Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:28/23.2BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:10/16/2024
Relator:MARCELO DA SILVA MENDONÇA
Descritores:PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL:
EMBARGO AMBIENTAL/ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO;
INCOMPETÊNCIA MATERIAL DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
TRIBUNAIS COMUNS;
ART.º 4.º, N.º 1, ALÍNEA L), DO ETAF
Sumário:A impugnação judicial dos despachos e de outras decisões, incluindo as relativas a medidas cautelares, tomadas pelas autoridades administrativas no decurso da tramitação do processo de contraordenação regido pela Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, aprovada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, está excluída do âmbito da jurisdição administrativa, atenta a exclusividade das impugnações judiciais preconizadas na alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, não competindo aos tribunais administrativos e fiscais, por conseguinte, a apreciação dos litígios que tenham por objecto tais questões (de génese ambiental ou de ordenamento do território), mas sim aos tribunais comuns.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I - Relatório.
M........, LDA., com sede em Tavira, doravante Recorrente, que no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (TAF de Loulé) deduziu contra o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., doravante Recorrido, processo cautelar com vista à adopção da providência de suspensão da eficácia do “auto de embargo de 15.10.2022”, que transmitiu à ora Recorrente a ordem de interrupção de “todas as obras de plantação de abacates”, inconformada que se mostra com a decisão do TAF de Loulé, de 06/11/2023, que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais administrativos, em razão da matéria, para conhecer da presente causa, contra a mesma veio interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões (transposição feita a partir da peça de recurso inserta no SITAF):
1ª. A Recorrente requereu em 13.01.2023 “ao abrigo dos artigos 112.º n.º 2, alínea a) e 114.º n.º 1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, (doravante “CPTA”), contra o INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DAS FLORETAS E DA NATUREZA (doravante “ICNF” ou “Requerido”), com sede na Avenida da República n.º 16 1050-191 Lisboa, a suspensão do auto de embargo de 15.10.2022 – cfr. doc.1 junto ao R. I., a Citação Urgente, nos termos aí melhor identificados que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os efeitos legais – cfr. nomeadamente, fls. 4.”
2ª. A Recorrente invocou, nomeadamente, os seguintes vícios / violação dos seguintes princípios no seu R. I.: a) Vicio de violação de lei nos termos dos artigos 63.º e 64.º do R. I; b) Vício de preterição de formalidade essencial nos termos do artigo 75.º do R. I. c) Violação do princípio da participação e do contraditório – cfr. artigo 75.º do R. I., d) Vício de usurpação de poder – cfr. artigo 83.º e 84.º do R. I.; e) Vício de violação de lei, em especial do princípio da legalidade – cfr. artigo 85.º do R. I.; f) Violação do direito de iniciativa económica, previsto no artigo 61.º, n.º 1 da CRP – cfr. artigo 86.º do R. I. g) Falta de fundamentação de facto e de direito do Auto de Embargo – vide, nomeadamente, artigos 87.º e ss. Do R. I h) Erro nos fundamentos de facto e de direito – cfr. artigo 101.º do R. I.; i) Vício de violação do princípio da justiça e da razoabilidade – cfr. artigo 181.º do R. I., j) Violação do princípio da imparcialidade e da legalidade – cfr. artigo 198.º do R. I.;
3ª. Peticionou a final que “NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, REQUER-SE A V.EXA. QUE: I) JULGUE PROCEDENTE A PROVIDÊNCIA CAUTELAR ORA REQUERIDA, DETERMINANDO, EM CONSEQUÊNCIA, A SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ATO EM CAUSA; II) SEJA DECRETADA PROVISORIAMENTE A PROVIDÊNCIA REQUERIDA; III) SEJA A ENTIDADE REQUERIDA CITADA COM URGÊNCIA.”
4ª. Em 16.01.2023 e na sequência do Requerimento Inicial do Recorrente o Douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, foi proferida pelo Tribunal decisão de indeferimento do pedido de decretamento provisório da providência cautelar – cfr. Ref.ª 004759677, fls. 288.
5ª. Nessa mesma Sentença, o Tribunal declarou ser “competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território.” – cfr. Ref.ª 004759677, fls. 288. (itálico, sublinhado e negrito nosso).
6ª. O ICNF apresentou a sua Oposição ao R. I. da Recorrente e veio juntar o Processo Administrativo.
7ª. No dia 30.01.2023 o Douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, viria a proferir o seguinte despacho: “Notifique a oposição e, bem assim, da junção do processo administrativo – cfr nº 7 do artº 84º ex vi do nº 1 do artº 118º do CPTA. Mais notifique as partes que consistindo o pedido na suspensão de eficácia do Auto de Embargo de 15 de Outubro de 2022, a abundante prova documental dos autos permite a respectiva apreensão da verdade material e assegura a justa composição do litígio que radica, no mais, numa quaestio de direito consubstanciada em saber se estava ao alcance da Entidade Requerida lavrar o referido Auto e desencadear um processo de contraordenação e, se encontrando-se este a decorrer a Requerente podia, concomitantemente, instaurar a presente acção, tudo sem prejuízo de possibilitar o conhecimento dos requisitos para o decretamento da providência peticionada. Nestes termos, entende-se irrelevante a produção da prova testemunhal que, assim, se dispensa – vide nº 5 do artº 118º do CPTA. Notifique.”
8ª. O referido processo administrativo junto pelo ICNF era composto por quase duas centenas de folhas – fls. 656 a 851 do SITAF - cfr. Ref.ª 004762464, 004762465, 004762466, 004762468, 004762470.
9ª. Na sequência do referido Despacho proferido pelo Douto Tribunal, notificado por via do ofício Ref.ª 004762848, de 31.01.2023, e bem assim atendendo à gravidade de quanto havia sido invocado oposição apresentada pelo ICNF e das vicissitudes imputáveis ao processo administrativo, veio a Recorrente em 13.02.2023 apresentar um Requerimento, ao abrigo do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA e, ao abrigo do artigo 63.º, n.º 1 do CPTA, nos termos do qual se peticionou que: “NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, REQUER-SE A V.EXA. QUE: i) seja o ICNF notificado / intimado pelo Douto Tribunal para vir aos autos juntar, nos termos do artigo 84.º do CPTA, o processo administrativo – devidamente organizado, numerado, rubricado, ordenado sequencialmente e com certificação de quantas folhas é o mesmo composto -, com a menção às cominações caso assim não proceda (nomeadamente a prevista no artigo 84.º, n.º 5 do CPTA). ii) A ampliação do objeto do processo ao parecer e despacho, dos quais teve a Requerente conhecimento por via da oposição e processo administrativo junto pelo ICNF e a ampliação da causa de pedir, relativamente ao auto de embargo, por força da invalidade do parecer e despacho e auto de embargo em causa, decorrentes, também, dos factos supervenientes que foram dados a conhecer à Requerente, nomeadamente, com a oposição e processo instrutor, nos termos acima melhor elencados; iii) Julgue improcedente a pretensa exceção de incompetência; iv) Julgue PROCEDENTE a Providência Cautelar, determinado, em consequência, suspensão da eficácia dos atos em causa, seja auto de embargo, parecer e despacho; v) Face à factualidade acima, nomeadamente, à posição do ICNF de que o auto pode incidir sobre exploração em atividade, e, podendo estar em causa a violação, do disposto no artigo 128.º do CPTA, requer-se ao Douto Tribunal que considere o que ora se invoca para os devidos efeitos legais e determine a adoção de todas as providências necessárias tendo em vista evitar que o ICNF viole a proibição de execução do auto de embargo e despacho e ponha em causa os direitos e interesses legalmente protegidos da Requerente, o que se requer; vi) o Douto Tribunal intime o ICNF para vir aos autos juntar os pareceres favoráveis e favoráveis condicionados que emitiu quanto a projetos de plantação de abacateiros em Parques Naturais, nomeadamente, Parque Natural da Ria Formosa, que tem em sua posse, por tal permitir demonstrar, por um lado, quanto invocado pela Requerente e, por outro, a insanável contradição do ICNF.”
10ª.Ainda no âmbito do referido Requerimento se invocaram os seguintes vícios / violação dos seguintes princípios: a. Vício de violação de Lei nos termos melhor explanados no artigo 4.º a 8.º do Requerimento; b. Vicio de violação de lei – cfr. artigo 28.º do Requerimento; c. Vício de incompetência e violação de lei – cfr. artigo 29.º do Requerimento; d. Vicio de incompetência – cfr. artigo 30.º do Requerimento; e. Vicio de incompetência – cfr. artigo 31.º do Requerimento;
11ª.Ao referido requerimento e bem assim a toda a demais documentação junta corresponde os documentos n.ºs 004766155, 004766156, 004766157, 004766158, que por sua vez correspondem às fls 899 a 930.
12ª.O processo foi concluso em 22.02.2023, conforme documento Ref.ª 004767836, pelas 08:31:32, tendo sido proferida em 23.02.2023, pelas 21:16:34 a Sentença ora Recorrida, por via do qual foi decidido que “Nestes termos, julga-se improcedente, por não provada, a presente providência cautelar de suspensão de eficácia do ‘Auto de Embargo de 15 de Outubro de 2022.”.
13ª.A Sentença viria a ser notificada ao Recorrente por via do Ofício Ref.ª 004768711, de 24.02.2023.
14ª.A ora Recorrente, por não se conformar com a referida Sentença, interpôs Recurso da mesma para a Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – o qual aqui se deverá dar por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais – tendo-se peticionado que "TERMOS EM QUE SE REQUER A V.EXA. SEJA A SENTENÇA ORA EM CAUSA REVOGADA E SUBSTITUIDA POR UMA OUTRA QUE JULGUE PROCEDENTE A PRETENSÃO DA RECORRENTE NO SENTIDO DE SER DETERMINADA SUSPENSAÇÃO DA EFICÁCIA DO AUTO DE EMBARGO, PARECER E DESPACHO.”
15ª.O TCA Sul, veio em 13.07.2023, a proferir o seguinte Acórdão: “Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência, anular a sentença recorrida e determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo para que seja proferida decisão que aprecie as questões suscitadas no requerimento de 13.02.2023, seguindo o processo os seus ulteriores termos.”
16ª.Consta, nomeadamente, do referido Acórdão que: “O requerimento em causa teria necessariamente que ser objeto de decisão em momento prévio à prolação da sentença. Só depois de se pronunciar sobre cada uma das questões colocadas, estaria o Tribunal a quo em condições de ajuizar do estado dos autos e se este permitiria já a prolação de sentença” – cfr. fls. 5 do Acórdão do TCA Sul. “In casu, não há dúvida que o Tribunal a quo tinha o dever legal de se pronunciar sobre o requerimento apresentado pela Requerente, por forma a finalizar a instrução e a estabilizar o objecto da ação (pedido e causa de pedir), - o que não fez – e ainda que a decisão que deveria recair sobre o mesmo não restou prejudicada pela solução dada a outras”. – cfr. fls. 6 “Aqui chegados, é evidente que o Tribunal a quo incorreu omissão de pronúncia no que tange às questões suscitadas no requerimento de 13.02.2023 e que essa omissão se reflete na decisão final”.
17ª.Tendo o Acórdão em causa transitado em julgado foi pelo TCA Norte remetido à 1.ª Instância – cfr. 004809933.
