Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2554/23.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/27/2025
Relator:MARCELO MENDONÇA
Descritores:IPDLG
AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA
COMUNICADOS – ELEMENTOS DO PROCESSO CONTRAORDENACIONAL VEDADOS À COMUNICAÇÃO
Sumário:I- Ainda que a “Autoridade da Concorrência” tenha o dever legal de publicitar a sua actividade, não pode emitir comunicados públicos, designadamente, de imprensa, relativos a decisões finais de processos de contraordenação por infracções ao direito da concorrência, com a identificação da empresa visada, de qualquer dos seus colaboradores e de excertos de meios de prova constantes dos autos, antes das decisões se tornarem inimpugnáveis, ou antes de sentença em 1.ª instância, no caso de impugnação contenciosa daquelas decisões.
II- A tal emissão de comunicados opõem-se os direitos fundamentais das empresas visadas, constitucionalmente consagrados, à presunção de inocência e ao bom nome e reputação – cf. artigos 12.º, n.º 2, 26.º, n.º 1, e 32.º, n.º 10, da CRP.
III- Assim, só o poderá fazer quando as decisões em causa se tornem inimpugnáveis, ou a partir da sentença em 1.ª instância, no caso de impugnação contenciosa, como resulta dos artigos 86.º, n.º 6, alínea b), e 88.º, n.º 2, alínea a), do CPP, subsidiariamente aplicáveis “ex vi” dos artigos 13.º, n.º 1, “in fine”, e 83.º da Lei da Concorrência, e do artigo 41.º do DL 433/82, de 27/10.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório.
Autoridade da Concorrência, doravante Recorrente, que no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa) contra si foi deduzida intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias por “J....SGPS, S.A.” e “Dr. J.... Laboratório de Análises Clínicas, S.A.”, doravante Recorridas, em que estas sociedades pediram a intimação da ora Recorrente a abster-se de divulgar publicamente, na sequência da respectiva decisão final no processo de contraordenação sob o n.º PRC/2022/2, antes do respectivo trânsito em julgado, através de “comunicados” relativos a essa decisão ou quaisquer outros meios, a identificação das ora Recorridas (imediata ou através de um link/hiperligação no comunicado a remeter para página electrónica com essa identificação), de qualquer um dos respectivos colaboradores, ou a inclusão de excertos de meios de prova constantes dos autos, inconformada que se mostra com a versão da sentença do TACL, de 11/09/2023, que decidiu, em resumo, julgar procedente a intimação e, em consequência, intimar a ora Recorrente a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, designadamente, a identificação das ora Recorridas, dos colaboradores e, bem assim, a inclusão de excertos de meios de prova, antes do respectivo trânsito em julgado e até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente, contra a mesma veio interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões (transposição feita a partir da peça de recurso inserta no SITAF):
I. A sentença do tribunal a quo decidiu em suma: (i) julgar a exceção invocada pela AdC – incompetência material dos Tribunais Administrativos – improcedente, e (ii) julgar a intimação requerida procedente e, consequentemente, intimar a AdC a “abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, designadamente, a identificação das Requerentes, dos colaboradores e, bem assim, a inclusão de excertos de meios de prova, antes do respetivo trânsito em julgado e até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente.”.
II. O objeto do presente recurso circunscreve-se à decisão de mérito proferida pelo Tribunal a quo, em particular, relativamente à extensão do seu âmbito decisório, na medida em que, como se irá demonstrar, vai além daquilo que foi peticionado, atentando, inclusivamente, contra a própria da Lei da Concorrência e enfermando de vícios que determinam a nulidade da Sentença recorrida, nos termos do n.º 4 do artigo 635.º do CPC ex vi n.º 3 do artigo 140.º do CPTA, e, caso assim não se entenda, na errada aplicação do direito.
Dos Vícios da Sentença recorrida
a) Da nulidade da Sentença recorrida por condenação em objeto diverso do pedido
III. A Sentença do Tribunal a quo está ferida de nulidade conquanto, desde logo, condena em objeto diverso do pedido e, simultaneamente, a sua fundamentação está em oposição com a decisão, como se passa a demonstrar.
IV. A J.... veio com a presente ação de intimação peticionar que a AdC seja intimada “a abster-se de divulgar publicamente, na sequência da respetiva Decisão Final no PRC/2017/11 [retificado para PRC/2022/2], antes do respetivo trânsito em julgado, através de “comunicados” relativos a essa Decisão ou quaisquer outros meios, a identificação das ora Requerentes (imediata ou através de um link / hiperligação no comunicado a remeter para página eletrónica com essa identificação), de qualquer um dos respetivos colaboradores, ou a inclusão de excertos de meios de prova constantes dos autos (...)”.
V. Não obstante, o Tribunal a quo determinou que a questão que cumpria ao Tribunal apreciar e decidir é a de “saber se a Entidade Requerida deve ser intimada a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, antes do respetivo trânsito em julgado.”
VI. O simples confronto entre o peticionado pelas Requerentes, aqui Recorridas, e o thema decidendum identificado pelo Tribunal a quo denuncia desde um primeiro momento a invalidade decisória em que aquele incorreu.
VII. O que as Recorridas pretendem é que nos comunicados da AdC, em que se informa o público de que foi adotada uma decisão final condenatória no presente processo contraordenacional, a Autoridade não possa identificar as Visadas destinatárias de tal decisão e, adicionalmente, que não possa, para efeitos de enquadramento do processo contraordenacional em questão, remeter para a respetiva ficha de processo.
VIII. Em suma, o pedido das visadas era (somente) o de proibir que a AdC emita comunicados sobre a adoção de decisões condenatórias, ou divulgue tal adoção por outras vias, e em que nos referidos comunicados (ou outras vias) identifique as respetivas visadas.
IX. Contudo, tendo o Tribunal a quo julgado procedente a ação de intimação sub judice, não o fez nos moldes do peticionado pelas ora Recorridas, extravasando manifestamente o pedido: ao invés de intimar a AdC a abster-se de emitir/divulgar comunicados sobre a adoção de decisões finais condenatórias em que identificasse as Visadas, o Tribunal auo intima a AdC a “abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, designadamente, a identificação das Requerentes, dos colaboradores e, bem assim, a inclusão de excertos de meios de prova, antes do respetivo trânsito em julgado e até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente.”
X. Esta pronúncia ultra petitum dá-se se o Autor pede uma coisa e o tribunal condena noutra, ferindo de nulidade a decisão do tribunal, nos termos da alínea e) do artigo 615.º do CPC.
XI. Ao invés de intimar a AdC a abster-se de divulgar publicamente a decisão final do PRC/2022/2, através de comunicados relativos a essa decisão, a Sentença recorrida impõe que a AdC se abstenha de “de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2”, sem limitar essa imposição ao âmbito dos referidos comunicados.
XII. Significa isto que, a AdC não foi intimada a abster-se de divulgar comunicados relativos à adoção da sua decisão final no âmbito do processo contraordenacional, mas sim, intimada a abster-se de divulgar publicamente/publicar a decisão final, impedindo, portanto, a AdC de publicá-la na sua página eletrónica (publicação esta, que como se viu anteriormente, constitui um dever legalmente imposto à AdC) Cf. p. 33 da sentença recorrida.
XIII. Quer isto dizer que não só, a Sentença recorrida condenou em objeto diferente do pedido formulado pelas ora Recorridas, como extravasou os limites do peticionado, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância.
XIV. A sentença deve estar, pois, limitada pelo pedido do autor, não podendo o juiz condenar em objeto diverso do pedido formulado, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 609.º do CPC. XV. Extravasado esse limite, a sentença é, pois, nula nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
XVI. Ora, no caso sub judice é precisamente isso que se verifica: o pedido formulado pelas ora Recorridas circunscrevia-se à intimação da AdC a abster-se de emissão de comunicados de imprensa que divulgassem a decisão final do PRC/2022/2; no entanto, ao invés de a Sentença recorrida condenar a AdC nos moldes delimitados pelo peticionado, intimou a aqui Recorrente a abster-se de divulgar publicamente a decisão, o que se traduz numa condenação muito mais abrangente do que aquela que foi peticionada.
XVII. Deve, assim, imperativamente julgar-se a nulidade da Sentença recorrida dado que o Tribunal a quo intima a AdC em objeto diverso do pedido formulado pelas Recorridas, nos termos e para os efeitos da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC aplicável ex vi n.º 3 do artigo 140.º do CPTA, b) Da nulidade da Sentença recorrida por oposição entre os fundamentos e a Decisão
XVIII. Uma leitura da Sentença basta para concluir que estamos perante uma oposição entre os fundamentos e a Decisão a dois níveis: (i) Em primeiro lugar, o Tribunal a quo cita um acórdão do TCAS e suporta-se no mesmo (ou em passagens do mesmo) para fundamentar a abstenção da AdC em emitir/publicitar comunicados sobre adoção de decisões finais e, depois, no 26 dispositivo da sentença, o conteúdo decisório respeita à publicação de decisões finais condenatórias (e não de comunicados); (ii) Em segundo lugar, quando o Tribunal a quo analisa o âmbito temporal da intimação tal como peticionado pelas Requerentes – “não antes do trânsito em julgado” – o Tribunal suportando-se igualmente em arestos anteriores, explicita por que razão tal âmbito temporal deverá estar circunscrito até à decisão judicial de 1.ª instância, fazendo o paralelo com o processo penal. Pois também neste ponto, o Tribunal a quo fundamenta num sentido para, de seguida decidir noutro, em manifesta contradição com a fundamentação.
Primeira Contradição
XIX. O Tribunal a quo apreciou o litígio para o qual foi chamado a pronunciar-se, socorrendo-se dos fundamentos e do conteúdo decisório do Acórdão proferido pelo TCAS de 9 de fevereiro de 2023, no âmbito do processo n.º 1553/22.8BELSB (que remete para o Acórdão do TCAS de 20.1.2022, proferido no processo n.º 1282/21.0BELSB) para explicitar por que razão aqui não estão em causa o n.º 6 do artigo 32.º e n.º 1 do artigo 90.º da Lei da Concorrência.
XX. Nesse sentido, o Tribunal a quo entendeu que a publicação das decisões finais condenatórias previstas no n.º 6 do artigo 32.º e n.º 1 do artigo 90.º da Lei da Concorrência não era o dever que importava apreciar nos presentes autos porquanto o peticionado pelas Requerentes respeitava à possibilidade de emissão de comunicados a divulgar a adoção de decisões finais condenatórias, realidade distinta do dever legal imposto por aquelas normas.
XXI. Acompanhado o Acórdão citado, o Tribunal a quo afastou aqueles normativos porque entendeu precisamente que está em causa a emissão de comunicados por parte da AdC a publicitar a adoção de decisões finais condenatórias e não a publicação das decisões finais.
XXII. Não obstante, o Tribunal a quo determinou que a questão que cumpria ao Tribunal apreciar e decidir é a de “saber se a Entidade Requerida deve ser intimada a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, antes do respetivo trânsito em julgado.”
XXIII. E decide precisamente em julgar procedente a “presente intimação e, em consequência, intimo a Entidade Requerida a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, (…)”, não fazendo qualquer menção ao comunicado.
XXIV. Do exposto decorre que o Tribunal a quo apresenta uma fundamentação direcionada para a legalidade, ou não, da emissão de comunicados por parte da AdC acerca da adoção de decisões finais, mas, depois, adota um sentido decisório que afronta notoriamente aquela fundamentação, ignorando o tema dos comunicados e circunscrevendo o seu sentido decisório à divulgação pública das decisões finais condenatórias!
XXV. Verifica-se uma notória contradição entre a fundamentação e a decisão.
Segunda contradição
XXVI. A segunda contradição respeita ao âmbito temporal da intimação: o Tribunal a quo determinou que a questão que cumpria apreciar e decidir é a de “saber se a Entidade Requerida deve ser intimada a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, antes do respetivo trânsito em julgado.”
XXVII. Toda a fundamentação da Sentença recorrida se respaldou na argumentação e decisão do supracitado acórdão do TCAS, sendo, por essa razão, de esperar que a Decisão do Tribunal a quo refletisse esse mesmo entendimento, concluindo pela intimação da AdC à abstenção de publicitação da decisão final a ser adotada no âmbito do processo n.º PRC/2022/2, (i) através de comunicados e (ii) antes de a decisão se tornar inimpugnável contenciosamente ou antes da emissão da sentença de 1ª instância, no caso de impugnação contenciosa daquela decisão.
XXVIII. No entanto, esse esperado paralelismo entre a fundamentação da Sentença recorrida e a respetiva Decisão não se verifica.
XXIX. Como resulta da Sentença recorrida, a AdC é intimada a “abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, designadamente a identificação das Requerentes, dos colaboradores e, bem assim, a inclusão de excertos de meios de prova, antes do respetivo trânsito em julgado e até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente”19.
XXX. A decisão da Sentença Recorrida intima a AdC a abster-se de publicar a mencionada decisão final antes do respetivo trânsito em julgado, o que revela uma plena contradição com a fundamentação apresentada, uma vez que esta leva a concluir que a AdC se deverá abster de publicar a decisão final até à prolação da sentença de 1º instância.
XXXI. Da fundamentação da Sentença recorrida, podemos identificar o elenco dos argumentos que conduzem ao entendimento de que a abstenção de publicação de decisões condenatórias por parte da AdC deverá estender-se (apenas) até à emissão da sentença da 1ª instância, numa lógica comparativa com o processo criminal.
XXXII. De seguida, e ainda no âmbito da fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo, este conclui que “é também aqui, como ali, de concluir que a abstenção de emissão de divulgação de comunicados nos termos em causa, nomeadamente identificando as empresas visadas, só deve perdurar até se tornar inimpugnável contenciosamente a decisão administrativa em questão, ou, no caso de impugnação contenciosa daquela decisão administrativa, até à emissão da sentença de 1ª instância.”
