa, uma vez que este constitui uma excepção dilatória cuja consequência é a absolvição da Fazenda Pública da instância.
Baixando ao caso dos autos, a recorrente é sujeito passivo de IVA, com uma periodicidade mensal, pelo que tem de proceder à entrega das suas declarações até ao final do segundo mês a que se reportam as operações, tendo procedido à entrega das suas declarações periódicas de acordo com o determinado no mencionado art. 29º do CIVA, como aliás fez.
Significa isto que para impugnar judicialmente a sua autoliquidação de IVA referente aos períodos de Julho e Agosto de 2016, teria sempre de ter reclamado previamente da mesma por forma a obter um acto administrativo passível de impugnação judicial, nos termos do disposto no art. 131º do CPPT.
Ao não tê-lo feito, verifica-se uma situação de inimpugnabilidade do acto, como bem decidiu a sentença sob recurso.
Defende a recorrente que tal entendimento ofende os seus direitos constitucionalmente consagrados, designadamente o Princípio da Verdade Fiscal e o princípio de proibição da indefesa, enquanto aceção ao direito e aos tribunais – artigo 20º da CRP.
Também aqui não lhe assiste qualquer razão.
Senão vejamos.
Decorre de tudo o acima referido que nos casos de autoliquidação os contribuintes não possuem um acto administrativo praticado pela ATA, pelo que não existe qualquer acto lesivo dos seus interesses praticado por esta.
Por outro lado, e como bem refere o STA no seu acórdão de 27/06/2012, no processo nº 982/11, com o qual se concorda sem reservas, “De resto a invocada violação do princípio constitucional da tutela efectiva, consagrado no artigo 20.º da CRP, não se verifica, pois está claramente assegurada ao contribuinte a impugnação do acto administrativo subsequente à reclamação necessária.
Na verdade, o disposto neste preceito, apenas disciplina o acesso aos meios judiciais, para sindicância de actos praticados pelos próprios contribuintes, em situações de autoliquidação, em nada se limitando o seu direito de recurso aos tribunais, observado que esteja o procedimento imposto por lei. Dele não resulta qualquer inviabilização, ou, sequer, a inadequação da tutela de direitos e interesses dos particulares, limitando-se a impor a existência de uma pronúncia prévia por parte da Administração Tributária que, aliás, nunca se havia pronunciado sobre o acto de autoliquidação. Como vimos, nestas situações de autoliquidação nenhum acto administrativo existe antes da reclamação graciosa prévia.
Acresce ainda que, como ensina José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, 2006, págs. 314 e 315, a propósito dos recursos hierárquicos necessários, “a exigência legal deste pressuposto [a pronúncia administrativa prévia] em casos determinados não contraria o n.º 4 do artigo 268.º da Constituição, tratando-se, (…), de um condicionamento legítimo do direito de acção contra actos lesivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos (…)”. Só “(…) haverá inconstitucionalidade se o percurso imposto por lei para alcançar a via contenciosa suprimir ou restringir intoleravelmente o direito de acesso ao tribunal, ou, por qualquer forma, prejudicar de forma desproporcionada (ou arbitrária) a protecção judicial efectiva dos cidadãos.” Mas admite que “isso, em regra ou por sistema, não acontece, dado que os meios de impugnação administrativa, quando a lei os considere “necessários”, suspendem a eficácia do acto (não havendo necessidade nem ónus de pedir a respectiva suspensão), são informais (e, portanto, de fácil, barata e rápida interposição) e proporcionam diversas vantagens práticas (…)”
Da mesma forma, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, Volume I, Coimbra 2004, pág. 347 e 348, consideram que “não há qualquer inconstitucionalidade na imposição legal de impugnações administrativas necessárias, salvo aí onde, atendendo ao regime estabelecido para o efeito, se possa afirmar existir uma lesão injustificada ou desproporcionada do princípio da tutela jurisdicional efectiva (juízo que, no contexto actual, não deve ser muito rigoroso ou exigente).” Defendem estes autores ser “de aceitar a impugnação contenciosa imediata (à revelia portanto da impugnação administrativa legalmente prevista) não só quando haja inobservância do dever estabelecido na alínea c) do art. 68.º/1 do CPA, mas também, sobretudo, quando – por força da lei ou de determinação administrativa ad hoc – não seja reconhecido efeito suspensivo (do acto impugnado) à impugnação administrativa (v. art. 171.º/1 do CPA).
No caso em apreço estamos perante uma situação em que a lei consagra uma reclamação graciosa prévia obrigatória que também não se vislumbra como possa originar uma lesão desproporcionada e injustificada do princípio da tutela jurisdicional efectiva, tanto mais que, após a decisão dessa reclamação, qualquer que seja o teor da mesma, os contribuintes têm sempre a possibilidade de recorrer aos tribunais.
Neste mesmo sentido tem vindo a ser defendido pelo Tribunal Constitucional, designadamente, no seu Acórdão nº 376/2009, de 23/07/2009, tirado no processo nº 770/07, onde se afirma que “a garantia constitucional proíbe que o legislador ordinário vede a impugnabilidade dos actos lesivos, mas não impede o estabelecimento de pressupostos (processuais) para o exercício desse direito de impugnação, desde que o meio e o regime estabelecido não suprimam nem restrinjam de modo intolerável o exercício do direito de impugnação.”
Ora, não vindo a recorrente esclarecer em que medida é que este regime da reclamação prévia possa restringir o seu direito de impugnação de forma intolerável, nem se vislumbrando, atento a todo o regime jurídico supra analisado, como tal possa ocorrer, improcedente, também, terá de ser julgado o presente recurso nesta parte, confirmando-se a sentença recorrida pois a mesma não enferma do vício de erro de julgamento que lhe vem imputado.
*
CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao total decaimento da recorrente, as custas do presente recurso são da sua responsabilidade. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
***
III- Decisão
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 24 de Abril de 2024
Cristina Coelho da Silva (relatora)


Ana Cristina Carvalho
Maria Isabel Silva