18ª.No dia 21.08.2023 viria o Douto Tribunal Administrativa e Fiscal de Beja a proferir despacho nos seguintes termos: “Atento o teor do douto acórdão e do requerimento apresentado em 13.02.2023, antes de mais, notifique a Entidade Requerida para vir aos autos juntar o processo administrativo – devidamente organizado, numerado, rubricado, ordenado sequencialmente e com certificação de quantas folhas é o mesmo composto. Prazo: 5 dias” – cfr. Ref.ª 004810735. No dia 22.08.2023 foi expedido o ofício Ref.ª 004810736 dirigido ao ICNF, com o seguinte teor: “Fica V.Ex.ª notificado, relativamente ao processo supra identificado, do conteúdo do despacho de que se junta cópia, para vir aos autos juntar o processo administrativo – devidamente organizado, numerado, rubricado, ordenado sequencialmente e com certificação de quantas folhas é o mesmo composto. Prazo: 5 dias”
19ª.No dia 28.08.2023 o ICNF veio apresentar requerimento – Ref.ªs 004811496 – com o seguinte teor: “O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., Réu nos presentes autos e neles melhor identificado, notificado que foi do Douto Despacho acima referenciado vem, nos seus termos, apresentar o processo administrativo organizado, numerado, rubricado, ordenado sequencialmente e com certificação de quantas folhas é o mesmo composto.”
20ª.Juntamente com o referido requerimento foi junto um documento intitulado “Certidão” emitido em 28.08.2023, pelo ICNF com o seguinte teor, o qual aqui se deverá dar por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais: “Miguel Bessa Peixoto Bernardo, técnico superior do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., adstrito à Direção Regional da Conservação da Natureza e das Florestas do Algarve, certifica pela presente, que as cópias do processo administrativo P-008644/2022, obtido a 28.08.2023 na aplicação de gestão documental Rubus estão conformes o original e é o mesmo constituído por 18 páginas, que se encontram numeradas, sequencialmente organizadas e rubricadas.” – cfr. Documento Ref.ª 004811497.
21ª.O referido processo instrutor foi junto pelo ICNF com a Ref.ª 004811498, o qual aqui se deverá dar por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
22ª.Comparando o processo instrutor junto pelo ICNF em 28.01.2023 com o Processo Instrutor junto pelo ICNF, na sequência do Acórdão do TCA Sul e do despacho do Douto Tribunal, verifica-se uma redução de centenas de páginas para apenas dezenas, mais concretamente, de apenas 18 páginas.
23ª.No dia 14.09.2023 proferiu o Douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé o seguinte despacho, que aqui se deverá dar por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais : “Sem prejuízo do que precede, ou seja da junção do processo administrativo, a fls 1287 a 1289, releva que o Decreto-Lei nº 30/2023, de 5 de Maio, veio estabelecer um regime excepcional de incentivo à extinção da instância nos Tribunais Administrativos e Fiscais, aplicando-se aos processos pendentes que correm termos na jurisdição administrativa e fiscal que terminem por extinção da instância, em razão de confissão, de desistência, detransação ou deacordo apresentado até 14 de Setembro de 2026. No caso de se adequar o processo àqueles termos, há lugar a dispensa do pagamento de taxas de justiça, de acordo como disposto nos nºs 3 a 5 do artº 3º do supracitado diploma. Neste enquadramento, notifique as partes se cogitam adoptar quanto ao presente processo o suprareferido regime.”
24ª.No dia 29.09.2023 proferiu o Douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé o seguinte despacho, o qual aqui se deverá dar por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – cfr. Ref.ª SITAF 004819786.
25ª.No dia 16.10.2023 a Recorrente apresentou o Requerimento que aqui se devera dar por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – cfr. Ref.ª SITAF 004824488. Fls 1322: “Notifique a Requerente para que se pronuncie sobre o ora deduzido pela Entidade Requerida, com o fito de se alcançar a resolução do dissídio – vide nº 3 do artº 3º, nº 1 do arº 6º e artº 547º do CPC, nº 1 do artº 7º-A e nº 1 do artº 8º do CPTA.”
Na sequência do Requerimento da Recorrente o processo foi concluso em 30.10.2023 – cfr. Ref.ª SITAF 004827782. No dia 06.11.2023 viria a ser proferida Sentença – cfr. Ref.ª 004829813 – a qual foi notificada à ora Recorrente por via do Ofício Ref.ª 004829899, por via da qual se decidiu que “Nestes termos, declara-se este Tribunal incompetente em razão da jurisdição e absolve-se a Entidade Requerida da Instância”.
26ª.Consta da referida da Sentença a menção de “Fls 1331: Toma-se conhecimento”.
27ª.Consta, também, da referida Sentença, nomeadamente, que: i. A apreciação da exceção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal “precede, necessariamente, o conhecimento de questões de outra natureza”; ii. Cita o Douto Tribunal, nas fls, 3 a 4 da Sentença, excertos da Oposição da Entidade Requerida; iii. Cita o Douto Tribunal, nas fls. 5 a 8 da Sentença, excertos do Requerimento da Recorrente, apresentado em 13.02.2023; iv. Cita o Douto Tribunal, nas fls. 8 a 9 da Sentença, excertos do ICNF, na sequência do Requerimento da Recorrente, apresentado em 13.02.2023;
28ª.Consta, também, da referida Sentença, mais concretamente, nas fls. 9 a 12 da Sentença, e na sequência do “Analisando.”, o seguinte: i. “Resulta dos autos que pelo ofício de 20 de Outubro de 2022 a Entidade Requerida notificou a Requerente, no âmbito do Processo de Contraordenação n.º 7-4256, do que segue: (…)” – fls 9 e 10 da Sentença; ii. “Em Janeiro de 2023, a Requerente veio intentar neste Tribunal a presente ação pedindo a suspensão de eficácia do Auto de Embargo de 15 de Outubro de 2022 lavrada no decurso do processo de contraordenação n.º 7-4256-2022, bem como o decretamento provisório da providência” – cfr. Fls. 10 da Sentença; iii. “Em cumprimento do douto Acórdão de 13 de Julho de 2023 proferido pelo Venerando TCA Sul, releva de entre as questões suscitadas no supra aludido requerimento de 13 de Fevereiro de 2023 a que a Entidade Requerida contrapôs, que as mesmas se prendem, designadamente, com o pedido de ampliação do objeto do processo, do indeferimento do pedido de ampliação do objeto do processo, do indeferimento do pedido de incompetência deste Tribunal e de ser convocada a junção de documentos” – cfr. Fls. 10 da Sentença; iv. “Ora, o regime que se circunscreve ao pedido e à causa de pedir dos autos é o estatuído quer no Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho, que estabeleceu o regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade e revogou o Decreto-Lei n.º 264/79, de 1 de Agosto, quer o Decreto-Lei n.º 19/93, de 23 de Janeiro, como o da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, que aprovou a Lei Quadro das Contraordenações ambientais”. Cfr. fls. 10 da Sentença; v. “Não se integrando o dissídio em causa, que se consubstancia no conhecimento da impugnação judicial de acto da administração pública que no âmbito de ter desencadeador o processo de contraordenação n.º 7-4256-2022, lavrou Auto de Suspensão à Requerente e, nessa medida, tendente a aplicar coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo, em matéria ambiental, na alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, verifica-se a incompetência dos Tribunais administrativos para conhecer da ação” – cfr. fls. 11 da Sentença; vi. “Aqui chegados, tudo visto e ponderado, tomando em consideração o pedido e a causa de pedir dos autos, conclui-se que este Tribunal não tem, pois, em razão da matéria, competência e medida de jurisdição para conhecer das questões que suscitam na resolução na presente causa, em harmonia com o consignado nos n.ºs 1 e 2 e na alínea a) do n.º 4 do art.º 89.º do CPTA. Consequentemente, o demais solicitado no requerimento de Fevereiro de 2023 e o cotejado ulteriormente, não carece de ser apreciado nem decidido.“ – cfr. fls. 12; vii. “A incompetência do Tribunal constitui uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância” – cfr. fls. 12 viii. “Nestes termos, declara-se este Tribunal incompetente em razão da jurisdição e absolve-se a Entidade Requerida da instância.”
29ª.Feito o referido enquadramento factual, como se demonstrará além das nulidades de que a Sentença padece, encontra-se a mesma pejada de vícios de diversa ordem, em termos da matéria de facto, e, em termos de direito.
30ª.A Sentença não pode permanecer na ordem jurídica, sob pena de permanecendo se dar um sinal claro à comunidade que a tutela jurisdicional e a defesa dos particulares contra o Estado são uma mera miragem. Vejamos.
31ª.Como se pôde ver, entre o Acórdão do TCA Sul e a Sentença ora recorrida, o Tribunal a quo, praticou, nomeadamente, três despachos: i. No dia 22.08.2023 foi expedido o ofício Ref.ª 004810736 dirigido ao ICNF, com o seguinte teor: “Fica V.Ex.ª notificado, relativamente ao processo supra identificado, do conteúdo do despacho de que se junta cópia, para vir aos autos juntar o processo administrativo – devidamente organizado, numerado, rubricado, ordenado sequencialmente e com certificação de quantas folhas é o mesmo composto. Prazo: 5 dias” ii. No dia 14.09.2023 proferiu o Douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé o seguinte despacho, que aqui se deverá dar por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais: “Sem prejuízo do que precede, ou seja da junção do processo administrativo, a fls 1287 a 1289, releva que o Decreto-Lei nº 30/2023, de 5 de Maio, veio estabelecer um regime excepcional de incentivo à extinção da instância nos Tribunais Administrativos e Fiscais, aplicando-se aos processos pendentes que correm termos na jurisdição administrativa e fiscal que terminem por extinção da instância, em razão de confissão, de desistência, de transação ou de acordo apresentado até 14 de Setembro de 2026. No caso de se adequar o processo àqueles termos, há lugara dispensa do pagamento de taxas de justiça, de acordo como disposto nos nºs 3 a 5 do artº 3º do supracitado diploma. Neste enquadramento, notifique as partes se cogitam adoptar quanto ao presente processo o supra referido regime.” – cfr.
32ª.Como se vislumbra pelo teor da Sentença, consta a menção a fls. 1331, referindo-se, “Tomase conhecimento”.
33ª.Sucede, porém, que nada é decidido nem dito, além, do tomar conhecimento.
34ª.Salvo o devido, considera-se que deveria o Douto Tribunal ter se pronunciado sobre uma questão que foi ele próprio quem despoletou.
35ª.In casu, dúvidas não existem de que sobre o Tribunal a quo impendia o dever legal de se pronunciar sobre os requerimentos apresentados, nomeadamente, pela Requerente, em face de quanto havia sido despoletado pelo próprio Tribunal, o que não sucedeu.
36ª.Como tal, dúvidas não existem de nulidade processual derivada da omissão de despacho (pronúncia), o que se reflete na decisão final recorrida por omissão de pronúncia quanto à questão suscitada, ferindo-a de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
37ª.Ademais, salvo o devido respeito, nada foi dito pelo Tribunal a quo quanto à audiência prévia, prevista nos termos do artigo 87.º-A do CPTA, ou à sua dispensa, previsto nos termos do artigo 87.º-B do CPTA.