XXXIII. Foi, pois, com espanto que se verificou que o dispositivo da Sentença recorrida, a este respeito, é precisamente o oposto da argumentação elencada, tendo-se decidido que a AdC deve abster-se da referida divulgação pública até ao trânsito em julgado da decisão jurisdicional final. 19 Cf. p. 33 da sentença recorrida.
XXXIV. Para além disso, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não só contraria o próprio acórdão citado e no qual a Sentença recorrida baseou toda a sua fundamentação, como contraria a jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente o Supremo Tribunal Administrativo que por acórdão de 14 de julho de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 1556/21.0BELSB, que limitou esta abstenção apenas até à prolação de decisão em 1.ª instância.
XXXV. Sem prejuízo de a AdC discordar do sentido decisório propugnado nos referidos acórdãos, a verdade é que ambos afastam a necessidade do trânsito em julgado da decisão, bastando-se com a decisão da 1.ª instância.
XXXVI. Tal entendimento, ainda que conste da motivação da Sentença recorrida, não tem qualquer correspondência com o dispositivo da Sentença proferida que, ao invés de determinar que a AdC é livre de publicitar (através de comunicados a adoção de) a decisão final do processo n.º PRC/2022/2 após a decisão da 1ª instância em caso de impugnação da referida decisão, impõe que a AdC se abstenha de publicitar/publicar decisões finais até ao trânsito em julgado!
XXXVII. Salvo o devido respeito, é patente a confusão em que o Tribunal a quo incorre entre (i) o que é peticionado, (ii) a sua fundamentação e (iii) o dispositivo/âmbito decisório da sentença recorrida.
XXXVIII. Nestes termos acabados de expor, impõe-se a conclusão de que estamos perante uma clara contradição de lógica e de raciocínio entre os fundamentos narrados na sentença e a construção lógica que conduziu à conclusão e ao dispositivo da mesma.
XXXIX. Há que atender também que não é necessária uma verdadeira oposição entre os fundamentos e a decisão, bastando que ambos sejam diferentes, o que se enquadra no caso em apreço, no que concerne à decisão de intimação da AdC a abster-se de publicar a decisão final condenatória do PRC/2022/2, quando a fundamentação conduz à conclusão de que a AdC deve abster-se de divulgar publicamente da decisão final condenatória, por meio de comunicados.
XL. Este vício que se reporta a uma oposição entre a motivação e a decisão, denota a uma clara contradição entre eles.
XLI. Face ao exposto, estamos perante uma notória oposição entre os fundamentos apresentados e a decisão proferida pelo Tribunal a quo, o que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ex vi n.º 3 do artigo 140.º do CPTA, determina a nulidade da Sentença recorrida.
XLII. Assim, deverá o Tribunal ad quem decretar a nulidade da Sentença recorrida, por manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão nela apresentadas.
Subsidiariamente,
Do manifesto erro na aplicação do Direito
XLIII. O simples confronto entre o peticionado pela Requerentes e o thema decidendum identificado pelo Tribunal a quo denuncia desde logo o erro em que aquele incorreu.
XLIV. O Tribunal a quo julgou a intimação procedente e, consequentemente, intimou a AdC a “abster-se de divulgar publicamente, a decisão final que vier a ser proferida no âmbito do processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, designadamente, a identificação das Requerentes, dos seus colaboradores e a inclusão de excertos de meios de prova, antes do respetivo trânsito em julgado ou até a mesma se tornar inimpugnável”.
XLV. Ou seja, a Sentença recorrida veda à AdC a possibilidade de divulgar publicamente, in casu, publicar a decisão final que vier a adotar no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2. XLVI. Ora, esta decisão é contrária à própria lei que impõe o dever de a AdC divulgar no seu site as decisões proferidas no âmbito dos processos de contraordenação – cf. n.º 6 do artigo 32.º e n.º 1 do artigo 90.º da Lei da Concorrência.
XLVII. O Tribunal a quo entendeu que tais normativos não estavam em causa no presente processo com a chamada à colação do Acórdão do TCAS, de 20.1.2022, proferido no 31 processo n.º 1282/21.0BELSB, citado no Acórdão daquele mesmo Tribunal, de 9.2.2023, proferido no processo n.º 1553/22.8BELSB.
XLVIII. O Acórdão citado afasta aqueles normativos porque entende precisamente que está em causa a emissão de comunicados por parte da AdC a publicitar a adoção de decisões finais condenatórias e não a publicação das decisões finais.
XLIX. Aliás, é até por não estar em causa a publicação de decisões finais e, antes de comunicados, que o TCAS chama à jurisdição administrativa a apreciação desta matéria, na medida em que a possibilidade de a AdC emitir comunicados decorre dos seus Estatutos não estando esta possibilidade integrada especificamente no “processo sancionatório relativo a práticas restritivas da concorrência”, consagrado na secção II da Lei da Concorrência.
L. Ora, quanto à publicação de decisões, há que reiterar que a atuação da AdC tem pleno e expresso respaldo na lei: o n.º 6 do artigo 32.º e n.º 1 do artigo 90.º da Lei da Concorrência.
LI. A decisão final condenatória deve ser integralmente publicada, sendo acautelada, contudo, a informação classificada como confidencial em razão de segredo de negócio.
LII. Do exposto, impõe-se concluir pela plena legalidade da conduta da AdC em divulgar publicamente decisões finais condenatórias e, em segundo lugar, há que reiterar que, ao intimar a AdC a abster-se de divulgar publicamente a decisão final do processo contraordenacional, o Tribunal a quo está a impor que a AdC deixe de praticar um dever a lei expressamente exige.
LIII. Significa isto que a Sentença Recorrida, vem flagrantemente e ilegalmente impedir que a AdC possa divulgar/publicar no seu site a decisão final no âmbito de um processo que já não se encontra sujeito a segredo de justiça, com vista ao cumprimento dos seus deveres de transparência e de promoção de uma cultura de concorrência – cf. n.ºs 6 e 7 do artigo 32.º e artigo 90.º da Lei da Concorrência
LIV. Para além disso, este entendimento do Tribunal a quo não tem qualquer respaldo na lei uma vez que condena à desaplicação de duas normas vigentes sem qualquer fundamentação nesse sentido.
LV. Com efeito, não tendo tais normas sido revogadas e não tendo o Tribunal a quo emitido qualquer juízo de inconstitucionalidade para fundamentar a sua desaplicação, não se vislumbram quais os fundamentos do Tribunal a quo para intimar a AdC a abster-se de fazer tal publicação.
LVI. Quais os direitos, liberdades e garantias que o Tribunal a quo visa proteger com a presente intimação para efeitos de não publicação de decisões finais condenatórias?
LVII. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não o esclarece, razão pela qual não poderá o Tribunal ad quem deixar de repor a validade decisória, suprimindo as nulidades e o manifesto erro na aplicação do direito em que o Tribunal recorrido incorreu.

***
As Recorridas apresentaram contra-alegações, articulando as seguintes conclusões (transposição feita a partir da peça de contra-alegações inclusa no SITAF):
I. O presente Recurso foi interposto pela AdC da douta Sentença de 11.09.2023, que julgou procedente a intimação requerida pelas ora Recorridas e, em consequência, intimou “a Entidade Requerida a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, designadamente, a identificação das Requerentes, dos colaboradores e, bem assim, a inclusão de excertos de meios de prova, antes do respetivo trânsito em julgado e até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente” - cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das presentes Alegações;
II. É atualmente jurisprudência pacífica que a prática da AdC de divulgação daquelas suas decisões, seja através de “comunicados” seja por outros meios, com identificação dos visados, antes de qualquer controlo judicial, viola o direito desses visados à presunção de inocência, ao bom nome e à imagem, como têm decidido unanimemente o STA, esse douto TCA Sul e o TAC Lisboa, que, consequentemente, intimam a ora Recorrente, AdC, a não o fazer (v. Sentenças e Acórdãos juntos aos autos, indicados no n.º 5 supra) - cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das presentes Alegações;
III. A título de âmbito do recurso, verifica-se que, (i) além de a Recorrente não impugnar o decidido quanto à competência do douto Tribunal, (ii) quanto à sua prática (que ainda mantém) de divulgar, através de “comunicados” ou quaisquer outros meios (diretamente ou através de links / hiperligações), a identificação das visadas quando profere uma sua decisão final em processo contraordenacional, também não impugna nas suas Alegações os fundamentos da douta Sentença recorrida (que determinam a decisão), quanto a tal prática violar o direito dos visados à presunção de inocência, ao bom nome e à imagem, como têm decidido unanimemente os nosso Tribunais (v. Sentenças e Acórdãos indicados no n.º 5 supra) - cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das presentes Alegações;
IV. Assim sendo, mesmo considerando o alegado pela Recorrente, a decisão nunca poderia ser de improcedência do pedido de intimação, como referido na al. c) do pedido das Alegações da Recorrente - cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das presentes Alegações;
V. Ainda a título de âmbito do recurso, cumpre referir que, caso seja considerada procedente a arguição de nulidade pela Recorrente - o que não se concede -, não pode deixar de ser considerado, em caso de alteração da decisão proferida na douta Sentença recorrida, o peticionado na P.I. pelas Recorridas quanto à inclusão nos “comunicados” da AdC de links/hiperligações para a página na internet da AdC, com a identificação das visadas - cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das presentes Alegações;
VI. Com efeito, conforme esclarecido nos arts. 76.º e segs. da P.I., tal prática mais não constituiu do que um lamentável estratagema da ora Recorrente de, mesmo 27 quando havia sido intimada pelos Tribunais a não efetuar aquela divulgação, fornecer, por aquela via, à comunicação social, a identificação das visadas - cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das presentes Alegações;
VII. Feita esta referência quanto ao âmbito do Recurso, cumpre referir, em sede de factos, que, além dos factos provados constantes das págs. 16 e 17 da douta Sentença recorrida, devem ainda considerar-se provados os seguintes factos (v. art. 636.º/2 do CPC, ex vi art. 140.º/3 do CPTA), por poderem ser relevantes para a decisão da causa (entre parênteses constam os fundamentos para o facto ser considerado provado): - nos “comunicados” referidos nos n.ºs 2 e 3 dos factos provados a AdC divulga a identificação dos visados (v. Docs. 1, 2 e 3 da P.I.; cfr. arts. 1.º e segs. e 70.º e segs. da P.I. – facto não controvertido); - tal prática continuou a ser adotada pela AdC, nomeadamente em “comunicados” de setembro, outubro e dezembro de 2022 e de fevereiro e abril de 2023 (v. págs. 16 e segs. do Doc. 2 da P.I., não impugnado); - o teor de tais “comunicados” da AdC é concomitantemente reproduzido pela comunicação social (v. Doc. 3 da P.I.; cfr. arts. 1.º e segs. e 70.º e segs. da P.I. – facto não controvertido); - entretanto, mesmo em casos em que a AdC havia sido judicialmente intimada para não efetuar aquela divulgação da identificação das visadas, a mesma passou a colocar no comunicado um link / hiperligação para outras páginas do sítio da AdC em que consta a identificação dos visados (v. arts. 76.º e segs. da P.I. e documentos aí indicados, não impugnados - facto não controvertido); - é referido nas notícias publicadas na sequência desses “comunicados” com aqueles links / hiperligações que, “Na nota, a AdC não revela o nome do fornecedor, mas providencia um 'link' para o processo, onde se pode verificar (…)” a identificação dos visados (v. art. 79.º da P.I. e Doc. 17 aí indicado, não impugnado); - em algumas notícias é indicado que foi a própria AdC que lhes enviou o “comunicado” em causa (v. art. 81.º da P.I., não impugnado) - cfr. n.º 7 do texto das presentes Alegações;
VIII. Relativamente ao alegado pela Recorrente quanto à nulidade da douta Sentença recorrida por condenação em objeto diverso do pedido, é improcedente o invocado pela Recorrente, pois o facto de na douta Sentença recorrida não se fazer referência a “através de “comunicados” relativos a essa Decisão ou quaisquer outros meios”, não determina que se esteja a condenar em objeto diverso do pedido, na medida em que tal não referência decorre do facto de a não divulgação “através de “comunicados” (…) ou quaisquer outros meios” estar compreendido na decisão proferida (v. art. 295.º do C. Civil) - cfr. n.ºs 8 e segs. do texto das presentes Alegações;
IX. Relativamente ao alegado pela Recorrente quanto à nulidade da douta Sentença recorrida por contradição entre os fundamentos e a decisão, também é improcedente o invocado pela Recorrente, pois as passagens do Acórdão referido no ponto (i) do n.º 30 das Alegações da Recorrente, transcritas na douta Sentença recorrida, e que a Recorrente transcreve no n.º 31 das suas Alegações, são referentes à parte da douta Sentença relativa à competência do Tribunal (págs. 4 a 15), que a Recorrente não impugna no presente Recurso, e não à parte da douta Sentença relativa aos fundamentos da decisão de mérito, a final (págs. 16 e segs.) - cfr. n.ºs 13 e segs. do texto das presentes Alegações;