38ª.Ora, dúvidas não existem da manifesta verificação de nulidade processual derivada da omissão de despacho (pronúncia), exigível no caso, o que se reflete na decisão final recorrida por omissão de pronúncia quanto à questão suscitada, ferindo-a de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, o que se requer.
39ª.Mas mais, nada existe a mencionar sobre se existe despacho saneador ou não, na presente situação, nem tão pouco é invocada qualquer base legal.
40ª.Ora, dúvidas não existem da manifesta verificação de nulidade processual derivada da omissão de despacho (pronúncia), exigível no caso, o que se reflete na decisão final recorrida por omissão de pronúncia quanto à questão suscitada, ferindo-a de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, o que se requer.
41ª.Ademais, não há, também, qualquer fixação do valor da causa, sendo que é ao juiz, nos termos do artigo 306.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA quem compete fazê-lo.
42ª.Ora, dúvidas não existem da manifesta verificação de nulidade processual derivada da omissão de despacho (pronúncia), exigível no caso, o que se reflete na decisão final recorrida por omissão de pronúncia quanto à questão suscitada, ferindo-a de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, o que se requer.
43ª.Prosseguindo, se considerava o Douto Tribunal a pretensa existência da exceção dilatória que acabou por decidir existir, então estava obrigado, em primeiro lugar, a nos termos do artigo 87.º, n.º 1, alínea c) do CPTA a “Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.”
44ª.Nada disso foi, também, feito. Dúvidas não existem da manifesta verificação de nulidade processual derivada da omissão de despacho (pronúncia), exigível no caso, o que se reflete na decisão final recorrida por omissão de pronúncia quanto à questão suscitada, ferindo-a de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, o que se requer.
45ª.Diga-se, aliás, que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, foi claro ao determinar que “O requerimento em causa teria necessariamente que ser objeto de decisão em momento prévio à prolação da sentença. Só depois de se pronunciar sobre cada uma das questões colocadas, estaria o Tribunal a quo em condições de ajuizar do estado dos autos e se este permitira já a prolação da sentença”.
46ª.Ora, como se pode ver, à exceção da questão concernente ao processo administrativo, nenhuma das outras questões foi analisada previamente – o que deveria ter ocorrido-, implicando, isto, portanto, uma clara omissão de pronúncia, estando, assim, a sentença ferida de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
47ª.Prosseguindo, vejamos agora sumariamente os fundamentos aduzidos pelo Tribunal a quo para decidir como decidiu.
48ª.Invoca o Douto Tribunal a quo que “Resulta dos autos que pelo ofício de 20 de Outubro de 2022 a Entidade Requerida notificou a Requerente, no âmbito do Processo de Contraordenação n.º 7-4256, do que segue: (…)” – fls 9 e 10 da Sentença que se impugna.
49ª.Ora, salvo o devido respeito isso não resultava dos autos, não resultava do processo administrativo de cerca de 200 duas páginas, não resulta do processo instrutor de 18 páginas juntas pelo ICNF aos autos, na sequência do Acórdão do TCA Sul, e várias foram as vezes em que a Recorrente expressamente reiterou que não havia sido notificada da instauração do dito procedimento contraordenacional.
50ª.Diga-se, aliás, que um dos documentos que não consta do segundo processo instrutor junto pelo ICNF é precisamente a minuta – que o Tribunal considerava erradamente ser uma qualquer notificação / ofício datada de 20 de Outubro de 2022 – a qual constava no Proc. PCO-7-4256-2022, Ref.ª do ICNF AC-2747-2022.
51ª.Ora, se não resultava dos autos qualquer prova de ter havido notificação e já não consta sequer do processo administrativo a tal minuta, como é que, pode o Tribunal a quo continuar a insistir que a Recorrente foi notificada por via da instauração do procedimento contraordenacional por via ofício de 20 de outubro de 2022?
52ª.Ora, jamais se pode admitir que o Tribunal a quo tenha invocado tal fundamento.
53ª.Diga-se, aliás, que se dúvidas existiam acerca de que não houve qualquer notificação de instauração do procedimento contraordenacional em causa, as mesmas ficam claramente dissipadas porquanto a notificação da instauração do processo contraordenacional só ocorreu por via do Ofício Ref.ª AC-3089-2023, recebido no dia 11.10.2023 (cfr. código CTT RL149117719PT) – cfr. DOC.1 que se junta – ao qual se apresentou resposta – cfr. doc.1
54ª.Assim sendo, dúvidas não existem que estamos diante de um claro erro de julgamento por parte do Douto Tribunal, o que se requer.
55ª.Ademais, importará, referir o seguinte.
56ª.Vem o Douto Tribunal invocar que “Em Janeiro de 2023, a Requerente veio intentar neste Tribunal a presente ação pedindo a suspensão de eficácia do Auto de Embargo de 15 de Outubro de 2022 lavrada no decurso do processo de contraordenação n.º 7-4256-2022, bem como o decretamento provisório da providência” – cfr. Fls. 10 da Sentença, que se impugna.
57ª.Tal fundamento não corresponde à verdade.
58ª.O que corresponde sim à verdade é o de que a Requerente e ora Recorrente veio em 13.01.2023, “ao abrigo dos artigos 112.º n.º 2, alínea a) e 114.º n.º 1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, (doravante “CPTA”), requerer contra o INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DAS FLORETAS E DA NATUREZA (doravante “ICNF” ou “Requerido”), com sede na Avenida da República n.º 16 1050-191 Lisboa, a suspensão do auto de embargo de 15.10.2022 – cfr. DOC.1 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, razão pela qual se requer a Citação Urgente, bem como o decretamento provisório da providência, nos termos do artigo 114.º n.º do CPTA o que faz nos termos e com os fundamentos que se seguem: (…)” tendo peticionado a final que “NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, REQUER-SE A V.EXA. QUE: I. JULGUE PROCEDENTE A PROVIDÊNCIA CAUTELAR ORA REQUERIDA, DETERMINANDO, EM CONSEQUÊNCIA, A SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ATO EM CAUSA; II. SEJA DECRETADA PROVISORIAMENTE A PROVIDÊNCIA REQUERIDA; III. SEJA A ENTIDADE REQUERIDA CITADA COM URGÊNCIA.
59ª.Mais uma vez, está-se diante de um claro e manifesto erro de julgamento por parte do Douto Tribunal, o que se requer.
60ª.Ademais, vem o Douto Tribunal a quo invocar que “Ora, o regime que se circunscreve ao pedido e à causa de pedir dos autos é o estatuído quer no Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho, que estabeleceu o regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade e revogou o Decreto-Lei n.º 264/79, de 1 de Agosto, quer o Decreto-Lei n.º 19/93, de 23 de Janeiro, como o da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, que aprovou a Lei Quadro das Contraordenações ambientais”. Cfr. fls. 10 da Sentença.
61ª.Ora salvo o devido respeito, o Tribunal a quo equivocou-se novamente.
62ª.Equivocou-se, como se disse, porquanto, além de ter invocado ter a Recorrente intentando uma ação com um pedido que não apresentou, ainda vem invocar estar em causa nos autos uma causa de pedir que não é a causa de pedir invocada pela Recorrente.
63ª.Diga-se, aliás, que tal manifesto erro de julgamento é patente, porquanto, na Análise que o Douto Tribunal faz nas fls. 9 e ss. não há qualquer menção ao Requerimento Inicial da A., significando, por isso, que o Tribunal a quo desconsiderou, por completo, o Requerimento Inicial da A.
64ª.E na verdade, como é consabido, a competência do Tribunal afere-se de harmonia com a realização controvertida, tal como é pelo Autor configurada, fixando-se aquela quando a ação ou neste caso o requerimento inicial se propõe, sendo, aliás, irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, exceto se for suprimindo o órgão a que a causa estava afeta.
65ª.Ora, se o Tribunal a quo tivesse analisado como era seu dever legal o Requerimento Inicial – que saliente-se não é mencionado na sequência da expressão “Analisando”, teria verificado, nomeadamente, que: v. Foi requerida pela Recorrente, ao abrigo dos artigos 112.º n.º 2, alínea a) e 114.º n.º 1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, (doravante “CPTA”), a suspensão do auto de embargo de 15.10.2022 e, bem assim, o decretamento provisório da providência; vi. O que está em causa é, portanto, um ato administrativo de conteúdo desfavorável; vii. Foi peticionado que fosse a providência cautelar julgada procedente e, em consequência, fosse determinada a suspensão da eficácia do ato em causa; viii. Foram demonstrados de forma clara encontrarem-se preenchidos os requisitos para o deferimento da providência cautelar; ix. Que foram imputados pela Recorrente ao referido ato administrativo, nomeadamente, diversos vícios de um ato administrativo: a) Vicio de violação de lei nos termos dos artigos 63.º e 64.º do R. I; b) Vício de preterição de formalidade essencial nos termos do artigo 75.º do R. I. c) Violação do princípio da participação e do contraditório – cfr. artigo 75.º do R. I., d) Vício de usurpação de poder – cfr. artigo 83.º e 84.º do R. I.; e) Vício de violação de lei, em especial do princípio da legalidade – cfr. artigo 85.º do R. I.; f) Violação do direito de iniciativa económica, previsto no artigo 61.º, n.º 1 da CRP – cfr. artigo 86.º do R. I. g) Falta de fundamentação de facto e de direito do Auto de Embargo – vide, nomeadamente, artigos 87.º e ss. Do R. I h) Erro nos fundamentos de facto e de direito – cfr. artigo 101.º do R. I.; i) Vício de violação do princípio da justiça e da razoabilidade – cfr. artigo 181.º do R. I., j) Violação do princípio da imparcialidade e da legalidade – cfr. artigo 198.º do R. I.;
66ª.Ademais, importa relembrar o Douto Tribunal de que quem vem chamar à colação o Regime Jurídico da Conservação da Natureza ou à Lei n.º 50/2006 quem vem invocar que o auto de embargo havia sido proferido no âmbito de um procedimento contraordenacional, e que com base nessa pretensa argumentação deduziu a exceção de incompetência foi o ICNF.
67ª.Salvo o devido respeito que é muito, bastaria ao Douto Tribunal a quo que tivesse analisado o Requerimento Inicial para, desde logo, perceber que o vem invocar ter sido o pedido e a causa de pedir em causa invocado pela Recorrente é completamente destituído de sentido.
68ª.Salvo o devido respeito que é muito, bastaria ao Douto Tribunal a quo que tivesse tido a diligência devida nos termos do que lhe é exigido por Lei ter em conta a forma como o Recorrente contestou a versão do ICNF e se defendeu da exceção invocada para perceber que o quem invocar é completamente destituído de efeito.
69ª.Mas como se não bastasse, o erro de julgamento é ainda mais flagrante porquanto ao ler-se as fls. 10 a 11 vê-se que o Tribunal a quo invoca um Acórdão que se refere a impugnação judicial de uma contraordenação ambiental no âmbito da qual foi aplicada a coima. Não é o que está em causa nos autos.
70ª.Assim sendo, é claramente manifesto a existência de um claro erro de julgamento.
71ª.Além do mais, diga-se que em lado algum resulta dos autos, nem do processo instrutor de cerca de 200 páginas ou atual que tenha sido o auto de embargo proferido no âmbito de qualquer procedimento contraordenacional!
72ª.Jamais se pode conceber a afirmação feita pelo Douto Tribunal a quo de que “Não se integrando o dissídio em causa, que se consubstancia no conhecimento da impugnação judicial de acto da administração pública que no âmbito de ter desencadeador o processo de contraordenação n.º 7-4256-2022, lavrou Auto de Suspensão à Requerente e, nessa medida, tendente a aplicar coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo, em matéria ambiental, na alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, verifica-se a incompetência dos Tribunais administrativos para conhecer da ação” – cfr. fls. 11 da Sentença; E de que, “Aqui chegados, tudo visto e ponderado, tomando em consideração o pedido e a causa de pedir dos autos, conclui-se que este Tribunal não tem, pois, em razão da matéria, competência e medida de jurisdição para conhecer das questões que suscitam na resolução na presente causa, em harmonia com o consignado nos n.ºs 1 e 2 e na alínea a) do n.º 4 do art.º 89.º do CPTA. Consequentemente, o demais solicitado no requerimento de Fevereiro de 2023 e o cotejado ulteriormente, não carece de ser apreciado nem decidido.“ – cfr. fls. 12;
73ª.Tais afirmações não podem proceder face ao que se disse, ao que se vem dizendo nos autos e pelo que ora se refere e reitera. Vejamos.
74ª.O que está em causa é o embargo, uma medida provisória ou cautelar de tutela de legalidade administrativa, que jamais poderão ser enquadrados no âmbito de procedimento administrativa contraordenacional, de cariz sancionatório.
75ª.Não está em causa no ato / atos colocados em causa a imputação à Requerente de um qualquer ilícito e censurável, punível através da aplicação de uma contraordenação, em face do qual seria exigível o pagamento de uma coima, ou sequer está em causa a aplicação de alguma sanção acessória.
76ª.Ademais, diga-se, como já se teve oportunidade de referir, que a afirmação feita pelo ICNF e sufragada pelo Douto Tribunal, de que o embargo foi emanado de um mencionado processo contraordenacional, além de não fazer qualquer sentido conceptualmente, também não faz qualquer sentido porquanto tal como resultava do primeiro processo administrativo, o auto de embargo foi emitido antes da instauração do procedimento contraordenacional – instaurado em 18.10.2022.
77ª.Salvo o devido respeito há, por parte do Tribunal, um claro e manifesto erro de julgamento que de todo se pode admitir.
78ª.Diga-se, aliás, não se entender como é que o mesmo Tribunal a quo que na Sentença proferida em 16.01.2023 admite liminarmente a providência cautelar, e se declara, nomeadamente, “competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território” é o mesmo Tribunal a quo que perante o mesmo Requerimento Inicial vem agora declarar-se incompetente em razão da matéria.
79ª.Salvo o devido respeito, algo não está bem. É patente além do claro erro de julgamento, a clara contradição de posições do mesmo Tribunal, no mesmo processo, perante o mesmo Requerimento inicial. Além de manifesto erro de julgamento, clara contradição das posições adotadas, considera-se estar até em causa a violação pelo próprio Tribunal do caso julgado – porquanto relembre-se que a providência foi preliminarmente admitida e o Tribunal se julgou competente em razão da matéria, nacionalidade, hierarquia e do território.
80ª.Salvo o devido respeito, não se pode de todo manter a decisão recorrida.
81ª.Não há assim qualquer incompetência do Tribunal significando, nem qualquer exceção
82ª.Não se pode de todo aceitar a decisão ora em crise por via do qual o Tribunal se declara incompetente em razão da jurisdição e absolve-se a Entidade Requerida da instância.”
83ª.Jamais se pode admitir existir e permanecer na ordem jurídica uma decisão como a que ora foi proferida que, como já se disse, e se reitera se encontra pejada de vícios de diversa ordem, em termos da matéria de facto, e, em termos de direito.
TERMOS EM QUE SE REQUER A V.EXA. SEJA A SENTENÇA ORA EM CAUSA REVOGADA E SUBSTITUIDA POR UMA OUTRA QUE JULGUE PROCEDENTE A PRETENSÃO DA RECORRENTE NO SENTIDO DE SER DETERMINADA SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO AUTO DE EMBARGO, PARECER E DESPACHO.
O Recorrido apresentou contra-alegações, enunciando as seguintes conclusões (transposição feita a partir da peça de contra-alegações inclusa no SITAF):
I. Decidiu, bem, a Douta Sentença recorrida por, fundamentar de facto e de direito.
II. A área geográfica subjacente ao objeto dos presentes autos insere-se em área de proteção complementar de tipo I do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Ria Formosa (POPNRF), contido na Resolução do Conselho de Ministros n.º 78/2009, de 2.9 (RCM), cujo âmbito e objetivos se encontram definidos no seu artigo 13.º.
III. No auto de notícia n.º PI-854-2022, – documento junto na oposição e elaborado pela equipa de Vigilantes da Natureza no decurso de uma normal ação de vigilância, prevenção e fiscalização – consta nomeadamente do anexo 2 3 fotografias da área da exploração, sendo visível o corte e destruição do coberto vegetal composto de sebes vivas, além da alteração à morfologia do solo, sendo esta uma ação sujeita a autorização do Réu nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 8.º do POPNRF, que nunca foi pedida pela Autora.
IV. É competência do Réu, nos termos da sua Lei Orgânica aprovada pelo Decreto Lei n.º 43/2019, de 29.3 a gestão e fiscalização de áreas protegidas.
V. No caso em apreço, não ocorreu violação de lei por parte do Réu, que nos termos do enquadramento ora apresentado, nada mais fez do que agir de acordo com as suas competências sempre se disponibilizando para, de forma transparente e acessível, apresentar todas as informações e documentos à Autora.
VI. Não se dignou a Autora a pedir o obrigatório parecer ao Réu.
VII. Avançando livremente sem qualquer pudor com a instalação de uma plantação em regime intensivo em zona do Parque Natural da Ria Formosa e Rede Natura 2000, recorrendo necessariamente a métodos de exploração e atos não compatíveis com as necessidades de proteção dos valores ambientais existentes.
VIII. Não restando outra alternativa ao Réu, perante a lei e igualmente o alarme social gerado pela referida instalação, de ordenar o embargo da exploração, o que fez.
IX. Não corresponde minimamente à realidade que tenha sucedido a violação dos princípios que vem invocando a Autora e que alega novamente no artigo 2.º da petição de recurso que apresenta.
X. Na verdade, todos os factos e documentos demonstram inequivocamente a violação da lei por parte da Autora.
XI. O processo administrativo “instrutor” subjacente aos presentes autos é, como se disse, o processo constituído por 18 páginas e que reflete o procedimento administrativo atinente ao decretamento de uma medida provisória nos termos do artigo 89.º do Código do Procedimento Administrativo.
XII. Sendo os demais primeiramente juntos enquanto processo conexos com o objeto dos autos e que se entendeu dever deles o Douto Tribunal a quo ter conhecimento.
XIII. A verdade material subjacente aos presentes autos resulta precisamente da instalação de uma exploração agrícola intensiva numa zona onde incidem restrições de utilidade pública sem que tenha sequer sido informado o Réu que, conforme resulta da lei, gere as áreas em causa.
XIV. Tendo, por culpa exclusiva da Autora, que conhece a legislação e a que isso estaria sempre obrigada, sido mantido o Réu sem qualquer informação ou elemento técnico relativo à exploração. O que não pode naturalmente aceitar!
XV. Não esquecendo nunca que existem já danos ambientais consumados e irreversíveis concretamente a destruição de um amendoal cuja existência reporta a tempos imemoriais, sendo uma espécie endémica da região e que tem um particular valor simbólico na medida em que uma das principais marcas do Algarve serrano é precisamente a beleza das amendoeiras em flor.
XVI. A verdade subjacente aos presentes autos é que, não só foi implementada uma exploração agrícola intensiva em área integrante de duas restrições de utilidade pública como, para esse efeito, ter sido dizimada uma plantação autóctone de amendoeiras existentes no local desde tempos imemoriais e que, talvez mais importante ainda, se encontravam perfeitamente adaptadas às necessidades hídricas da região.
XVII. Não colhe minimamente o entendimento da Autora patenteado nos artigos 36.º a 43.º das alegações de recurso, pois, conforme jurisprudência forte e consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, que pelo mérito que demonstra deve igualmente ser tida em conta na jurisdição administrativa, concretamente o Acórdão de 10.12.20204 : “I – A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”
XVIII. Atente-se assim no teor do requerimento que apresentou a Autora a fls. 1331 e questione-se em que medida estaria o Douto Tribunal a pronunciar-se sobre o teor do mesmo considerando igualmente o teor do Douto Despacho de 29.9.2023, com a referência SITAF 004819786.
XIX. Limita-se a Autora a renovar matéria já constante dos presentes autos nomeadamente no Requerimento Inicial e Oposição, fazendo-o, em resposta a um despacho em que apenas era solicitada informação sobre a possibilidade de desistência ou transação algo que tinha já feito o Réu no requerimento a que já se fez referência de 20.9.2023 com a referência SITAF 004817316.
XX. E em nada acrescenta o requerimento da Autora que lhe permita vir agora invocar que foi ocorreu omissão de pronúncia.
XXI. O que alega no Requerimento onde responde ao Douto Despacho de 29.9.2023, constavam já dos autos, concretamente as diferentes perspetivas técnicas existentes sobre o abacateiro.
XXII. Mas nem tampouco é a espécie que está em causa nos presentes autos mas sim a localização da exploração!
XXIII. E diga-se num plano paralelo, como poderia sequer o Douto Tribunal pronunciar-se a um requerimento que não contém qualquer pedido? Naturalmente tomou conhecimento face à ausência de pedido.
XXIV. Como tal, o recurso que apresenta a Autora não tem qualquer fundamento, e trata-se outrossim, como se disse já, de uma tentativa de desvirtuar a verdade material nos presentes autos e que envolvem a destruição de um amendoal centenário e autóctone ao Parque Natural da Ria Formosa e da serra algarvia, com o consequente dano ambiental consumado e irreversível e igualmente a implementação de um projeto sem licenciamento algum, sem pedido de licenciamento e sem sequer considerar a ordem de embargo que recebeu com a naturalidade decorrente da atuação descrita e demonstrada documentalmente nos presentes autos.
XXV. Não corresponde à verdade o afirmado no artigo 56.º das alegações de recurso e como tal cai a invocação de que ocorreu erro de julgamento. Pois o que aí alega não tem espelho na realidade atendendo a que a notificação foi pessoal. O que sucedeu sim foi que ocorreu a recusa em assinar o auto, como se disse em sede de Oposição.
XXVI. Está portanto totalmente correta a data a que se refere a Douta Sentença recorrida relativamente à notificação do embargo que a Autora se recusou primeiramente a assinar obrigando a que operasse o n.º 5 do artigo 43.º da LQCA, o que sucedeu.
XXVII. E é grave que venha em sede de alegações de recurso a Autora, em absoluto desrespeito pela verdade juntar o documento n.º 1 das suas alegações não simplesmente por o fazer mas sim porque pretende confundir os presentes autos na medida em que o Ofício Ref.ª AC-3089-2023, recebido no dia 11.10.2023 é a notificação da acusação do processo de contraordenação.