X. Relativamente ao que a Recorrente designa de “Segunda Contradição” (Conclusões XXVI a XLII), também improcede o invocado pela mesma, pois, sem prejuízo do acima exposto e referido infra quanto ao momento até ao qual deve vigorar a intimação da recorrida (até prolação da sentença de 1.ª Instância do Recurso da Decisão Final da Recorrida ou até ao trânsito em julgado), a fundamentação da Sentença recorrida, maxime quanto ao direito à presunção de inocência, ao direito ao bom nome e ao direito à imagem, constitucionalmente consagrados, comporta a decisão proferida na douta Sentença recorrida - cfr. n.º 15 do texto das presentes Alegações;
XI. Finalmente, as Conclusões XLII a LVII das Alegações da Recorrente, restringem-se ao facto de, na interpretação da Recorrente, a Sentença recorrida (i) a ter intimado a não publicar a respetiva Decisão Final e não apenas (ii) a não divulgar, através de “comunicados” relativos a essa Decisão ou quaisquer outros meios, a identificação das visadas (imediata ou através de um link / hiperligação no 29 comunicado a remeter para página eletrónica com essa identificação), de qualquer um dos respetivos colaboradores, ou a inclusão de excertos de meios de prova constantes dos autos - cfr. n.ºs 17 e segs. do texto das presentes Alegações;
XII. Sendo que, nas suas Alegações, a Recorrente não coloca em causa uma sua intimação com o âmbito da 2.ª parte do parágrafo acima (ponto (ii)), como decidido nas doutas Sentenças do TAC Lisboa e Acórdãos do TCA SUL e do STA, indicados acima no n.º 5 do texto e cujas cópias se encontram juntas aos autos - cfr. n.ºs 17 e segs. do texto das presentes Alegações;
XIII. De resto, o invocado pela AdC naquelas Conclusões XLII a LVII das suas Alegações nunca determinaria a improcedência do presente processo, pois a mesma não impugna o decidido quanto à violação do princípio da presunção de inocência, do direito ao bom nome e à imagem, consagrados nos arts. 12.º/2, 25.º, 26.º e 32.º/2 e 10 da CRP - cfr. n.ºs 17 e segs. do texto das presentes Alegações; - Eventual prolação de nova decisão em substituição da proferida na Sentença recorrida
XIV. Sem conceder quanto ao invocado pela AdC, caso seja julgado procedente o suscitado pela mesma, terá que ser proferida nova decisão, sendo que, nesse quadro, o presente processo não pode deixar de ser julgado procedente, nomeadamente atendendo à não impugnação pela Recorrente, AdC, do decidido quanto à violação dos direitos fundamentais da presunção de inocência, do direito ao bom nome e imagem, consagrados nos arts. 12.º/2, 25.º, 26.º e 32.º/2 e 10 da CRP, como tem sido unanimemente decidido pelos nossos Tribunais, devendo a AdC ser intimada conforme peticionado na P.I. - cfr. n.ºs 19 e segs. do texto das presentes Alegações;
XV. Neste sentido, entre outros, Acórdãos de 20.01.2022 e de 17.02.2022 do TCA Sul (Doc. 5 e 6 da P.I.) e Sentença de 04.11.2022 do TAC Lisboa (Doc. 4 da P.I.), sendo que os demais Acórdãos relativos a divulgação referente a Decisões Finais da AdC, acima referidos (Acórdãos de 09.02.2023 do TCA Sul, junto como Doc. 22; Acórdãos de 30.06.2022 e de 14.07.2022 do STA, juntos como Docs. 23 e 30 24), apenas não decidiram no sentido acima referido na parte referente ao período de duração da intimação, limitando a mesma à Sentença de 1.ª Instância que recair sobre o recurso da Decisão Final da AdC e não até ao trânsito em julgado - cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Alegações;
XVI. Assim sendo, cumpre analisar as seguintes questões (a primeira face à prática recente da AdC de, mesmo nos casos que foi intimada pelo Tribunal, colocar links/interligações nos “comunicados” de links/interligações para outras páginas da AdC com identificação dos visados): (i) Da inclusão nos “comunicados” da AdC de links/hiperligações para outras páginas da AdC com identificação dos visados; (ii) Da intimação até ao trânsito em julgado de recurso da decisão da AdC - cfr. n.ºs 20 e segs. do texto das presentes Alegações; - Da inclusão nos “comunicados” da AdC de links/hiperligações para outras páginas da AdC com identificação dos visados;
XVII. Caso seja restringida a decisão à divulgação através de “comunicados” ou outros meios, deve ser feita referência no segmento decisório, como peticionado na P.I., à questão da colocação no “comunicado” de links/hiperligações para outras páginas da AdC com identificação dos visados, pois, conforme acima referido, mesmo nos casos em que a AdC foi intimada a não identificar as visadas, nesta fase, passou a colocar links/hiperligações nos “comunicados” para páginas do seu sítio na internet onde consta essa identificação - cfr. n.ºs 22 e segs. do texto das presentes Alegações;
XVIII. Por isso, tal como peticionado no presente processo, na douta Sentença de 04.11.2022, junta como Doc. 4 da P.I., confirmada pelo douto Acórdão desse Tribunal 09.02.2023, junto como Doc. 22 da P.I. (exceto quanto à questão da intimação até ao trânsito em julgado), decidiu-se o seguinte: “Julgo a presente intimação procedente e, consequentemente, intimo a Entidade Requerida, a Autoridade da Concorrência, a abster-se de divulgar publicamente, na sequência da respetiva decisão final no PRC/2017/11, antes do respetivo trânsito em julgado, através de «comunicados» relativos a essa Decisão ou quaisquer outros meios, a identificação da ora Requerente (imediata ou através de um link / hiperligação no comunicado a remeter 31 para página eletrónica com essa identificação), de qualquer umdos respetivos colaboradores, ou de qualquer das marcas por si comercializadas, e a inclusão de excertos de meios de prova constantes dos autos.” (v. Doc. 4 junto com a P.I. – sublinhado e sombreado nosso; nomesmo sentido, a douta Sentença de 16.12.2022, junta como Doc. 7 da P.I., que não foi objeto de recurso pela AdC) - cfr. n.ºs 22 e segs. do texto das presentes Alegações;
XIX. Com efeito, como esclarecido nos arts. 76.º e segs da P.I., muito recentemente, mesmo após intimada pelos Tribunais, a AdC começou a utilizar aquele estratagema de colocar links/hiperligações nos “comunicados”, para fornecer a identificação dos visados - cfr. n.ºs 22 e segs. do texto das presentes Alegações;
XX. Assim sendo, caso seja restringida a decisão à divulgação através de “comunicados” ou outros meios, deve ser feita referência no segmento decisório, como peticionado na P.I., à questão da colocação no “comunicado” de links/interligações para outras páginas da AdC com identificação dos visados - cfr. n.ºs 22 e segs. do texto das presentes Alegações; - Da intimação até ao trânsito em julgado de recurso da decisão da AdC
XXI. No quadro de eventual nova decisão, outra questão que se coloca (suscitada pela Recorrente em sede de contradição entre os fundamentos e a decisão), é referente à intimação ser até ao trânsito em julgado de recurso da decisão da AdC, como peticionado, ou até à decisão de 1.ª Instância desse recurso - cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;
XXII. A esse respeito cumpre referir que nos doutos Acórdãos desse Tribunal de 20.01.2022 e de 17.02.2022, juntos como Docs. 5 e 6 da P.I. decidiu-se que a intimação era até ao referido trânsito em julgado, decisões que, contudo, foram alteradas nessa parte pelos Acórdão STA de 30.06.2022 e de 14.07.2022 (Docs. 23 e 24 da P.I.), que decidiram no sentido de a intimação ser até à Sentença de 1.ª Instância no recurso da Decisão da AdC (o segundo Acórdão STA seguiu o primeiro), decisão essa que também foi depois seguida no Acórdão desse Tribunal de 09.02.2023, junto como Doc. 22 da P.I. - cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;
XXIII. Com o devido respeito - e é verdadeiramente muito – não podemos concordar com esse entendimento - cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;
XXIV. Como acima exposto, não são aqui aplicáveis as disposições do CPP contidas nas normas dos respetivos arts. 86.º/1/6/b) e 88.º/2/a), na medida em que as mesmas respeitam a situações distintas daquela em causa nos presentes autos, conforme resulta do teor daqueles preceitos - cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;
XXV. Com efeito, a situação aqui em causa (divulgação de “comunicados de imprensa” na página da internet da AdC e envio dos mesmos, pela AdC, para a comunicação social, com identificação dos visados, antes do trânsito em julgado) é bem distinta de o processo ser público e do levantamento do segredo de justiça, sendo manifesto que, uma coisa é ser concedido o acesso ao processo a quem o solicite, ou o mesmo poder ser acedido pelos meios de comunicação social (e estes produzirem as suas notícias), e outra, bem distinta, é a AdC publicitar ativamente os “comunicados” aqui em causa, nos termos e no momento que o faz - cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;
XXVI. Por outras palavras, a conduta adotada pela AdC, e que aqui se discute, não se confunde com a atuação, livre, da comunicação social, de ter acesso a processos penais e poder narrar ou reproduzir peças processuais, nos termos previstos naquelas normas do CPP - cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;
XXVII. São, efetivamente, situações distintas, não sendo, assim, aplicáveis aqueles normativos ao presente caso, em que, reforça-se, o que está em causa é, concretamente, a atuação da AdC, enquanto entidade sancionadora, de forma proativa e ilegal e em violação dos direitos dos visados à presunção de inocência, ao bom nome e reputação, de publicitar ativamente “comunicados” nos moldes em que o faz, isto é, com identificação das empresas visadas em momento em que as decisões divulgadas não são ainda definitivas e podendo ser, por isso, revertíveis - cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;
XXVIII. Tal como é diferente um facto ser narrado pela comunicação social, com referência ao que constatou, de uma narrativa em que a notícia é criada pela própria AdC e é reproduzida na comunicação social referindo-se que foi transmitida pela AdC, como de facto é, através dos “comunicados” em apreço - cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;
XXIX. Em segundo lugar, tendo-se concluído - e bem - que a atuação da AdC em apreço viola o princípio da presunção da inocência, com consagração constitucional (v., nomeadamente, trechos acima transcritos da douta Sentença recorrida, reproduzindo Acórdão desse TCA), não se podia deixar de atentar ao que estipula o art. 32.º/2 da CRP, para se delimitar o âmbito da intimação, maxime que aquele princípio vigora até ao trânsito em julgado - cfr. n.ºs 33 e segs. do texto das presentes Alegações;
XXX. Em terceiro lugar, a prática da AdC aqui em causa, de publicitação ativa da emissão da sua decisão final, com identificação dos visados e juízos valorativos negativos, representa, na prática, a aplicação de uma sanção acessória antes do trânsito em julgado, quando, nos termos do art. 71.º da LdC, a possibilidade de publicação de um extrato da decisão da AdC em jornais, apenas pode ser aplicada após o trânsito em julgado - cfr. n.ºs 34 e segs. do texto das presentes Alegações;
XXXI. Aliás, para além dos direitos fundamentais à presunção de inocência, ao bom nome e reputação, esta prática da AdC viola, ainda, igualmente o direito constitucional da ora recorrida à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20º da CRP, na medida em que lhe é aplicada aquela sanção acessória antes do trânsito em julgado - cfr. n.ºs 34 e segs. do texto das presentes Alegações;
XXXII. Face ao exposto, o Recurso da AdC é totalmente improcedente, sendo que a intimação não deve ser apenas até à sentença de 1.ª instância da impugnação da decisão da AdC, mas sim até ao respetivo trânsito em julgado (v. arts. 32.º/2 e 20.º da CRP e o art. 71.º da LdC).
***
O Tribunal a quo, na sequência do despacho de 26/10/2023, veio ainda considerar que havia cometido um lapso no dispositivo da sentença recorrida, procedendo, como disse, à sua rectificação, nos seguintes termos:
À luz dos poderes confiados pelo artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP e pelo congregado do ante exposto:
- Julgo procedente a presente intimação e, em consequência, intimo a Entidade Requerida a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, designadamente, a identificação das Requerentes, dos colaboradores e, bem assim, a inclusão de excertos de meios de prova, até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente ou até à emissão da sentença de 1.ª instância;
- Sem custas”.
Em consequência, a Recorrente veio em requerimento autónomo restringir o âmbito do recurso (invocando o artigo 617.º, n.º 3, do CPC), mas acabando por o fazer (à restrição) somente quanto ao nível do que qualificou como a “segunda contradição” da nulidade invocada na respectiva alínea “b)”, mantendo todo o demais alegado em recurso.
Por seu turno, citando o mesmo artigo 617.º, n.º 3, do CPC, as Recorridas vieram responder, também em requerimento avulso, a tal alteração, mostrando-se inconformadas com a alteração do decisório da sentença recorrida e pugnando pela manutenção da 1.ª versão do dispositivo inscrito nessa sentença.