XXVIII. Momento processual distinto do da ordem de embargo que primeiramente se recusou a assinar.
XXIX. Ora, conforme resulta da lei, o embargo é uma medida provisória de legalidade tomada e decretada previamente à notificação da acusação, instrumento legal que encontra paralelismo tanto no direito processual penal como até no direito processual civil, como por exemplo a penhora prévia à citação.
XXX. Inexiste assim qualquer erro de julgamento tal resultando claramente dos elementos integrantes de todos os documentos existentes nos presentes autos e do facto de ser qualquer embargo administrativo uma medida provisória tomada previamente à notificação da acusação e muitas vezes tomada até antes da instauração do processo de contraordenação que lhe servirá de sustento formal.
XXXI. A notificação da ordem de embargo é a notificação de um ato administrativo que reflete uma medida de tutela da legalidade, sendo comparável ao regime das medidas de coação em processo penal onde é inspirado o processo contraordenacional nos termos dos artigos 32.º e 41.º do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10.
XXXII. Não faz portanto qualquer sentido aquilo que alega a Autora nos artigos 54.º a 62.º das alegações de recurso que apresenta e resultam de uma interpretação impossível da letra da lei por confundir um momento processual de tutela da legalidade (o embargo), com outro, de tutela dos direitos de defesa, a acusação.
XXXIII. Pelo exposto se vislumbra de forma acrescida que o recurso apresentado não tem qualquer fundamento por ser a Douta Sentença recorrida plenamente válida e legalmente imaculada, acrescentando muito respeitosamente o Réu que é importante para o cumprimento da legislação vigente e a proteção dos valores naturais existentes tanto na Rede Natura 2000, como no Parque Natural da Ria Formosa devendo, assim e nos termos apresentados ser mantida a Douta Decisão Recorrida.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
O parecer do MP foi notificado às partes.
Sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento.
***
II - Delimitação do objecto do recurso.
Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, essencialmente, se ocorrem as arguidas nulidades da decisão recorrida, bem como, se tal decisão enferma do erro de julgamento que lhe vem assacado pela Recorrente, sobretudo, no que toca à questão central de saber se foi bem julgada, ou não, a excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais administrativos, em razão da matéria, para conhecerem da presente causa.
***
III - Matéria de facto.
A decisão recorrida não fixou matéria de facto.
Ainda assim, por interessar à decisão do presente recurso jurisdicional, fixamos os seguintes factos:
1.º - Em 17/10/2022 e em 19/10/2022, respectivamente, os serviços do ora Recorrido levantaram “AUTO DE NOTÍCIA/PARTICIPAÇÃO”, identificando em ambos os autos a ora Recorrente como a infractora, nos quais, relativamente aos dias 07/10/2022 e 14/10/2022, entre outra verificação, foi constatada e descrita a seguinte infracção:
(…) o Vigilante da Natureza…Divisão de Vigilância Preventiva e Fiscalização – Algarve – constatou que o infrator acima identificado, praticou a seguinte infração:
(…)
No local, data e hora acima referidos, em serviço de verificação de processo, constatámos a realização de trabalhos de instalação de abacateiros (…).
Neste dia, a área de plantação de abacateiros já realizada era cerca de 2 hectares (…).
Esta situação insere-se na área de zonamento do Plano de Ordenamento do PNRF…e encontra-se em Perímetro de Rega do Sotavento Algarvio.
Enquadramento legal
Normativo violado: alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 92/2019, de 10 de julho
Normativo sancionatório: alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (…).
Regime sancionatório
Coima Mínima:6000€ Coima Máxima:36000€” – (cf. processo instrutor/administrativo – PA – páginas 656 a 891 da numeração do SITAF);
2.º - Os autos de notícia supra identificados foram incorporados no processo de contraordenação sob o n.º 7-4256-2022, que passou a correr termos nos serviços do ora Recorrido – (cf. processo instrutor/administrativo – PA – páginas 656 a 891 da numeração do SITAF);
3.º - Em 15/10/2022, os serviços do ora Recorrido emitiram o AUTO DE EMBARGO n.º AE/01/2022, subscrito por Vigilante da Natureza, visando a notificação da ora Recorrente no sentido de que ficavam “embargadas todas as obras de plantação de abacates…que estão a ser efetuadas pelo Sr. (…) J….-Empresa M........, Lda.” – (cf. processo instrutor/administrativo – PA – páginas 656 a 891 da numeração do SITAF);
4.º - Pelo despacho de 18/10/2022 do Chefe da Divisão de Gestão Administrativa e Logística do Algarve do ora Recorrido, foi decidido determinar “o processamento da contraordenação supra referida, designando o instrutor abaixo identificado” – (cf. processo instrutor/administrativo – PA – páginas 656 a 891 da numeração do SITAF).
***
III.I - Motivação da matéria de facto supra aditada.
A nossa convicção quanto aos factos supra fixados assenta na prova documental indicada nesses mesmos pontos, consultável no SITAF (cf. processo instrutor/PA), tendo em conta o disposto no artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo CPC, e dos artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA.
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IV - Fundamentação de Direito.
a) Das arguidas nulidades
Em primeiro lugar, a Recorrente diz que a sentença recorrida não se pronunciou sobre duas questões: i) sobre o processo administrativo (PA) cujo envio aos autos foi ordenado pelo Tribunal a quo; ii) e sobre a pronúncia da ora Recorrente ao despacho-convite da Meritíssima Juíza a quo no sentido das partes cogitarem a hipótese da instância se extinguir por desistência, confissão ou transacção, na sequência do regime de incentivo à extinção processual nos tribunais administrativos, implementado pelo Decreto-Lei n.º 30/2023, de 5 de Maio.
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA, a sentença só é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Sobre a nulidade preconizada no comando legal supra citado, seguimos de perto o entendimento firmado, entre outros, pelo acórdão deste TCAS, de 20/01/2022, emitido no processo sob o n.º 1048/19.7BESNT, consultável em www.dgsi.pt, destacando-se o seguinte excerto: “O art. 615.º do CPC, na citada alínea d), do n.º 1, determina que a sentença seja nula, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
É jurisprudência constante e uniforme dos tribunais superiores Por todos, v. ac. STA de 06.12.2018, P. 0930/12.7BALSB, disponível em www.dgsi.pt e que se seguirá de perto. que as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem estar viciadas de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação; por outro, como atos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretados e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do citado art. 615.º do CPC.
A nulidade prevista na alínea d) do citado art. 615.º, do CPTA, consubstancia-se na violação do dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras - cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC.(sublinhado nosso).
Ora bem, importa reter, precisamente, que o Tribunal a quo, embora com o dever originário que lhe impendia de resolver todas as questões colocadas à sua apreciação pelas partes, ou até mesmo sobre os temas que o próprio Tribunal de 1.ª instância, oficiosamente, suscitara, tal não significa um dever de cariz absoluto e inultrapassável para o julgador, porquanto, a aplicação do n.º 2 do artigo 608.º do CPC permite, de modo equilibrado, que o juiz não aprecie determinadas questões quando a sua decisão se mostre prejudicada pela solução dada a outras.
E foi o que ocorreu no caso vertente, posto que, perspectivando o Tribunal a quo que nos concretos autos se apresentava de modo manifesto a excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais administrativos, em razão da matéria, para conhecerem da causa (se bem ou mal equacionada tal incompetência material é questão que mais adiante apreciaremos, mas não no patamar das nulidades da sentença, mas sim ao nível do seu mérito, já causa de revogação e não de anulação), tornou-se inútil ou despicienda, porque prejudicada, a pronúncia da 1.ª instância sobre o teor ou pertinência do PA, ou sobre os argumentos favoráveis ou contrários à extinção da instância por causa diversa do seu julgamento de fundo, porquanto, sendo o “conhecimento da competência e do âmbito da jurisdição” um vector de ordem pública (insusceptível de ser afastado pelas partes e vigorando a oficiosidade do seu conhecimento pelo Tribunal – cf. “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 5.ª Edição, Almedina, 2022, na página 150) e com inexorável precedência sobre as demais questões, conforme o imposto pelo artigo 13.º do CPTA, assumiu-se tal excepção como a única temática necessariamente a ser apreciada pelo Tribunal a quo, com prejuízo das demais, se julgada procedente, como efectivamente foi.
Por conseguinte, desembocando a decisão do Tribunal a quo no reconhecimento de tal excepção dilatória, implacavelmente determinativa da absolvição da instância do ora Recorrido, com a possibilidade da posterior remessa do processo ao tribunal competente (cf. artigo 14.º, n.º 2, do CPTA), temos por certo que o n.º 2 do artigo 608.º do CPC permitiu à Meritíssima Juíza a quo a não apreciação de todas as demais questões, já que, como vimos, a decisão sobre as mesmas mostrou-se inapelavelmente prejudicada pela solução que foi dada à matéria da aludida excepção dilatória.
Não se verifica, portanto, a arguida nulidade.
Prosseguindo, a Recorrente concentra o segundo segmento de arguição de nulidade contra a decisão recorrida na tese de que o Tribunal a quo não se pronunciou quanto à necessidade de audiência prévia ou sobre a dispensa da mesma, pugnando pela aplicação do artigo 87.º-A do CPTA.
Desde já se diz que a nulidade ora suscitada pela Recorrente não faz qualquer sentido, posto que, não pode a Recorrente olvidar que litiga em sede de um processo cautelar, de natureza urgente e adstrito a uma tramitação processual necessariamente célere, que não comporta, em parte alguma do CPTA, a inserção de uma audiência prévia.
Para tanto, basta atender que a audiência prévia se mostra inclusa no capítulo III do título II do CPTA, dedicada à “marcha do processo”, ou seja, consubstancia uma diligência processual primacialmente preconizada para a acção administrativa (a acção principal).
Mas não só. Ao que aqui importa, tratando-se o caso sob escrutínio de um processo cautelar, veja-se que no título IV do CPTA, designadamente, no seu capítulo I, dos artigos 112.º ao 127.º, não se encontra um só dispositivo legal que preveja expressamente a realização da audiência prévia nesta espécie processual urgente.
Em rigor, deriva do artigo 118.º, n.º 1, do CPTA, que “Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária”. E do artigo 119.º, n.º 1, do mesmo CPTA, dimana que “O juiz profere decisão no prazo de cinco dias contado da data da apresentação da última oposição ou do decurso do respetivo prazo, ou da produção de prova, quando esta tenha tido lugar”. É cristalino, portanto, que o CPTA não prevê a realização de qualquer audiência prévia no âmbito do processo cautelar.
Isto significa, assim, que o Tribunal a quo não se encontrava obrigado a cumprir com tal diligência, nem da sua não realização resulta qualquer nulidade, pois, neste conspecto, não omitiu qualquer acto ou formalidade prescrita pela lei de processo administrativo para os processos cautelares (cf. artigo 195.º, n.º 1, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA).
Não se verifica, com efeito, a aventada nulidade.
Avançando, a Recorrente induz novas nulidades por entender que a decisão recorrida nada menciona sobre se existe, ou não, despacho-saneador na presente situação, mais dizendo que não é invocada qualquer base legal.
Trata-se, no primeiro aspecto, de uma arguição inócua, posto que, se é da qualificação de despacho-saneador, previsto no artigo 88.º do CPTA, que a Recorrente aqui clama, no sentido do já acima julgado, também aqui entendemos que no âmbito do processo cautelar, porque não previsto expressamente na tramitação construída pelo CPTA, não é exigível a prolação formal e separada de um despacho-saneador na presente espécie processual, de natureza urgente, como se disse, reservado que se mostra tal despacho, em regra, para o competente processo principal.