Posto isto, as ora Recorridas vieram ainda interpor recurso, à cautela, como dizem, contra o referido despacho de 26/10/2023 (que alterou o decisório da sentença recorrida), apresentando as seguintes conclusões:
I. O presente Recurso vem interposto do segmento decisório da douta Sentença, de 11.09.2023, alterada no seguimento da reforma da mesma operada pelo douto Despacho de 26.10.2023, restringindo-se o Recurso ao âmbito temporal agora determinado no dispositivo da Sentença alterada/reformada, onde passou a constar que a intimação se mantém “até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente ou até à emissão da sentença de 1.ª instância”, ao invés de “antes do respetivo trânsito em julgado e até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente”, como inicialmente decidido e havia sido peticionado pelas ora Recorrentes - cfr. n.º 1 do texto das presentes Alegações;
II. Com o devido respeito – e é verdadeiramente muito –, as ora Recorrentes não podem concordar com a alteração sofrida pela douta Sentença, no que respeita ao âmbito temporal determinado no dispositivo da mesma, razão pela qual interpõem o presente Recurso - cfr. n.º 1 do texto das presentes Alegações;
III. Não está em causa no presente Recurso saber se existia ou não a nulidade que determinou a reforma, mas sim a nova decisão, não tendo antes as ora Recorrentes recorrido da Sentença por a mesma lhes ser totalmente favorável nesta parte, correspondendo ao peticionado - cfr. n.º 2 do texto das presentes Alegações;
IV. Note-se que, face à eventualidade de esse douto Tribunal vir a considerar que se verificava a nulidade invocada pela AdC, as ora Recorrentes já haviam demonstrado nos n.ºs 26 a 36 e nas Conclusões XXI a XXXII das respetivas Contra-Alegações apresentadas em 24.10.2023 (com ref.ª 780907), no Recurso interposto pela Requerida AdC, que a decisão deve manter-se no sentido de a intimação em causa nos autos se dever manter até ao trânsito em julgado de recurso da decisão da AdC (cfr., igualmente, Requerimento apresentado pelas Requerentes em 14.11.2023 (com ref.ª 783986), nos termos do disposto na parte final do n.º 3 do art. 617.º do CPC aplicável ex vi do art. 1.º e do n.º 3 do art. 140.º do CPTA) - cfr. n.º 2 do texto das presentes Alegações;
V. A presente intimação deve manter-se até ao trânsito em julgado de recurso da decisão da AdC, como peticionado, e não até à decisão de 1.ª Instância desse recurso - cfr. n.ºs 4 e segs. do texto das presentes Alegações;
VI. A esse respeito cumpre referir que nos doutos Acórdãos desse Tribunal de 20.01.2022 e de 17.02.2022, juntos como Docs. 5 e 6 da P.I. decidiu-se que a intimação era até ao referido trânsito em julgado, decisões que, contudo, foram alteradas nessa parte pelos Acórdão STA de 30.06.2022 e de 14.07.2022 (Docs. 23 e 24 da P.I.), que decidiram no sentido de a intimação ser até à Sentença de 1.ª Instância no recurso da Decisão da AdC (o segundo Acórdão STA seguiu o primeiro), decisão essa que também foi depois seguida no Acórdão desse Tribunal de 09.02.2023, junto como Doc. 22 da P.I. - cfr. n.ºs 4 e segs. do texto das presentes Alegações;
VII. Com o devido respeito - e é verdadeiramente muito – não podemos concordar com esse entendimento - cfr. n.ºs 4 e segs. do texto das presentes Alegações;
VIII. Em primeiro lugar, como acima exposto, não são aqui aplicáveis as disposições do CPP contidas nas normas dos respetivos arts. 86.º/1/6/b) e 88.º/2/a), na medida em que as mesmas respeitam a situações distintas daquela em causa nos presentes autos, conforme resulta do teor daqueles preceitos - cfr. n.ºs 4 e segs. do texto das presentes Alegações;
IX. Com efeito, a situação aqui em causa (divulgação de “comunicados de imprensa” na página da internet da AdC e envio dos mesmos, pela AdC, para a comunicação social, com identificação dos visados, antes do trânsito em julgado) é bem distinta de o processo ser público e do levantamento do segredo de justiça, sendo manifesto que, uma coisa é ser concedido o acesso ao processo a quem o solicite, ou o mesmo poder ser acedido pelos meios de comunicação social (e estes produzirem as suas notícias), e outra, bem distinta, é a AdC publicitar ativamente os “comunicados” aqui em causa, nos termos e no momento que o faz - cfr. n.ºs 4 e segs. do texto das presentes Alegações;
X. Por outras palavras, a conduta adotada pela AdC, e que aqui se discute, de emissão de “comunicados” não se confunde com a atuação, livre, da comunicação social, de ter acesso a processos penais e poder narrar ou reproduzir peças processuais, nos termos previstos naquelas normas do CPP - cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Alegações;
XI. São, efetivamente, situações distintas, não sendo, assim, aplicáveis aqueles normativos ao presente caso, em que, reforça-se, o que está em causa é, concretamente, a atuação da AdC, enquanto entidade sancionadora, de forma proativa e ilegal e em violação dos direitos dos visados à presunção de inocência, ao bom nome e reputação, de publicitar ativamente “comunicados” nos moldes em que o faz, isto é, com identificação das empresas visadas em momento em que as decisões divulgadas não são ainda definitivas e podendo ser, por isso, revertíveis - cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Alegações;
XII. Tal como é diferente um facto ser narrado pela comunicação social, com referência ao que constatou, de uma narrativa em que a notícia é criada pela própria AdC e é reproduzida na comunicação social referindo-se que foi transmitida pela AdC, como de facto é, através dos “comunicados” em apreço - cfr. n.ºs 10 e segs. do texto das presentes Alegações;
XIII. Em segundo lugar, tendo-se concluído - e bem - que a atuação da AdC em apreço viola o princípio da presunção da inocência, com consagração constitucional (v., nomeadamente, trechos acima transcritos da douta Sentença recorrida, reproduzindo Acórdão desse TCA), não se podia deixar de atentar ao que estipula o art. 32.º/2 da CRP, para se delimitar o âmbito da intimação, maxime que aquele princípio vigora até ao trânsito em julgado - cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;
XIV. Em terceiro lugar, a prática da AdC aqui em causa, de publicitação ativa da emissão da sua decisão final, com identificação dos visados e juízos valorativos negativos, representa, na prática, a aplicação de uma sanção acessória antes do trânsito em julgado, quando, nos termos do art. 71.º da LdC, a possibilidade de publicação de um extrato da decisão da AdC em jornais, apenas pode ser aplicada após o trânsito em julgado - cfr. n.ºs 13 e segs. do texto das presentes Alegações;
XV. Aliás, para além dos direitos fundamentais à presunção de inocência, ao bom nome e reputação, esta prática da AdC viola, ainda, igualmente o direito constitucional das ora Recorrentes à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20º da CRP, na medida em que lhe é aplicada aquela sanção acessória antes do trânsito em julgado - cfr. n.ºs 13 e segs. do texto das presentes Alegações;
XVI. Face ao exposto, o presente Recurso deve ser totalmente procedente, ou seja a intimação não deve ser apenas até à sentença de 1.ª instância da impugnação da decisão da AdC, mas sim manter-se até ao respetivo trânsito em julgado (v. arts. 32.º/2 e 20.º da CRP e o art. 71.º da LdC).
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta Sentença Recorrida, na parte ora reformada, em que consta que a intimação se mantém até a decisão da AdC “se tornar inimpugnável contenciosamente ou até à emissão da sentença de 1.ª instância”, e, consequentemente, ser alterado o segmento decisório da douta Sentença 17 recorrida, substituindo-se pela manutenção da intimação “até ao trânsito em julgado de decisão que decida impugnação da decisão da AdC ou até ao decurso do prazo de impugnação se a mesma não for apresentada”. Tudo sem prejuízo do demais referido nas ContraAlegações apresentadas pelas ora Recorrentes em 24.10.2023, nomeadamente a final nas mesmas.
Em contraponto, a Recorrente primitiva veio deduzir as suas contra-alegações, nos seguintes termos:
A. O presente recurso tem por objecto a parte reformada da Sentença, no seguinte sentido: - Julgo procedente a presente intimação e, em consequência, intimo a Entidade Requerida a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, designadamente, a identificação das Requerentes, dos colaboradores e, bem assim, a inclusão de excertos de meios de prova, até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente ou até à emissão da sentença de 1.ª instância;
B. O TACL vai bem quando fez a correção da Sentença na parte ora reformada.
C. Ao alterar a Sentença para a aplicação da jurisprudência constante do STA de 30.06.2022 e 14.07.2022 o Tribunal a quo faz uma correta aplicação do direito e do sentido decisório do Venerando Tribunal.
D. Tal como decidido pelo STA, a AdC tem o direito/dever de publicitar a sua atividade, nomeadamente, sancionatória no seu portal da internet, ou seja, pode emitir os competentes comunicados de imprensa e divulgá-los – cf. alínea e) do artigo 48.º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, e o n.º 2 do artigo 46.º dos Estatutos da AdC, bem como o n.º 6 e 7 do artigo 32.º e artigo 90.º da Lei da Concorrência4 (na sua redação atual).
E. Mas só até à Sentença da 1.ª instância, deve omitir a identificação dos visados e as marcas que comercializa.
F. O STA entende que sendo o processo público e havendo uma decisão judicial, logo, um escrutínio/controlo judicial da decisão administrativa, tendo os visados exercido os seus direitos de defesa (com a audiência de discussão e julgamento), com discussão da prova, então bastará a emissão da sentença em 1.ª instância jurisdicional para que a publicação possa ser possível, e não já, necessariamente, o trânsito em julgado das decisões jurisdicionais.
G. Com a Sentença os factos do processo ficam assentes e são irrecorríveis, embora não haja uma presunção de culpabilidade, conquanto a decisão é recorrível, já não se justifica o segredo relativamente ao visado que foi alvo de uma decisão final de condenação confirmada judicialmente.
H. Ora este juízo é muito claro e acautela de forma proporcional a preocupação da Recorrente em relação à publicidade e publicação dos comunicados com a divulgação dos nomes dos visados, e o princípio da presunção de inocência, e, ainda, a natureza pública do processo, o direito à informação e a transparência na divulgação da promoção da concorrência.
I. O paralelismo retirado das normas do n.º 1 e alínea b) do n.º 6 do artigo 86.º e alínea a) do n.º 2 do artigo 88.º do CPP, com a situação sub judice é obvia e encontra a sua justificação da efetiva conciliação de forma justa e proporcional entre o princípio da publicidade do processo e o princípio da presunção de inocência, que também se aplica ao processo de contraordenação jus concorrencial, e a possibilidade de emissão de comunicados de imprensa pela AdC no seu portal eletrónico.
J. A publicidade, salvo melhor entendimento, tem a dupla função: de, por um lado, assegurar o pleno exercício do direito de defesa do arguido, e de, por outro lado, assegurar a transparência dos atos processuais e da atividade sancionatória da AdC, dado esta estar obrigada a atuar dentro de parâmetros da estrita legalidade e objetividade.
K. O que não se afigura proporcional é coartar o princípio da publicidade quando após se ter efetuado um controlo judicial da decisão da AdC.
L. O princípio da presunção de inocência não impõe que não haja publicidade do processo e que não possam ser divulgados aspetos do processo, nomeadamente, os nomes dos visados e as marcas que comercializam até ao transito em julgado das decisões, designadamente, através de comunicados.
M. A Recorrente por intermédio da jurisdição administrativa, apenas pretende assegurar que a informação relativa à sua eventual condenação seja do conhecimento do menor número de pessoas possível, preferencialmente tornada praticamente secreta por imposição judicial, contornando a obrigação legal expressamente prevista e integrada sistematicamente na regulação do processo contraordenacional.
N. Sem que o n.º 2 do artigo 32.º da CRP saia sequer beliscado com a jurisprudência do STA, com quanto a presunção de inocência existe até ao trânsito em julgado.
O. Não se entende, perante o exposto, em que medida é que a decisão sob recurso pode ofender o preceituado do n.° 2 do artigo 32.º da CRP nem a Recorrente desenvolve esta temática, limitando-se alegar de forma perfuntória que o princípio da presunção de inocência vigora até ao transito em julgado. O que não é colocado em questão pela parte da decisão e que ora se recorre.
P. Por fim, a questão nova que coloca quanto à natureza de antecipação da sanção acessória de publicação do artigo 71.º da Lei da Concorrência, com a emissão de comunicados pela AdC, deve ser desatendida ou, caso assim não se considere, o que se coloca por dever de patrocínio, mas sem conceder, a mesma deve ser julgada manifestamente improcedente.
Q. A publicação de um comunicado não tem o caracter de sanção ou tampouco a sua antecipação, pois, a divulgação, pela AdC, do comunicado sobre a tomada da Decisão não se confunde com a sanção acessória de publicação da parte da Decisão. A divulgação do comunicado cumpre objetivos inteiramente diversos da aplicação da sanção acessória.
R. A sanção acessória determinada pelo artigo 71.º da Lei da Concorrência impõe uma obrigação concreta às visadas, a expensas suas, ao passo que a divulgação do comunicado, como se reitera, é originada num acto da AdC, levado a cabo no exercício de competências e atribuições pertencente à AdC relativas à missão pedagógica de disseminação de uma cultura de concorrência, tendo como destinatários todos os agentes económicos e público em geral. Esta missão da AdC não se confunde ou consome na atividade sancionatória de práticas anticoncorrenciais, atividade essa que reveste uma natureza e prossegue objetivos diversos e que têm como destinatários, naturalmente, os infratores.
S. Na verdade, a divulgação de comunicados satisfaz o interesse do público em geral de ser informado, com toda a transparência e atempadamente, das atividades que vão sendo levadas a cabo pela entidade reguladora da concorrência, como decorre do artigo 43.º dos Estatutos.
T. A divulgação de comunicados terá naturalmente de ocorrer antes do trânsito em julgado da Decisão proferida pela AdC: a não ser assim, só depois de esgotadas todas as vias jurisdicionais – circunstância que tipicamente leva anos -, incluindo das várias instâncias de recurso (quando admissível) a AdC estaria legitimada a dar conta da sua atividade, podendo acontecer que o público tomasse conhecimento das mesmas transcorrido um ano ou mais anos após a data da decisão.
U. Pelo exposto é manifestamente improcedente o recurso da Recorrente e, como tal, deve ser julgado.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. suprirão deve o presente recurso ser julgado improcedente e mantida a Sentença na parte em que foi reformulada.
O Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
Sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento.
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II - Delimitação do objecto do recurso.
Considerando que são as conclusões recursivas a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente, se ocorrem as arguidas nulidades da sentença recorrida (tendo já em conta a restrição formulada pela própria Recorrente) e se acontece o invocado erro de julgamento.
No que toca, em especial, ao alegado erro de direito, por razões óbvias de simplificação e uniformidade decisória, vamos analisar de forma global e conjunta quer a motivação do recurso inicialmente interposto contra a sentença recorrida, quer a posterior argumentação da resposta e contrarresposta das partes e o novo recurso dirigido contra o despacho de 26/10/2023, por, no essencial, tudo se encontrar conexionado com a mesma e única questão fundamental a decidir, ou seja, no fundo, saber se o Tribunal a quo julgou bem, ou mal, quando decidiu intimar a “Entidade Requerida a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, designadamente, a identificação das Requerentes, dos colaboradores e, bem assim, a inclusão de excertos de meios de prova, até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente ou até à emissão da sentença de 1.ª instância” (esta foi a última versão do decisório final, introduzida pelo despacho de 26/10/2023).
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III - Matéria de facto.
Considerando que a fixação da matéria de facto na sentença recorrida não foi impugnada, mormente, segundo o ónus prescrito pelas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, nem há lugar a qualquer alteração dessa mesma factualidade, remetemos para os termos da decisão da 1.ª instância que a decidiu, conforme o disposto no n.º 6 do artigo 663.º do CPC, aplicáveis tais comandos legais “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA.
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IV - Fundamentação de Direito.
A. Das arguidas nulidades
1) Em síntese, a Recorrente vem dizer que ocorre a nulidade da sentença recorrida prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (condenação em objecto diverso do pedido), porquanto, tendo as ora Recorridas pedido a abstenção da ora Recorrente de divulgar publicamente, na sequência da respectiva decisão final no processo de contraordenação sob o n.º PRC/2022/2, antes do respectivo trânsito em julgado, através de “comunicados” relativos a essa decisão ou quaisquer outros meios, a identificação das ora Recorridas (imediata ou através de um link/hiperligação no comunicado a remeter para página electrónica com essa identificação), de qualquer um dos respectivos colaboradores, ou a inclusão de excertos de meios de prova constantes dos autos, ao decidir o Tribunal a quo a intimação da ora Recorrente a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, designadamente, a identificação das Requerentes, dos colaboradores e, bem assim, a inclusão de excertos de meios de prova, até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente ou até à emissão da sentença de 1.ª instância (já com a formulação do despacho de 26/10/2023), entendem tê-lo feito em objecto diverso do peticionado.
Apreciando.
É certo que há uma diferença entre a formulação literal do que é pedido pelas ora Recorrentes e o que é decidido pelo Tribunal a quo. Escalpelizemos a situação:
i) como atrás vimos, no inscrito em p.i. é pedida, no essencial, na sequência da tomada da decisão final no respectivo processo de contraordenação, a abstenção de divulgação pública, designadamente, através de “comunicados” ou de link/hiperligação a remeter para a página electrónica, de dados relativos às Recorridas, nomeadamente, a sua identificação, de qualquer um dos respectivos colaboradores, ou a inclusão de excertos de meios de prova constantes dos autos;
ii) do decisório em crise, por seu turno, admite-se que, numa primeira leitura, é possível retirar-se a acepção de que o Tribunal a quo visou, tout court, ditar a abstenção de divulgação pública em toda a extensão da decisão final, ou seja, não permitindo à ora Recorrente divulgar qualquer elemento do teor da decisão final do processo de contraordenação.
Mas cremos que é necessário aprofundar a análise daquele decisório, pois da mesma retiramos uma interpretação mais enquadrada. Embora numa redacção não totalmente coincidente com a expressa literalidade do petitório final, não foi bem aquilo que quis dizer a 1.ª instância (impedir a divulgação da decisão final na sua totalidade), pois, se assim fosse, não teria a 1.ª instância a necessidade de, a seguir, ter acrescentado na frase decisória ora em análise a asserção de “designadamente, a identificação das Requerentes, dos colaboradores e, bem assim, a inclusão de excertos de meios de prova”.
O que aqui entendemos ter ocorrido foi outra coisa. Não foi a nulidade nos termos em que as ora Recorrentes aduzem, mas antes uma eventual má interpretação do Tribunal a quo sobre os termos do próprio petitório final avançado na p.i. e a sua conjugação com uma errada expressão final do decisório, no que, em rigor, não consubstancia a causa de nulidade aventada na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, mas um eventual erro de análise/julgamento que acabou por contaminar a feitura do decisório final inscrito na sentença recorrida.
Noutra perspectiva, pode ter havido, também, um erro de análise do Tribunal a quo ou uma confusão entre o dever legal de divulgação a cargo da ora Recorrente, estipulado no artigo 90.º da Lei da Lei n.º 19/2012, de 08/05, que aprovou o Novo Regime Jurídico da Concorrência, e a emissão de comunicados à imprensa sobre a actividade da Recorrente, enquanto realidades distintas, mas que, ainda assim, não traduz a aventada nulidade, mas sim um eventual erro de julgamento.
A propósito da causa de nulidade que ora cuidamos, exemplificativamente, é referido por ALBERTO DOS REIS - cfr. “Código de Processo Civil Anotado, V Vol., pág. 67/68”, que o Juiz «Também não pode condenar em objeto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo).»
No caso dos autos, haveria condenação em objecto diverso se o Tribunal a quo, por exemplo, tivesse decretado a abstenção, não quanto à decisão final produzida no processo de contraordenação n.º PRC/2022/2, mas para a decisão final de outro qualquer processo, ou que abrangesse qualquer outra decisão do processo contraordenacional, que não o despacho final, ou que a abstenção se destinasse a proteger os direitos de qualquer outra entidade arguida que não os das ora Recorridas.
Nestes casos exemplificados, sim, teríamos uma clara condenação em objecto diverso do pedido, coisa que não se verifica na presente situação e, como tal, não ocorre a causa de nulidade preconizada na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
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2) A Recorrente suscita uma nova nulidade, que denomina de “primeira contradição”, alegando em conclusões recursivas o seguinte:
O Tribunal a quo apreciou o litígio para o qual foi chamado a pronunciar-se, socorrendo-se dos fundamentos e do conteúdo decisório do Acórdão proferido pelo TCAS de 9 de fevereiro de 2023, no âmbito do processo n.º 1553/22.8BELSB (que remete para o Acórdão do TCAS de 20.1.2022, proferido no processo n.º 1282/21.0BELSB) para explicitar por que razão aqui não estão em causa o n.º 6 do artigo 32.º e n.º 1 do artigo 90.º da Lei da Concorrência.
Nesse sentido, o Tribunal a quo entendeu que a publicação das decisões finais condenatórias previstas no n.º 6 do artigo 32.º e n.º 1 do artigo 90.º da Lei da Concorrência não era o dever que importava apreciar nos presentes autos porquanto o peticionado pelas Requerentes respeitava à possibilidade de emissão de comunicados a divulgar a adoção de decisões finais condenatórias, realidade distinta do dever legal imposto por aquelas normas.
Acompanhado o Acórdão citado, o Tribunal a quo afastou aqueles normativos porque entendeu precisamente que está em causa a emissão de comunicados por parte da AdC a publicitar a adoção de decisões finais condenatórias e não a publicação das decisões finais.
Não obstante, o Tribunal a quo determinou que a questão que cumpria ao Tribunal apreciar e decidir é a de “saber se a Entidade Requerida deve ser intimada a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, antes do respetivo trânsito em julgado.”
E decide precisamente em julgar procedente a “presente intimação e, em consequência, intimo a Entidade Requerida a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, (…)”, não fazendo qualquer menção ao comunicado.
Do exposto decorre que o Tribunal a quo apresenta uma fundamentação direcionada para a legalidade, ou não, da emissão de comunicados por parte da AdC acerca da adoção de decisões finais, mas, depois, adota um sentido decisório que afronta notoriamente aquela fundamentação, ignorando o tema dos comunicados e circunscrevendo o seu sentido decisório à divulgação pública das decisões finais condenatórias.
Verifica-se uma notória contradição entre a fundamentação e a decisão.
Entendem as Recorrentes que se verifica a causa de nulidade da sentença prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Pois bem, entre outros, explica o acórdão do STJ, de 27/11/2024, proferido no processo sob o n.º 23239/21.0T8LSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt, no seu sumário, que “A nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, c), do CPC, só ocorre quando se verifica “contradição lógica” entre os fundamentos e a decisão”.
Explica o mesmo acórdão, depois, que “Esta nulidade respeita à estrutura da sentença/acórdão (cfr. artigo 666.º CPC), não podendo haver “contradição lógica” entre os fundamentos e a decisão, isto é, quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e, em vez de a tirar, o tribunal decidir noutro sentido, oposto ou divergente, ainda que juridicamente correcto.
A sentença é nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, isto é, quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença expressa – cf. Alberto dos Reis, Cód. Proc. Civil anotado, 5.º/141.
Como escrevem Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 671, “A lei refere-se, na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º (actual 615.º), à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. Neste caso, efectuada por despacho a correcção adequada, nos termos do artigo 667.º, a contradição fica eliminada.
Nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.”.
Ora bem, no caso “sub judice”, não se dá a circunstância da fundamentação da sentença recorrida apontar para uma determinada consequência ou direcção jurídica e a decisão final enveredar por um sentido divergente ou oposto, o que aconteceria, por exemplo, se a fundamentação de direito esgrimida apontasse para a falta de salvaguarda legal dos direitos e interesses pugnados pelas Recorridas, ou seja, para a inexistência do direito clamado e, como tal, para a falta de sustentação do processo intimatório, e, em sentido discrepante, viesse o Tribunal a quo a determinar no decisório final a intimação da Recorrente na abstenção pedida.
Aliás, contrariamente ao aduzido pela Recorrente nas conclusões recursivas, o Tribunal a quo até foi coerente quando, por um lado, elegeu na “Questão a Decidir” que lhe cumpria “saber se a Entidade Requerida deve ser intimada a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo de contraordenação n.º PRC/2022/2 (…)”, e, por outro lado, quando a final decidiu intimar a Entidade Requerida a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2 (…)” – (os sublinhados evidenciam a coincidência e não qualquer divergência). É inegável, portanto, a coincidência entre os dois vectores acima expostos.
Se, bem ou mal, o Tribunal a quo não compreendeu devidamente o petitório final ou expôs erradamente a real pretensão das Recorridas, quer na questão a decidir, quer, depois, na elaboração do decisório final (ainda que, com eventual erro, como afirmámos, o tivesse feito sem divergência), ou até mesmo se convocou argumentação jurídica inaplicável ao caso vertente, ou se confundiu o dever legal de divulgação pública com a possibilidade de emissão de comunicados, ou se, como diz a Recorrente, se socorreu erroneamente do apoio de jurisprudência dos tribunais superiores, tudo isso, na verdade, não constitui, com certeza, a causa de nulidade aventada na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, mas eventuais erros de julgamento/análise da sentença recorrida.
Não se verificam, portanto, as nulidades arguidas contra a sentença recorrida, não sendo despiciendo relembrar que a Recorrente, em requerimento autónomo, abdicou da remanescente nulidade arguida, que havia qualificado de “segunda contradição”.
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B. Do alegado erro de julgamento
A sentença recorrida basicamente suportou na íntegra a sua fundamentação com a argumentação derramada no acórdão deste TCAS, de 09/02/2023, proferido no processo sob o n.º 1553/22.8BELSB, que tratou de uma questão semelhante à ora em mãos.
Vejamos como elabora a sentença recorrida:
Consoante já se adiantou, cumpre saber se a Entidade Requerida deve ser intimada a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, antes do respetivo trânsito em julgado.
Por acompanharmos a fundamentação aduzida, transcrevemos parcialmente o já mencionado Acórdão do TCAS, de 9.2.2023, proferido no processo n.º 1553/22.8BELSB, no qual se expendeu o seguinte:
“(...).”
A partir dali, a sentença recorrida transcreve um longo excerto do predito acórdão, transcrição essa que, ao fim e ao cabo, acaba por também reforçar a fundamentação da sentença, concluindo o Tribunal a quo do seguinte modo:
Por conseguinte, ante exposto, assuma a conclusão que a presente intimação tem de proceder.
E decidindo, por fim, o seguinte:
Julgo procedente a presente intimação e, em consequência, intimo a Entidade Requerida a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, designadamente, a identificação das Requerentes, dos colaboradores e, bem assim, a inclusão de excertos de meios de prova, antes do respetivo trânsito em julgado e até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente”.
O que, depois, como já atrás dissemos, foi alterado pelo despacho de 26/10/2023 para a seguinte formulação:
Julgo procedente a presente intimação e, em consequência, intimo a Entidade Requerida a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, designadamente, a identificação das Requerentes, dos colaboradores e, bem assim, a inclusão de excertos de meios de prova, até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente ou até à emissão da sentença de 1.ª instância”.
Sublinhamos as partes finais dos dois excertos para deixar manifesto, no fim de contas, em que se traduz afinal a diferença entre os mesmos e, nessa senda, perceber as razões do posterior inconformismo das primitivas Recorridas, apenas dirigido contra tal alteração do decisório final, sendo certo que, para efeitos da nossa sindicância, a análise ao eventual erro de julgamento da sentença recorrida também abrangerá de modo conjunto e concertado, como é evidente, a temática do último decisório que foi assumido pelo Tribunal a quo, segundo o despacho recorrido de 26/10/2023 – cf. artigo 644.º, n.º 2, alínea g), do CPC.
Como já deixámos expresso, a questão essencial trazida pelos presentes autos não é nova e foi já objecto de pronúncia uniforme por mais do que uma vez por este TCAS e ainda pelo Colendo STA, porque em todos eles está presente a mesma actuação da ora Recorrente, ou seja, no fim de contas, os comunicados de decisões finais tomadas em processos de contraordenação por infracções ao direito da concorrência.
E aqui, de igual modo, não nos desviaremos do que, fundamentalmente, já foi decidido nesses outros arestos.
É o caso dos acórdãos deste TCAS, de 20/01/2022, proferido no processo n.º 1282/21.0BELSB, e de 17/02/2022, tirado no processo n.º 1556/21.0BELSB, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
E é, também, mormente, a situação do acórdão deste TCAS de 09/02/2023, prolatado no processo n.º 1553/22.8BELSB, disponível em www.dgsi.pt, igualmente citado pela sentença recorrida.
Deste último acórdão, secundamos o seu entendimento, cujo sumário assim se transcreve:
I – Ainda que a “Autoridade da Concorrência” tenha o dever legal de publicitar a sua actividade, não pode emitir comunicados públicos, designadamente de imprensa, relativos a decisões finais de processos de contra-ordenação por infracções ao direito da concorrência, com a identificação das empresas visadas ou de qualquer dos seus colaboradores, referências a marcas comercializadas e excertos de meios de prova constantes dos autos, antes das decisões se tornarem inimpugnáveis, ou antes de sentença em 1ª instância no caso de impugnação contenciosa daquelas decisões.
II – A tal opõem-se os direitos fundamentais das empresas visadas, constitucionalmente consagrados, à presunção de inocência e ao bom nome e reputação – artigos 12º, nº 2, 26º, nº 1 e 32º, nº 10 da CRP.
III – Assim, só o poderá fazer quando as decisões em causa se tornem inimpugnáveis, ou a partir da sentença em 1ª instância no caso de impugnação contenciosa, como resulta dos artigos 86º, nº 6, alínea b) e 88º, nº 2, alínea a) do CPP, subsidiariamente aplicáveis “ex vi” dos artigos 13º, nº 1, “in fine”, e 83º da Lei da Concorrência, e do artigo 41º do DL 433/82, de 27/10.” (destaques nossos).