Isso não invalida, contudo, que a 1.ª instância não deva fazer o “saneamento” dos autos cautelares, quando tal se mostre necessário, independentemente da nomenclatura ou da classificação que se atribua a tal decisão judicial, resultando claro da decisão recorrida, aliás, que decidiu fazer o “saneamento” do processo cautelar, elegendo logo à partida para a sua apreciação a questão da competência material dos tribunais administrativos.
Seja como for, o que não se consente é que alguma nulidade possa ser assacada contra a decisão recorrida em virtude da 1.ª instância não qualificar a sua decisão num sentido ou noutro (de despacho, despacho-saneador ou de sentença), visto que, por um lado, a Recorrente nem sequer indicou qual o comando processual que a tal exigiria, e, por outro lado, tal falta de qualificação não é de molde a influir no exame ou na decisão da causa, que é como quem diz, no caso em apreço, no exame ou na decisão da oficiosamente suscitada excepção dilatória, segundo o disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA.
Diz ainda a Recorrente que não foi invocada na decisão recorrida qualquer base legal para a sua prolação.
Não tem razão a Recorrente, pois, bem ou mal, consta da decisão “sub judice” a seguinte justificação legal: “(…) perfilando-se nos autos a formulação da excepção dilatória da incompetência absoluta deste Tribunal, que – em caso de procedência – determinará a absolvição da Entidade Requerida da instância – cfr nº 1 do artº 96º, artº 97º e alínea a) do artº 577º, todos do CPC, aplicável ex vi do artº 1º do CPTA – a sua apreciação precede, necessariamente, o conhecimento de questões de outra natureza.
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. Do Saneamento
Convoca-se que ao abrigo da alínea a) do nº 4 do artº 89º do CPTA
Se bem ou mal convocados tais preceitos legais é questão sobre a qual a Recorrente não teceu qualquer crítica directa e concreta, pois, como constatámos, limitou-se a dizer que não fora “invocada qualquer base legal”, nada mais densificando sobre tal temática, o que exime o Tribunal de recurso de continuar a perscrutar tal alegada nulidade, que, assim, não é reconhecida.
Continuando a nossa análise às imputadas nulidades da decisão recorrida, a Recorrente também arguiu que não foi fixado o valor da causa, citando o artigo 306.º do CPC, “ex vi” do artigo 1.º do CPTA.
É certo que da decisão recorrida não consta a fixação do valor da causa, nem tal valor foi fixado no despacho de admissão do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 306.º do CPC.
Acontece que, atento o preceituado no n.º 1 do artigo 195.º do CPC, dessa irregularidade cometida pelo Tribunal a quo não resultou, no caso concreto, qualquer prejuízo efectivo ou influência negativa no exame ou na decisão da causa, porquanto, por um lado, a fixação do valor da causa, a ter ocorrido, não isentaria a 1.ª instância de, na mesma, sindicar em primeiro lugar, ainda que oficiosamente, a matéria da competência do tribunal administrativo (cf. artigo 13.º do CPTA), e, por outro lado, dessa omissão não adveio a retenção ou a recusa do recurso jurisdicional em qualquer das instâncias, recurso esse que sempre teria de ser admitido ao abrigo da alínea d) do n.º 3 do artigo 142.º do CPTA.
Portanto, ainda que omitida a fixação do valor da causa, não tem a mesma qualquer aptidão para prejudicar de modo efectivo o exame ou a decisão da causa, não se vendo, de igual modo, que a posição processual da ora Recorrente tivesse ficado afectada ou diminuída em consequência de tal irregularidade.
É o que basta, pois, para não se não reconhecer a clamada nulidade.
Avançando, a Recorrente aduziu uma nova nulidade com base na alínea c) do n.º 1 do artigo 87.º do CPTA, entendendo que o Tribunal a quo, antes mesmo de produzir a decisão recorrida, estava obrigado a proferir um despacho pré-saneador com vista à “junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias (…)”.
Resulta pacífico que o reivindicado despacho pré-saneador, enquanto decorrência do dever de gestão processual consagrado no artigo 7.º-A do CPTA, encontra-se previsto na tramitação processual preconizada para a acção administrativa e não no capítulo da tramitação construída para o processo cautelar.
Não decorre, por conseguinte, da conjugação entre os já referidos artigos 118.º, n.º 1, e 119.º, n.º 1, do CPTA, que o juiz tenha de, obrigatoriamente, emitir um despacho pré-saneador no processo cautelar, à semelhança do que se encontra previsto para a acção administrativa.
Ainda assim, não nos repugnando que o juiz deva usar o poder-dever de instrução na lide cautelar para determinar a junção de determinados documentos que repute necessários, o que se verifica no caso dos autos, porém, é que a Recorrente, em sede de conclusões recursivas, nem sequer identificou qual o concreto documento que deveria a 1.ª instância ter ordenado a junção aos autos em ordem a melhor apreciar a suscitada excepção dilatória.
De tal falta só pode a Recorrente queixar-se de si própria, o que, em todo o caso, impede que este tribunal de recurso possa considerar a valia da convocada nulidade, que, assim, se tem por não reconhecida.
Por fim, entende a Recorrente que a sentença é igualmente nula porque, na senda do acórdão deste mesmo TCAS, de 13/07/2023, que anulou a sentença de mérito proferida nestes autos e determinou o retorno do processo à 1.ª instância para análise das questões suscitadas pela ora Recorrente no requerimento que apresentara em 13/02/2023, deveria o Tribunal a quo pronunciar-se, primeiro, sobre cada uma das questões colocadas nesse requerimento de resposta à oposição do ora Recorrido e, só depois, estaria em condições de emitir a decisão ora sob recurso, ou seja, sobre a competência material do tribunal.
Em síntese, nesse requerimento de resposta à oposição, a ora Recorrente aduziu e requereu o seguinte:
i) seja o ICNF notificado / intimado pelo Douto Tribunal para vir aos autos juntar, nos termos do artigo 84.º do CPTA, o processo administrativo – devidamente organizado, numerado, rubricado, ordenado sequencialmente e com certificação de quantas folhas é o mesmo composto -, com a menção às cominações caso assim não proceda (nomeadamente a prevista no artigo 84.º, n.º 5 do CPTA);
ii) A ampliação do objeto do processo ao parecer e despacho, dos quais teve a Requerente conhecimento por via da oposição e processo administrativo junto pelo ICNF e a ampliação da causa de pedir, relativamente ao auto de embargo, por força da invalidade do parecer e despacho e auto de embargo em causa, decorrentes, também, dos factos supervenientes que foram dados a conhecer à Requerente, nomeadamente, com a oposição e processo instrutor, nos termos acima melhor elencados;
iii) Julgue improcedente a pretensa exceção de incompetência;
iv) Julgue PROCEDENTE a Providência Cautelar, determinado, em consequência, suspensão da eficácia dos atos em causa, seja auto de embargo, parecer e despacho;
v) Face à factualidade acima, nomeadamente, à posição do ICNF de que o auto pode incidir sobre exploração em atividade, e, podendo estar em causa a violação, do disposto no artigo 128.º do CPTA, requer-se ao Douto Tribunal que considere o que ora se invoca para os devidos efeitos legais e determine a adoção de todas as providências necessárias tendo em vista evitar que o ICNF viole a proibição de execução do auto de embargo e despacho e ponha em causa os direitos e interesses legalmente protegidos da Requerente, o que se requer;
vi) o Douto Tribunal intime o ICNF para vir aos autos juntar os pareceres favoráveis e favoráveis condicionados que emitiu quanto a projetos de plantação de abacateiros em Parques Naturais, nomeadamente, Parque Natural da Ria Formosa, que tem em sua posse, por tal permitir demonstrar, por um lado, quanto invocado pela Requerente e, por outro, a insanável contradição do ICNF.
Acontece que a 1.ª sentença foi anulada na íntegra, o que significa que o processo retornou à fase anterior à sua prolação, tudo se passando como se a sentença anulada nunca tivesse sido proferida, inclusive, a decisão tabelar que aí considerou o tribunal materialmente competente.
E consideramos, também, que a apreciação das supra elencadas questões (colocadas em articulado de resposta à oposição), à excepção do aproveitamento da pronúncia sobre a matéria exceptiva, só poderia ocorrer na circunstância de nada mais a tal obstar, ou seja, se não se intrometesse uma questão de competência material do tribunal.
Colocando-se, todavia, como se colocou, a temática da incompetência absoluta dos tribunais administrativos, em razão da matéria, para conhecer da presente causa, que é uma questão de ordem pública e de conhecimento precedente face a todas as demais questões (cf. artigo 13.º do CPTA), isso implica que o Tribunal a quo não cometeu qualquer omissão por ter quedado o seu julgamento pela predita excepção, sem extensão aos demais assuntos, porquanto, o remédio legal da absolvição da instância ou da remessa do processo ao tribunal competente a tal apreciação subsequente o desobrigava (cf. artigo 14.º, n.º 2, do CPTA).
É o suficiente, pois, para não se reconhecer a mencionada nulidade.
Vistas as arguidas nulidades, que não se reconhecem, é tempo agora de partir para a sindicância do alegado erro de julgamento sobre a excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais administrativos, em razão da matéria, para conhecer a presente lide.

b) Do alegado erro de julgamento
É tempo de sindicar a decisão recorrida no que concerne à sua temática central, ou seja, a verificação da excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais administrativos, em razão da matéria, para apreciarem o presente litígio.
No que realmente importa perscrutar, destacamos da decisão recorrida o seguinte excerto:
(…) Em 13 de Janeiro de 2023, a Requerente veio intentar neste Tribunal a presente acção pedindo a suspensão de eficácia do Auto de Embargo de 15 de Outubro de 2022 lavrada no decurso do processo de contra-ordenação nº 7-4256- 2022, bem como o decretamento provisório da providência.
Em cumprimento do douto Acórdão de 13 de Julho de 2023 proferido pelo Venerando TCA Sul, releva de entre as questões suscitadas no supra aludido requerimento de 13 de Fevereiro de 2023 a que a Entidade Requerida contrapôs, que as mesmas se prendem, designadamente, com o pedido de ampliação do objecto do processo, do indeferimento do pedido de incompetência deste Tribunal e de ser convocada a junção de documentos.
Ora, o regime que se circunscreve ao pedido e à causa de pedir dos autos é o estatuído quer no Decreto-Lei nº 142/2008, de 24 de Julho, que estabeleceu o regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade e revogou o Decreto-Lei nº 264/79, de 1 de Agosto, quer o Decreto-Lei nº 19/93, de 23 de Janeiro, como o da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto que aprovou a lei quadro das contra-ordenações ambientais.
Sufraga-se, a propósito, que sumaria o douto Acórdão do Tribunal dos Conflitos, Processo nº 031/17, de 26 de Outubro de 2017, in www.dgsi.pt, designadamente, que “II - Estando em causa a impugnação judicial de uma contra-ordenação ambiental prevista e sancionada pelas referidas disposições legais, a que a entidade administrativa aplicou uma coima no valor de € 6.000,00, a competência em razão da matéria para apreciar e decidir tal recurso cabe ao Tribunal da Jurisdição Comum e não ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
III - Com efeito, aos Tribunais Administrativos e Fiscais só é atribuída competência para apreciar e decidir as impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas, por contra-ordenação ambiental, caso o mesmo facto dê origem à aplicação, pela mesma entidade, de decisão por violação de normas do ordenamento do território, e/ou por contraordenação por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, v.g., as consagradas no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação. O que não constitui o caso sub judice”.