E acresce dizer que o acórdão do TCAS acabado de citar constitui, no fundo, a adesão ao entendimento formado pelo Colendo STA no acórdão de 14/07/2022, emitido no processo sob o n.º 01556/21.0BELSB, em matéria idêntica à ora “sub judice”, enfatizando-se o seguinte excerto argumentativo, por se relevar a posição que aqui também sustentamos:
10. A problemática trazida a este recurso de revista pela Entidade Reguladora Requerida “AdC”, ora Recorrente, é idêntica à que a mesma Entidade Reguladora trouxe à ponderação deste STA através do recurso de revista por si interposto no processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias nº 1282/21.0BELSB.
Naquela revista, tal como nesta, outra empresa Requerente insurgiu-se contra comunicados em tudo semelhantes aos questionados no presente processo, tendo também ali o TCAS concedido provimento ao pedido de intimação para abstenção de emissão de tais comunicados.
Em Acórdão recente, de 30/6/2022, este STA confirmou o julgamento do TCAS – no sentido, pois, da manutenção da intimação de abstenção requerida – ainda que não totalmente (ou seja, apenas parcialmente), na medida em que se entendeu que, nos termos dos arts. 86º nº 6 b) e 88º nº 2 a) do CPP (de aplicação subsidiária) tal abstenção, em caso de impugnação contenciosa da decisão final administrativa, só deveria vigorar até à emissão da sentença em 1ª instância, sendo que, para além da aplicação dessa norma subsidiária do processo penal, não faria sentido estabelecer-se em processo contraordenacional um regime de publicitação dos autos mais fechado do que o previsto em processo criminal.
Julgou-se nesse Acórdão:
«(…) Nos termos do artigo 32°, n.° 2, da CRP, “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”. E, nos termos do n° 10 deste preceito, este princípio de presunção de inocência é extensivo aos processos de contraordenação.
Também o artigo 6.° n.° 2 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que faz parte dos direitos fundamentais que constituem princípios gerais do direito da União Europeia alude a este princípio.
Ora, face à natureza das infrações em causa, bem como a natureza e o grau de severidade das punições aplicáveis, este princípio da presunção de inocência também se aplica à violação das regras de concorrência aplicáveis às empresas, suscetíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C-185/95 P, Colet., p. 1-8417, n.° 58, e em matéria de concorrência, Acórdãos de 8 de julho de 2004, JFE Engineering/Comissão, T-67/00, T-68/00, T-71/00 e T-78/00, EU:T:2004:221, n.° 178; de 27 de setembro de 2006, Dresdner Bank e o./Comissão, T-44/02 OP, T-54/05 OP, T-56/02 OP, T-60/02 OP e T-61/02 OP, EU:T:2006:271, n.° 61; e de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T-11/06, EU:T:2011:560, n.° 129).
Dispõe o art. 90.° da Lei da Concorrência Lei n.° 19/2012, de 08 de Maio:
“Divulgação de decisões
1 - A Autoridade da Concorrência tem o dever de publicar na sua página eletrónica a versão não confidencial das decisões que tomar ao abrigo das alíneas c) e d) do n.° 3 do artigo 24°, do n.° 3 do artigo 29°, do n.° 1 do artigo 50.° e do n.° 1 do artigo 53°, referindo se as mesmas estão pendentes de recurso judicial.
2 - A Autoridade da Concorrência pode publicar na sua página eletrónica a versão não confidencial das decisões proferidas nos termos das alíneas li) a k) do n.° 1 do artigo 68.°, referindo se as mesmas estão pendentes de recurso judicial.
3 - A Autoridade da Concorrência deve ainda publicar na sua página eletrónica decisões judiciais de recursos instaurados nos termos do n.° 1 do artigo 84.° e do n.° 1 do artigo 89.°
4 - A Autoridade da Concorrência pode também publicar, na sua página eletrónica, as decisões judiciais de recursos instaurados nos termos do n.° 1 do artigo 92.° e dos n°s 1 a 3 do artigo 93.°”
E dispõe o artigo 24.° deste mesmo diploma:
“Decisão do inquérito
1- O inquérito deve ser encerrado, sempre que possível, no prazo máximo de 18 meses a contar do despacho de abertura do processo.
2 - Sempre que se verificar não ser possível o cumprimento do prazo referido no número anterior, o conselho da Autoridade da Concorrência dá conhecimento ao visado pelo processo dessa circunstância e do período necessário para a conclusão do inquérito.
3- Terminado o inquérito, a Autoridade da Concorrência decide:
a) Dar início à instrução, através de notificação de nota de ilicitude ao visado, sempre que conclua, com base nas investigações realizadas, que existe uma possibilidade razoável de vir a ser proferida uma decisão condenatória;
b) Proceder ao arquivamento do processo, quando as investigações realizadas não permitam concluir pela possibilidade razoável de vir a ser proferida uma decisão condenatória;
c) Pôr fim ao processo, por decisão condenatória, em procedimento de transação;
d) Proceder ao arquivamento do processo mediante imposição de condições, nos termos previstos no artigo anterior.
4 - Caso o inquérito tenha sido originado por denúncia, a Autoridade da Concorrência, quando considere, com base nas informações de que dispõe, que não existe a possibilidade razoável de vir a ser proferida decisão condenatória, informa o denunciante das respetivas razões e fixa prazo razoável, não inferior a 10 dias úteis, para que este apresente, por escrito, as suas observações.
5- Se o denunciante apresentar as suas observações dentro do prazo fixado e a Autoridade da Concorrência considerar que as mesmas não revelam, direta ou indiretamente, uma possibilidade razoável de vir a ser proferida uma decisão condenatória, o processo é arquivado mediante decisão expressa, da qual cabe recurso para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.
6- A decisão de arquivamento do processo é notificada ao visado e, caso exista, ao denunciante.
Ou seja, aquele art. 90° exclui expressamente as alíneas a) e b) do n° 3 do art. 24° o que vai no sentido do art. 32°, n.° 6, da mesma Lei que dispõe: “A Autoridade da Concorrência deve publicar na sua página eletrónica as decisões finais adotadas em sede de processos por práticas restritivas, sem prejuízo da salvaguarda dos segredos de negócio e de outras informações consideradas confidenciais.”
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, 4ª edição (Wolters Kluwer, Coimbra Editora), vol. 1, p. 486.:
“Exista ou não, por parte das pessoas singulares ou coletivas, um direito subjetivo ao crédito e ao bom nome considera-se expressamente como antijurídica a conduta que ameace lesá-los nos termos prescritos.”
Ora, o direito ao bom nome e à reputação de outrem é um princípio consagrado no art. 26° n.° 1 da CRP e é realizado pelas normas de Direito Civil, através da tutela de personalidade (arts. 483.° e 484.° do Código Civil) não sendo exclusivo das pessoas singulares, (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n° 292/2008, consultado na “internet” em www.tribunalconstitucional.pt).
Neste mesmo sentido se pronunciou Rui Medeiros e Jorge Miranda, Tomo 1, p. 284 em anotação ao artigo 26° da CRP:
“..,ii) As pessoas coletivas, embora sejam essencialmente diferentes das pessoas singulares e assumam, na perspetiva da dignidade humana e dos direitos que lhe estão estritamente associados, uma relevância instrumental, “gozam dos direitos compatíveis com a sua natureza” (artigo 12.°, n.° 2).Não existe uma distinção doutrinal clara e exaustiva entre os direitos que são compatíveis com a natureza das pessoas coletivas e aqueles que o não são. Ainda assim, por regra, será possível reconhecer-lhes os direitos pessoais previstos para as pessoas físicas. Mas, em situações conflituais, deve ser ponderado que o titular do direito constitui “apenas” uma pessoa coletiva e não uma pessoa humana com a sua essencial dignidade”.
A este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Dezembro de 2002, proferido na Revista n.° 3553/02, da 7ª Secção referiu que «o simples facto de se atribuir a alguém uma conduta contrária e oposta àquela que o sentimento da generalidade das pessoas exige do homem medianamente leal e honrado, é atentar contra o seu bom nome, reputação e integridade moral».
Em suma, o tal dever de informação que se insere no exercício da liberdade de expressão consagrada no art. 37º da CRP, como um direito fundamental, tem limites, não é um direito absoluto.
E, como também se refere no Ac. deste STA Proc. 0154/19.2BCLSB de 4/6/2020:
“Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo n.°1 do art° 26° da Constituição”.
Ora, de tudo quanto transcrito, resulta que a “AdaC”, não obstante tenha o dever de publicitar tudo o que possa divulgar, não poderá publicitar comunicados quando a decisão administrativa ainda é contenciosamente impugnável.
Questão diferente será a de saber se a “AdaC” precisa de aguardar pelo trânsito em julgado das decisões jurisdicionais.
Ora, em processo criminal, quando o regime seja o da publicidade, como é o regime regra - art. 86° n° 1 do CPP - e é o caso concreto -, não é necessário aguardar pelo trânsito em julgado da última decisão jurisdicional para se poderem publicitar as peças processuais ou documentos do processo já que tal pode ser feito logo após a sentença de 1ª instância.
Ou seja, tal pode acontecer antes do trânsito da decisão jurisdicional final, como resulta dos arts. 86° n° 6 b) e 88° n° 2 a) do CPP.
Ora, se é assim em processo-crime, por maioria de razão não poderá ser diferente em processo contraordenacional, também público.
Assim, não poderá ser-se mais exigente do que no processo criminal, tanto mais que o regime processual subsidiário é, nos termos do art. 83° da Lei da Concorrência, o regime do ilícito de mera ordenação social e que, por sua vez, o regime subsidiário deste é, por força do art. 41° do DL 433/82, o dos “preceitos reguladores do processo criminal” (ou seja, o CPP).
Em suma, à “AdaC” bastará a emissão da sentença em 1ª instância jurisdicional para que a publicação possa ser possível, e não já, necessariamente, o trânsito em julgado das decisões jurisdicionais.
Temos, assim, de concluir que a Recorrente não pode publicitar, através de comunicados ou quaisquer outros meios, antes de se tornar inimpugnável contenciosamente a decisão administrativa que vier a ser proferida no âmbito do processo de contra-ordenação com a referência PRCI2O17/8, ou antes da emissão da sentença de 1ª instância, no caso de impugnação contenciosa daquela decisão administrativa.
Na verdade, no caso sub judice, está em causa uma decisão condenatória em processo contraordenacional, quando ainda está em curso o prazo de impugnação judicial sem que tenha existido qualquer controlo judicial da decisão da AdC.
Pelo que é de confirmar o decidido pelo Tribunal a quo quanta à violação do principio da presunção da inocência como forma de garantir o direito ao bom nome e reputação, mas apenas antes de decisão inimpugnável em processo contraordenacional, ou antes de sentença em 1ª instância no caso de impugnação contenciosa daquela decisão, e não já até ao trânsito em julgado das decisões jurisdicionais.
Ora, o pedido formulado pela então requerente foi o de “intimar a Autoridade da Concorrência a abster-se de divulgar publicamente, na sequência da decisão final no Processo de Contraordenação PRC/2017/8, antes do respetivo trânsito em julgado, através de «comunicados» relativos a essa decisão ou quaisquer outros meios, a identificação da requerente, de qualquer um dos seus colaboradores ou de qualquer das marcas por si comercializadas e a inclusão de excertos de meios de prova constantes dos autos”.
Pedido julgado procedente em 2ª instância com a fundamentação de que a abstenção de divulgação se reporta até ao trânsito da decisão.
A AdC no recurso para este STA invoca erro na interpretação e aplicação do princípio/direito da presunção de inocência vertido no artigo 32.° CRP que decorre do Acórdão da TCAS por confronto com os artigos 32.°, 33.° e 90.° da Lei da Concorrência, alínea e) da artigo 48.° da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras e n.° 2 do artigo 46.° dos Estatutos da Autoridade da Concorrência.
E faz derivar a correta interpretação e aplicação daquelas normas no sentido de que a emissão de comunicados relevantes sobre a atividade da AdC, nomeadamente os respeitantes à emissão de decisões finais com a divulgação expressa das nomes das empresas visadas (pois é de empresas que se trata e não de pessoas singulares), com a menção clara que de que a decisão final é recorrível, não viola a princípio da presunção de inocência, nem colide com a garantia da direito ao bom nome e reputação porquanto o processo é público, e tem efetivo sustento os artigos 32.°, 33.° e 90.° da Lei da Concorrência, alínea e) do artigo 48.° da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras e nº 2 do artigo 46.° dos Estatutos da Autoridade da Concorrência.
O Tribunal conclui por uma interpretação jurídica diversa de ambas as partes que se projeta no deferimento da intimação pedida.
Na verdade não pode proceder o pedido de intimação tal como foi formulado e decidido na decisão recorrida o que significa que o recurso obteve parcial provimento.
É, pois, de conceder parcial provimento ao recurso.
Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em conceder parcial provimento ao recurso e em consequência “intimar a Autoridade da Concorrência a abster-se de divulgar publicamente, na sequência da decisão final no Processo de Contraordenação PRC/2017/8, antes de decisão inimpugnável em processo contraordenacional, ou antes de sentença em 1ª instância no caso de impugnação contenciosa daquela decisão, através de «comunicados» relativos a essa decisão ou quaisquer outros meios, a identificação da requerente, de qualquer um dos seus colaboradores ou de qualquer das marcas por si comercializadas e a inclusão de excertos de meios de prova constantes dos autos”.
Custas por ambas as partes em igual proporção».
11. Entendemos que é de manter, também no caso dos presentes autosporque em tudo semelhante – o julgamento do citado Acórdão deste STA, de 30/6/2022, no aludido processo 1282/21.0BELSB.
12. A Recorrente nota, nas suas alegações (cfr. pontos 49 e 68) que as decisões dos tribunais administrativos não têm sido pacíficas sobre a presente problemática.
Sucede, porém, que as divergências dos tribunais administrativos têm efetivamente ocorrido mas sobre duas questões específicas: 1) sobre a competência da jurisdição administrativa ou, diversamente, do tribunal da concorrência, regulação e supervisão; e 2) sobre a idoneidade do meio processual utilizado, de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
E estas são duas questões que estão fora do âmbito do presente recurso de revista, pelo que não cumpre aqui delas conhecer.
Já quanto ao mérito, isto é, quanto à questão de fundo - definida, nas próprias palavras da Recorrente (cfr. ponto 38 das suas alegações), como sendo a de «saber se a AdC pode ou não, para efeitos de cumprimento dos seus deveres de transparência e informação, no âmbito de processos contraordenacionais públicos e acessíveis por terceiros, emitir comunicados onde informe da adoção de uma Decisão Final, que é obrigatoriamente publicada no portal da AdC (onde estão identificados os visados), e identifique as visadas de tal processo de contraordenação e destinatárias de tal Decisão Final (in casu, da A……..)» - as decisões dos tribunais administrativos têm sido unânimes em não reconhecer o direito a que a “AdC” se arroga de emitir “comunicados” nos precisos termos em que o tem vindo a fazer (contestados, nos presentes autos, pelas Requerentes).
Vejam-se, para além do citado recente Acórdão deste STA de 30/6/2022, no processo 1282/21.0BELSB, as decisões tomadas pelo TCAS nesse mesmo processo 1282/21 (Acórdão de 20/1/2022) e nos presentes autos (Acórdão ora recorrido, de 17/2/2022), no processo 468/20.9BESNT (Acórdão de 17/6/2021, confirmando parcialmente sentença do TAF/Sintra de 23/2/2021) e no processo 1233/20.9BEPRT (Acórdão de 4/2/2021, confirmando sentença do TAC/Lx. de 12/9/2020, não tendo sido admitido recurso de revista interposto pela aqui Recorrente, por Acórdão de 22/4/2021 da formação de apreciação preliminar deste STA por, além do mais, o Acórdão recorrido parecer “ter feito uma correta interpretação dos preceitos constitucionais e legais aplicáveis”).
Em todas estas decisões a ora Recorrente foi intimada a abster-se de emitir comunicados públicos, na sequência de notas de ilicitude ou decisões administrativas finais ainda contenciosamente impugnáveis, nos termos em que se arroga o direito de o fazer, nomeadamente com a identificação das empresas visadas.
13. A Recorrente, neste seu recurso de revista, insiste na possibilidade legal dessa sua atuação. Porém, por tudo quanto se explanou no citado recente Acórdão deste STA de 30/6/2022, no processo 1282/21 (cfr. transcrição no ponto 10. supra), que aqui se acompanha totalmente, uma vez que o caso é idêntico ainda que sendo outra a empresa ali visada/Requerente.
Cumpre explicitar que, tal como sucedia naquele caso (e também nos restantes casos a que se referiam as decisões jurisdicionais citadas no ponto 12. supra), também nos presentes autos as Requerentes não põem em causa a possibilidade legal de a ora Recorrente “AdC” publicar, no seu sítio de internet, as decisões que emita («referindo se as mesmas estão pendentes de recurso judicial»), nos termos dos arts. 24º nº 3 c) e d), 29º nº 3, 50º nº 1 e 53º nº 1 da Lei da Concorrência (Lei 19/2012, de 8/5), por remissão do disposto no art. 90º nº 1 da mesma Lei.
Em consequência, as decisões jurisdicionais citadas – incluindo o recente Acórdão deste STA de 30/6/2022 -, não puseram também em causa tal possibilidade, desde logo por estar fora do âmbito do peticionado pelos Requerentes.
O que os Requerentes ali puseram sempre em causa – como as Requerentes põem em causa nos presentes autos – é a atuação da Entidade Requerida, ora Recorrente, consubstanciada na proatividade de, para além de publicar as suas decisões no seu sítio de internet, publicar e difundir “comunicados”, designadamente “comunicados de imprensa”, onde, identificando as empresas visadas, apresenta a sua narrativa sobre os factos em causa, tece juízos valorativos e inclui excertos de meios de prova, designadamente de mensagens de correio eletrónico, com eco imediato na comunicação social nacional e internacional – cfr. factos G, H, I, J e K do probatório.
E, em consequência, é esta prática que as decisões jurisdicionais acima citadas têm censurado, uma vez que os comunicados em questão são emitidos, publicitados e difundidos quando as decisões em causa são ainda contenciosamente impugnáveis, ou seja, antes de qualquer possibilidade de controlo jurisdicional sobre essas decisões administrativas.
14. Ora, como bem notado por este STA no seu referido recente Acórdão, tal prática – contestada pelas empresas visadas – é suscetível de pôr em causa a presunção de inocência das empresas arguidas e, sobretudo, tem uma forte e indesmentível repercussão negativa no bom nome e na reputação, “na praça”, das empresas visadas, suscetível de lhes causar relevantes danos comerciais, os quais são irreversíveis ainda que as decisões administrativas propagadas venham depois a ser, com êxito, contenciosamente impugnadas. E sem que o “disclaimer” do aviso da recorribilidade da decisão em causa seja suficiente para afastar tais danos e a sua irreversibilidade.
15. A Recorrente “AdC” argumenta que, a seu ver, será incoerente poder/dever publicar as suas decisões no seu sítio de internet e já não poder publicitar e difundir tais decisões através de “comunicados”, sobretudo considerando a natureza pública dos processo contraordenacionais em questão (cfr. art. 32º nº 1 da referida Lei da Concorrência) e o acesso que qualquer pessoa pode ter aos autos desde que demonstre nisso um interesse legítimo.
Ressalvando, de novo, que está fora do âmbito deste recurso de revista (como esteve, nas anteriores decisões jurisdicionais supra aludidas) a simples publicação das decisões, a Recorrente não tem razão pois que é manifestamente incomparável a repercussão que tem essa simples publicação (legalmente prevista e permitida, e admitida pela Requerentes) em confronto com a emissão, publicitação e difusão de “comunicados de imprensa” com as características referidas no probatório – sendo esta a atuação que as Requerentes contestam e pretendem que a “AdC” seja intimada a dela se abster.
Em termos semelhantes, aliás, dispõe o CPP em sede de processos criminais, onde também a regra é a da publicidade – cfr. nº 1 do art. 86º do CPP -, e em que os autos também estão disponíveis para consulta, mas com a mesma ressalva de “quem nisso revelar interesse legítimo”, sujeita a despacho autorizador da autoridade judiciária competente (cfr. art. 90º nº 1 do CPP).
Donde transparece que o facto de os processos (contraordenacionais ou criminais) serem por regra públicos não equivale a uma permissão, em todos os momentos, de ampla difusão dos seus conteúdos.
16. A Recorrente “AdC” argumenta, também, com o seu dever de “transparência” que, no seu entendimento, lhe impõe uma atuação como a que tem levado a cabo, de emissão de “comunicados” como os aqui em discussão, o que incluiria a possibilidade (se não o dever) de identificar as empresas visadas, até como serviço público de defesa e de prevenção dos consumidores.
Sucede, porém que, não estando em causa (mais uma vez se repete), a publicação das decisões mas apenas a sua divulgação comunicacional nos termos constantes do probatório, esta atuação, por bem fundada e bem-intencionada que seja com fundamento em tais finalidades de interesse público, sempre terá que ser confrontada e, portanto, conciliada com outros interesses legítimos contrários, que constituem mesmo direitos fundamentais, constitucionalmente garantidos, das empresas visadas, relativos à sua presunção de inocência e ao seu bom nome e reputação.
Como nota Maria João Antunes in “A posição processual da pessoa coletiva constituída arguida” (Revista “Julgar”, nº 38, 2019, págs. 17-29): «Na jurisprudência constitucional há decisões relevantes especificamente quanto aos direitos constitucionalmente consagrados com relevo em matéria de processo penal, cujo gozo seja compatível com a natureza das pessoas coletivas à luz do disposto no nº 2 do artigo 12º da CRP. (…) Afirmando que são extensíveis às pessoas coletivas as garantias de processo criminal que sejam compatíveis com a sua natureza, o Tribunal Constitucional entendeu no seu Acórdão nº 656/97 que também a pessoa coletiva arguida goza das garantias de imparcialidade do tribunal de julgamento e da presunção constitucional de inocência».
Ora, ainda que se aceite que as garantias em processo contraordenacional não tenham que ser idênticas às do processo criminal, não pode deixar de considerar-se que as garantias de defesa previstas no nº 10 do art. 32º da CRP pressupõem o reconhecimento do princípio da presunção de inocência das pessoas coletivas visadas em processo contraordenacional, tal como previsto no nº 2 do mesmo art. 32º da CRP.
E, no âmbito de processos contraordenacionais e, especificamente, referentes ao direito da concorrência, já a jurisprudência do TJUE tem afirmado a aplicabilidade de tal princípio de presunção de inocência às empresas visadas – cfr. Acórdãos do TJUE identificados no Acórdão deste STA de 30/6/2022, transcrito no ponto 10. supra.
E a conclusão tem de ter-se ainda como mais evidente no que toca ao reconhecimento, por via do art. 12º nº 2, por referência ao disposto no art. 26º nº 1, da CRP, do direito constitucional ao bom nome e reputação das pessoas coletivas, ainda que visadas em processos contraordenacionais, antes de decisões condenatórias definitivas.
Assim sendo, e deixando de lado a mera publicação das decisões, o certo é que a publicitação e a divulgação da atividade da Recorrente – ainda que constitua um seu dever legal – pode realizar-se sem que, necessariamente, conste da divulgação dessa atividade a identificação das empresas visadas, pelo menos enquanto as inerentes decisões ainda forem contenciosamente impugnáveis.
Efetivamente, não estando em causa, por não vir contestada, como já se repetiu, a publicação das decisões ao abrigo do art. 90º nº 1 da Lei da Concorrência, não vemos que o dever legal de transparência imposto à Recorrente pelos arts. 48º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras (Lei 67/2013, de 28/8) ou 46º dos seus Estatutos (DL 125/2014, de 18/8), ou da sua missão, atribuições e competências, tal como plasmadas nos arts. 1º e 5º a) e b) dos seus Estatutos – todas normas citadas pela Recorrente - imponham necessariamente que “os dados relevantes a disponibilizar relativos às suas atribuições” tenham que incluir “comunicados” como os aqui em causa, com identificação das empresas visadas, em momento em que as decisões divulgadas ainda são contenciosamente impugnáveis, portanto ainda não definitivas.
Assim, a concordância prática entre esses interesses e direitos antagónicos leva a concluir que, a serem emitidos e divulgados tais comunicados, deles se suprima, como defendem as Requerentes e julgou o Acórdão recorrido, a identificação das empresas visadas, de qualquer um dos seus colaboradores ou de qualquer das marcas por si comercializadas.
17. Alega, ainda, a Recorrente (cfr. pontos 50. e segs. das suas alegações), que o recente regime jurídico do direito a indemnização por infração ao direito da concorrência, estabelecido pela Lei 23/2018, de 5/6 (que transpôs a Diretiva 2014/104/EU – Diretiva “private enforcement”) legitima e impõe, a seu ver, a emissão e divulgação de comunicados como os aqui em causa, uma vez que o nº 2 do seu art. 1º prevê que a lei é aplicável «independentemente de a infração ao direito da concorrência que fundamenta o pedido de indemnização já ter sido declarada por alguma autoridade de concorrência ou tribunal, nacional ou de qualquer Estado-Membro, pela Comissão ou pelo Tribunal de Justiça da União Europeia».
Argumenta, assim, a Recorrente, que se antes, mesmo, da efetiva condenação por uma infração à Lei da Concorrência se reconhece, desde logo, o direito à reparação integral dos danos causados por infrações ao direito da concorrência, é essencial que os alegados lesados tenham conhecimento de toda atividade da AdC e dos processos em curso, para o que a divulgação dos nomes dos visados se afigura necessária.
Não vemos, porém, que das normas da Lei 23/2018 se possa retirar a imposição, ou sequer a possibilidade, de a Recorrente emitir e divulgar comunicados nos moldes que defende, isto é, com identificação das empresas visadas em momento em que as decisões divulgadas são ainda impugnáveis e, por isso, revertíveis.
O que a norma salientada pela Recorrente (nº 1 do art. 2º) quer significar é apenas que não se torna necessário uma prévia declaração administrativa definitiva ou judicial transitada em julgado, da existência de uma infração ao direito da concorrência, para que alegados lesados possam intentar ações de indemnização; todavia, havendo essa prévia declaração administrativa ou judicial, esta constitui presunção inilidível da existência dessa infração para efeitos da ação de indemnização pelos danos dela resultantes (cfr. art. 7º nº 1 da referida Lei).
Mas, como é evidente, uma obrigação de indemnização sempre tem que resultar de uma declaração judicial que reconheça a verificação dos respetivos pressupostos (salvo, naturalmente, os previstos casos de acordo extrajudicial ou de transação), uma vez que, como frisa o nº 1 do art. 3º da referida Lei, a obrigação de indemnizar constitui-se «nos termos previstos no artigo 483º do Código Civil».
18. Por tudo o exposto, deve ser mantido, no essencial, o Acórdão recorrido, reconhecendo-se às Requerentes, ora Recorridas, o direito, invocado, a não serem alvo, identificadas, de comunicados emitidos pela Entidade Requerida nos termos por esta defendidos e utilizados.
Porém, como também julgado pelo aludido recente Acórdão deste STA de 30/6/2022 (processo 1282/21.0BELSB), a confirmação do Acórdão recorrido não deve ser total, e, consequentemente, o pedido de intimação não deve ser deferido na sua integralidade.