Não se integrando o dissídio em causa, que se consubstancia no conhecimento da impugnação judicial de acto da Administração Pública que no âmbito de ter desencadeado o processo de contra-ordenação nº 7-4256-2022, lavrou Auto de Suspensão à Requerente e, nessa medida, tendente a aplicar coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo, em matéria ambiental, na alínea l) do nº 1 do artº 4º do ETAF, verifica-se a incompetência dos Tribunais administrativos para conhecer da acção.
Aqui chegados, tudo visto e ponderado, tomando em consideração o pedido e a causa de pedir dos autos, conclui-se que este Tribunal não tem, pois, em razão da matéria, competência e medida de jurisdição para conhecer das questões que suscitam resolução na presente causa, em harmonia com o consignado nos nºs 1 e 2 e na alínea a) do nº 4 do artº 89º do CPTA.
Consequentemente, o demais solicitado no requerimento de 13 de Fevereiro de 2023 e o cotejado ulteriormente, não carece de ser apreciado nem decidido.
A incompetência do Tribunal constitui uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância.
***
. Decisão
Nestes termos, declara-se este Tribunal incompetente em razão da jurisdição e absolve-se a Entidade Requerida da instância.
Desde já se adianta que, embora com fundamentação não totalmente coincidente, a decisão recorrida deverá ser confirmada por este tribunal de recurso.
Vejamos porquê.
É consabido que a causa de pedir e o pedido determinam a competência do tribunal em razão da matéria, considerando-se que a causa de pedir, em síntese, constitui o facto jurídico concreto do qual procede a pretensão formulada.
Dito isto, importa frisar que, compulsado o requerimento inicial, a ora Recorrente pede, em suma, a adopção da providência cautelar de suspensão da eficácia do “auto de embargo de 15/10/2022”, que ordenou a paragem da actividade de plantação de abacateiros, contra o qual (ao auto de embargo), ao nível do “fumus boni iuris”, a Recorrente assacou um complexo de vícios de forma e de violação de lei, o que consubstancia a causa de pedir da invalidade que futuramente seria pedida em sede do respectivo processo principal, mais acoplando a ora Recorrente a tal requerimento cautelar os argumentos justificativos do “periculum in mora”.
Escalpelizado o pedido e a causa de pedir nos termos resumidamente expostos, diríamos que, numa análise menos profunda e que por aqui se ficasse, tenderíamos a concordar que, pedida uma singela providência cautelar de suspensão da eficácia de um aparente acto administrativo, os tribunais administrativos seriam os competentes em razão da matéria e a decisão recorrida teria cometido um erro de julgamento.
Mas não é assim tão simples, porquanto, a competência do tribunal também é determinada pela (indagação da) natureza da relação jurídica, como aludiu o acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 09/03/2022, prolatado no processo sob o n.º 010/21.4T9STR, disponível em www.dgsi.pt, cujo interesse para o caso dos autos mais adiante iremos explicitar, porque deveras esclarecedor.
Desde logo, dissemos aparente no que tange ao suposto acto administrativo, pois a enfatização da Recorrente em assim qualificar tal documento denuncia, precisamente, a fragilidade da sua pretensão, posto que, um auto de embargo não é, em si mesmo, o acto administrativo que determina ou ordena a suspensão de uma determinada intervenção ou actividade humana, mas a simples expressão formal ou a narração literal das circunstâncias de uma diligência que, no campo material dos factos, pretende dar execução prática a uma medida preventiva previamente decidida.
Seja como for, quer a emissão do auto de embargo contra o qual a Recorrente pretende a requerida medida cautelar, quer qualquer outra forma de actuação anterior ou posterior, não podem ser olhadas, atenta a sua génese, de forma isolada ou desgarrada face ao todo procedimental em que se mostram inseridas, nem podem ser desligadas da matéria que concretamente está em causa no caso dos autos, mormente, no que toca ao regime legal a partir do qual a Administração se mostra habilitada a praticar tais formalidades, actos ou diligências.
Não é questão despicienda saber se a génese do auto de embargo ou o seu enquadramento sistemático pertence a matéria de índole contraordenacional ou incluso em procedimento de contraordenação, pois que, no âmbito dos ilícitos de mera ordenação social, o ETAF, segundo disposto na sua alínea l) do n.º 1 do seu artigo 4.º, só admite que os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal possam apreciar os litígios que tenham a ver com as “impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo e do ilícito de mera ordenação social por violação de normas tributárias (destaques nossos).
Portanto, decorre do normativo imposto pelo n.º 1 do artigo 4.º do ETAF que os tribunais administrativos, em matéria de ilícitos de mera ordenação social, apenas são competentes para conhecer das impugnações de decisões da Administração que tenham a ver com a violação de normas urbanísticas ou tributárias, o que, desde já, indicia que foi clara a intenção do legislador em deixar de fora da jurisdição administrativa a apreciação de outros litígios que tenham por objecto quaisquer outras questões que se relacionem com distintos ilícitos de mera ordenação social, nomeadamente, os que se prendam com ilícitos em matéria ambiental ou de ordenamento do território.
Indaguemos, pois, o caso em apreço.
Face ao probatório atrás fixado, temos por assente que, em 17/10/2022 e em 19/10/2022, respectivamente, os serviços do ora Recorrido levantaram “AUTO DE NOTÍCIA/PARTICIPAÇÃO”, identificando em ambos os autos a ora Recorrente como a infractora, nos quais, relativamente aos dias 07/10/2022 e 14/10/2022, entre outra verificação, foi constatada e descrita a seguinte infracção: realização de trabalhos de instalação de abacateiros numa área de cerca de 2 hectares, inserida no domínio do zonamento do Plano de Ordenamento do PNRF e em Perímetro de Rega do Sotavento Algarvio.
Do mesmo probatório dimana que os autos de notícia supra identificados foram incorporados no processo de contraordenação sob o n.º 7-4256-2022, que passou a correr termos nos serviços do ora Recorrido.
Também resulta da mesma fixação factual que, em 15/10/2022, os serviços do ora Recorrido emitiram o AUTO DE EMBARGO n.º AE/01/2022, subscrito por Vigilante da Natureza, visando a notificação da ora Recorrente no sentido de que ficavam “embargadas todas as obras de plantação de abacates” (sublinhado nosso).
O probatório evidencia ainda que, pelo despacho de 18/10/2022 do Chefe da Divisão de Gestão Administrativa e Logística do Algarve do ora Recorrido, foi decidido determinar “o processamento da contraordenação supra referida, designando o instrutor abaixo identificado”.
Acresce dizer que, não menos importante, nos autos de notícia acima identificados, levantados por Vigilante da Natureza por supostas infracções detectadas nos dias 07/10/2022 e 14/10/2022 e alegadamente perpetradas pela ora Recorrente (instalação de abacateiros numa área de cerca de 2 hectares, inserida no domínio do zonamento do Plano de Ordenamento do PNRF [“Parque Natural da Ria Formosa”] e em Perímetro de Rega do Sotavento Algarvio), constam as seguintes referências legais:
Enquadramento legal
Normativo violado: alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 92/2019, de 10 de julho
Normativo sancionatório: alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (…).
Regime sancionatório
Coima Mínima:6000€ Coima Máxima:36000€(sublinhados nossos).
Veja-se, desde já, que a alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 92/2019, de 10 de Julho, diploma legal que aprovou o regime jurídico aplicável ao controlo, à detenção, à introdução na natureza e ao repovoamento de espécies exóticas e assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) n.º 1143/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2014, relativo à prevenção e gestão da introdução e propagação de espécies exóticas invasoras, determina que “É sujeita a licença a detenção, cultivo ou criação, por pessoas singulares ou coletivas, de espécimes de espécies exóticas para fins comerciais, científicos ou pedagógicos, nomeadamente em:
a) Jardins botânicos, estufas, viveiros, hortos, lojas de plantas, jardins e outras estruturas produtoras ou fornecedoras de materiais de multiplicação de plantas”.
Por seu turno, atente-se que a Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, estabelece o regime aplicável às contraordenações ambientais e do ordenamento do território, prevendo na alínea b) do n.º 2 do seu artigo 22.º que, no que respeita aos montantes das coimas, Às contraordenações leves correspondem as seguintes coimas:
(…)
b) Se praticadas por pessoas coletivas, de (euro) 2 000 a (euro) 18 000 em caso de negligência e de (euro) 6 000 a (euro) 36 000 em caso de dolo.
Ora bem, em face do supra explanado contexto procedimental, factual e legal em que se mostra produzido o auto de embargo ou até mesmo as demais formalidades, informações ou actos (incluindo o acto que eventualmente aplique a coima abstractamente anunciada nos autos de notícia levados ao probatório), tudo se conjuga para que possamos dizer sem qualquer margem para dúvidas que o presente litígio (e a causa principal, também) tem por objecto questões relativas ao âmbito de um ilícito de mera ordenação social em matéria de ambiente e de ordenamento do território, cristalinamente excluído do âmbito de conhecimento dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos do já citado n.º 1 do artigo 4.º do ETAF e da sua alínea l).
E mesmo que o embargo dos trabalhos de plantação de abacateiros e das respectivas estruturas físicas tendentes à sua implantação no terreno deva ser encarado como uma medida cautelar incidentalmente enxertada no processo de contraordenação, conforme hipótese plenamente preconizável no elenco das medidas cautelares inscritas nas alíneas a) a g) do n.º 1 do artigo 41.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, o inconformismo da ora Recorrente contra tal medida e o litígio que sobre a mesma emerja não a afasta de uma questão com origem em matéria de ilícito de mera ordenação social no domínio ambiental ou de ordenamento do território, excluída, na mesma, da jurisdição administrativa, pois que nesta, como vimos, só os litígios sobre ilícitos de mera ordenação social em matérias urbanística e tributária podem ser conhecidos, conforme o mencionado artigo 4.º, n.º 1, alínea l), do ETAF.
E se os acórdãos do Tribunal dos Conflitos são taxativos em considerar que as causas em que se aprecie a aplicação de norma constitutiva de contra-ordenação ambiental é da competência dos tribunais judiciais, como afirmou o acórdão de 23/03/2022, proferido no processo sob o n.º 038/21, consultável em www.dgsi.pt, que sumariou que “É da competência dos tribunais judiciais impugnação judicial na qual, no caso concreto, está em causa norma constitutiva da contra-ordenação que não se integra no conceito de matéria urbanística, antes constituindo uma contra-ordenação ambiental, cuja impugnação foi apresentada no Tribunal Judicial, e que está excluída do âmbito da alínea l) do nº 1 do art. 4º do ETAF.”, e ainda como decidiu o acórdão de 03/11/2020, tirado no processo sob o n.º 047/19, também verificável em www.dgsi.pt, do qual consta que “A norma constitutiva da contra-ordenação objecto dos presentes autos não se integra no conceito de matéria respeitante a urbanismo, é uma contra-ordenação ambiental, cuja impugnação foi apresentada no Tribunal Judicial de Setúbal.