É que, como se afirmou naquele Acórdão de 30/6/2022 (ver transcrição no ponto 10. supra), em processo criminal, quando o regime seja o da publicidade, como é também ali o regime regra - art. 86º nº 1 do CPP - não é necessário aguardar pelo trânsito em julgado da última decisão jurisdicional para se poderem publicitar as peças processuais ou documentos do processo ou para se proceder à narração dos atos processuais, ou reprodução dos seus termos, pelos meios de comunicação social, já que tal pode ser feito logo após a sentença de 1ª instância. Ou seja, tal pode acontecer antes do trânsito da decisão jurisdicional final, como resulta dos arts. 86º nº 6 b) e 88º nº 2 a) do CPP.
Ora, se é assim em processo-crime, por maioria de razão não poderá ser diferente em processo contraordenacional, também público. Assim, não poderá ser-se mais exigente do que no processo criminal, tanto mais que o regime processual subsidiário é, nos termos dos arts. 13º nº 1, “in fine”, e 83º da Lei da Concorrência, o regime do ilícito de mera ordenação social, e que, por sua vez, o regime subsidiário deste é, por força do art. 41º do DL 433/82, o dos «preceitos reguladores do processo criminal» (ou seja, o CPP).
Assim sendo, é também aqui, como ali, de concluir que a abstenção de emissão e divulgação de comunicados nos termos em causa, nomeadamente identificando as empresas visadas, só deve perdurar até se tornar inimpugnável contenciosamente a decisão administrativa em questão, ou, no caso de impugnação contenciosa daquela decisão administrativa, até à emissão da sentença de 1ª instância.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:
Conceder parcial provimento ao presente recurso de revista e, em consequência, intimar a Autoridade da Concorrência (AdC):
a abster-se de divulgar publicamente, na sequência da decisão final no Processo de Contraordenação PRC/2017/4, antes de decisão inimpugnável em processo contraordenacional, ou antes de sentença em 1ª instância no caso de impugnação contenciosa daquela decisão, através de comunicados de imprensa ou divulgação junto dos meios de comunicação social relativos a essa decisão, a identificação das Requerentes, de qualquer um dos seus colaboradores ou de qualquer das marcas por si comercializadas e a inclusão de excertos de meios de prova constantes dos autos” – (destaques nossos)
***
Portanto, aqui chegados, ponderando toda a fundamentação esgrimida nos referidos acórdãos (que aqui secundamos), sobretudo, a que se mostra plasmada no acórdão do Colendo STA, consideramos em suma que, a Recorrente, ainda que tenha o dever legal de publicitar a sua actividade, nos termos do artigo 90.º da Lei n.º 19/2012, de 08/05, que aprovou o Novo Regime Jurídico da Concorrência, deve, contudo, ser intimada a abster-se de, relativamente ao processo de contraordenação n.º PRC/2022/2, emitir comunicados públicos, designadamente, de imprensa, relativos à decisão final por infracção (ou infracções) ao direito da concorrência com a identificação da empresa visada, de qualquer dos seus colaboradores e de excertos de meios de prova constantes dos autos.
Na senda do mencionado acórdão do STA, também é de entender que tal abstenção de emissão de comunicados deve vigorar até à decisão se tornar inimpugnável no respectivo processo de contraordenação ou até à sentença em 1.ª instância, no caso de impugnação contenciosa daquela decisão, assim se resolvendo, com adesão à fundamentação plasmada no mesmo acórdão do STA, uma parte da problemática lançada pelas partes, de modo superveniente, a propósito do despacho do Tribunal a quo, de 26/10/2023.
Quanto à questão da inserção do “link/hiperligação” em tal comunicado, importa dizer que, uma vez intimada a ora Recorrente para se abster de emitir o comunicado antes dos limites temporais acima marcados, obviamente que tal ordem judicial de abstenção inclui não só o comunicado em si, como também a comunicação do “link/hiperligação” que lhe possa ser incorporado no texto e que remeta para o local/sítio onde possam ser consultados tais elementos vedados. Uma vez terminado o período de abstenção, não se vê razão para que, possibilitada a emissão do comunicado, se vede a inserção no seu teor de um “link/hiperligação” para sítio que permita a consulta dos elementos em causa.
Prosseguindo, ainda que as Recorridas primitivas, inconformadas com a restrição temporal da abstenção de emissão de comunicados decretada pelo citado despacho, tivessem pugnado no recurso contra o mesmo interposto que tal constitui uma violação do princípio da presunção da inocência preconizado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP, reiteramos que, de igual modo, tal questão foi cabalmente dirimida pelo supra transcrito acórdão do STA, mormente, quando ele próprio remeteu para a fundamentação do ponto 10. do acórdão do mesmo STA, de 30/6/2022, proferido no processo n.º 1282/21.0BELSB, do qual, de novo, se enfatizam os seguintes excertos:
Julgou-se nesse Acórdão:
«(…) Nos termos do artigo 32°, n.° 2, da CRP, “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”. E, nos termos do n° 10 deste preceito, este princípio de presunção de inocência é extensivo aos processos de contraordenação.
(…)
Questão diferente será a de saber se a “AdaC” precisa de aguardar pelo trânsito em julgado das decisões jurisdicionais.
Ora, em processo criminal, quando o regime seja o da publicidade, como é o regime regra - art. 86° n° 1 do CPP - e é o caso concreto -, não é necessário aguardar pelo trânsito em julgado da última decisão jurisdicional para se poderem publicitar as peças processuais ou documentos do processo já que tal pode ser feito logo após a sentença de 1ª instância.
Ou seja, tal pode acontecer antes do trânsito da decisão jurisdicional final, como resulta dos arts. 86° n° 6 b) e 88° n° 2 a) do CPP.
Ora, se é assim em processo-crime, por maioria de razão não poderá ser diferente em processo contraordenacional, também público.
Assim, não poderá ser-se mais exigente do que no processo criminal, tanto mais que o regime processual subsidiário é, nos termos do art. 83° da Lei da Concorrência, o regime do ilícito de mera ordenação social e que, por sua vez, o regime subsidiário deste é, por força do art. 41° do DL 433/82, o dos “preceitos reguladores do processo criminal” (ou seja, o CPP).
Em suma, à “AdaC” bastará a emissão da sentença em 1ª instância jurisdicional para que a publicação possa ser possível, e não já, necessariamente, o trânsito em julgado das decisões jurisdicionais.
Temos, assim, de concluir que a Recorrente não pode publicitar, através de comunicados ou quaisquer outros meios, antes de se tornar inimpugnável contenciosamente a decisão administrativa que vier a ser proferida no âmbito do processo de contra-ordenação com a referência PRCI2O17/8, ou antes da emissão da sentença de 1ª instância, no caso de impugnação contenciosa daquela decisão administrativa.
Na verdade, no caso sub judice, está em causa uma decisão condenatória em processo contraordenacional, quando ainda está em curso o prazo de impugnação judicial sem que tenha existido qualquer controlo judicial da decisão da AdC.
Pelo que é de confirmar o decidido pelo Tribunal a quo quanta à violação do principio da presunção da inocência como forma de garantir o direito ao bom nome e reputação, mas apenas antes de decisão inimpugnável em processo contraordenacional, ou antes de sentença em 1ª instância no caso de impugnação contenciosa daquela decisão, e não já até ao trânsito em julgado das decisões jurisdicionais.
Improcede, pois, a aventada conclusão recursiva.
Nesse recurso, as Recorridas primitivas asseveram ainda que tal restrição temporal consubstancia uma ofensa ao princípio da tutela jurisdicional efectiva (cf. artigo 20.º da CRP), na medida em que, segundo dizem, traduz a aplicação de uma sanção acessória antes do termo do trânsito em julgado da decisão contraordenacional, atento o previsto no artigo 71.º da Lei n.º 19/2012, de 08/05.
Mas assim não é.
Por um lado, a proibição de emissão de comunicados naqueles termos só até ao momento em que se torne inimpugnável a decisão contraordenacional, ou só até à emissão da sentença de 1.ª instância (da jurisdição comum), não é entrave ou obstáculo que impeça as ora Recorridas, se o assim o entenderem e se for processualmente possível, de lançarem os meios impugnatórios ou/e de recurso que bem entenderem contra a decisão contraordenacional que aplicou a coima, em nada contendendo, portanto, com o direito de acesso das Recorridas primitivas aos meios processuais que entendam úteis à defesa dos seus interesses, nem com o seu direito de recurso contra a decisão de 1.ª instância emitida pelos tribunais comuns, que se mantém incólume, independentemente dos comunicados se poderem fazer a partir de certa altura.
Por outro lado, não explicam as Recorridas primitivas em que medida a lei ordinária não lhes consagra ou lhes falte com determinado procedimento judicial defensivo, designadamente, como efeito negativo desses tais comunicados se restringirem temporalmente nos termos acima enunciados, sendo exemplo da falta de razão das Recorridas, nomeadamente, a possibilidade de defesa que lhe é facultada, precisamente, com processos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias como aquele que ora lançou.
Por fim, não se confunda a possibilidade da Recorrente poder lançar os comunicados em causa a partir de certo momento com a aplicação da sanção acessória prevista no artigo 71.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 19/2012, de 08/05, que prescreve o seguinte:
1 - Caso a gravidade da infração e a culpa do infrator o justifiquem, a Autoridade da Concorrência pode determinar a aplicação, em simultâneo com a coima, das seguintes sanções acessórias:
a) Publicação no Diário da República e num dos jornais de maior circulação nacional, regional ou local, consoante o mercado geográfico relevante, a expensas do infrator, de extrato da decisão de condenação ou, pelo menos, da parte decisória da decisão de condenação proferida no âmbito de um processo instaurado ao abrigo da presente lei, após o trânsito em julgado
É que a sanção acessória em causa pressupõe um juízo valorativo de necessidade sancionatória acrescida intrínseco às preocupações preventivas apuradas em resultado das circunstâncias peculiares de um determinado processo de contraordenação, daí que, possa ser decretada conjuntamente com a aplicação da coima, fazendo parte imanente da decisão contraordenacional.
No caso dos comunicados, distintamente, já não reside no cerne da sua base fundamentadora a mesma necessidade sancionatória em simultâneo com a aplicação da coima, mas antes a intenção de permitir à Recorrente a simples comunicação da sua actividade junto do público, sem que da mesma resulte ou se possa atribuir uma natureza punitiva ou de sanção acessória como erroneamente pugnam as Recorridas.
Improcede, também, tal segmento recursivo.
Tudo visto e ponderado, impõe-se, portanto, assentir com o juízo de procedência quanto à presente intimação, tal como julgado pela sentença recorrida, mas, diferentemente, considerar que a mesma errou, sobretudo, no que concerne ao seu julgamento sobre o decisório final.
E, consequentemente, justifica-se dar provimento parcial ao recurso interposto contra a sentença recorrida, revogando-se o que na mesma foi decidido, devendo, em consequência, intimar-se a ora Recorrente a abster-se de, relativamente ao processo de contraordenação n.º PRC/2022/2, emitir comunicados públicos, designadamente, de imprensa, relativos à decisão final por infracção (ou infracções) ao direito da concorrência com a identificação da empresa visada, de qualquer dos seus colaboradores e de excertos de meios de prova constantes dos autos, abstenção essa que deve vigorar até à decisão se tornar inimpugnável no respectivo processo de contraordenação ou até à sentença em 1.ª instância, no caso de impugnação contenciosa dessa mesma decisão.
Em consonância, impõe-se, também, revogar o despacho de 26/10/2023 (por ter ditado o último decisório ao caso concreto), na medida em que, embora acertando quanto aos períodos temporais e termos da inacção comunicacional, ditou erroneamente à Recorrente a abstenção de divulgação da decisão final contraordenacional, quando, ao certo, como vimos, o que estava em causa era outra questão, ou seja, tão-só a emissão de comunicados, designadamente, à imprensa, e não o dever de divulgação previsto no artigo 90.º da Lei n.º 19/2012, de 08/05.
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Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do RCP.
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Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:
I - Ainda que a “Autoridade da Concorrência” tenha o dever legal de publicitar a sua actividade, não pode emitir comunicados públicos, designadamente, de imprensa, relativos a decisões finais de processos de contraordenação por infracções ao direito da concorrência, com a identificação da empresa visada, de qualquer dos seus colaboradores e de excertos de meios de prova constantes dos autos, antes das decisões se tornarem inimpugnáveis, ou antes de sentença em 1.ª instância, no caso de impugnação contenciosa daquelas decisões.
II - A tal emissão de comunicados opõem-se os direitos fundamentais das empresas visadas, constitucionalmente consagrados, à presunção de inocência e ao bom nome e reputação – cf. artigos 12.º, n.º 2, 26.º, n.º 1, e 32.º, n.º 10, da CRP.
III - Assim, só o poderá fazer quando as decisões em causa se tornem inimpugnáveis, ou a partir da sentença em 1.ª instância, no caso de impugnação contenciosa, como resulta dos artigos 86.º, n.º 6, alínea b), e 88.º, n.º 2, alínea a), do CPP, subsidiariamente aplicáveis “ex vi” dos artigos 13.º, n.º 1, “in fine”, e 83.º da Lei da Concorrência, e do artigo 41.º do DL 433/82, de 27/10.
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V - Decisão.
Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, com a seguinte fundamentação, no seguinte:
1 – No tocante ao recurso interposto contra a sentença recorrida, conceder provimento parcial, revogando-se o que na mesma foi decidido, intimando-se agora a ora Recorrente a abster-se de, relativamente ao processo de contraordenação n.º PRC/2022/2, emitir comunicados públicos, designadamente, de imprensa, relativos à decisão final por infracção (ou infracções) ao direito da concorrência com a identificação da empresa visada, de qualquer dos seus colaboradores e de excertos de meios de prova constantes dos autos, abstenção que deve vigorar até à decisão se tornar inimpugnável no respectivo processo de contraordenação ou até à sentença em 1.ª instância, no caso de impugnação contenciosa dessa mesma decisão;
2 – No que concerne ao despacho posterior, de 26/10/2023, conceder provimento ao recurso, revogando-se tal despacho.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 27 de Março de 2025.
Marcelo Mendonça – (Relator)
Joana Costa e Nora – (1.ª Adjunta)
Lina Costa (2.ª Adjunta)