Como salientou o acórdão de 21 de Março de 2019, do Tribunal dos Conflitos, proc. 037/18
“Sendo uma norma de cariz eminentemente ambiental está excluída do âmbito de actuação da alínea l) do n.° 4 do ETAF, na medida em que esta atribui à jurisdição administrativa a apreciação de impugnações de decisões judiciais que apliquem coimas por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo. Ora, como o direito do urbanismo é constituído pelo conjunto de normas e institutos jurídicos que, no quadro das directivas e orientações definidas pelo direito do ordenamento do território, se destinam a promover o desenvolvimento e a conservação cultural da urbe (Luís Filipe Colaço Antunes, “Direito Urbanístico - Um outro paradigma - a planificação modesto- situacional”, Livraria Almedina, 2002, páginas 68 e seguintes.) (figurando portanto como um desenvolvimento ou prolongamento do desenvolvimento do ordenamento do território), facilmente se constata que a norma que esteve na origem da aplicação da coima não tem qualquer ponto de contacto com esta matéria.”

O conhecimento/julgamento da norma contra-ordenacional objecto dos presentes autos, é pois da competência dos Tribunais de jurisdição comum, que não dos tribunais administrativos.”, não deixa o mesmo Tribunal dos Conflitos de ser igualmente assertivo ao decidir que, “Competindo aos tribunais comuns conhecer da impugnação judicial de sanções contra-ordenacionais de natureza ambiental, caber-lhes-á também a apreciação da impugnação das medidas cautelares relacionadas com a prática do respetivo ilícito contra-ordenacional (destaques nossos), conforme o decidido no acórdão prolatado no processo sob o n.º 010/21.4T9STR, disponível em www.dgsi.pt.
Neste particular conspecto, atenta a similitude das situações, pois que, em ambos os processos são abordadas providências cautelares, que demandam a mesma e uniforme solução, vale a pena transcrever do último acórdão acima referido os seguintes trechos:
(…) 4. No conjunto da organização judiciária, os tribunais judiciais têm competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição e n.º 1 do artigo 40º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto); a jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212º da Constituição e pelos artigos 1.º e 4º do respectivo. O que implica, em geral, que se comece por verificar se a causa de que se trate tem por objecto um pedido de resolução de um litígio “emergente” de “relações jurídicas administrativas e fiscais” (nº 2 do artigo 212º da Constituição, nº 1 do artigo 1º e artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
Nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea l), do ETAF (na redação resultante da Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro), compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a “Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo e do ilícito de mera ordenação social por violação de normas tributárias”.
Recorde-se que a competência se afere pela lei vigente à data da propositura da causa – n.º 1 do artigo 38.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e artigo 5.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
5. No caso dos autos, está em causa a impugnação de uma decisão administrativa que determinou a aplicação de medidas cautelares à impugnante, ao abrigo do disposto na al. g) do n.º 1 do artigo 41.º da Lei n.º 50/2006, de 28 de Agosto (Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais (LQCOA)), proferida no âmbito do processo contraordenacional NUI/MA/000006/20...., que atribui à autoridade administrativa a competência para a «g) Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma.”, quando tal se mostre “necessário para a instrução do processo de contraordenação ambiental ou quando estejam em causa a saúde, a segurança das pessoas e bens e o ambiente”.
O regime geral das contraordenações é subsidiariamente aplicável às “contraordenações ambientais e do ordenamento do território” (n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 50/2006).
Ora, resulta do disposto no n.º 1 do artigo 55.º, do n.º 1 do artigo 59.º e do artigo 61.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) que
“As decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do processo são susceptíveis de impugnação judicial por parte do arguido ou da pessoa contra as quais se dirigem” (n.º 1 do artigo 55.º), sendo competente para conhecer dessa impugnação o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infração.
(…)
Assim, considerando os factos enunciados no despacho impugnado e o processo no âmbito do qual foi proferido (procedimento contraordenacional NUI/MA/000006/20....),
estará em causa a eventual prática de uma contra-ordenação de natureza ambiental.
Consequentemente, não se tratando, nem da violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, nem de ilícito de mera ordenação social por violação de normas tributárias, fica afastada a previsão do art. 4.º, n.º 1, alínea l), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Desta forma, e em primeiro lugar, estando em causa matéria de ilícito de mera ordenação social, a competência para a apreciação da prática da infração compete à jurisdição comum, nos termos dos mencionados artigos 55.º, 59.º e 61.º do RGCO e 130.º, n.º 2, alínea d), da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto; em segundo lugar, considerando a ligação entre a decisão impugnada e a instrução de um processo de contraordenação ambiental, tem plena aplicação a orientação definida, por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Novembro de 2007, www.dgsi.pt, proc. n.º 0689/07. Segundo a qual A impugnação das medidas cautelares relacionadas com o ilícito contra-ordenacional tem de ser feita nos Tribunais comuns por serem estes os competentes para conhecer da aplicação de sanções contra ordenacionais e das medidas acessórias ou cautelares que lhe estão associadas (ponto I do respectivo sumário).
Mais recentemente, ainda que numa situação não exatamente similar, decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de Maio de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 0474/20.3BELLE :“(…) quer porque, como bem defende Licínio Lopes, a atribuição da competência aos tribunais administrativos outorgada pela atual alínea l) do nº 1 do art. 4º do ETAF não pode ser vista como apenas de “blocos”, “segmentos” ou “aspetos” parcelares do processo contraordenacional em matéria de urbanismo, quer porque a intimação para prestação de informações também se assume, materialmente, aqui, como uma reação à decisão da Administração no âmbito de tal processo, nos mesmos termos do que qualquer outra das referidas e abrangidas pelo art. 55º do DL nº 433/82, não há qualquer razão para, atribuindo aos tribunais administrativos a competência para a impugnação da decisão final aplicativa de coima, a competência para a sua execução e a competência, em geral, para sindicar quaisquer decisões, despachos e demais medidas tomadas ao longo desse processo contraordenacional, ficasse de fora apenas a competência para reagir contra uma alegada falta ou defeituosa prestação de informação devida.
Como salienta Licínio Lopes, também aqui resultaria incompreensível a solução de que o arguido, ou interessado, tivesse que se dirigir aos tribunais administrativos para sindicar, em geral, as decisões tomadas ao longo e no final do processo contraordenacional em causa, mas já tivesse que se dirigir aos tribunais comuns (designadamente, aos criminais, como defendido pelo Recorrente) para sindicar uma atitude ou decisão tomada no mesmo processo contraordenacional relativamente ao seu direito de informação ou de acesso aos autos. E, de todo o modo, sempre a solução resultaria contrária a uma interpretação conjugada dos arts. 4º nº 1 l) do ETAF e 55º nºs 1 e 3 e 61º nº 1 do DL nº 433/82.
Assim, seguindo a orientação perfilhada pelo citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Novembro de 2007, uma vez que a competência para conhecer da aplicação de sanções contra-ordenacionais compete aos Tribunais Comuns, caber-lhes-á também a apreciação da impugnação das medidas cautelares relacionadas com a prática do respetivo ilícito contra-ordenacional.
6. Nestes termos, decide-se que a competência para a apreciação da presente impugnação judicial compete aos Tribunais Judiciais; concretamente, ao Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Competência Genérica de Almeirim, dada a localização da eventual infracção em causa.(sublinhados nossos).
Por conseguinte, no mesmo sentido em que julgou o supra citado acórdão do Tribunal dos Conflitos e tendo presente, nomeadamente, a aplicação subsidiária do artigo 55.º, n.º 1, do RGCO, aqui consideramos que não tem viabilidade uma interpretação que leve a uma competência material repartida ou fragmentada, consoante se trate da impugnação de medidas cautelares (por ex., o embargo em matéria ambiental ou de ordenamento do território), da própria decisão aplicadora da coima ou até de outras decisões tomadas ao longo desse específico processo contraordenacional, obrigando o impugnante ora a dirigir-se aos tribunais administrativos, ora aos tribunais comuns, numa demanda errática que em nada abona em prol da unidade do sistema jurídico.
Por isso, faz todo o sentido que, atenta tal unicidade e por razões elementares de certeza e segurança jurídicas, qualquer impugnação judicial em matéria de processo contraordenacional ambiental ou de ordenamento do território deva ser apreciada por um único sistema jurisdicional, ou seja, no caso em apreço, pelos tribunais comuns.
De todo o exposto, só podemos concluir que, embora com diversa fundamentação, mostra-se isenta de erro de julgamento a decisão recorrida no aspecto em que, ao abrigo da alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, considerou o presente litígio excluído do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal e, como tal, o de julgar incompetentes os tribunais administrativos para a apreciação do mesmo, por serem competentes os tribunais da jurisdição comum.
E, ao invés do alegado pela Recorrente, ao efectivo julgamento que foi feito na decisão recorrida, de 06/11/2023, a propósito da excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais administrativos, em razão da matéria, não se opunha a circunstância do Tribunal a quo já se ter considerado materialmente competente aquando da prolação da decisão de 16/01/2023.
Explicitando.
Essa decisão mais remota não é mais do que o despacho liminar que teve em vista, entre outros objectivos, decidir o pedido de decretamento provisório da providência cautelar requerida, ao abrigo do n.º 1 do artigo 131.º do CPTA. Bem ou mal, tal decisão (de apreciação do decretamento provisório da providência), que nem sequer está aqui sob recurso, decidiu elaborar um saneamento tabelar dos autos, dizendo genericamente que o tribunal era competente em razão da matéria.
Acontece que tal asserção tabelar numa fase tão precoce do processo, meramente enunciativa, destituída de qualquer apreciação concreta sobre os pressupostos processuais, não faz caso julgado (nem material, nem formal) e não obsta a que a temática da competência material - que é de conhecimento oficioso (cf. artigo 13.º do CPTA) - possa vir, numa fase subsequente, a ser ponderada e fundamentadamente decidida pelo Tribunal a quo do modo como ocorreu no caso dos autos.
Tudo visto, embora com a presente fundamentação, impõe-se negar provimento ao recurso jurisdicional e, nessa medida, confirmar a decisão recorrida no que tange à incompetência absoluta dos tribunais administrativos, em razão da matéria, para conhecerem o presente litígio, por serem competentes os tribunais comuns.
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Custas a cargo da Recorrente – cf. artigos 527.º, n.º 1, do CPC, 1.º e 189.º do CPTA, 7.º, n.º 2, e 12.º, n.º 2, do RCP.
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Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:
A impugnação judicial dos despachos e de outras decisões, incluindo as relativas a medidas cautelares, tomadas pelas autoridades administrativas no decurso da tramitação do processo de contraordenação regido pela Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, aprovada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, está excluída do âmbito da jurisdição administrativa, atenta a exclusividade das impugnações judiciais preconizadas na alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, não competindo aos tribunais administrativos e fiscais, por conseguinte, a apreciação dos litígios que tenham por objecto tais questões (de génese ambiental ou de ordenamento do território), mas sim aos tribunais comuns.
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V - Decisão.
Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos acima enunciados.
Registe e notifique.
Lisboa, 16 de Outubro de 2024.
Marcelo Mendonça – (Relator)
Joana Costa e Nora – (1.ª Adjunta)
Lina Costa – (2.ª Adjunta)